O imperialismo é um conjunto de ideias, medidas e mecanismos que, sob determinação de um país, procuram efetivar políticas de expansão, domínio territorial, econômico ou cultural sobre outras regiões geográficas. Apesar do conceito de imperialismo, derivado de uma prática assente na teoria econômica, ter somente surgido no início do século XX, sua prática é recorrente ao longo dos séculos por muitas nações, civilizações e mais recentemente por Estados-nação.
Existem alguns países que possuem o imperialismo como elemento norteador de suas ações, um verdadeiro traço de suas personalidades como nação. Este elemento está claramente presente no pivot da Ásia, a Rússia, que ao longo dos séculos foi palco de políticas expansionistas. É possível identificar este elemento no domínio soviético em países da Ásia Central e do Leste da Europa, tornando-se suas repúblicas. Em tempos mais recentes, este elemento está presente na tentativa de domínio econômico, político e cultural dos mesmos países, agora independentes, atingindo seu ápice com a invasão territorial da Ucrânia ordenada pelo Kremlin.
O imperialismo também sempre foi presente na Ásia, seja na Mongólia, o maior império de terras contíguas da história, mas passando também pelo Império Khmer, atualmente o Camboja, pela ascensão do poderio nipônico na expansão e domínio do Japão pelo continente e mais recentemente em escala local e global pela China, que passou a ser governada pelo Partido Comunista desde a Guerra Civil que terminou em 1949, levando o antigo líder, Chiang Kai-shek, a viver no exílio, em uma ilha conhecida como Taiwan.
Assim como a Rússia, que ainda sente o gosto amargo do fim do império soviético, quando possuía duas dezenas de repúblicas, hoje países independentes, na sua esfera de influência e domínio, a China também custa a aceitar a realidade de que ao longo de décadas Taiwan se tornou um país independente. Pequim se expandiu para o Tibete e outras regiões da península asiática, porém jamais conseguiu controlar Taiwan, um desejo antigo que mexe com as placas tectônicas da geopolítica internacional.
Isso se explica porque Taiwan se tornou um país independente de fato e de direito ao longo dos anos, adotando todos os passos necessários para firmar-se como economia relevante, parceiro comercial confiável, uma democracia plena e centro vibrante na área de inovação e tecnologia, com índices altíssimos de educação. O país que produz hoje cerca 66% da produção mundial de chips, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC, possui em torno de si um chamado “escudo de silício” que o protege, uma vez que um abalo econômico causado por uma guerra na região seria algo devastador para a economia de todo o planeta.
O imperialismo tornou-se um risco no atual plano das relações internacionais, pois tem sido usado de forma sistemática por regimes antidemocráticos para consolidar e ampliar o poder de líderes autoritários. Os casos são vários e começam pelos aqui já citados, ou seja, pelo avanço da Rússia pela Ucrânia, das ameaças chinesas em direção a Taiwan, porém também nas ameaças da Venezuela à Guiana, do expansionismo iraniano no Oriente Médio, da instabilidade causada pela Coréia do Norte em direção ao Seoul. O gene do autoritarismo, uma prática que se tornou popular em tempos recentes, carrega consigo os riscos do imperialismo, colocando o mundo em situação cada vez mais instável e perigosa em tempos recentes.
“É muito bom discutir acordos tendo por trás de si uma esquadra com credibilidade”. A frase proferida há mais de um século por José Maria da Silva Paranhos Júnior, patrono da diplomacia brasileira, ressoa no Itamaraty e nas Forças Armadas. A constatação do Barão do Rio Branco serve de alerta às autoridades pátrias de que Estados precisam ser fortes para defender a paz, motivo pelo qual é preciso agir de forma concertada e tempestiva diante de um iminente conflito entre a Venezuela e a Guiana por Essequibo, região que representa aproximadamente 70% do território guianense. A disputa por Essequibo, área da Guiana rica em petróleo e minérios que margeia a fronteira com o território venezuelano, é o estopim de uma desavença que pode transbordar os limites de ambos os países e representar risco às fronteiras setentrionais do Brasil.
O polêmico atrito envolvendo o Essequibo remonta ao século XIX. A região fazia parte da chamada capitania geral da Venezuela, durante o domínio espanhol, e passou a integrar o novo país após a independência da Venezuela em 1811. Em 1814, a Holanda cedeu formalmente aos britânicos o controle da área que viria a ser a Guiana inglesa, mas o acordo não trazia uma definição acerca da fronteira ocidental com a Venezuela. Cerca de vinte anos depois, o governo britânico começou a delimitar essa região e reivindicou Essequibo, o que levou os venezuelanos a denunciarem o Império Britânico por violação a sua soberania. Em 1899, uma arbitragem internacional em Paris proferiu decisão majoritariamente favorável aos britânicos, porém o laudo arbitral foi considerado fraudulento pela Venezuela, porquanto envolvia dois árbitros britânicos, dois norte-americanos (sendo um deles indicado pela Venezuela) e um russo (indicado pelos quatro anteriores). Quando a Guiana conquistou sua independência, em 1966, Venezuela e Reino Unido assinaram um tratado no qual reconheceram a existência de uma controvérsia pendente. Essequibo ainda integra o território da Guiana, mas o governo de Caracas deseja resolver a controvérsia de forma unilateral, em proveito de seu país e à revelia do direito internacional.
