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Preço da Liberdade

Liberdade econômica refere-se à capacidade dos indivíduos e das empresas de tomar decisões sem interferência excessiva do governo ou de outras entidades. Isso inclui a liberdade de escolher como produzir, consumir, investir, poupar e trocar bens e serviços. Este princípio é frequentemente associado aos fundamentos da propriedade privada, livre iniciativa, concorrência sadia e redução de barreiras regulatórias.

Em um ambiente de liberdade econômica, o mercado opera principalmente por meio de forças de oferta e demanda, com intervenção governamental limitada a áreas como proteção dos direitos de propriedade, garantia de contratos e manutenção da ordem pública. Contudo, em tempos recentes, as regras para a manutenção da liberdade econômica se ampliaram, introduzindo modelos de verificação de investimentos como um novo elemento deste arcabouço, especialmente com vistas a preservar a economia e o livre mercado. 

Este foi o caminho adotado pela maioria dos países da OCDE, que implementaram os chamados instrumentos de avaliação de investimento estrangeiro como forma de preservar um ambiente de liberdade econômica saudável dentro de suas fronteiras. O objetivo principal é assegurar um mercado saudável para os empreendedores, em um ambiente onde somente investimentos comprovadamente de origem lícita são aceitos. Como consequência desta ação, setores estratégicos da economia foram preservados da interferência de interesses ligados ao crime transnacional.

O monitoramento mais recente realizado pela OCDE registra que nos últimos três anos houve um aumento de 50% na implementação dos IAIEs ao redor do mundo. Nota-se que as nações que têm implementado esses mecanismos têm perfis diversos, desde países desenvolvidos até países em desenvolvimento, grandes exportadores e importadores de capital externo, mas sempre com o mesmo objetivo: preservação de um mercado saudável para seus empreendedores.

A liberdade econômica é um fator essencial para o crescimento, inovação e aumento do padrão de vida. O Brasil trilhou este caminho a passos largos em tempos recentes, entretanto, é necessário que nosso país prossiga vigilante nesta trilha, adotando mecanismos modernos já presentes em legislações de outros países que garantem a preservação de um mercado blindado ao capital de origem ilícita e aos interesses predatórios de dependência externa.

Ao permanecer fora deste círculo de nações que promoveram o essencial equilíbrio do processo de globalização no que tange aos investimentos estrangeiros, o Brasil segue vulnerável ao capital do crime organizado e aos interesses de outras nações. A injeção deste tipo de recursos distorce nossa economia, prejudica nossos empreendedores, afasta investidores sérios e ceifa nossos empregos, colocando nossa nação em um perigoso patamar internacional de países onde o capital sujo transita de forma livre. 

Esta é uma tarefa para os legisladores que apoiam regras claras no que tange a origem do capital investido no Brasil, como forma de garantir um mercado aberto e sadio onde nossos empreendedores possam concorrer livremente. Assim como as nações da OCDE, o Brasil precisa ser um país de leis e boas práticas que garantem os benefícios de uma economia longe de vícios e ilícitos, afinal como dizia Thomas Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Além do G20

O Brasil, sob o governo Lula, já escolheu de qual lado ficará na disputa geopolítica mundial entre democracias e autocracias. E a resposta é clara: estamos alinhados ao eixo autocrático. A decisão foi consolidada com uma série de acordos que colocam o país em sinergia com o projeto global da China, mesmo que isso seja convenientemente disfarçado por discursos sobre interesses meramente comerciais.

A nova dinâmica foi celebrada pela embaixada chinesa, que não perdeu tempo em anunciar que as relações entre Brasil e China atingiram “um novo patamar”. Isso inclui a formação de um grupo de trabalho para alinhar as políticas de desenvolvimento brasileiras à Nova Rota da Seda, o plano de expansão econômica e política do governo chinês. A adesão oficial não foi anunciada, mas os mais de 40 acordos assinados, incluindo áreas sensíveis como inteligência e satélites, já indicam o caminho.

O discurso público do governo brasileiro, no entanto, joga com a ambiguidade. A narrativa oficial tenta afastar preocupações, enfatizando a natureza “comercial” da parceria. É a típica estratégia de soft power usada pelo governo chinês: sugerir um afastamento para não alarmar, enquanto os fatos mostram o contrário. Quem questiona esse alinhamento é rapidamente taxado de exagerado ou bolsonarista, como se fosse impossível criticar a aproximação com uma ditadura sem cair em extremos ideológicos.

