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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Pescaria Ilegal Chinesa

O comércio internacional encontra um período de turbulentos desafios. O caminho pós-pandemia abrirá muitas oportunidades, ao mesmo tempo que fecha tradicionais rotas e fluxos comerciais. O Brasil, neste contexto, pode sair fortalecido, entretanto, neste tradicional xadrez seria interessante que nosso país diversificasse seus parceiros comerciais para evitar a dependência significativa de uma nação, como tem acontecido com a China.

A sinodependência comercial brasileira já se tornou uma realidade, ao mesmo que tempo que diversas outras nações do mundo seguem pelas mesmas águas. O fato é que isto cria uma dependência que vai além do comércio e deságua e no mundo político. Este é um fato que precisa ser repensado pelo Brasil, sob risco de perder controle estratégico em pontos nevrálgicos de sua soberania.

Um exemplo claro tem sido as frotas chinesas que avançam em águas internacionais e se aproximam perigosamente da costa de diversos países, entre eles o Brasil, para exercer uma questionável atividade pesqueira. Somente no último ano, estima-se que cerca de 1.000 navios de bandeira chinesa ou pertencentes a empresas do país estiveram exercendo a pesca nas costas do Atlântico Sul, causando prejuízos enormes para atividade pesquisa local.

Pequim possui uma necessidade enorme em abastecer seu mercado local, hoje de uma população de cerca de 1.4 bilhões. Para isso, importa alimentos do Brasil e de diversos outros países, mas precisa ir além, buscando métodos subsidiários de conseguir, especialmente em tempos de pandemia, suprir a demanda de seu imenso mercado local. As manobras navais em busca de alternativas têm sido um desses caminhos.

A prática internacional consiste em desabilitar o chamado “sistema de identificação automático” que é o mecanismo que garante a segurança marítima. Desabilitado, a segurança é menor, porém as frotas passam a navegar de forma incógnita nas costas marítimas, o que facilita a pesca fora dos limites legais. A ação é uma clara violação das leis marítimas internacionais que acabam por afetar a soberania nacional.

Diversas nações vêm se mobilizando para evitar a violação das costas nacionais por navios estrangeiros, um movimento que prejudica de forma sensível um vetor importante da economia que é a pesca. Em fevereiro deste ano, a Universidade Internacional da Florida sediou uma conferência sobre pesca ilegal e desautorizada nas costas internacionais, apontando os impactos globais e regionais desta atividade ilícita, bem como seu combate internacional que precisa ser reforçado.

Os impactos desta prática afetam a economia e vão muito além, atingindo o meio ambiente e também a segurança e soberania nacionais. Países como o Brasil, com uma imensa costa, precisam estar cientes que a patrulha naval atual é incapaz de prevenir avanços sobre nossos mares e uma ação mais efetiva precisa ser tomada, sob pena de vermos nosso país assistir suas riquezas e potencial econômico atacados por ações ilegais de países que inclusive são nossos parceiros comerciais.

Nesta semana foi divulgada pesquisa que mostra que o povo brasileiro não possui uma percepção boa sobre a China. Cerca de 44% dos brasileiros rejeitam o país asiático e somente 34% possuem uma visão favorável. Isto mostra em larga medida a ausência de identificação nacional com o regime de Pequim, que apesar de ser o maior parceiro comercial, ainda possui um enorme caminho para ganhar os corações e mentes dos brasileiros. Certamente a ação ilegal em nossos mares não favorece os chineses, que possuem dificuldade em lidar com sua imagem externa, especialmente diante de uma agenda unilateral e uma diplomacia impositiva, que agora avança também pelas costas de seus parceiros comerciais.

5G e Coronavírus: Insegurança Chinesa

A tecnologia 5G está no centro da disputa geopolítica e tecnológica que pode tomar contornos dramáticos com a crise sanitária iniciada em Wuhan. De um lado, a China, que trabalha de maneira intensa pela adoção de sua tecnologia em diversos países, sofreu um enorme revés diante da desconfiança pós-coronavírus. Do outro, os Estados Unidos, principal adversário comercial, assiste o derretimento chinês com distância regulamentar. Fato é que nenhum país poderá ficar indiferente a essa disputa e será cada vez mais difícil assumir posições intermediárias.

