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Mário Machado

Sobre Mário Machado

Consultor em Relações Internacionais, com experiência na formulação e execução de política internacional e comércio internacional. Tendo participado de rodadas de negócios e negociações internacionais. Palestrante em eventos acadêmicos e corporativos. Com trabalhos publicados nas áreas de Relações Internacionais, Desenvolvimento Econômico, Macroeconomia e Economia Criativa. Mestre em Desenvolvimento Econômico e Estratégia Empresarial PPGDEE/UNIMONTES.

Máquinas de fazer Vilão

O cenário é o pior possível, perda em massa de vida, sequestros, violações, bombardeios e muitas outras atrocidades acontecendo desde o ataque, sem precedentes na história de Israel, pelo grupo terrorista Hamas ilustram os ensinamentos de Sun Tzu de que a guerra é caminho para a sobrevivência ou ruína do Estado.

Na análise das relações internacionais vários são os caminhos metodológicos e teóricos possíveis, o que acarreta em uma multiplicidade de vozes o que é salutar para que possamos desvendar os fenômenos internacionais da maneira mais completa possível, contudo, é preciso procurar se dispir de ilusões o que acontece em Israel não é um romântico levante de um povo oprimido, nem tão pouco a resistência heróica de um povo cercado, mas a confluência de vários interesses antagônicos, que por muitas vezes usam a causa palestina como desculpa, ou como chamamento populista.

Pelo lado Israelense o mesmo se faz usando os assentamentos e proteção aos colonos na Cisjordânia com tons populistas para minar a democracia israelense em torno de projetos pessoais de poder e consequentemente enfraquecendo a defesa de Israel.

O objetivo do Hamas é bem claro o extermínio do Estado de Israel. E qualquer cálculo que imagine que o Hamas tenha se institucionalizado no jogo político atenua esse objetivo veio a terra nas primeiras horas do dia sete de outubro, quando seus agentes se aproveitaram da enfraquecida defesa de Israel nas regiões próximas a Faixa de Gaza para lançar um ataque surpresa com foguetes e uma incursão por terra, que no momento que escrevo esse texto as forças de segurança de Israel ainda tentam repelir.

O Hamas age com extrema violência e crueldade, por que afinal é essa a essência de um grupo terrorista usar o terror para influenciar decisões políticas de seus adversários. E não há dificuldades para o Hamas radicalizar e recrutar jovens palestinos para sua causa com uma taxa de desemprego entre os jovens na Faixa de Gaza de 64% e PIB per capita menor que da Cisjordânia. Sem agir na prevenção da radicalização o estado de conflito permanente não será superado.

Nos últimos anos a diplomacia israelense tem trabalhado na busca por normalização de suas relações diplomáticas com atores chaves no Oriente Médio, como a Arábia Saudita, ainda que os dois países ainda estivessem longe de um acordo de normalização. A esperada reação forte de Israel ao ataque do Hamas vai complicar muito essa aproximação, a causa palestina é popular entre diversas correntes de opinião do mundo árabe o que diminui a margem de ação mesmo de regimes autocráticos.

O apoio do Irã ao Hamas se explica por afinidades ideológicas, afinal o tipo de Estado que o Hamas imagina para a palestina é parecido com a teocracia iraniana, mas também baseada nos objetivos políticos do Irã em sua disputa com a Arábia Saudita, desse modo, enfraquecer ou impedir a aliança de dois adversários estratégicos, sem ter que usar suas próprias forças é interessante para os lideres do país persa. O Irã mostra que tem uma capacidade de influenciar a opinião pública da região e boas relações com atores não-estatais importantes e como já está sob embargo e sofre limitações internacionais então eventuais sanções tem seu custo já realizado, minimizando o efeito de dissuasão de tais medidas.

O governo de Benjamin Netanyahu terá muito a explicar para sua população sobre as falhas de inteligência que ou não perceberam a movimentação para o ataque do dia sete, ou os alertas de segurança foram ignorados pelos atores políticos. O governo de Israel está sob muita pressão para recuperar os reféns feitos pelo Hamas. O que pode obrigar as forças de Israel a operar um ataque por solo, numa região de grande adensamento populacional, uma das piores hipóteses de emprego para qualquer força militar que a guerra urbana, contra uma força assimétrica, que diminui muito a vantagem em meios militares e tecnologia das Forças de Defesa de Israel, como os militares israelenses devem bem lembrar de sua prolongada e dolorosa campanha no Líbano. Além disso, Israel não pode descuidar de suas outras fronteiras como a com o Líbano onde o Hezbollah possui uma capacidade militar de causar problemas para Israel com ataques de foguetes.

O somatório de interesses de diversos Estados, ideologias transnacionais, derramamento de sangue, medo vingança e frustração de todos os lados geram a complexidade em diversos níveis da chamada “questão do oriente médio”, mas analisar os atores nacionais, regionais, globais em ação não nos pode fazer nunca perder a dimensão humana do que está a acontecer. Milhares de pessoas vão sofrer muito, milhares de família irão lamentar a falta de seus entes queridos por décadas vindouras e a guerra é, sobretudo, destruição. E não podemos num mundo tão endurecido deixar faltar solidariedade para com os que sofrem e não apenas os que sofrem do lado que temos simpatias ideológicas, ou os que apostam no radicalismo, na simplicidade de um mundo sem tons cinza, destruirão o humanismo que levamos séculos para construir.

