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Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal

Os pais de Anne Frank mudaram-se de Frankfurt para Amsterdã para fugir do ódio antissemita que tomava conta da Alemanha. A menina judia aprendeu a nova língua, fez novos amigos, frequentou a escola e levou uma vida relativamente tranquila até que, em 1940, os nazistas invadiram a Holanda.

Durante os dois anos em que permaneceu escondida no anexo secreto da empresa de seu pai, a menina registrou suas impressões em um diário que ganhou ao completar treze anos. Sua história, sabemos, não teve um final feliz. O diário de Anne Frank chegou até nós, mas a menina judia morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen, em 1945, aos quinze anos de idade.

Após a segunda guerra, o diário tornou-se conhecido em todo o mundo, sendo difundido principalmente em escolas, para adolescentes da idade dela, com o objetivo de conscientizar as novas gerações acerca do horror do holocausto.

Organizações e instituições de combate à violência, à intolerância e ao antissemitismo foram criadas sob a inspiração do seu nome. Memoriais se espalharam e monumentos foram construídos.

Um monumento é um símbolo, um signo. Uma sociedade que ergue um monumento em memória de uma vítima do holocausto está expressando seus valores, está dizendo que honra as vítimas, que não nega a história e que vigia contra o retorno ao passado sombrio. Em 2024, porém, a estátua de Anne Frank, em Amsterdã, foi duas vezes vandalizada.

Militantes “pró-Palestina” escreveram nela com tinta vermelha o slogan “Free Gaza”. Que tipo de valores subjacentes se fazem expressar por tal ato, também ele simbólico? Que tipo de modelo social defendem aqueles que clamam pela destruição de Israel, veem no Hamas uma legítima forma de resistência, honram a memória de terroristas e desonram a memória de uma menina judia morta em um campo de concentração nazista?

Revisionismo histórico e ódio ao Ocidente

Há uma ideia difusa na sociedade que precisa ser contida. Não por meio da força, apenas, porque a força é insuficiente para deter a propagação de ideias más.

É preciso refletir sobre o ponto principal de toda essa inversão de valores que fez com que o próprio holocausto fosse deturpado, passando a ser apresentado como um dentre tantos outros ataques contra minorias, quando se tratou fundamentalmente de uma tentativa de apagar a história judaica da face da terra, apagando o seu povo por meio do extermínio.

É o sentido histórico que o povo judeu carrega que está sendo combatido, pois o revisionismo requer que o historiador conceba os fatos não como o desenrolar no mundo de uma ideia divina, de uma revelação ou de um projeto pedagógico de emancipação espiritual, mas como uma luta sem trégua entre opressores e oprimidos, cuja redenção dependerá de uma solução política e não do triunfo do homem sobre si mesmo em busca de um reino que não é desse mundo.

O que se confronta e o que se tenta eliminar desde sempre não é apenas o povo judeu, mas aquilo que a sua história guarda, um sentido transcendente e sagrado, indispensável para a compreensão dos valores éticos e morais que nos moldaram e que, felizmente, ainda nos moldam.

Somos uma civilização socrático-platônico-judaico-cristã, como bem percebeu Nietzsche, que a confrontou com muito mais genialidade e elegância do que o fazem hoje esses jovens incultos e furiosos que vão às ruas com seus keffyehs cantando “From the River to the Sea, Palestine will be free” e erguendo cartazes “globalize the intifada.”

Sabe-se que os nazistas estabeleceram relações especiais com a irmandade muçulmana; hoje, porém, quem mantém esses laços estreitos são as entidades políticas de esquerda, fenômeno que tem sido chamado de islamoesquerdismo, espectro ideológico que responde pela quase totalidade dos ataques antissemitas dos dias atuais.

A aliança entre o fundamentalismo islâmico e a extrema esquerda é compreensível porque tem por base o ódio ao Ocidente e aos seus valores universais, cuja recusa abre caminho para a justificação da violência mais bestial.

Por outro lado, trata-se de uma aliança estúpida porque, cedo ou tarde, os aliados ocidentais serão submetidos à mesma violência que hoje justificam contra o suposto inimigo comum.

Pogrom em Amsterdã e culpabilização da vítima

Mas o que me motivou a começar esse texto citando Anne Frank foi o não tão inesperado Pogrom que ocorreu em Amsterdã, em 7 de novembro de 2024.