A razão é muito simples. Os Estados Unidos passarão a limitar a cooperação em áreas estratégicas, tais como defesa, inteligência e alta tecnologia nos casos em que a segurança de dados e informações sensíveis estiverem sujeitas à violação por parte de entes malignos com acesso às redes de 5G. Um argumento coerente que preserva suas posições estratégicas.

Países mais afoitos poderão optar pelo desenvolvimento rápido do 5G com base somente na qualidade e no preço de equipamentos e da tecnologia, sem levar em conta ameaças de segurança embutidas, contudo isso pode significar no longo prazo comprometer dados pessoais, segredos industriais e até o funcionamento de infraestruturas críticas também na área de segurança e defesa. Este é o chamado “risco chinês”.

É por esse motivo que os Estados Unidos possuem um ponto válido que precisa ser debatido e levado em consideração. Diferentemente de suas concorrentes ocidentais, que são companhias privadas com governança corporativa transparente, as empresas chinesas são apenas formalmente privadas. Na prática, seus dirigentes estão enredados na trama política do Partido-Estado, sendo impossível desvincular a Huawei, por exemplo, dos interesses estratégicos do partido comunista chinês.

Nesse contexto, é importante que o Brasil não comprometa as enormes possibilidades de cooperação com Washington, nosso aliado estratégico, em nome de uma visão puramente econômica. Não podemos nos contentar em comprar por valor de face eventuais compromissos de respeito aos parâmetros do processo competitivo por parte de empresas chinesas. Especialmente no mesmo momento que o investimento na China passou a ser repensado por largas corporações diante da falta de transparência governamental em face do coronavírus.

Sabemos que esses compromissos, na prática, são muito difíceis de monitorar, já que a tecnologia 5G pode muito bem conter “backdoors” e outros estratagemas para permitir acesso não autorizado à rede e a seu tráfego de dados. Ações de espionagem ou de ataque cibernético, em um mundo dominado pelo 5G, pode colocar em risco a vida de pessoas, já que será possível controlar equipamentos domésticos pela Internet das coisas, fazer cirurgias à distância, isso sem falar em seu papel também na administração de redes elétricas, barragens, portos, aeroportos e nos complexos militares.

Não é possível, nessa tecnologia, qualquer arremedo de solução intermediária, separando o centro (“core”) do sistema de sua periferia, já que a integração é total entre equipamentos e conexões. Para o Brasil, é importante implementar o 5G porque a competitividade de nossa economia e a eficiência de serviços públicos dependerão disso. Cabe ao nosso país tomar as medidas que entender necessárias para restringir ações indesejáveis sobre as redes de telecomunicações.

O desafio é implementar o 5G, mas não a qualquer custo. É implementar o 5G preservando nossa aliança estratégica com os Estados Unidos e outros países ocidentais, sem abrir um flanco que comprometa a segurança nacional. A crise internacional de confiança pela qual passa a China atualmente, impulsionada pela crise sanitária, torna-se emblemática neste cenário. O Brasil precisa trabalhar com parceiros democráticos reconhecidos pela transparência. Tampouco devemos ceder ao monopólio tecnológico chinês em troca de apoio no combate ao coronavírus, um movimento estratégico preocupante que tem circulado nos meios internacionais.

Apenas eliminando a presença de empresas que confundem-se com governos, como é o caso chinês, poderemos seguir adiante com a nova tecnologia sem aumentar potencialmente os riscos de perdas irreparáveis. Somente assim podemos preservar ao mesmo tempo as vantagens econômicas, políticas, estratégicas e de segurança derivadas de nossa integração no mundo Ocidental, regido pelo Estado de Direito, pela transparência e pelo compromisso com as liberdades individuais.