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O que é um comportamento democrático

Enquanto não pararmos de querer classificar as forças políticas pelas ideologias confessadas por seus integrantes em vez de pelo comportamento praticado por eles, não esclareceremos nada. Para a democracia, não importa se alguém se diz conservador, liberal ou socialista. Importa muito, entretanto, se o seu comportamento é democrático ou populista, antipluralista e, consequentemente, iliberal.

Enquanto não pararmos de querer classificar as forças políticas pelas suas posições nos lados em confronto da política praticada como continuação de guerra por outros meios, não esclareceremos nada. Para a democracia, não importa se alguém se diz de esquerda ou de direita. Importa muito, entretanto, se o seu comportamento é democrático ou populista, antipluralista e, consequentemente, iliberal.

Enquanto não pararmos de querer classificar as forças políticas pelos rótulos de suas crenças ou visões de mundo, não esclareceremos nada. Para a democracia, não importa se alguém se diz social-democrata de esquerda ou centro-esquerda ou social-liberal de centro, centro-direita ou de direita. Importa muito, entretanto, se o seu comportamento é democrático ou populista, antipluralista e, consequentemente, iliberal.

Piora tudo, é claro, se quisermos dividir as forças políticas em progressistas x fascistas ou em comunistas globalistas x patriotas nacionalistas. É nesse lugar escuro, nesse pátio fétido da polarização, em que, infelizmente, nos encontramos.

Chegamos então ao centro da questão. O que é um comportamento democrático? Em primeiro lugar é um comportamento não-populista, pluralista e liberal (no sentido político do termo). Isso resumo (quase) tudo, mas precisa ser debulhado.

Democratas defendem – não importa se ditos conservadores, liberais ou socialistas; de esquerda (como Boric) ou de direita (como Lacalle Pou); social-democratas ou social-liberais – as seguintes ideias:

Liberdade de associação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa (existência de fontes alternativas de informação).

Proteção dos direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria (e, portanto, recusam o majoritarismo e o hegemonismo).

Eleições limpas e periódicas, sufrágio universal, governos e parlamentos eleitos.

Rotatividade ou alternância no governo (não apenas de pessoas, mas também de partidos ou forças políticas).

Cultura política pluralista, oposições políticas democráticas reconhecidas e valorizadas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime.

Publicidade ou transparência nos atos do governo (capaz de ensejar uma efetiva accountability).

Instituições estáveis, equilíbrio entre os poderes e sistemas atuantes e efetivos de freios e contrapesos.

Império da lei e judiciário independente (e auto contido em suas atribuições).

Forças armadas subordinadas ao poder civil.

A sociedade controla o governo e não o contrário (pois avaliam que a qualidade da democracia é medida pelos limites e condicionamentos impostos pela sociedade às instituições do Estado – o que pressupõe recusa ao estatismo).

Tudo bem como ideário. Mas como democratas se comportam, na prática?

Democratas se opõem e resistem a qualquer tirania (ditadura ou autocracia), seja dita de esquerda ou de direita, religiosa ou laica.

Democratas se opõem a governos antidemocráticos (mesmo quando governando em regimes democráticos) e a oposições antidemocráticas (que queiram não apenas mudar o governo, o que é legítimo, mas alterar a natureza do regime democrático ou substituí-lo por regimes não democráticos).

Democratas se opõem a governos, mesmo democráticos, dos quais discordam (pois sabem que a democracia funciona com situação democrática e oposição democrática e que, por isso, as oposições democráticas devem ser reconhecidas e valorizadas como fundamentais para o bom funcionamento de regime).

Democratas recusam a guerra (ou não praticam a política como continuação da guerra por outros meios): repudiam o antipluralismo, o majoritarismo, o hegemonismo e o “nós contra eles”, pois avaliam que política não é guerra e sim evitar a guerra.

