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O Brasil é dos Chineses

A recente negociação envolvendo a venda das minas de níquel da Anglo American para a MMG, subsidiária da estatal China Minmetals, escancara a vulnerabilidade do Brasil diante de investimentos estrangeiros que não apenas movimentam cifras bilionárias, mas tocam o coração da soberania nacional: o controle sobre recursos estratégicos. O negócio, avaliado em US$ 500 milhões, foi concretizado em condições que levantam fortes suspeitas. Outra interessada, a Corex Holding, ofereceu quase o dobro do valor — US$ 900 milhões — e mesmo assim foi preterida, em uma decisão que reforça a percepção de que a Anglo American priorizou interesses políticos e comerciais ligados à China, ainda que em detrimento da transparência e da competitividade.

O caso se torna ainda mais grave quando se analisam seus impactos sobre o mercado. Se confirmada, a transação entregará à MMG o controle de mais de 50% do mercado brasileiro de níquel, praticamente 100% do mercado nacional de ferro-níquel e cerca de 60% do mercado global. Estamos falando de um insumo central para a economia do futuro, essencial na produção de baterias, veículos elétricos e aço inoxidável. Ou seja, o Brasil corre o risco de se tornar conscientemente refém de uma potência estrangeira justamente em um setor estratégico para a transição energética e a indústria de ponta.

Esse episódio ilustra porque o Projeto de Lei 1051/2025, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos (CTIE) não é apenas necessário, mas urgente. A ausência de uma estrutura robusta de avaliação de investimentos abre espaço para que decisões de curto prazo comprometam o futuro da economia nacional. O CTIE teria a missão de filtrar operações que afetam diretamente a segurança nacional e a autonomia estratégica do país. Trata-se de mecanismo de defesa que países desenvolvidos já utilizam para conter a expansão predatória em setores sensíveis, prática comum entre os membros da OCDE.

Não se trata de xenofobia econômica, mas de realismo geopolítico. A China, por meio de suas estatais, persegue deliberadamente o controle de cadeias globais de suprimento de minerais críticos. A lógica é clara: quem domina os insumos controla os preços, define os prazos e estabelece condições comerciais e controle econômico. O Brasil, dono de vastas reservas minerais, assiste passivamente à entrega de seu patrimônio estratégico.

É simbólico que até o Instituto Americano do Ferro e do Aço busque pressão diplomática contra o acordo, denunciando a crescente ação global da China pelo controle dos minerais críticos. O país domina hoje o refino de minerais como níquel, cobalto e terras raras, mas ainda depende de minas no exterior para alimentar suas fundições. Por isso, corre para adquirir ativos estratégicos em diferentes continentes. 

A soberania nacional está além de manter fronteiras, mas também resguardar a capacidade de decidir sobre nossos recursos. Portanto, a venda das minas de níquel não é apenas um negócio isolado: é um alerta. Sem instrumentos institucionais como o CTIE, o Brasil segue vulnerável a operações que comprometem seu futuro. O PL 1051/25 surge como uma salvaguarda indispensável, garantindo que decisões estratégicas sobre setores críticos não sejam tomadas sob a lógica do oportunismo financeiro, mas sob o imperativo maior da soberania nacional. O governo diz que o Brasil é dos brasileiros, porém, a verdade é que, até o momento, o Brasil caminha para ser propriedade dos chineses.

Separar o joio do trigo nos investimentos estrangeiros

Mecanismos de Avaliação de Investimentos Estrangeiros com base em preocupações de Segurança Nacional, sempre existiram para as indústrias de material bélico e produtos químicos de uso duplo, ou seja, aqueles que têm um uso comercial legítimo mas também podem ser empregados em um cenário de guerra, nos últimos anos temos visto uma expansão das áreas e do mecanismos que visam realizar esse escrutínio desses investimentos estrangeiros.

Essa tendência parece contraditória se avaliarmos o contexto altamente competitivo da economia global em que atrair Investimentos Estrangeiros Diretos é uma diretiva comum das equipes econômicas da maioria dos países do mundo. E o motivo desse esforço de atração é simples de compreender, afinal investimentos diretos são investimentos de risco, isto é, investimentos na economia real (indústrias, fazendas, lojas, start-ups, etc.) que expandem a capacidade econômica dos países que o recebem gerando novas oportunidades de negócio, novos empregos e com impacto positivo no ambiente de negócios trazendo competição e inovação.

Apesar desses benefícios, há riscos para os países que recebem esses investimentos, principalmente quando eles representam o controle de empresas em setores sensíveis como transmissão e armazenamento de dados, infraestrutura sensíveis como água e energia, ou mesmo indústrias que gerem dados que possam ser usados com interesses contrários aos Interesses Nacional dos Estados.

Países que têm em vigor algum tipo de Instrumento de Avaliação de Investimentos Estrangeiros controlam mais da metade do fluxo anual de Investimentos em todo mundo e três quartos do estoque de investimentos, de acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UCTAD.

Os Instrumentos de Avaliação de Investimentos Estrangeiros – IAIE são arcabouços legais e institucionais que permitem a avaliação e controle dos fluxos de investimento com base na origem e no destino dos investimentos, sob a ótica da defesa nacional. Em 2015, essas medidas existiam em apenas três países, hoje estão nos códigos normativos de quarenta e um estados, mostrando a urgência que tem se dado ao tema no mundo.

Dentre os vários modelos instalados, o modelo francês apresenta uma inovação institucional interessante que é a oportunidade de controle legislativo dos processos de avaliação, por meio de relatórios anuais da autoridade estabelecida para realizar os procedimentos, essa supervisão de reguladores é passo importante para dar transparência a processos.

Esse processo visa autorizar ou negar a possibilidade de investimentos em setores estabelecidos na legislação que apresenta também uma série de remédios para permitir investimentos que vão desde a aceitação pelo investidor de não possuir controle das empresas até a venda de parte das operações consideradas sensíveis tanto pela tecnologia que utilizam, como pela importância atribuída a contínua inovação nesse setor. Outro quesito avaliado é garantir que o tipo de produto ofertado pela empresa alvo de investimento mantenha a produção em território francês. 

O modelo francês trabalha com uma série de prazos estabelecidos que levam em conta tempo para que os investidores possam apresentar a documentação e comprovações exigidas que levam em conta a necessidade de celeridade na efetivação de um investimento, ainda mais quando se fatora o custo-de-oportunidade que os atrasos provocam.

É interessante se manter uma economia aberta a recepção de Investimentos Estrangeiros, contudo, riscos à segurança nacional e a manutenção das democracias podem surgir de investimentos feitos em setores específicos ou que se originem de entidades como empresas estatais ou fundos soberanos. A avaliação desses investimentos é primordial para salvaguardar os interesses nacionais e a democracia e o assunto é pauta legislativa importante para ser debatida no Brasil, nossa segurança e bem-estar podem depender de sabermos separar o joio do trigo dos investimentos estrangeiros.