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’Terras Raras’ no Contencioso Comercial Estados Unidos/China

Cério (Ce), Disprósio (Dy), Érbio (Er), Escândio (Sc), Európio (Eu), Gadolínio (Gd), Hólmio (Ho), Itérbio (Yb), Ítrio (Y), Lantânio (La), Lutécio (Lu), Neodímio (Nd), Praseodímio (Pr), Promécio (PM), Samário (Sm), Térbio (Tb) e Túlio (Tm). Ao todo, dezessete são os elementos químicos popularmente conhecidos como terras raras, assim chamados porque dificilmente encontrados em grandes depósitos, mas, sim, misturados com outros elementos mais abundantes. Isso dificulta e encarece sua exploração comercial, muito embora sejam hoje as terras raras indispensáveis à fabricação de magnetos (ímãs) excepcionalmente potentes e duradouros, presentes em produtos de alta tecnologia com um sem-número de aplicações cotidianas: motores elétricos, turbinas eólicas, veículos elétricos, discos rígidos de computadores, sistemas de orientação de mísseis e aeronaves, baterias de telefones celulares, lâmpadas fluorescentes compactas, diodos emissores de luz (LEDs), amplificadores de sinais em linhas de fibra óptica (transporte de dados via internet e telefonemas de longa distância), lasers, câmaras digitais etc.

O contraste entre o valor de mercado das terras raras e o de outros materiais é um indicativo eloquente de sua preciosidade: enquanto um quilograma de minério de ferro custa por volta de 70 centavos, um quilo de neodímio ou de praseodímio pode valer até R$ 5.500!

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Como começou a dependência da humanidade ante as terras raras? Há cerca de 40 anos o cientista japonês Marato Sagawa inventou um magneto contendo neodímio. Essa invenção hoje serve de base para os superímãs industriais de hoje. Naquele tempo, o Japão era o maior produtor mundial de terras raras, mas os custos elevados para sua produção logo desanimaram os investidores privados. Para a China comunista, isso não era problema, e, assim, o governo planejou e executou um programa de prospecção, extração, refino e exportação que agora sustenta a primazia do país nesse setor altamente ‘sensível’. O ‘império do meio’ produz todos esses 17 elementos. A maior mina do mundo (Bayan Obo) se localiza no Norte da China, e sua produtividade é seguida de longe pelos depósitos de Mount Weld, na Austrália, e de Kavanefjeld, na Groenlândia, controlada pela Dinamarca, mas cujo potencial tem despertado a cobiçosa atenção do governo dos Estados Unidos….

A dependência japonesa em relação às terras raras chinesas ganhou a atenção mundial com um incidente naval. Em 2009, o Japão importava dos chineses 85% de sua necessidade desses elementos. No ano seguinte um barco de pesca chinês colidiu com uma patrulha da guarda costeira japonesa ao largo das ilhas Senkaku (ou Diaoyu, para a China), no Mar da China Oriental, arquipélago controlado por Tóquio e reivindicado por Pequim. O governo nipônico chegou a prender por um tempo o capitão do pesqueiro. A China retaliou reduzindo exportasse terras raras, processados pela indústria japonesa. Desde então, o Japão procurou diversificar seu leque de fornecedores. A maior iniciativa nesse sentido foi uma joint venture com a mineradora australiana Lynas Rare Earths, que, mesmo assim, resultou insuficiente para abalar o predomínio chinês. A Japan Organization for Metals and Energy Security (Jogmec) e a trading company Sojitz Corporation emprestaram 225 milhões de dólares, mas o projeto australiano não conseguiu assegurar volumes adequados de terras raras ‘pesadas’ (disprósio, érbio, Gadolínio, Hólmio, Itérbio, Lutécio, Térbio e Túlio), ainda menos comuns que as modalidades mais ‘leves’. Até o ano passado, os japoneses dependiam dos fornecimentos da China para suprir 70% de sua demanda por magnetos industriais para produtos eletrônicos, automóveis e armamentos. Depois daquele incidente marítimo de 2010, grandes mineradoras do Japão se associaram a fabricantes de magnetos na China, na esperança de evitar novas chantagens minerais. Um desses maiores empreendimentos conjuntos é a parceria, celebrada em 2013, entre a TDK, de Tóquio, e a estatal chinesa Rising Nonferrous Metals Share. 

Por sua vez, a União Europeia (UE) depende da China para 100% de suas necessidades de terras raras pesadas, enquanto os Estados Unidos importa dos chineses o equivalente a dois terços da sua demanda pelos 17 elementos.