Democratas atuam, fundamentalmente, no sentido de fermentar o processo de formação de uma opinião pública democrática; ou seja, não se dedicam a tentar converter todos os indivíduos de uma população em democratas – pois sabem que isso é impossível: nunca aconteceu no passado, não acontece hoje e não acontecerá no futuro, até porque não faz sentido – e sim a criar condições para que a interação das opiniões diversas e plurais que existem na sociedade tenha como resultante, por emergência, uma opinião pública (que não é a mesma coisa que a soma das opiniões privadas dos indivíduos) democrática. Nesse sentido, pode-se dizer que não são a massa, mas o fermento na massa.

Por que somos oposição democrática ao governo Lula

(Esboço de uma declaração de democratas não-populistas)

Antes de qualquer coisa, porque não concordamos com os populismos do século 21, seja com o populismo dito de esquerda (o neopopulismo de Chávez-Maduro, de Ortega, de Lourenço, de Evo, de Correa, de Lugo, de Funes, de Kirchner, de Petro, de Obrador e de Lula), seja com o populismo dito de direita ou de extrema-direita (o populismo-autoritário de Bannon, de Trump, de Orbán, de Erdogan, de Wilders, de Le Pen, de Farage, de Gauland, de Salvini, de Abascal, de Modi e de Bolsonaro).

Avaliamos que os populismos, ditos de esquerda ou de direita, são hoje os principais adversários da democracia liberal. A evidência mais flagrante disso é o alinhamento dos governos populistas (ditos de esquerda ou de direita) ao eixo autocrático (Rússia, Irã, Síria e outras ditaduras islâmicas – incluindo Hamas, Hezbollah, Jihad Islâmica e demais organizações terroristas – com o apoio dissimulado da China e, às vezes, da Índia).

Somos oposição democrática ao governo lulopetista porque é um governo neopopulista, não-liberal. Discordamos da oposição bolsonarista porque é uma oposição antidemocrática, iliberal.

Nos opomos ao governo Lula por razões políticas (democráticas), não por motivos extra-políticos que tenham a ver com tradições, costumes e valores ditos conservadores (mas muitas vezes reacionários, no caso dos bolsonaristas).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua posição de se alinhar às maiores autocracias do planeta contra as democracias liberais.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o seu relacionamento preferencial com ditaduras de esquerda (como Cuba, Venezuela, Nicarágua) e de não privilegiar as democracias liberais da América Latina (como Costa Rica, Chile e Uruguai).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o fato dele não apoiar a resistência ucraniana à invasão do ditador Putin.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o fato dele ser um articulador de um bloco composto majoritariamente por ditaduras (o BRICS), onde não figura nem uma democracia liberal.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com a sua visão geopolítica de um Sul Global em guerra fria contra o mundo livre (supostamente composto por países ricos, imperialistas e colonialistas).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o seu posicionamento objetivamente contrário à auto-defesa de Israel aos ataques da organização terrorista Hamas.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua desvalorização do papel de uma oposição democrática para o bom funcionamento do regime democrático e rejeitamos a prática de seus esbirros de chamar quem não é governista de fascista ou golpista e de fazer acusações sórdidas a quem critica ou não apoia o governo de querer a volta de Bolsonaro.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua prática de tomar a política como uma continuação da guerra por outros meios, dividindo a sociedade com uma única clivagem (povo x elites) e adotando a dinâmica do “nós” (o povo, quer dizer, os que seguem o líder) contra “eles” (as elites, ou seja, os que não aceitam se subordinar à hegemonia petista).

Nos opomos ao governo Lula porque rejeitamos o seu estatismo e defendemos as reformas de modernização do Estado promovidas na última década (incluindo a continuidade das privatizações) e o compromisso com as reformas futuras, com destaque para a administrativa e a política (com o fim da reeleição e a reforma partidária – visando a democratização interna dos partidos e o fim da partidocracia).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com a sua velha proposta petista de controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação, nem com a tentativa de incorporar grandes veículos de imprensa (escrita e televisiva) ao seu sistema de governança, criando um jornalismo chapa-branca, ameaçando e cancelando os profissionais independentes que não se conformam com essa interferência.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua estratégia de conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o objetivo de se delongar do governo (falsificando o critério da rotatividade democrática).