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As Garras da América

A águia foi escolhida como o símbolo oficial dos Estados Unidos por representar valores como liberdade, coragem, resiliência e determinação. Incluída no selo do país em 1776, tornou-se icônica, simbolizando orgulho e força. Suas garras representam sua arma mais poderosa, usadas tanto como instrumento de ataque, como de defesa.

“A Era de ouro da América começa agora”, pontuou Donald Trump, na abertura de seu discurso durante o triunfal retorno a Washington depois de quatro anos. Estamos diante de um Presidente que buscará exercer seu poder sem rodeios ou necessidade de aprovação. Esta sempre foi sua postura como empresário e como mandatário em seu primeiro mandato. Neste que, constitucionalmente deve ser o último, não hesitará em impor sua doutrina e atitude, que consiste na reforma dos mecanismos internos do país e na mudança de postura na frente internacional.

Veremos os Estados Unidos usarem efetivamente seu peso e poder ao redor do mundo. Ao contrário do Presidente Theodore Roosevelt, que assumiu publicamente a postura estratégica de “falar com suavidade e ter à mão um grande porrete”, a política do big stick, Donald Trump deve falar com assertividade e deixar claro que carrega centenas de porretes à sua disposição, algo que faz enorme sentido diante dos contornos políticos internacionais conhecidos de nosso tempo.

As primeiras incursões de sua política, sinalizadas antes da posse, já produziram uma série de resultados efetivos. Diante do fato de que a China tem usado a costa da Groenlândia para facilitar seu transporte de cargas, Trump lançou a ideia de compra do território. Resultado efetivo: o governo de Copenhague propôs o aumento de bases americanas na Groenlândia como forma de cessar as iniciativas de compra do território. Ponto para ele.

A negociação do cessar-fogo e retorno dos reféns para Israel foi negociado por Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio. Trump mete medo no Hamas e Netanyahu sabe que precisa do seu apoio. O resultado foi o acordo. Mais um ponto para o novo Presidente americano. Na Europa, em discurso a militares, Macron pediu ao continente para “acordar” e gastar mais com defesa. A fala veio depois de Trump pedir a países da Otan que elevassem os gastos militares para 5% do PIB. Os americanos hoje pagam grande parte deste custo. A Europa deve ceder. Mais um ponto para Trump.

Fato é que a simples sinalização da mudança de postura dos americanos já começou a movimentar as peças do tabuleiro no cenário internacional. A reação dos Estados Unidos chega em um momento crucial, especialmente diante da postura imperial de uma Rússia disposta a invadir seus vizinhos e uma China que se sentia livre para exercer seu poder e influência em diferentes pontos do planeta, seja pela compra de apoio e subserviência por meio da Nova Rota da Seda, seja pela imposição militar.

A reintrodução de uma América forte neste jogo, pautado atualmente pelos fenômenos do imperialismo e da desglobalização, é essencial para reequilibrar as forças no xadrez internacional. As garras de Washington nunca foram tão necessárias em um cenário que envolve atores dispostos a patrocinar a instabilidade internacional. A conferir.   

Trump e a doutrina da ferocidade com propósito

A posse de Donald Trump na tarde desta segunda-feira (20) marca uma mudança completa no desenho político dos Estados Unidos. Ele retorna ao poder anabolizado por uma contundente vitória eleitoral num contexto que, 4 anos atrás, era tido como impossível. Havia, afinal, perdido a reeleição para Joe Biden. Mas, ao contrário do que poderia se supor (e do que desejavam seus inimigos), não aceitou a resignação, e desde o primeiro dia trabalhou na construção de uma volta por cima. Mas talvez nem ele imaginasse que seu retorno seria tão triunfal. O maior da história do país.

O novo presidente americano não venceu apenas no voto popular e no Colégio Eleitoral. Fez maioria da Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Seu partido também elegeu a maior parte dos governadores e dos representantes dos legislativos estaduais. É o que na América se chama de landslide. Os republicanos não tinham um desempenho desses desde Ronald Reagan e sua primavera conservadora, lá nos anos de 1980.

