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Grand Chelem

No automobilismo, alcançar um hat trick é uma tarefa árdua, tanto quanto rara: significa conquistar a pole position, fazer a volta mais rápida e vencer a prova. Porém, ao transferir este roteiro para a política, a vitória de Donald Trump na corrida presidencial se encaixa perfeitamente em algo que transcende este feito, definido como Grand Chelem, ou seja, a corrida perfeita: quando um piloto faz a pole-position, marca a melhor volta e vence a prova liderando de ponta a ponta. Foi exatamente aquilo alcançado por Trump neste ciclo eleitoral. Explico.

O candidato republicano foi muito além daquilo que era projetado pelas pesquisas. Sedimentou seu controle sobre o partido, moldando-o a sua imagem e semelhança, indo muito além 2016, quando sua vitória ainda era dividida com o establishment político. Ao obter uma vitória maiúscula de forma incontestável, alcança o controle absoluto do partido, tornando-o uma agremiação de viés trumpista, direcionado por suas políticas e ideias, algo que move o posicionamento dos pilares da política norte-americana.

O triunfo na candidatura presidencial, por si mesma, seria um grande feito, entretanto, a forma como ocorreu, com a manutenção do controle da Câmara de Representantes e uma virada no Senado, agora com superioridade incontestável, mostra que o recado das urnas foi contundente. Trump irá governar com maioria nas duas casas legislativas, além de uma sólida base conservadora na Suprema Corte, onde já indicou três nomes: Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett.

Como se não fosse o bastante, Trump ajudou a eleger oito governadores. Os Estados Unidos foram às urnas para eleger não só o novo presidente do país, mas também 11 novos governadores. Oito republicanos conseguiram o cargo, enquanto apenas três democratas foram eleitos. Atualmente, 27 Estados são governados pelo Partido Republicano e 23 pelo Partido Democrata.

Trump conseguiu desmontar o chamado Blue Wall, formado pelos estados de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, erguido pelos democratas desde o período de Bill Clinton. Apesar deste sólido bloco de estados democratas ter exibido rachaduras em 2016, foi reerguido por Biden em 2020. Em 2024 se desfez por completo. Trump venceu nos três estados, dois deles governados por democratas que sonharam estar no lugar de Kamala Harris nesta disputa: Gretchen Whitmer e Josh Shapiro.

Para além destes, Trump venceu na Carolina do Norte, Georgia, Arizona e Nevada, estados onde havia maior disputa, ou seja, o republicano venceu em todos os estados-pêndulo. O resultado não poderia ser diferente: 312 votos no colégio eleitoral contra 226 de Kamala Harris. Ganhou também no voto popular com 75 milhões de votos, 50,2%, uma diferença de 3 milhões para a democrata. É o melhor resultado para um republicano na disputa pela Casa Branca desde 1988.

Donald Trump assumirá o poder novamente com 78 anos e 7 meses, 2 meses mais velho que Biden em 2021. Sairá com 82 anos. Não poderá ser reeleito em 2028. A Constituição norte-americana proíbe mais de 2 mandatos, seguidos ou não. A luta pelo seu espólio político será um ponto central dos próximos anos, afinal todos sonham com um Grand Chelem como este alcançado por Trump para consolidar seu poder. O tamanho desta vitória é certamente a herança mais cobiçada deste mandato.

Sem Biden, democratas conseguirão derrotar Trump?

O Partido Democrata dos Estados Unidos enfrenta um de seus maiores desafios históricos com a saída de Joe Biden da corrida presidencial. Era inevitável, considerando as crescentes preocupações sobre a saúde mental do presidente, algo amplamente discutido até mesmo entre democratas e antigos membros de sua campanha.

Nos EUA, a saúde de quem ocupa cargos públicos é uma questão séria, diferentemente do Brasil, onde figuras doentes já foram eleitas sem grande polêmica. Biden demonstrou publicamente sinais de desgaste, gerando questionamentos contínuos sobre sua capacidade de governar por mais quatro anos. Sua decisão de não concorrer novamente preserva seu legado e contrasta com a postura comum de políticos populistas, que se veem como os únicos representantes legítimos do povo.

A carta de Biden, anunciando sua retirada, é um exemplo de política madura e responsável, colocando o partido acima de suas ambições pessoais. A provável candidata democrata agora é Kamala Harris, embora a decisão final dependa da convenção nacional do partido, que reúne cerca de quatro mil delegados. Nomes influentes, como Nancy Pelosi, já endossaram Harris, indicando uma forte tendência a seu favor, apesar de seu desempenho modesto nas primárias anteriores.

A situação coloca os democratas em um dilema. Trocar Biden por outro candidato pode ser visto como fraqueza, enquanto mantê-lo seria arriscado devido às suas questões de saúde. A principal questão é: os democratas conseguirão encontrar alguém capaz de derrotar Donald Trump?

Vale lembrar que, no sistema eleitoral dos EUA, a vitória depende dos votos por estado, e não do total nacional. Trump venceu Hillary Clinton em 2016, apesar de ter menos votos totais, devido à sua vantagem em estados conservadores. A tendência é que essa dinâmica se repita, com Trump levando a melhor nos estados menores e mais conservadores.

Kamala Harris representa um progressismo elitista que podeser problemático com os eleitores norte-americanos, diferentemente de Biden, que não está nessa ala ideológica. Esta eleição será um teste significativo para os democratas.

O mais importante, no entanto, é que transcorra com serenidade. É preciso que a democracia dos EUA se mostre forte apesar da polarização. O resultado terá implicações globais, especialmente considerando a ascensão de potências como China, Irã e Rússia. A democracia mundial observará atentamente, ciente de que qualquer retrocesso nos Estados Unidos pode ter consequências internacionais profundas.