Pequim frustra parcialmente o tarifaço de Trump – Bastou a ameaça do governo de Xi Jinping de reduzir drasticamente suas exportações de terras raras ao Ocidente, para que a administração Trump suspendesse as restrições ao acesso chinês a equipamentos sensíveis e de uso dual (civil e militar), como os semicondutores (chips) “H20” da Nvidia, atualmente a maior empresa dos Estados Unidos e do mundo, que fabrica esses componentes essenciais ao desenvolvimento dos modelos de inteligência artificial (IA) de última geração.

Quanto ao comércio bilateral propriamente dito, na hipótese de aplicação de todas as tarifas alfandegárias anunciadas por Trump desde março deste ano, as mercadorias chinesas serão gravadas em 145% ( tarifa punitiva pela exportação indiscriminada de fentanil [inicialmente de 10%, depois majorada para 20%] + tarifa “recíproca” de 10% + tarifa específica contra a China [115%]). O poder de barganha conferido aos chineses pelas terras raras explica a ‘trégua’ de maio último nas negociações bilaterais durante 90 dias. Essa trégua expira no dia 12 de agosto, quando se espera a celebração de novo acordo comercial entre os 2 países. Até o presente momento, as tarifas norte-americanas sobre produtos chineses em geral variam entre 30% e 50%. O valor supera aqueles negociados pela administração Trump com o Vietnã, o Japão e a Indonésia.

O mercado internacional de terras raras tem se comportado com extrema volatilidade durante esse período. Em junho último, o volume total exportado pela China caiu 38% em um ano. De maio de 2024 a maio de 2025, a queda foi ainda maior (74%). Em junho deste ano, a China vendeu ao mundo 3,2 milhões de quilos de terras raras, quase o triplo da quantidade exportada em maio (1,2 milhão de quilos), bem abaixo da média mensal de 2024: 4,8 milhões de quilos, depois de Pequim ter ordenado um alívio de alguns controles de exportações em troca da permissão norte-americana para a venda dos superchips aos chineses.

Para os Estados Unidos, as exportações de terras raras continuaram a cair drasticamente em junho (353 quilos, 52% a menos que no mesmo período de 2024). Em maio, essas vendas registraram um declínio ainda mais acentuado (93% a menos que em maio de 2024).

Mesmo com a recente trégua até 12 de agosto, as indústrias ocidentais reclamam não estar recebendo quantidade suficiente de magnetos, de vez que o processo burocrático de análise dos pedidos pela burocracia chinesa agora está levando semanas (as autoridades verificam ‘com lupa’ as aplicações declaradas pelos importadores). Paralelamente, Pequim intensificou sua vigilância a fim de evitar o contrabando. O Ministério do Comércio requisitou às mineradoras baseadas na China a entrega de listas de funcionários técnicos especializados, de modo a barrar o compartilhamento de segredos comerciais. E o Ministério da Segurança Estatal está acusando as agências de inteligência estrangeiras de furtar terras raras….


À espera da ‘mão visível’ do governo – Os empresários norte-americanos assinalam que o maior obstáculo à autossuficiência do seu país em terras raras são as montanhas de dólares necessárias para o desenvimento de projetos dedicados a obter uma quantidade relativamente pequena de matérias-primas e cujo prazo de maturação é, em média, de 10 anos. Os Estados Unidos possuem, sim, depósitos naturais desses elementos; o que falta é segurança para bancar essa aposta em um ramo amplamente dominado pela China. Esse poder de mercado que Pequim levou décadas para construir, no seu próprio território e também em outros países, desencoraja as mineradoras da América.

Mais recentemente, essas empresas se animaram com as restrições chinesas criando dificuldades para gigantes automobilísticos como a Ford, o que acendeu um sinal de perigo no governo Trump. As mineradoras esperam que isso, finalmente, estimule a União a dar-lhes uma ‘mãozinha’…. Alguns passos iniciais nesse sentido estão sendo dados. Um acordo entre o Pentágono e a firma MP Materials, de Nevada, prevê bilhões de dólares em empréstimos, um contrato de garantia de compra da produção e uma subscrição de ações que fará do Departamento de Defesa o sócio majoritário do empreendimento. A Ramaco, que extrai carvão no Kentucky, acaba de inaugurar sua mina de terras raras no Wyoming. As ações da American Rare Earths, com sede em Sydney, Austrália, dobraram de valor em uma semana graças ao anúncio de um contrato com o Eximbank dos Estados Unidos que poderá chegar a 456 milhões de dólares. A companhia agora espera que as autoridades estaduais do Wyoming acelerem o licenciamento para a entrada em operação da sua Cowboy State Mine — e que isso também apresse a decisão dos investidores privados a colocarem meio bilhão de dólares nesse projeto. (Levantamentos geológicos detectam que o sítio contém neodímio, praseodímio, disprósio e Térbio.