Antes mesmo de assumir, Trump já trazia a reboque duas vitórias políticas, ambas de impacto global. A primeira delas, a mudança na política de moderação de conteúdos da Meta, big tech de propriedade do bilionário Mark Zuckerberg. “Assinarei um decreto para imediatamente por fim à censura governamental e trazer de volta a liberdade de expressão para a América”, disse depois de empossado e no mesmo recinto em que estavam Zuckerberg e outros magnatas das novas tecnologias.

Enquanto tomava posse no Capitólio, outro feito prévio de Trump se concretizava no Oriente Médio, com o cessar-fogo costurado entre o grupo terrorista Hamas e o Estado de Israel viabilizava a entrega dos reféns retidos em Gaza desde meados de 2023. A costura geopolítica, envolvendo autoridades árabes e o governo de Benjamin Netanyahu, só se concretizou pela ação firme do novo governo americano. A negociação, é verdade, já vinha desde de maio, mas não chegava a uma conclusão exatamente porque Joe Biden não era respeitado e nem temido. Disposto a obter um resultado antes de começar o mandato, Trump despachou para a região o empresário Steve Witkoff. A aposta foi certeira.

Trump não é um leitor voraz de ciência política e de filosofia. Não é capaz, por exemplo, de fazer uma análise da história de seu próprio partido ou de quais pensadores influenciaram na sua formação. É um empresário que negocia com a faca nos dentes e pensa permanentemente na obtenção de resultados. É a doutrina da ferocidade com propósito. Essa é a linha de ação será devolvida para a Casa Branca. É tolo, portanto, especular em tom de dúvidas sobre como Trump governará os EUA. Ele já ocupou o posto.

Já no primeiro dia de governo, o novo presidente assinou dezenas de decretos reposicionando os EUA no cenário global. Também distribuiu recados e deixou claro que usará todo o poderio militar e econômico norte-americano para alcançar seus objetivos internos e geopolíticos. A diferença é que agora, muito diferente de 2016, quando chegou ao poder pela primeira vez, Trump sabe onde está e como fazer.

Máquinas de fazer Vilão

O cenário é o pior possível, perda em massa de vida, sequestros, violações, bombardeios e muitas outras atrocidades acontecendo desde o ataque, sem precedentes na história de Israel, pelo grupo terrorista Hamas ilustram os ensinamentos de Sun Tzu de que a guerra é caminho para a sobrevivência ou ruína do Estado.

Na análise das relações internacionais vários são os caminhos metodológicos e teóricos possíveis, o que acarreta em uma multiplicidade de vozes o que é salutar para que possamos desvendar os fenômenos internacionais da maneira mais completa possível, contudo, é preciso procurar se dispir de ilusões o que acontece em Israel não é um romântico levante de um povo oprimido, nem tão pouco a resistência heróica de um povo cercado, mas a confluência de vários interesses antagônicos, que por muitas vezes usam a causa palestina como desculpa, ou como chamamento populista.

Pelo lado Israelense o mesmo se faz usando os assentamentos e proteção aos colonos na Cisjordânia com tons populistas para minar a democracia israelense em torno de projetos pessoais de poder e consequentemente enfraquecendo a defesa de Israel.

O objetivo do Hamas é bem claro o extermínio do Estado de Israel. E qualquer cálculo que imagine que o Hamas tenha se institucionalizado no jogo político atenua esse objetivo veio a terra nas primeiras horas do dia sete de outubro, quando seus agentes se aproveitaram da enfraquecida defesa de Israel nas regiões próximas a Faixa de Gaza para lançar um ataque surpresa com foguetes e uma incursão por terra, que no momento que escrevo esse texto as forças de segurança de Israel ainda tentam repelir.

