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Alerta Transparente

Nos útimos anos o Brasil viveu enormes retrocessos que começam a aparecer em rankings internacionais. O mais recente é o Índice de Percepção da Corrupção produzido pela Transparência Internacional. Nosso país caiu 10 posições e agora é considerado o 104º país mais corrupto do mundo com nota 36 de uma escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (mais íntegro).

O Índice de Percepção da Corrupção é o principal indicador de corrupção no mundo. Produzido pela Transparência Internacional desde 1995, avalia 180 países e territórios. Como parâmetro, o Brasil está abaixo da média global de 43 pontos, abaixo da média regional para Américas (também de 43 pontos) e inclusive abaixo da média dos países que compõe a formação original do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com 40 pontos. A comparação se torna incômoda sob qualquer aspecto.

A situação fica ainda mais constrangedora quando é realizada com integrantes do G20, composto pelas 19 principais economias do mundo, mais a União Africana e a União Europeia, com 53 pontos e com membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) com 66 pontos. Isto significa que quanto mais a comparação leva em conta países democráticos e desenvolvidos, a distância aumenta.

Quando olhamos para o Brasil, a Transparência Internacional manteve distância da polarização política nacional, apontando tanto o governo Bolsonaro, quanto o atual governo Lula, como despreparados a lidar com o tema. Segundo o Índice, os anos em que Bolsonaro esteve na Presidência da República, entre 2019 e 2022, deixaram a lição de como, em um curto período, os marcos legais e institucionais anticorrupção, que levaram décadas para ser construídos, podem ser destruídos, com reflexos negativos claros em nossa democracia.

O primeiro ano de Lula deixa a lição de como é ou ainda será desafiador o processo de reestruturação. O Índice de Percepção da Corrupção avalia três linhas de defesa contra a corrupção, nas áreas judicial, política e social e destaca a situação crítica do controle jurídico da corrupção por causa da falta de independência do sistema de Justiça. Desmonte de operações, anulação de provas e a inobservância da lista tríplice em indicações ao judiciário também mostraram que as instituições brasileiras retrocederam em manter pilares republicanos independentes.

Para além disso, é apontado que a declaração de inconstitucionalidade do orçamento secreto “não impediu o Congresso e o governo Lula de encontrarem rapidamente um arranjo que preservasse o mecanismo espúrio de barganha, que manteve vivos velhos vícios aperfeiçoados durante a gestão Bolsonaro”. Na visão do organismo, independente do governo, os mecanismos políticos que alimentam corrupção e falta de transparência permanecem intocados e resultam na piora do índice brasileiro.

Ao nos nivelar com autocracias do BRICS e nos afastarmos da boa governança de países democráticos da OCDE, o Brasil faz uma opção equivocada que se reflete nos índices internacionais. Isto afeta os investimentos estrangeiros, estabilidade institucional e o fortalecimento de nossa democracia. O aviso da Transparência Internacional deveria servir de alerta. Retroceder é um péssimo caminho para nosso país.

Como o crime organizado deforma a democracia latino-americana

Quando o crime está em ascensão, a própria democracia sofre uma crise de confiança.

O assassinato do candidato presidencial equatoriano Fernando Villavicencio, há um mês, sublinha uma ameaça crescente à democracia em toda a América Latina: a influência crescente de grupos criminosos e de governos que parecem relutantes ou incapazes de enfrentar o crime organizado.

O poder do crime organizado põe em risco o futuro da região e, como importante motor da migração para os Estados Unidos, aponta para uma deterioração ainda maior da crise fronteiriça antes de melhorar.

O crime organizado está presente na América Latina há décadas, mas aumentou dramaticamente a sua presença geográfica nos últimos anos e evoluiu para se tornar mais adaptável e inovador. Mesmo com o aumento da produção e do tráfico de drogas, muitas organizações criminosas diversificaram-se para outras atividades, como a extorsão, a mineração de ouro e o tráfico de seres humanos. Em alguns países, grupos criminosos outrora dominantes dividiram-se em grupos menores. E as linhas entre organizações criminosas e grupos armados de orientação ideológica tornaram-se cada vez mais tênues.