O problema é que a política do governo federal para o setor não tem demonstrado um histórico consistente. Os créditos fiscais da Lei de Redução da Inflação, sancionada pelo ex-presidente Joe Biden, começarão a expirar em 2030, como consequência da nova lei tributária e de gastos que Donald Trump acaba de assinar. Paralelamente, o manifesto desinteresse da atual administração Republicana na fabricação de veículos elétricos e em projetos de energia renovável lança novas incertezas no horizonte de longo prazo da demanda por terras raras. 

Parece que ainda por um bom tempo, no contexto da grande ‘recessão geopolítica’ atual, a China comunista continuará controlando o mercado internacional desses preciosos e raros elementos.

Tarifas e pressões: Brasil e um mundo convulsionado

O mundo está em rápida reacomodação de forças. O multilateralismo institucionalizado com sua previsibilidade de regras está rapidamente substituído por uma política internacional ainda não bem definida, em suas regras de funcionamento e por definição de baixa previsibilidade. E nesse contexto o Brasil está estrategicamente numa posição dividida entre os dois centros de poder global, nominalmente nossa maior fonte de Investimentos Estrangeiros Diretos, os Estados Unidos e nosso maior parceiro comercial a China.

A tradição diplomática brasileira é se mover com muita habilidade e muita discrição em períodos como esse, buscando maximizar o interesse nacional, um exemplo clássico dessa estratégia é a equidistância pragmática que o Brasil manteve durante os momentos iniciais da Segunda Guerra Mundial. E nesse momento os dois pólos de atração tentam influenciar o comportamento brasileiro, os Estados Unidos usando incentivos coercitivos aplicando tarifas às exportações brasileiras para os EUA e provavelmente uma série de restrições tecnológicas. A China por sua vez aproveita para aumentar sua participação em Investimentos Diretos no Brasil, sobretudo, com suas fabricantes de veículos elétricos e produtos eletrônicos.

Quando analisamos as questões internacionais não podemos ceder à tentação de ignorar que os decisores políticos são humanos, o que implica dizer que as decisões não são construídas com estratégias perfeitas e são afetadas por inúmeros fatores desde a qualidade e idoneidade das informações que embasam as decisões, passando pelas características de personalidade e visões de mundo dos decisores.

Goste-se ou não do presidente Lula é uma característica da atuação política uma facilidade para o diálogo e a capacidade de alternar entre os discursos inflamados e a negociação pragmática. Goste-se ou não do presidente Trump é uma característica desse, também a negociação a alternância entre o discurso inflamado e a busca por um acordo. São duas figuras capazes de inspirar a mesma medida que são polarizadores.

E não podemos ignorar o impacto das divisões internas causam na Política Externa Brasileira, não somente por que elementos da oposição ao governo ativamente buscam por sanções e tarifas a serem aplicadas ao Brasil, mas por que essas divisões também limitam o espaço de manobra do governo ao ter que fazer concessões aos setores mais confrontacionais de sua base de sustentação.

Nesse contexto, tanto a conjuntura de política interna dos dois países, quanto a personalidade dos líderes contribuem para um cenário que coloca em risco as relações estratégicas e na maior parte do tempo harmônicas entre Brasil e EUA. E trazem prejuízos que podem ser extremamente danosos à economia, sobretudo nos setores exportadores Há muito mais em risco do que as justificativas oficiais, como uma suposta preocupação com a qualidade da democracia brasileira que a despeito do que a oposição alardeia é muito mais ponto de pressão extra do que motivador dessa pressão coercitiva, no centro de tudo, está a disputa entre as grandes potências.

Estamos sendo puxados, mais uma vez, para romper a equidistância pragmática. Assim, a Política Externa Brasileira precisará ser nos próximos meses eficaz e serena, para navegar nesse mar bravio. A figura de linguagem de uma encruzilhada é uma imagem recorrente nas análises internacionais, mas isso não a faz menos didática, estamos numa encruzilhada com inúmeros caminhos possíveis. Serão capazes nossos líderes políticos de defender o interesse nacional acima de suas disputas político-eleitorais? Ou os interesses privados de pouquíssimos políticos trarão enormes prejuízos e desemprego para o Brasil? A ideologia vencerá o pragmatismo necessário para lidar com nações grandes, poderosas e aparentemente dispostas a usarem seu poder?