O Hamas age com extrema violência e crueldade, por que afinal é essa a essência de um grupo terrorista usar o terror para influenciar decisões políticas de seus adversários. E não há dificuldades para o Hamas radicalizar e recrutar jovens palestinos para sua causa com uma taxa de desemprego entre os jovens na Faixa de Gaza de 64% e PIB per capita menor que da Cisjordânia. Sem agir na prevenção da radicalização o estado de conflito permanente não será superado.

Nos últimos anos a diplomacia israelense tem trabalhado na busca por normalização de suas relações diplomáticas com atores chaves no Oriente Médio, como a Arábia Saudita, ainda que os dois países ainda estivessem longe de um acordo de normalização. A esperada reação forte de Israel ao ataque do Hamas vai complicar muito essa aproximação, a causa palestina é popular entre diversas correntes de opinião do mundo árabe o que diminui a margem de ação mesmo de regimes autocráticos.

O apoio do Irã ao Hamas se explica por afinidades ideológicas, afinal o tipo de Estado que o Hamas imagina para a palestina é parecido com a teocracia iraniana, mas também baseada nos objetivos políticos do Irã em sua disputa com a Arábia Saudita, desse modo, enfraquecer ou impedir a aliança de dois adversários estratégicos, sem ter que usar suas próprias forças é interessante para os lideres do país persa. O Irã mostra que tem uma capacidade de influenciar a opinião pública da região e boas relações com atores não-estatais importantes e como já está sob embargo e sofre limitações internacionais então eventuais sanções tem seu custo já realizado, minimizando o efeito de dissuasão de tais medidas.

O governo de Benjamin Netanyahu terá muito a explicar para sua população sobre as falhas de inteligência que ou não perceberam a movimentação para o ataque do dia sete, ou os alertas de segurança foram ignorados pelos atores políticos. O governo de Israel está sob muita pressão para recuperar os reféns feitos pelo Hamas. O que pode obrigar as forças de Israel a operar um ataque por solo, numa região de grande adensamento populacional, uma das piores hipóteses de emprego para qualquer força militar que a guerra urbana, contra uma força assimétrica, que diminui muito a vantagem em meios militares e tecnologia das Forças de Defesa de Israel, como os militares israelenses devem bem lembrar de sua prolongada e dolorosa campanha no Líbano. Além disso, Israel não pode descuidar de suas outras fronteiras como a com o Líbano onde o Hezbollah possui uma capacidade militar de causar problemas para Israel com ataques de foguetes.

O somatório de interesses de diversos Estados, ideologias transnacionais, derramamento de sangue, medo vingança e frustração de todos os lados geram a complexidade em diversos níveis da chamada “questão do oriente médio”, mas analisar os atores nacionais, regionais, globais em ação não nos pode fazer nunca perder a dimensão humana do que está a acontecer. Milhares de pessoas vão sofrer muito, milhares de família irão lamentar a falta de seus entes queridos por décadas vindouras e a guerra é, sobretudo, destruição. E não podemos num mundo tão endurecido deixar faltar solidariedade para com os que sofrem e não apenas os que sofrem do lado que temos simpatias ideológicas, ou os que apostam no radicalismo, na simplicidade de um mundo sem tons cinza, destruirão o humanismo que levamos séculos para construir.

Algumas perguntas ainda estão em aberto qual o objetivo estratégico de Israel para a Faixa de Gaza, em outras palavras quem governará Gaza? Qual o impacto de longo prazo da pressão popular pela causa palestina terá nos governos da região quase todos enfrentando problemas internos? Quanto tempo o regime de Teerã pode alimentar um intervencionismo no mundo árabe enquanto parcelas importantes de sua população deseja cada vez em mais alto som reforma ou mudança completa do regime?

O que temos certeza é que a paz só virá por meios políticos e não por vitórias militares e que tudo que acontece no solo, todos os ataques terroristas, as injustiças, as vidas ceifadas, são como diria Mano Brown “máquinas de fazer vilão”.