O que muda?

Mas o que realmente muda com esse novo alinhamento? Não é apenas uma questão de acordos econômicos. É sobre os valores que o Brasil está disposto a endossar.

A China é uma autocracia que reprime dissidentes, proíbe religiões, mantém campos de concentração para a minoria Uigur e censura qualquer oposição. Essa postura ficou evidente durante o G20, realizado em território brasileiro, quando seguranças chineses foram rápidos ao intervir com manifestantes e jornalistas. E o governo brasileiro? Permaneceu calado.

Essa omissão não é apenas simbólica, ela reflete o novo posicionamento estratégico do Brasil. Ao ignorar ações antidemocráticas em seu próprio território, o país dá um recado claro sobre suas prioridades. Não se trata apenas de pragmatismo econômico, mas de uma escolha ideológica: sacrificar a transparência e os valores democráticos em nome de benefícios comerciais e alianças políticas convenientes.

“Anti-patriotismo”?

E quem critica essa aproximação com autocracias? Os apoiadores do governo rapidamente transformam qualquer crítica em uma afronta ao Brasil. A estratégia é conhecida: alinhar discordâncias a um discurso de “anti-patriotismo”, como se questionar relações com ditaduras fosse um ataque ao país e não uma defesa de seus princípios.

Paralelamente, a oposição política parece incapaz de formular uma resposta eficiente. Em vez de um discurso claro e fundamentado, opta por uma retórica do “eu avisei”, que mais parece birra de quinta série do que uma defesa séria da democracia.

O alinhamento do Brasil com a China de Xi Jinping não é um fato isolado, mas parte de um movimento maior que redefine o papel do país no cenário global. A questão não é apenas econômica, mas moral e estratégica. O governo Lula deve ser transparente sobre o custo dessa escolha porque os impactos não se limitam a balanças comerciais ou parcerias de infraestrutura. Eles dizem respeito ao tipo de nação que o Brasil deseja ser.

Democracia não se defende com boas intenções ou discursos genéricos. Ela exige ação consistente, clareza e coragem para enfrentar as consequências de escolhas difíceis. O tempo dirá se o Brasil optará por isso ou se contentará com a conveniência de alianças que comprometem os valores que uma democracia deveria sustentar.

Verificação Necessária

Existe uma máxima em nossa economia há tempos, uma premissa que faz enorme sentido em nações que possuem forte déficit de poupança interna: o Brasil precisa de investimento externo para alavancar sua economia. Ao mesmo tempo que existe esta necessidade, qualquer país precisa de cautela ao receber o investimento estrangeiro. Esta realidade levou a adoção daquilo que se convencionou chamar de Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) em várias legislações ao redor do mundo.

O Brasil é uma daquelas nações que ainda não possui em sua legislação qualquer um dos diversos mecanismos de avaliação de investimento estrangeiro, uma falha que precisa rapidamente ser sanada. Nosso país iniciou esta discussão mediante um estudo chamado “Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) em Diversos Países: Recomendações para o Brasil”, iniciado em 2020 pelo IPEA, que mapeou quinze modelos de diferentes países para análise descritiva de suas estruturas organizacionais.

A partir de suas experiências, o que se observou foram tendências convergentes quanto aos motivos de controle e avaliação do investimento externo, ancorados no conceito de segurança nacional e suas derivações, como no caso português, que estabelece o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir segurança país em serviços fundamentais. O governo pode opor-se a qualquer transação da qual resulte, direta ou indiretamente, a aquisição de controle de terceiros à União Europeia sobre ativos estratégicos nos setores de energia, transportes e comunicações.

Além de Portugal, não são poucas as nações que adotam este mecanismo de verificação. Os exemplos mais conhecidos são África do Sul, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, México, Reino Unido, Rússia e União Europeia, que adota o instrumento em legislação comunitária, criando uma camada dupla de avaliação, uma vez que países membros também adotam o sistema internamente, como Alemanha, Espanha e o caso de Portugal, aqui já mencionado.

