Todos os posts de Mário Machado

Mário Machado

Sobre Mário Machado

Consultor em Relações Internacionais, com experiência na formulação e execução de política internacional e comércio internacional. Tendo participado de rodadas de negócios e negociações internacionais. Palestrante em eventos acadêmicos e corporativos. Com trabalhos publicados nas áreas de Relações Internacionais, Desenvolvimento Econômico, Macroeconomia e Economia Criativa. Mestre em Desenvolvimento Econômico e Estratégia Empresarial PPGDEE/UNIMONTES.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Expansão do BRICS e o Interesse Nacional

Em agosto, o BRICS bloco formado por Brasil, Índia, China e África do Sul realizou sua primeira rodada de expansão, em 13 anos de existência formal. Foram admitidos como novos membros Arábia Saudita, Irã, Etiópia, Egito, Argentina e Emirados Árabes Unidos.  Boa parte da cobertura da imprensa se focou na natureza institucional e política dos novos parceiros e em como a Política Externa dos Estados Unidos irá reagir à expansão da influência chinesa. Do ponto de vista brasileiro, servirá essa expansão para facilitar o alcance de objetivos nacionais como aumentar a participação brasileira no comércio internacional, dotar países em desenvolvimento de meios de influenciar a agenda internacional, criar um ambiente que favoreça o fluxo de investimentos?

Os números do novo Brics são relevantes uma vez que essas nações juntas representam, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, 29% do PIB Global, 46% da população mundial e 25% das exportações globais. Mas, os números frios não contam a história toda, boa parte da pujança econômica do bloco é liderada pela China. E nesse ponto reside um problema estratégico nesse momento de acirramento das relações bilaterais China e Estados Unidos.

O alargamento dos Brics, na prática, resulta na diluição da influência brasileira ao adicionar novos membros que têm uma relação de dependência econômica e política com a China, colocando suas vozes como alinhadas as do Governo Chinês. O que por sua vez cria embaraços a missão da diplomacia brasileira de ao mesmo tempo manter o fluxo de comercio e investimento com a China sem fechar a porta para o acordo MERCOSUL – União Européia, nem tampouco se fechar para investimentos com os EUA. Em troca de um eventual apoio chinês a expansão dos assentos permanentes no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e posições na estrutura burocrática permanente dos BRICS e do Novo Banco de Desenvolvimento.

Essa expansão pode ser vista como tentativa de criar alternativa ao EUA e instar reações que criem um ambiente de negócios global ainda mais conturbado, com sanções, embargos e tentativas de contenção de influência de lado a lado entre os gigantes globais. Para países como o Brasil, o mundo ideal passa pelo adensamento de acordos multilaterais tornando o comércio internacional mais previsível e assim com menores riscos para investidores e com mecanismos de resoluções de controvérsias menos desbalanceados por poder econômico e/ou militar. E, no memento, parece que caminhamos para o oposto disso.

A Política Externa é política pública e seu desenho deve balancear interesses estratégicos do Brasil, realidades impostas pela política internacional, tendo como norte sempre a consecução dos interesses nacionais, nos próximos meses veremos se o alargamento do Brics serve aos interesses nacionais ou nos colocamos em uma posição que fragilizou nossa voz no Concerto das Nações.

Invasão nada surpreendente

Mário Machado

As duras declarações de Vladimir Putin nas horas que antecederam a invasão russa ao território ucraniano pegaram muitos observadores casuais dos assuntos internacionais de surpresa pelo seu tom forte e pelo enfoque na identidade étnica que deslegitimaria a existência da Ucrânia como Estado-Nação independente.

O governo russo é fortemente influenciado pela doutrina do neo-eurasianismo que tem no influente cientista político e analista Alexander Dugin seu principal proponente. Em sua essência o neo-eurasianismo entende o mundo como um conflito entre terra e o mar, em outras palavras entre a potência militar do cento da Eurásia e a potência marítima, no caso os Estados Unidos da América. E que a Rússia deve expandir sua influência nas mega-regiões do mundo que são espaços civilizacionais que têm como base contextos étnicos.

Nessa visão de mundo os territórios ao redor da potência terrestre se tornam vitais e naturais pontos de embate, uma vez que essa teoria enxerga um mundo multipolar no qual as civilizações distintas para sobreviver devem resistir e criar alternativas para a chamada globalização liberal.

Isso explica a virulência com que o Estado russo reage a certas pautas sociais que considera ameaças existenciais como direitos civis para pessoas homossexuais ou qualquer forma de protesto mais ostensivo contra o governo.

No campo internacional, a consequência dessa ideologia é a percepção russa de que qualquer expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN seria uma ameaça ao espaço russo e controlar os territórios próximos a suas fronteiras é uma questão existencial.

Desse modo, não reconhecer o estado ucraniano como “natural” é consequência de enxergar o controle do espaço da antiga União Soviética como natural e necessário diante do excepcionalíssimo russo.

Está o Ocidente pronto para pagar o preço de permitir que o Kremlin haja com impunidade? Assistiremos impassíveis a agressão na Ucrânia? A Rússia é um ator racional do sistema internacional e tem agido diante de uma agenda estratégica e o mundo deve entender que a percepção de ameaça existencial muda o preço que a Rússia está disposta a pagar.