“Nós falhamos com a comunidade judaica dos países baixos durante a segunda guerra mundial e ontem falhamos novamente”, declarou Willem-Alexander, rei dos países baixos, um dia depois do ocorrido.

O que ocorreu nessa noite na mesma terra em que viveu a icônica menina judia? Multidões de migrantes muçulmanos do norte da África e do Oriente Médio que vivem na Holanda, junto com seus aliados progressistas “Pró-Palestina”, começaram uma caçada contra judeus israelenses, que estavam na capital holandesa para assistir a uma partida de futebol do time Maccabi Tel Aviv.

Torcedores foram emboscados, jogados em rios, atropelados por carros, espancados até ficarem inconscientes.

Como no dia 7 de outubro de 2023, muitos agressores filmaram o próprio ato, vangloriando-se da barbárie. Em um dos vídeos que vi, um jovem caído no chão levava vários chutes enquanto tentava se afastar rastejando e dizendo “eu não sou judeu”. Em outro vídeo, os agressores exigiam do agredido que dissesse “Palestina livre!”, em outro vídeo, ouve-se alguém do grupo agressor gritar “hoje vamos caçar judeus.”

Mesmo com todos esses vídeos, houve jornais que noticiaram o ocorrido como sendo uma simples confusão, mais uma briga de torcida. Houve quem se apressasse em dizer que alguns torcedores do Maccabi entoaram cânticos racistas e rasgaram uma bandeira da Palestina, logo…os judeus mereceram a violência de que foram vítimas.

A retórica ofensiva e inflamada contra o Estado de Israel, essa distorção da realidade que estamos acompanhando há décadas, essa perda progressiva de contato dos jovens com seus valores em instituições de ensino rendidas à hegemonia de um pensamento que transgride e destrói para nada de bom construir, toda essa repulsiva justificação da violência por motivações político-ideológicas já foi longe demais. É preciso dar uma basta nessa ignorância coletiva que facilmente se torna ódio coletivo e violência coletiva.

Pensamento crítico não é o pensamento do revoltado ou do revolucionário infantilizado e dementado por ideologias ruins. Pensamento crítico é aquele que vê as nuances de uma situação e que a julga com o repertório moral que lhe é próprio.

É preciso, pois, um repertório moral. É preciso saber distinguir o certo do errado, o moral do imoral e encarar com seriedade e honestidade os inúmeros dilemas éticos que se apresentam em tão conturbados dias.

Não há, porém, dilema ético algum entre condenar ou justificar o massacre contra civis israelenses em 7 de outubro de 2023; não há dilema ético nenhum entre condenar ou justificar o ataque contra torcedores israelenses em 7 de novembro de 2024. O que há é uma degradação moral do ser humano que os justifica.

A OTAN, a Rússia e a Ucrânia

Ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os Estados Unidos, que lideraram a aliança vitoriosa, empenharam-se em estabelecer políticas que, de um lado, consolidassem sua posição de liderança, e, de outro, que contivessem a União Soviética e o comunismo em expansão.

De início, assistiu-se a uma reversão das alianças: os países derrotados, que compunham o Eixo – composto por Alemanha, Itália e Japão –, foram cooptados pelos vencedores e aproximaram-se da coalizão que venceu a guerra. Para essa reversão das alianças, foi essencial o Plano Marshall, que, iniciado em 1948, forneceu recursos para a recuperação e a reconstrução dos países europeus atingidos pelo conflito. Os países derrotados foram desarmados e passaram a enfrentar fortes restrições ao desenvolvimento de suas forças armadas e de sua indústria bélica, não podendo mais ter ou fabricar armas ou equipamentos de ataque, mas apenas de caráter estritamente defensivo. Já em 1952, os países europeus participantes do Plano Marshall atingiram os níveis de produção do período anterior à Guerra, o que abriu caminho ao futuro mercado comum europeu1.

