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Esquerda latino-americana abandona luta venezuelana pela democracia

O Prêmio Nobel da Paz de Maria Corina Machado deveria ter unido a América Latina na celebração da resistência democrática ao autoritarismo. Em vez disso, expôs uma profunda divisão ideológica.

Em seu anúncio, o Comitê Norueguês do Nobel descreveu Machado como “um dos exemplos mais extraordinários de coragem civil na América Latina nos últimos tempos”, destacou seu trabalho de uma vida inteira pela democracia diante da máquina violenta do regime de Nicolás Maduro e o vínculo inextricável entre democracia e paz. O regime de Maduro é uma força desestabilizadora e destrutiva na região, e seu domínio contínuo é uma mancha na região que todos os latino-americanos deveriam desejar ver encerrada.

Em vez de aclamação universal, no entanto, as reações dos líderes políticos latino-americanos se dividiram em linhas ideológicas, com líderes da direita exultando com a notícia e os da esquerda, com algumas exceções notáveis, optando por ignorar a conquista, criticar o Comitê do Nobel por politizar o prêmio ou castigar Machado por uma série de ofensas. A reação destaca até que ponto os compromissos ideológicos têm precedência sobre a fidelidade à democracia entre muitos na esquerda latino-americana.

Embora as críticas de líderes autoritários como o presidente cubano Miguel Díaz-Canel fossem esperadas, o silêncio de líderes democraticamente eleitos é decepcionante. A presidente mexicana Claudia Sheinbaum, quando questionada sobre o prêmio, evitou responder com um “sem comentários” e uma referência lacônica à tradição mexicana de não interferência. O brasileiro Lula da Silva também não fez nenhum comentário, e seu assessor Celso Amorim criticou o Comitê do Nobel por uma decisão que, segundo ele, priorizou a política em detrimento da paz.

O presidente colombiano Gustavo Petro, após publicar inicialmente uma mensagem de felicitações, porém ambígua, disparou uma série de perguntas a Machado sobre como sua aproximação com líderes estrangeiros como Benjamin Netanyahu poderia levar à democracia na Venezuela e, em vez disso, apelou por um diálogo nacional na Venezuela.

Notavelmente, Bernardo Arévalo, o presidente de esquerda da Guatemala, escreveu uma nota de felicitações a Machado por X, sendo praticamente o único entre os líderes de esquerda a reconhecer Machado.

Houve respostas discretas dos líderes de esquerda do Uruguai e do Chile, frequentemente considerados baluartes da democracia na região. Yamandu Orsi, do Uruguai, declarou que este teria sido um bom ano para o prêmio não ter sido concedido. E o presidente chileno, Gabriel Boric, não se pronunciou sobre o assunto, embora seu ministro das Relações Exteriores tenha parabenizado Machado.

As reações revelam como os compromissos ideológicos suplantaram os princípios democráticos na região. Não que Machado deva estar isenta de críticas. Pode-se questionar seu apoio às sanções americanas ou o grau em que ela se alinhou ao presidente Donald Trump, incluindo o apoio ao reforço militar americano no Mar do Caribe, sem desconsiderar a importância e o peso moral de sua campanha.

E sim, Machado dedicou seu prêmio a Trump, uma atitude calculada para manter o apoio da democracia mais poderosa do mundo em um momento em que os líderes regionais abandonaram sua causa.

Mas a facilidade com que muitos na esquerda ignoram ou menosprezam Machado e seu movimento expõe a falsidade de sua retórica sobre solidariedade e democracia, bem como a elevação de princípios defendidos como soberania e não interferência acima de direitos civis básicos e normas democráticas.

O contraste é impressionante. Líderes de esquerda analisam o apoio de Machado às sanções e seu alinhamento com Trump, mas permanecem em grande parte em silêncio sobre a prisão de quase 2.000 dissidentes por Maduro após as eleições de julho, a tortura sistemática documentada por organizações de direitos humanos ou a transformação da Venezuela em um Estado criminoso pelo regime.

O presidente Lula chegou a sugerir em 2023 que a democracia estava “prosperando” na Venezuela e criticou a “narrativa de autoritarismo” contra Maduro – isto é, sobre um regime que baniu candidatos da oposição, fechou a mídia independente e forçou 8 milhões de pessoas ao exílio.