O objetivo principal dos instrumentos de avaliação está longe de afastar o investimento estrangeiro. Pelo contrário, o mecanismo serve para que os países que o adotem sejam destino de investimentos de qualidade, com capitais de origem lícita, evitando que recursos sujos, oriundos de corrupção e outros crimes transnacionais sejam lavados na economia, ao mesmo tempo que protege a infraestrutura de recursos predatórios, que podem afetar as soberanias nacionais.

A OCDE vem acompanhando a implementação destes mecanismos, especialmente porque são adotados por seus membros, países desenvolvidos e em desenvolvimento, grandes exportadores e importadores de capital externo. Se no início o foco destas legislações era controlar o investimento nos setores militar e de defesa, hoje o foco se ampliou para o setor de energia, transporte, telecomunicações, abastecimento de água, recursos minerais e especialmente acesso de investidores estrangeiros a dados confidenciais de cidadãos nacionais.

Diante das novas tecnologias e dos investimentos predatórios que circulam pelo mundo, já é momento de nosso Congresso Nacional se debruçar sobre este tema, observar as experiências externas e introduzir em nossa legislação mecanismos que deixem o Brasil menos vulnerável e nossa economia e cidadãos mais protegidos.

Alerta Transparente

Nos útimos anos o Brasil viveu enormes retrocessos que começam a aparecer em rankings internacionais. O mais recente é o Índice de Percepção da Corrupção produzido pela Transparência Internacional. Nosso país caiu 10 posições e agora é considerado o 104º país mais corrupto do mundo com nota 36 de uma escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (mais íntegro).

O Índice de Percepção da Corrupção é o principal indicador de corrupção no mundo. Produzido pela Transparência Internacional desde 1995, avalia 180 países e territórios. Como parâmetro, o Brasil está abaixo da média global de 43 pontos, abaixo da média regional para Américas (também de 43 pontos) e inclusive abaixo da média dos países que compõe a formação original do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com 40 pontos. A comparação se torna incômoda sob qualquer aspecto.

A situação fica ainda mais constrangedora quando é realizada com integrantes do G20, composto pelas 19 principais economias do mundo, mais a União Africana e a União Europeia, com 53 pontos e com membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) com 66 pontos. Isto significa que quanto mais a comparação leva em conta países democráticos e desenvolvidos, a distância aumenta.

Quando olhamos para o Brasil, a Transparência Internacional manteve distância da polarização política nacional, apontando tanto o governo Bolsonaro, quanto o atual governo Lula, como despreparados a lidar com o tema. Segundo o Índice, os anos em que Bolsonaro esteve na Presidência da República, entre 2019 e 2022, deixaram a lição de como, em um curto período, os marcos legais e institucionais anticorrupção, que levaram décadas para ser construídos, podem ser destruídos, com reflexos negativos claros em nossa democracia.

O primeiro ano de Lula deixa a lição de como é ou ainda será desafiador o processo de reestruturação. O Índice de Percepção da Corrupção avalia três linhas de defesa contra a corrupção, nas áreas judicial, política e social e destaca a situação crítica do controle jurídico da corrupção por causa da falta de independência do sistema de Justiça. Desmonte de operações, anulação de provas e a inobservância da lista tríplice em indicações ao judiciário também mostraram que as instituições brasileiras retrocederam em manter pilares republicanos independentes.

Para além disso, é apontado que a declaração de inconstitucionalidade do orçamento secreto “não impediu o Congresso e o governo Lula de encontrarem rapidamente um arranjo que preservasse o mecanismo espúrio de barganha, que manteve vivos velhos vícios aperfeiçoados durante a gestão Bolsonaro”. Na visão do organismo, independente do governo, os mecanismos políticos que alimentam corrupção e falta de transparência permanecem intocados e resultam na piora do índice brasileiro.

Ao nos nivelar com autocracias do BRICS e nos afastarmos da boa governança de países democráticos da OCDE, o Brasil faz uma opção equivocada que se reflete nos índices internacionais. Isto afeta os investimentos estrangeiros, estabilidade institucional e o fortalecimento de nossa democracia. O aviso da Transparência Internacional deveria servir de alerta. Retroceder é um péssimo caminho para nosso país.