Esse progresso econômico, com forte ajuda das subvenções americanas, contribuiu para frear o avanço do comunismo na Europa Ocidental, onde os partidos de inclinação marxista aumentavam sua participação – a exemplo do que ocorria na Itália e na França. No entanto, no Centro e no Leste europeu o comunismo aumentava sua presença e foi-se formando um bloco de países comunistas, liderados pela União Soviética. O mundo dividia-se em dois campos antagônicos e consolidava-se o período da Guerra Fria, no qual os blocos rivais se digladiavam, disputando influência política, econômica, industrial e tecnológica. A corrida armamentista entre os dois polos acirrava-se continuamente. Tratava-se de um jogo de soma zero, no qual o ganho de um lado correspondia direta e simetricamente à perda do outro, e os líderes, os Estados Unidos e a União Soviética, impunham exigências de alinhamento e lealdade extremamente rígidas.

A expansão do comunismo, incentivada pela União Soviética, bem como pela China, sua aliada, atingia ou ameaçava países em várias partes do mundo, o que levou os Estados Unidos a empreenderem uma política de contenção, ou containment. Essa política deve muito de sua base teórica ao diplomata norte-americano George Kennan, que, em 1947, servindo em Moscou, redigiu o famoso long telegram , depois publicado na revista Foreign Affairs sob o pseudônimo “X”. Observe-se que a China, que se tornou comunista em 1949, era ainda um país subdesenvolvido, e o começo do seu crescimento econômico, tecnológico e militar data das décadas de 1970 e 1980. Assim, a principal preocupação dos EUA durante toda a Guerra Fria era a URSS, situação que perdurou até a derrocada da União Soviética no início da década de 1990.

Ao ter a estrutura estatal comunista desmontada, a então União Soviética, sucedida pela Rússia, viveu forte crise institucional, econômica e social. As poderosas forças militares soviéticas chegaram a ficar sem recursos para honrar os salários dos soldados, situação humilhante para uma antiga superpotência. A estrutura do bloco

soviético também ruiu. Os EUA poderiam então ter tentado atrair a Rússia para o sistema economico ocidental e buscar atrai-la também para valores e costumes ocidentais, pelos quais a juventude de então tinha fascinação.

Em 1949, formou-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, sob a égide dos Estados Unidos. Tratava-se de mecanismo regional de defesa coletiva: seu tratado constitutivo previa que um ataque a qualquer de seus membros seria considerado um ataque contra todos (capítulo 5 do tratado constitutivo); todos os demais membros, portanto, tinha a obrigação de repelir agressões bélicas contra qualquer de seus integrantes. A reação soviética e de seus aliados europeus à criação da OTAN foi a fundação, em 1955, do Pacto de Varsóvia, estrutura igualmente defensiva.

A OTAN perdeu seu objeto principal que era defender o Ocidente da União Soviética e da expansão do comunismo quando ocorreu o desmantelamento da URSS e o consequente fim do regime comunista entre seus aliados do Leste europeu. No entanto, o acordo atlântico foi mantido e expandiu-se dos 12 membros iniciais para os atuais 31, contando a Finlândia2 e a Suécia, que está em processo final de adesão. A expansão da OTAN foi um dos motivos alegados pelo Kremlin para a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, quando seria iminente a colocação de baterias de mísseis próximo à fronteira russa, em território ucraniano, e mesmo a adesão da Ucrânia à OTAN. A expansão da OTAN aumentou o sentimento de cerco da Rússia, que existe desde os tempos imperiais.

A OTAN tem sido crucial na defesa da Ucrânia por meio do fornecimento de armamentos e de informações, além do treinamento de tropas. O apoio dos países da OTAN tem permitido à Ucrânia resistir à invasão de uma potência que conta com forças muito superiores. A aliança atlântica, que se encontrava dividida antes da invasão, uniu-se contra a ameaça russa, movimento que não era esperado pelo governo do Kremlin.

As próximas eleições nos Estados Unidos serão importantes para definir os rumos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O governo anterior dos EUA caracterizou- se por críticas acerbas à Aliança Atlântica, alegando que o peso da defesa da Europa recaía principalmente sobre os norte-americanos. No caso de vitória dos Republicanos no sufrágio deste ano, é possível projetar que em um Governo Trump, se retomar sua política do primeiro mandato, haverá uma significativa diminuição do apoio dos EUA à Ucrânia, deixando a Europa responsável pela defesa ucraniana, o que desequilibraria a guerra a favor da Rússia.

Artigo Embaixador Marcio Florencio Nunes Cambraia em conjunto com o Cientista Político Marcio Rodrigo Penna Borges Nunes Cambraia.