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Soberba Tarifada

A situação comercial internacional do Brasil entrou em uma fase crítica. A imposição de tarifas pelos EUA representa golpe duro à já fragilizada economia brasileira. Entretanto, mais alarmante que a ação externa é a postura interna: a diplomacia brasileira, sob a liderança de Lula, tem falhado em oferecer uma resposta madura e estratégica. Ao contrário do que fizeram outros países, que buscaram canais para mitigar impactos, o Brasil opta pelo enfrentamento ideológico e pelo isolamento retórico. E isso custa caro.

Enquanto líderes mundiais tentam se articular em um cenário de transição geopolítica, Lula optou por uma postura temerária, marcada por decisões baseadas em convicções pessoais e crenças ultrapassadas que passam ao largo do interesse nacional e da realidade geopolítica atual. Donald Trump, mesmo com seu estilo imprevisível, já conversou com 34 líderes desde que reassumiu a Casa Branca, realizando 21 reuniões presenciais. Lula não está na lista. Mais do que ausência, há desinteresse. O próprio presidente brasileiro declarou que não teria “assunto” com Trump, ironizando que teria que “ficar contando piadas”. O que parece irreverência é, na prática, um grave sinal de uma diplomacia negligente.

Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria oferece uma medida concreta do impacto da nova onda tarifária. Segundo a entidade, o chamado “tarifaço” pode reduzir o PIB brasileiro em R$ 19,2 bilhões, ou seja, 0,16%. A estimativa é de que cerca de 110 mil postos de trabalho sejam perdidos. Um dano considerável, especialmente em uma economia que já sofre com baixo crescimento, juros elevados e déficit fiscal estrutural.

Os riscos não param por aí. O governo brasileiro acena, ainda que timidamente, com a possibilidade de restringir a remessa de dividendos ao exterior — uma medida que teria efeitos desastrosos sobre o investimento estrangeiro direto (FDI). Em um país que precisa desesperadamente de capital externo para financiar seu déficit em conta corrente, assustar multinacionais com ameaças à liberdade de repatriação de lucros é um erro grosseiro. As reservas internacionais do Brasil, embora robustas, não são infinitas. Sem o fluxo constante de FDI, elas não suportam uma pressão prolongada.

Lula parece ignorar que a geopolítica comercial não é guiada por discursos inflamados ou simbolismos ideológicos, mas por interesses pragmáticos. A retórica antiamericana, o desdém por abrir canais discretos de negociação e a insistência em alianças com regimes autoritários empurram o Brasil para uma posição marginal. Enquanto isso, países como México, Vietnã e Indonésia colhem os frutos de políticas externas mais sofisticadas, atraindo empresas que buscam alternativas à China, ao mesmo tempo que mantém bom relacionamento com Washington.

O Brasil, portanto, caminha perigosamente rumo ao isolamento das democracias ocidentais, comprometendo sua reputação, seus acordos comerciais e sua capacidade de atrair investimentos. O Brasil, ao abraçar a retórica antiamericana e regimes tóxicos, assina sua exclusão das cadeias globais de valor. Se o governo não recalibrar sua postura e adotar uma diplomacia menos ideológica e mais técnica, os custos econômicos serão ainda mais profundos e duradouros. A soberba tem preço, já evidenciada pelas tarifas — e a economia brasileira acabará mais uma vez pagando a conta.

Um olhar “realista”sobre o conflito Rússia x Ucrânia: Entrevista com Marcos Degaut

A mais casual conversa com Marcos DEGAUT equivale a uma aula sobre Geopolítica e Relações Internacionais, sob uma perspectiva realista, gostemos ou não do que ele tem a nos dizer. Degaut, que é mestre pela UnB, Ph D em Segurança Internacional pela University of Central Florida e doutor em Direito Internacional pela UDF, tem mais de 30 anos de experiência no serviço público e já trabalhou como secretário-adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, secretário de Produtos do Ministério da Defesa e secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior do Brasil-Camex. Por isso, estava ansioso por ouvi-lo a respeito da situação atual e das perspectivas futuras da crise envolvendo Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e Europa. Gentilmente, Degaut respondeu às perguntas abaixo. Mas a responsabilidade pela edição final de suas respostas é toda minha. Vamos lá?

1) PK – O acordo Estados Unidos/Ucrânia sobre minerais estratégicos, recentemente anunciado, garantiria a segurança ucraniana contra futuras invasões russas?

MD – O acordo que está sendo desenhado é de natureza comercial e financeira. Não inclui nenhum componente militar, de defesa. O que ele prevê é a exploração, pelos americanos, de terras raras/minerais estratégicos da Ucrânia. Prevê, também, a constituição de um fundo destinado a financiar a reconstrução ucraniana. O presidente da Ucrânia, Volodomyr Zelensky, desejava incluir essa componente militar, mas o presidente Donald Trump a vetou, pelo menos até o momento. Então, o futuro pacto NÃO oferece à Ucrânia nenhuma garantia contra possíveis novas invasões. Em tempo: considero que o objetivo maior da Rússia é impedir a presença militar ocidental (Otan) em território ucraniano, que o Kremlin encara como seu ‘entorno imediato’ — e não expandir o domínio russo.

