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Tarifas e pressões: Brasil e um mundo convulsionado

O mundo está em rápida reacomodação de forças. O multilateralismo institucionalizado com sua previsibilidade de regras está rapidamente substituído por uma política internacional ainda não bem definida, em suas regras de funcionamento e por definição de baixa previsibilidade. E nesse contexto o Brasil está estrategicamente numa posição dividida entre os dois centros de poder global, nominalmente nossa maior fonte de Investimentos Estrangeiros Diretos, os Estados Unidos e nosso maior parceiro comercial a China.

A tradição diplomática brasileira é se mover com muita habilidade e muita discrição em períodos como esse, buscando maximizar o interesse nacional, um exemplo clássico dessa estratégia é a equidistância pragmática que o Brasil manteve durante os momentos iniciais da Segunda Guerra Mundial. E nesse momento os dois pólos de atração tentam influenciar o comportamento brasileiro, os Estados Unidos usando incentivos coercitivos aplicando tarifas às exportações brasileiras para os EUA e provavelmente uma série de restrições tecnológicas. A China por sua vez aproveita para aumentar sua participação em Investimentos Diretos no Brasil, sobretudo, com suas fabricantes de veículos elétricos e produtos eletrônicos.

Quando analisamos as questões internacionais não podemos ceder à tentação de ignorar que os decisores políticos são humanos, o que implica dizer que as decisões não são construídas com estratégias perfeitas e são afetadas por inúmeros fatores desde a qualidade e idoneidade das informações que embasam as decisões, passando pelas características de personalidade e visões de mundo dos decisores.

Goste-se ou não do presidente Lula é uma característica da atuação política uma facilidade para o diálogo e a capacidade de alternar entre os discursos inflamados e a negociação pragmática. Goste-se ou não do presidente Trump é uma característica desse, também a negociação a alternância entre o discurso inflamado e a busca por um acordo. São duas figuras capazes de inspirar a mesma medida que são polarizadores.

E não podemos ignorar o impacto das divisões internas causam na Política Externa Brasileira, não somente por que elementos da oposição ao governo ativamente buscam por sanções e tarifas a serem aplicadas ao Brasil, mas por que essas divisões também limitam o espaço de manobra do governo ao ter que fazer concessões aos setores mais confrontacionais de sua base de sustentação.

Nesse contexto, tanto a conjuntura de política interna dos dois países, quanto a personalidade dos líderes contribuem para um cenário que coloca em risco as relações estratégicas e na maior parte do tempo harmônicas entre Brasil e EUA. E trazem prejuízos que podem ser extremamente danosos à economia, sobretudo nos setores exportadores Há muito mais em risco do que as justificativas oficiais, como uma suposta preocupação com a qualidade da democracia brasileira que a despeito do que a oposição alardeia é muito mais ponto de pressão extra do que motivador dessa pressão coercitiva, no centro de tudo, está a disputa entre as grandes potências.

Estamos sendo puxados, mais uma vez, para romper a equidistância pragmática. Assim, a Política Externa Brasileira precisará ser nos próximos meses eficaz e serena, para navegar nesse mar bravio. A figura de linguagem de uma encruzilhada é uma imagem recorrente nas análises internacionais, mas isso não a faz menos didática, estamos numa encruzilhada com inúmeros caminhos possíveis. Serão capazes nossos líderes políticos de defender o interesse nacional acima de suas disputas político-eleitorais? Ou os interesses privados de pouquíssimos políticos trarão enormes prejuízos e desemprego para o Brasil? A ideologia vencerá o pragmatismo necessário para lidar com nações grandes, poderosas e aparentemente dispostas a usarem seu poder?

Direita bolsotrumpista contra o Brasil e esquerda lulista contra o Ocidente

As relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos datam do início do século XIX, mais precisamente de 1824, quando os EUA se tornaram o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil, proclamada em 1822. Esse gesto foi importante e simbólico, marcando o início de uma longa relação bilateral.

De lá pra cá, com alguns percalços, os dois países seguiram por uma via de entendimento, mantendo relações cordiais e cooperativas de “amizade pragmática” ou “pragmatismo responsável.”

Pode-se afirmar que os Estados Unidos têm sido, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um dos parceiros mais importantes para o Brasil, especialmente nas áreas de segurança, investimento e cooperação estratégica – ainda que essa primazia tenha sido relativizada nas últimas décadas com a ascensão de novos parceiros, principalmente a China.