A disputa pela cobiçada região do Essequibo ganhou novo capítulo com a realização, pelo presidente venezuelano Nicolás Maduro, de referendo popular acerca da anexação, pela Venezuela, daquela área rica em reservas petrolíferas. É provável que a deterioração das condições econômicas na Venezuela tenha instigado Maduro a apostar em uma disputa internacional com o objetivo de desviar a atenção dos problemas domésticos e fortalecer-se politicamente por meio do estímulo ao sentimento nacionalista entre os venezuelanos.
Na votação de 3 de dezembro, os eleitores aprovaram as propostas da consulta, que incluem a criação do “Estado de Guiana Essequiba” como parte do território da Venezuela, além de um plano para conceder cidadania venezuelana aos seus habitantes. Após o resultado favorável, Maduro apresentou o novo mapa daquele país, onde a área do Essequibo aparece anexada ao território venezuelano, e anunciou a criação de uma “Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba”. Ademais, um general do exército foi designado provisoriamente como a única autoridade daquela área.
A Guiana tem um exército de apenas 3,4 mil soldados, com infraestrura e equipamentos defasados e precários, ao passo que a Venezuela conta com mais de 120
mil militares na ativa, 220 mil paramilitares e equipamentos bélicos russos e chineses. Essa enorme disparidade militar provavelmente influenciou o cálculo estratégico de Nicolás Maduro e seu projeto de expansão. O episódio reforça a constatação de que, por mais estáveis que sejam as relações interestatais em tempos de paz, o poderio militar- estratégico de um país serve como um garante de sua soberania, atuando como mecanismo de contenção e dissuasão contra possíveis ações hostis por parte de nações estrangeiras. A vulnerabilidade bélica de um Estado, em contraste, pode incentivar a cobiça dos vizinhos. Trata-se de um desdobramento prático do brocardo “si vis pacem para bellum”.
O presidente Nicolás Maduro terá reunião bilateral com o presidente russo Vladimir Putin, em Moscou, com data ainda a ser definida. No encontro, o governo da Venezuela deve solicitar à Rússia apoio político e militar a sua reivindicação territorial. As relações Venezuela-Rússia fortaleceram-se nas últimas décadas, na esteira da oposição do governo dos EUA ao regime do ex-presidente Hugo Chávez e das sanções do governo americano ao país sul-americano. Os russos passaram a fornecer equipamentos militares modernos e a realizar exercícios militares conjuntos com a Venezuela, o que lhes permitiu estabelecer uma cabeça de ponte na América do Sul. A Rússia tem ocupado o vácuo de poder deixado pelos EUA no país e tem interesse em fortalecer alianças globais no contexto de recrudescimento da rivalidade com os norte-americanos causado pelas posições antagônicas na guerra na Ucrânia iniciada em 2022.
A histórica controvérsia envolvendo Essequibo havia sido enviada à Corte Internacional de Justiça (CIJ), o tribunal da ONU responsável por julgar disputas entre Estados nacionais, ainda em 2018. A Guiana chegou a pedir ao tribunal uma decisão cautelar de urgência para impedir a realização do referendo venezuelano. Em resposta, a Corte da Haia ordenou, na sexta-feira anterior à votação, que a Venezuela se abstivesse “de qualquer ação que altere a situação que prevalece no território em disputa, que a Guiana administra e controla”. No entanto, a CIJ não proibiu a realização do referendo, como pleiteavam os guianenses.
Diante de uma possível invasão e anexação venezuelana, o governo de Irfaan Ali, presidente da Guiana, vem intensificando gestões diplomáticas para tentar obter proteção. Além do apoio firme dos Estados Unidos, o governo da Guiana tem recorrido aos vizinhos sul-americanos e espera, sobretudo, uma postura de liderança do Brasil. O Brasil, que é uma potência regional e tradicionalmente consegue resolver problemas fronteiriços por meio de negociação e mediação, deveria exercer um papel importante na solução do conflito, por meio de sua diplomacia. O fato de ter fronteira com os dois países em litígio reforça a necessidade de o governo brasileiro exercer sua influência e liderar o caminho para a paz.
Urge não deixar que se chegue a uma situação mais grave, pois há claro interesse do governo venezuelano, imerso em difícil situação econômica, em realimentar a situação de tensão para usar a Guiana como inimigo externo e mobilizar a população, como já tem feito. A reunião entre os presidentes da Guiana e Venezuela prevista para breve seria uma boa oportunidade para o Brasil exercer a função moderadora que lhe cabe.
O Mercosul, por sua vez, demonstrou preocupação com a situação e emitiu comunicado conjunto no qual seus integrantes, além de Chile, Equador, Colômbia e Peru, manifestaram “profunda preocupação” com os desdobramentos da contenda entre
Venezuela e Guiana. O Brasil, que ocupa atualmente a presidência pro tempore do bloco, articulou politicamente a declaração dos países sul-americanos.