2) PK – Ao quebrar o gelo das negociações com a Rússia de Vladimir Putin, estaria Trump enfraquecer a aliança Pequim/Moscou?

MD – Sim. A orientação atual da política externa é de segurança nacional do governo dos Estados Unidos baseia-se na percepção de que o seu principal adversário geopolítico, geoestratégico, é a China. Trump deseja a reinserção da Rússia no sistema financeiro internacional de modo a afastá-la da China, o que envolve a garantia de que a Otan não posicionará suas tropas na fronteira com a Rússia. Essa manobra pode dar certo, até porque a maioria dos generais russos hoje está descontente com a situação de seu país como ‘sócio menor’ dos chineses. Um benefício adicional da reintegração da Rússia ao sistema financeiro internacional é o seu impacto anti-inflacionário: com a revogação das atuais sanções econômicas, o reingresso do gás e do petróleo russos no mercado energético mundial contribuiria para manter a estabilidade geral dos preços. Ao mesmo tempo, isso normalizaria o acesso da Rússia às commodities agrícolas de que ela tanto necessita. Por tudo isso, creio que essa manobra teria, sim, boas chances de sucesso.

3) PK – Como avaliar a solidez do compromisso da Europa Ocidental — especialmente França e Alemanha — para com a segurança ucraniana em face de uma nova ameaça militar russa?

MD – Uma coisa é a legitimidade desse compromisso; outra, muito diferente, é a sua credibilidade na prática, dentro de um prazo viável. Hoje, a Rússia, ao lado dos Estados Unidos e da China, é um dos países que mais gastam com armamentos. A quantidade dos estoques militares russos é muito superior à europeia. Isso para não falar da enorme superioridade dos arsenais nucleares da Rússia em comparação com os da França e do Reino Unido. Mesmo que a Europa comece a investir hoje tudo aquilo que líderes como o presidente francês Emmanuel Macron prometem, sobretudo no atual contexto de déficits públicos na maioria desses países — e na hipótese irrealista de a Rússia nada fazer para incrementar suas capacidades militares —, seriam necessários de 10 a 1 anos e cerca de 800 bilhões de dólares para equiparar esses arsenais…. Onde arranjar tanto dinheiro em meio a uma apertada situação fiscal? Uma coisa é certa: a Rússia não vai ficar esperando de braços cruzados.

4) PK – Podem os ucranianos confiar numa paz duradoura com os russos? Estaria a Ucrânia fadada a se conformar com perda de 20% do seu território para a Rússia como preço da paz?

MD – Volto àquele ponto anterior: a Rússia atual de Putin não é a antiga União Soviética, que estava interessada em exportar a revolução comunista para o resto do planeta. O que a Rússia de hoje quer são fronteiras seguras, o mais longe possível das forças da Otan. Para tanto, o Kremlin considera vital manter sua influência no ‘entorno imediato’: Ucrânia, Belarus etc. Não se trata de invadir, tomar conta desses territórios, mas, sim, impedir a influência das grandes potências ocidentais naquele entorno.

5) PK – Quer dizer que o destino da Ucrânia é jamais vir a se tornar membro da Aliança Atlântica? E da União Europeia?

MD – Da Otan, seguramente, jamais; os russos nunca aceitarão. Para eles, trata-se de uma questão existencial. Já quanto à UE, que é um bloco econômico sem componente militar, não vejo nenhum obstáculo intransponível a uma futura adesão ucraniana.

6) PK – Na sua opinião, Taiwan será a ‘próxima Ucrânia’?

*MD – Vejo aí uma diferença qualitativa muito importante: a Ucrânia sempre foi entendida como uma entidade à parte do território russo, o que contrasta vivamente com o caso de Taiwan, ilha que há séculos foi incorporada ao território da China imperial. Pertenceu ao Japão por 50 anos (1895/1945) e, em 1949, serviu de refúgio ao Kuomintang de Chiang Kai-shek, derrotado pela revolução comunista daquele ano. A República Popular da China exige como condição para o estabelecimento de relações oficiais com qualquer país que este rompa laços diplomáticos com a República da China (Taiwan). Os taiwaneses mantêm escritórios de representação comercial e intercâmbio cultural na maioria das nações, mas embaixadas em um número cada vez menor de países. Na minha opinião, a China de Xi Jinping está se preparando para anexar Taiwan (à força, se necessário); resta saber como o Ocidente reagirá….

7) PK – Lembrando o colapso final da presença norte-americana no Afeganistão (2021), como uma mediação de Trump para pôr fim à guerra Rússia X Ucrânia pode afetar sua popularidade perante a opinião pública dos Estados Unidos?

MD – Mais uma diferença marcante aqui…. Por 20 anos, os Estados Unidos mantiveram forte presença militar no Afeganistão (boots on the ground); vidas norte-americanas foram perdidas. E, no final, material bélico dos Estados Unidos foi abandonado e tomado pelo Taliban. No caso Rússia X Ucrânia, Trump se recusa a enviar soldados para lutar na Europa Oriental. Também já deixou claro que quer desescalar as tensões militares entre russos e ucranianos como prelúdio a um novo contexto que faça sentido comercial, econômico, para as partes envolvidas. Se isso der certo, a popularidade doméstica de Trump será alavancada.

PK – Muito obrigado!