A parceria Brasil-EUA, construída ao longo de décadas, com base em interesses estratégicos, afinidades políticas e cooperação econômica, sofreu um desgaste acelerado em poucas semanas, devido às atitudes desastradas de líderes políticos de ambos os lados.

Demolir é sempre mais fácil do que edificar. Gestos imprudentes, declarações hostis e falta de senso diplomático têm corroído, em ritmo preocupante, uma longa e relevante relação bilateral.

A afrontosa investida de Trump contra o Brasil – com a tarifa de 50% sobre nossos produtos, a intromissão em questões da Justiça brasileira e a revogação de visto de vários ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – foi levada a cabo sob a justificativa de proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro, denunciado pela PGR e investigado pela Polícia Federal (PF).

Essa justificativa ideológica teve o condão de animar, no Brasil, a massa “bolsotrumpista”, comandada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que vem esticando a corda e trabalhando fervorosamente por um cenário de terra arrasada no seu país, do qual fugiu.

Apesar de Eduardo Bolsonaro se vangloriar de ter induzido Trump a tão contraproducente atitude, essa clara traição da Pátria não foi bem acolhida pela totalidade dos bolsonaristas.

Há entre eles mesmos uma percepção de que o tiro saiu pela culatra. Trump foi ao ponto de ameaçar o Pix e o comércio da Rua 25 de Março, duas paixões dos brasileiros; uma maluquice que claramente pode resultar em menos votos de patriotas para o time dos bolsonaros, em 2026.

Ruim para o bolsonarismo, bom para o lulopetismo. O governo Lula vinha mal e o presidente vinha com inclinação constantemente negativa nas pesquisas de opinião. O governo continua mal, porém, com a inesperada contribuição da estupidez bolsotrumpista, a popularidade do presidente melhorou.

Lula está se sentindo à vontade para radicalizar o mofado discurso “anti-imperialista” contra os EUA. 

Pouco importa os impactos da persistência nesse confronto desigual: o importante é capitalizar demagogicamente a questão. Cego aos interesses do povo brasileiro que diz defender, Lula mira tão somente a eleição, em outubro de 2026.

Em artigo anterior, escrevi que Jair Bolsonaro era apenas pretexto para os ataques de Trump ao Brasil, sendo a atuação de Lula no Brics o motivo de fundo.

No Brics, Lula fala muito, mas manda pouco; mesmo assim, açulado pelo seu séquito de fanáticos, vislumbra ser alçado a uma liderança compartilhada com Xi Jinping e Putin.

Do ponto de vista da democracia – construção civilizatória de origem ocidental, espalhada beneficamente por outros continentes – o Brics não é coisa boa. 

Para o Brasil, o clube dos autocratas antiocidentais prestou até agora apenas o desserviço de ensejar um confronto com o importante aliado de 200 anos.

Em editorial intitulado “Brasil paga a conta da imprudência de Lula”, o jornal O Estadão defendeu que o Brasil abandone o Brics; tendo, dentre outros severos alertas, afirmado o seguinte: “Sairá cara a decisão de Lula de alinhar o Brasil à China e à Rússia a pretexto de fortalecer o Brics contra os EUA de Trump”.

Lula está disposto a pagar o preço. Ou melhor, fazer o Brasil pagar. Sua decisão está tomada e ele há tempos atua como um agente das principais forças antiocidentais, antidemocráticas e anticivilizatórias da atualidade, a saber, Rússia, China e Irã. 

Em reunião no Chile, com mais quatro presidentes de esquerda, Lula afirmou que “A democracia liberal não foi capaz de responder aos anseios e necessidades contemporâneas”.

Feito o diagnóstico, ele insistiu na necessidade de “regulamentação das plataformas digitais”, “combate à desinformação” e uma governança digital global”. Isso, claro, para garantir a defesa daquilo que ele entende por democracia.

Ocorre que a mais perigosa ofensiva antidemocrática em curso no mundo hoje é a ofensiva militar e ideológica contra o Ocidente que, além das ações bélicas efetivas da Rússia na Ucrânia, contam com o apoio do palavrório pérfido e malicioso do presidente brasileiro.