Algumas perguntas ainda estão em aberto qual o objetivo estratégico de Israel para a Faixa de Gaza, em outras palavras quem governará Gaza? Qual o impacto de longo prazo da pressão popular pela causa palestina terá nos governos da região quase todos enfrentando problemas internos? Quanto tempo o regime de Teerã pode alimentar um intervencionismo no mundo árabe enquanto parcelas importantes de sua população deseja cada vez em mais alto som reforma ou mudança completa do regime?

O que temos certeza é que a paz só virá por meios políticos e não por vitórias militares e que tudo que acontece no solo, todos os ataques terroristas, as injustiças, as vidas ceifadas, são como diria Mano Brown “máquinas de fazer vilão”.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Expansão do BRICS e o Interesse Nacional

Em agosto, o BRICS bloco formado por Brasil, Índia, China e África do Sul realizou sua primeira rodada de expansão, em 13 anos de existência formal. Foram admitidos como novos membros Arábia Saudita, Irã, Etiópia, Egito, Argentina e Emirados Árabes Unidos.  Boa parte da cobertura da imprensa se focou na natureza institucional e política dos novos parceiros e em como a Política Externa dos Estados Unidos irá reagir à expansão da influência chinesa. Do ponto de vista brasileiro, servirá essa expansão para facilitar o alcance de objetivos nacionais como aumentar a participação brasileira no comércio internacional, dotar países em desenvolvimento de meios de influenciar a agenda internacional, criar um ambiente que favoreça o fluxo de investimentos?

Os números do novo Brics são relevantes uma vez que essas nações juntas representam, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, 29% do PIB Global, 46% da população mundial e 25% das exportações globais. Mas, os números frios não contam a história toda, boa parte da pujança econômica do bloco é liderada pela China. E nesse ponto reside um problema estratégico nesse momento de acirramento das relações bilaterais China e Estados Unidos.

O alargamento dos Brics, na prática, resulta na diluição da influência brasileira ao adicionar novos membros que têm uma relação de dependência econômica e política com a China, colocando suas vozes como alinhadas as do Governo Chinês. O que por sua vez cria embaraços a missão da diplomacia brasileira de ao mesmo tempo manter o fluxo de comercio e investimento com a China sem fechar a porta para o acordo MERCOSUL – União Européia, nem tampouco se fechar para investimentos com os EUA. Em troca de um eventual apoio chinês a expansão dos assentos permanentes no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e posições na estrutura burocrática permanente dos BRICS e do Novo Banco de Desenvolvimento.

Essa expansão pode ser vista como tentativa de criar alternativa ao EUA e instar reações que criem um ambiente de negócios global ainda mais conturbado, com sanções, embargos e tentativas de contenção de influência de lado a lado entre os gigantes globais. Para países como o Brasil, o mundo ideal passa pelo adensamento de acordos multilaterais tornando o comércio internacional mais previsível e assim com menores riscos para investidores e com mecanismos de resoluções de controvérsias menos desbalanceados por poder econômico e/ou militar. E, no memento, parece que caminhamos para o oposto disso.

A Política Externa é política pública e seu desenho deve balancear interesses estratégicos do Brasil, realidades impostas pela política internacional, tendo como norte sempre a consecução dos interesses nacionais, nos próximos meses veremos se o alargamento do Brics serve aos interesses nacionais ou nos colocamos em uma posição que fragilizou nossa voz no Concerto das Nações.

Invasão nada surpreendente

Mário Machado

As duras declarações de Vladimir Putin nas horas que antecederam a invasão russa ao território ucraniano pegaram muitos observadores casuais dos assuntos internacionais de surpresa pelo seu tom forte e pelo enfoque na identidade étnica que deslegitimaria a existência da Ucrânia como Estado-Nação independente.

O governo russo é fortemente influenciado pela doutrina do neo-eurasianismo que tem no influente cientista político e analista Alexander Dugin seu principal proponente. Em sua essência o neo-eurasianismo entende o mundo como um conflito entre terra e o mar, em outras palavras entre a potência militar do cento da Eurásia e a potência marítima, no caso os Estados Unidos da América. E que a Rússia deve expandir sua influência nas mega-regiões do mundo que são espaços civilizacionais que têm como base contextos étnicos.

Nessa visão de mundo os territórios ao redor da potência terrestre se tornam vitais e naturais pontos de embate, uma vez que essa teoria enxerga um mundo multipolar no qual as civilizações distintas para sobreviver devem resistir e criar alternativas para a chamada globalização liberal.

Isso explica a virulência com que o Estado russo reage a certas pautas sociais que considera ameaças existenciais como direitos civis para pessoas homossexuais ou qualquer forma de protesto mais ostensivo contra o governo.

No campo internacional, a consequência dessa ideologia é a percepção russa de que qualquer expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN seria uma ameaça ao espaço russo e controlar os territórios próximos a suas fronteiras é uma questão existencial.

Desse modo, não reconhecer o estado ucraniano como “natural” é consequência de enxergar o controle do espaço da antiga União Soviética como natural e necessário diante do excepcionalíssimo russo.

Está o Ocidente pronto para pagar o preço de permitir que o Kremlin haja com impunidade? Assistiremos impassíveis a agressão na Ucrânia? A Rússia é um ator racional do sistema internacional e tem agido diante de uma agenda estratégica e o mundo deve entender que a percepção de ameaça existencial muda o preço que a Rússia está disposta a pagar.