Arquivo da tag: Kim Jong Un

Desafios da Geopolítica

Estamos diante de um inédito movimento de abalo das placas tectônicas da estabilidade internacional construídas no pós-guerra. Os níveis de democracia nunca foram tão baixos e governos antidemocráticos nunca foram tão robustos. O risco de mudança real no equilíbrio de forças mundial nunca foi tão presente, em grande parte pelo perfil das lideranças que comandam importantes nações, e a reorganização gerada pelos recentes conflitos. Todo este contexto se tornou peça central para entender o mundo e seu desenho geopolítico em tempos recentes.

No Oriente Médio, uma reação em cadeia desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 impulsionou um ano de mudanças impressionantes. Israel enterrou o Hamas sob escombros, degradou a rede regional de representantes não estatais dos aiatolás, demoliu as próprias defesas de Teerã, e, inadvertidamente, preparou o cenário para que rebeldes islâmicos derrubassem a ditadura de meio século da família Assad na Síria.

Na Ásia, onde a China compete com os Estados Unidos e seus aliados pela primazia, os pontos críticos no Mar da China Meridional, as águas e os céus ao redor de Taiwan e a Península Coreana parecem cada vez mais desafiadores. O ataque da Rússia à Ucrânia é, a julgar pelas ameaças do presidente Vladimir Putin, parte de uma luta para revisar os arranjos pós-Guerra Fria, e ameaça levar a um confronto mais amplo na Europa.

Em outros lugares, uma onda de conflitos — incluindo a guerra civil de Mianmar, uma rebelião apoiada por Ruanda no leste da República Democrática do Congo, uma tomada de poder por gangues que deixou milhões de haitianos em condições de guerra, além da devastação no Sudão — está aumentando a contagem global de pessoas mortas, deslocadas e famintas devido aos combates, que é maior do que em qualquer outro momento em décadas.

Estamos também diante de blocos antidemocráticos mais unidos. Falar de um eixo formal entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã pode soar exagerado. Porém, é preciso pontuar que estamos falando de governos que cada vez atuam em cooperação estreita. Armas iranianas e norte-coreanas, componentes de uso duplo da China, e agora tropas norte-coreanas ajudam a sustentar a ofensiva do Kremlin na Ucrânia. O pacto de defesa que Putin assinou com o líder norte-coreano Kim Jong Un em novembro, vincula Pyongyang, e potencialmente a segurança peninsular, à guerra na Europa.

Aconteça o que acontecer, a queda para a ilegalidade parece destinada a continuar. Os beligerantes darão ainda menos atenção ao sofrimento civil. Outros líderes podem testar se podem tomar pedaços do território de um vizinho. A maioria das guerras de hoje parece destinada a continuar, talvez em alguns casos pontuadas por cessar-fogo que duram até que os ventos geopolíticos mudem ou surjam outras oportunidades para acabar com os rivais.

À medida que o ritmo da mudança acelera, o mundo parece se movimentar para uma nova mudança de paradigma. A questão é se isso acontecerá na mesa de negociações ou no campo de batalha.

Rússia e Coréia do Norte: Muito mais que uma limousine

A recente visita do presidente russo Vladimir Putin à Coréia do Norte foi marcada entre outras coisas pelo presente dado por Putin ao ditador norte-coreano, uma limousine de luxo baseada no Aurus Senat, uma alternativa russa aos modelos fabricados pela britânica Rolls Royce.

O automóvel que os socialistas mais dedicados chamariam de símbolo de decadência burguesa chama atenção pelo luxo e pelo elevado preço que acompanha, mas simboliza muito mais que isso.  O poderoso motor tipo V8, com consumo elevado de combustível, nos lembra da ineficácia das sanções econômicas em vigor contra Rússia e Coréia Norte que não impedem o comércio de combustível entre essas nações.

O modelo presenteado por Putin é um veículo com modernas tecnologias embarcadas, no momento essas tecnologias têm sido usadas como forma de pagamento pelas munições e armas que a Coréia de Norte tem fornecido a Rússia. A indústria bélica russa não tem conseguido sustentar o volume de munição sendo usado diariamente na Ucrânia pelas forças russas.

A guerra na Ucrânia se tornou uma oportunidade para o governo da Coréia do Norte conseguir uma parceria mais robusta com a Rússia, que por seu isolamento não pode recusar. Além de servir para a ditadura norte-coreana ter um pouco mais de liberdade de ação e menos controle chinês de suas ambições.

A visita de Putin marcou a assinatura de um acordo de defesa mútua entre os dois países. Os detalhes desse acordo, ainda não são totalmente conhecidos e com certeza é um elemento complicador da política na Ásia, sobretudo, na península coreana. E internamente mostra ao politburo norte-coreano que o Kim Jong Un é um líder capaz de aumentar a segurança e o prestígio do país, solidificando ainda mais sua posição nas opacas disputas de poder internas.

Esse acordo tem como benefício secundário para a Rússia que é dar mais credibilidade às ameaças diante do fornecimento de armas para a Ucrânia, por parte da Coréia do Sul, o que pode minar planos europeus de incluir a tecnologia do país asiático no teatro de operações da Ucrânia.

Para os norte-coreanos o carro é uma demonstração clara que as relações entre Putin e Kim Jong Un são especiais e fortes. E uma demonstração que a Coréia do Norte é agora o parceiro que tem que ser seduzido pelo aliado, revertendo os velhos padrões de relacionamentos estabelecidos desde os tempos soviéticos.

Segundo especialistas no mercado de automóveis de luxo estará em breve disponível para os compradores russos, claro que é preciso ser um dos oligarcas para acessar um veículo como esse os números apontam para apenas 31 desses veículos tendo sido comercializados desde 2022. Os planos de expansão da marca no mercado europeu foram inviabilizados pela guerra na Ucrânia.

Não é difícil de imaginar que no fundo das mentes dos executivos da fabricante de carros que eles preferiam que a tecnologia russa enviada em massa para europa fosse mais pacífica e incluísse seus belos carros de luxo. Não é difícil de imaginar, também que não veja a Coreia do Norte como um mercado capaz de substituir as potenciais vendas na Europa. Não imagino, contudo, esses executivos vocalizando essas frustrações, afinal a sede da Aurus deve ter muitas janelas.