Por sua vez, Machado permanece focada em construir um movimento democrático na Venezuela e lançar as bases para um retorno à democracia. Ela provavelmente continuará buscando apoio onde quer que o encontre e afirma que os governos devem fazer uma escolha simples: “estar com o povo da Venezuela ou com um cartel narcoterrorista”.

A resposta fragmentada de hoje, tanto ao roubo eleitoral de Maduro quanto ao Prêmio Nobel de Machado, revela o quanto a ideologia atualmente divide a América Latina, deixando os democratas venezuelanos isolados e a região enfraquecida. Até que os líderes latino-americanos possam celebrar a coragem democrática, independentemente de sua coloração política, eles permanecerão incapazes de enfrentar as ameaças autoritárias em seu próprio hemisfério.

Como observou o Comitê Nobel, “a liberdade nunca deve ser considerada garantida, mas deve ser sempre defendida — com palavras, com coragem e com determinação”. Essas são precisamente as qualidades que faltam entre os atuais líderes da região.

Oportunismo Político

A ascensão de Donald Trump e a adoção de suas políticas, especialmente no âmbito migratório, tem funcionado como combustível para governos impopulares tentarem um regaste de prestígio diante de sua população. Vimos isso acontecer com a deportação de imigrantes ilegais colombianos e brasileiros dos EUA, algo que movimentou o cenário externo nos últimos dias.

Petro, presidente da Colômbia, mergulhado em uma desaprovação que ultrapassa 60%, busca incansavelmente caminhos que recuperem sua popularidade. Achou uma brecha com a repatriação de imigrantes ilegais colombianos dos Estados Unidos. Havia aceitado receber os deportados. Fez um post celebrando a chegada de seus compatriotas com “bandeiras e flores” e depois deletou. Mudou de ideia para criar um fato político. Trump considerou sua mudança de atitude como ato de hostilidade e desonestidade. Retaliou. Petro recuou e acatou integralmente os termos dos EUA.

O Brasil seguiu pelo mesmo caminho. A polêmica por aqui se estabeleceu sobre o transporte dos imigrantes ilegais devolvidos em voo fretado pelos EUA. Há reclamação de que o grupo voltou algemado. O procedimento utilizado tem sido padrão desde 1980, usado também para transporte de presos nacionais dentro do seu próprio território. O padrão é adotado por dois motivos. Protege aquele que está sob custódia do Estado, que pode nesse tipo de situação se machucar ou até cometer algum ato extremo contra si próprio. O outro é a proteção dos agentes de segurança. Além disso, os voos são parte de um acordo firmado em 2018, durante o governo Temer.

Percebemos, na verdade, que o imbróglio possui fundo político, uma vez que estamos diante do mesmo rito e mecanismos usados há pelo menos 45 anos. Foram 22 ministros de Lula que mostraram indignação sobre brasileiros deportados no primeiro voo durante o governo Trump. Durante o terceiro mandato de Lula já foram 32 voos trazendo deportados da mesma forma. O governo jamais havia tecido qualquer crítica.

Todos sabem que o Brasil possui um governo antiamericano, algo inegável. Por questões políticas e ideológicas, Lula nunca escondeu sua visão sobre os Estados Unidos. Seu círculo mais íntimo de assessores, especialmente na área internacional, ainda carrega uma visão ultrapassada e obsoleta de mundo, responsáveis por equívocos como este.

Assim como Petro, o governo brasileiro tem usado o oportunismo político como arma para alavancar sua popularidade. Atualmente, Lula possui taxa de reprovação que supera a aprovação. Assim como Petro, enxerga sua popularidade derreter, colocando em xeque as chances de reeleição. Ambos procuram usar este fato como combustível político para resgatar o apoio popular perdido em meio aos erros de seus governos.

O número de ilegais deportados vem caindo sistematicamente desde o governo Clinton – aquele que mais deportou (com folga) nas últimas décadas e o número de deportados que havia caído com Obama e Trump, voltou a subir com Biden. Estes são fatos. Os EUA seguirão sendo um país de imigrantes, mas sobretudo de leis. Aqueles que migram de acordo com as regras, serão muito bem recebidos, porém, aqueles que infringirem as normas, estarão em risco de serem devolvidos aos seus países. Enquanto isso, não faltarão líderes populistas para lucrar nas costas dos deportados, algo que no dicionário de Brasília se chama de oportunismo político.