Esta expansão do crime organizado ameaça a democracia latino-americana em vários níveis.

Primeiro, o fracasso dos governos democráticos em fazer progressos contra o crime reforça a crença de que a democracia não é adequada para resolver problemas. Isto é visto mais claramente na edição de 2023 da pesquisa de opinião pública Latinobarómetro, que conclui que apenas 48% dos latino-americanos preferem a democracia a outros sistemas de governo (abaixo dos 63% em 2010), e que um número crescente está aberto ao autoritarismo. A turbulência política em alguns países reduziu ainda mais o foco dos governos no crime, minando qualquer possibilidade de consenso sobre políticas anticrime e reduzindo a coordenação entre governos, criando mais oportunidades para a exploração do crime organizado.

As organizações criminosas também estão corroendo a democracia através das suas extensas ligações com as elites políticas da região. Antes de ser assassinado, Villavicencio denunciou a classe política do seu país por ter sido contaminada pelo crime organizado, num caso apresentando uma queixa contra 21 candidatos a presidente de câmara com alegadas ligações a grupos criminosos. À medida que o crime organizado se tornou mais fragmentado e se expandiu para novas atividades, procurou novas alianças políticas, o que foi facilitado pela fraqueza dos partidos políticos.

Em alguns países, o crime organizado também desafia diretamente a governança democrática, intimidando funcionários ou impedindo os governos de desempenharem funções básicas.

Na Colômbia, os grupos criminosos expandiram o seu controle territorial, ameaçando ou banindo funcionários eleitos que não cooperam, apropriando-se de fundos públicos destinados a infraestruturas e outros serviços, ou restringindo a circulação dos residentes. A Ouvidoria de Justiça da Colômbia alertou recentemente que as eleições regionais marcadas para 29 de outubro poderiam ser comprometidas pela expansão de grupos criminosos e pela sua interferência no processo eleitoral.

No México, os cartéis exibem regularmente a sua força, desafiando cada vez mais o monopólio governamental sobre a violência. O destacamento mais frequente de militares por parte do Presidente López Obrador para combater os cartéis não resultou em ganhos tangíveis para os mexicanos que estão sujeitos às depredações dos cartéis.

De acordo com um estudo da Universidade de Chicago, 13% da população da América Latina vive atualmente sob um sistema de governança criminal, no qual o crime organizado governa ou co-governa um território ou população. O exemplo mais extremo está na Venezuela, onde o regime de Nicolás Maduro preside um sistema em que grupos criminosos favorecidos colaboram com o regime para ajudá-lo a manter o controle e a explorar conjuntamente o tráfico de drogas e a mineração ilegal de ouro.

A criminalidade na região está criando um terreno fértil para regimes mais autoritários. Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele subjugou as notórias gangues de rua do país através de um programa de encarceramento em massa e mantendo um estado de emergência desde março de 2022. Ele agora tem o maior índice de aprovação de qualquer líder na região, está sendo copiado nos países vizinhos Honduras e está inspirando líderes com ideias semelhantes em toda a região. Ele também planeja concorrer à reeleição, embora a Constituição de El Salvador proíba a reeleição presidencial.

À medida que o crime organizado continua a evoluir e a expandir-se, os líderes democráticos da região devem trabalhar para demonstrar que é possível combater o crime organizado no contexto de uma democracia robusta. Isto exige que os governos mantenham um compromisso de longo prazo para construir sistemas de aplicação da lei e de justiça que possam resistir à influência corruptora dos criminosos, desenvolver abordagens localizadas que reflitam a natureza adaptável e fragmentada do crime organizado atual e cooperar entre si no combate às organizações transnacionais.

Também exige maior compromisso e urgência por parte dos Estados Unidos. A população da América Latina precisa de melhores opções do que os modelos da Venezuela e de El Salvador.

Publicado originalmente no Dallas Morning News.