O conflito envolvendo Venezuela e a Guiana gera preocupação no Brasil, uma vez que a área em disputa se situa ao lado de Roraima, o que coloca em risco a integridade territorial brasileira. Como a região que liga a Venezuela a Essequibo é de densa floresta, uma possível intervenção militar da Venezuela contra a Guiana poderia ocorrer pelo norte (acesso pelo mar) ou pelo sul, atravessando o estado brasileiro de Roraima. A apreensão do governo brasileiro com uma possível transgressão fronteiriça, em violação de sua soberania, é intensificada pelo fato de que a invasão aconteceria em reserva indígena, a Raposa Serra do Sol, o que agrega complexidade política ao caso.
A tensão próxima a Roraima levou o exército brasileiro a reforçar as tropas naquele estado, com o envio de soldados e veículos blindados, elevando o número de militares no trabalho de patrulha e fiscalização na região de Pacaraima, município de Roraima mais próximo da Venezuela. Essa retaguarda militar é essencial enquanto o governo brasileiro exorta as partes em disputa a buscarem um deslinde pacífico para a questão.
Na cidade de Lisboa, capital de Portugal, há uma estátua que representa a diplomacia. Trata-se de uma figura feminina, com semblante sereno, que segura uma espada na mão esquerda e aponta uma pilha de livros e pergaminhos com a mão direita. O simbolismo da obra é perfeito para ilustrar o caso de Essequibo: o serviço exterior de um país deve orientar-se pelas normas do direito internacional e dos acordos pacíficos, porém não pode descuidar da garantia proveniente das armas para defender a justiça.
AlegoriaàDiplomacia,deMaximianoAlves(1888-1954).
A estátua localiza-se na Sala dasSessõesdo Palácio de SãoBento, sede do parlamento português em Lisboa, Portugal.
O mais novo capítulo do avanço das autocracias sobre as democracias começou a ser desenhado nas fronteiras brasileiras. Maduro, ditador da Venezuela, ameaça avançar sobre o território do país vizinho, a Guiana, uma nação autônoma, independente e com suas fronteiras reconhecidas internacionalmente. O foco de sua cobiça está além das terras vizinhas, ou melhor, naquilo que se esconde em seu subsolo: minérios e petróleo.
Hoje, a Guiana extrai cerca de 400 mil barris por dia. Se suas fronteiras continuarem como estão hoje, esse número pode superar 1 milhão em 2027. Segundo a Exxon, a sua reserva abriga 11 bilhões de barris de petróleo — o que posicionaria o país entre os 20 maiores do mundo. Como comparação, o Brasil tem 14,8 bilhões de barris em reservas comprovadas.
A economia da Guiana baseia-se no setor primário e os principais produtos agrícolas são cana-de-açúcar, mandioca, frutas e arroz. Porém tudo mudou com a descoberta de petróleo na região. Depois de iniciada a exploração o PIB per capita da Guiana triplicou. É o país que mais cresce no mundo. Em 2022, o PIB alcançou 14,52 bilhões de dólares. O FMI estima um crescimento de 38% para 2023.
Os números falam por si e explicam a cobiça da Venezuela sobre as riquezas do vizinho. A Venezuela, entretanto, é o país com as maiores reservas de petróleo do mundo. Porém, desde a tomada do poder pelo chavismo, a produção despencou com falta de investimentos, qualificação e êxodo da população para o exterior, o que levou a deterioração da infraestrutura e politização da indústria. A produção atual é de cerca de 750.000 a 800.000 barris por dia, ainda muito distante dos 3 milhões de barris por dia que faziam do país uma força global no mercado na década de 90.
A corrida pela exploração do petróleo começou em diversas partes do mundo como forma de aproveitar ainda a demanda em alta, uma vez que a transição energética deve atingir em cheio os preços em alguns anos. A Agência Internacional de Energia estima que o uso global do insumo deve ter crescimento mais lento nos próximos anos e atingir seu ápice até o final da década. Depois, deve vir uma queda, especialmente no uso como combustível, já que a adoção de carros elétricos avança em várias partes do mundo.
Ciente disso, Nicolás Maduro busca ampliar a exploração em seu país, autorizando inclusive empresas americanas a explorar o setor como aconteceu recentemente com a Chevron. Porém, 65% do petróleo venezuelano têm como destino a China, outro player interessado nos movimentos políticos de Caracas. Isto significa que a Venezuela jamais daria um passo ousado contra um país vizinho sem possuir respaldo de Pequim.
O argumento de Maduro para avançar sobre Essequibo, se baseia no argumento que o território lhe foi tirado em 1899 por uma sentença arbitral em Paris. Venezuela e Reino Unido (antigo detentor do território da Guiana) concordaram em respeitar o resultado, mediado à época pelos Estados Unidos. Hoje, depois da descoberta de petróleo, ouro, diamante e bauxita, o velho assunto volta à baila. Nada mais conveniente para Maduro, que assim busca unir o país diante de um pseudo-inimigo comum, fortalecer sua imagem e ainda pode ganhar mais uma reserva de petróleo em seu portfolio. Conveniente, porém ilegítimo, irresponsável e inconsequente.