Arquivo da tag: sustentabilidade

Recado das Águas

O desastre que se abateu no Rio Grande do Sul é uma mensagem que já havia sido telegrafada há tempos, porém negada e rejeitada pelas autoridades. Os sinais de que a natureza reagiria com fúria aos erros e excessos em seu entorno estavam desenhados. Esta enchente de proporções épicas foi precedida por outras e significa um alerta para as próximas que devem chegar. Negar esta realidade é flertar com a irresponsabilidade, o risco e o perigo de perder vidas e dilacerar os pilares de uma economia sustentável.

Porto Alegre é banhada por um lago, chamado Guaíba, que recebe cinco afluentes, chamados de Gravataí, Taquari, Caí, Jacuí e Sinos. Este lago, se encaminha para a Lagoa dos Patos, que deságua no oceano. A enchente em Porto Alegre acontece na medida que o volume de água dos afluentes aumenta em razão das chuvas e a capacidade do lago atinge seu limite, transbordando para dentro da cidade.

A falta de estrutura para evitar a crise nos leva inevitavelmente a um ponto de reflexão que vai muito além do Rio Grande do Sul. A ocupação de encostas no Rio de Janeiro, a contaminação do Rio Doce por dejetos em Minas Gerais e tantas outras ações como construção de cidades em planícies de inundação, são ações que acabam por cobrar um alto preço na medida que o descuido e o negacionismo se tornam moeda corrente em nossas políticas públicas.

Os gestores públicos também precisam encarar o resultado de sua irresponsabilidade. A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023. Até chegar a zero, o investimento para prevenção a enchentes caiu dois anos seguidos e o item chamado “melhoria no sistema contra cheias”, não recebeu recursos ano passado. A mesma situação ocorre com o departamento que cuida da área de águas e esgotos, que opera atualmente com a metade dos funcionários que tinha em 2013.

Entretanto, para além dos culpados, enquanto os gaúchos ainda contam suas vítimas e resgatam sobreviventes, esta tragédia deveria servir para unir o nosso país, por meio do diálogo e união, conversando sobre medidas resolutivas, diretas e objetivas para os desafios que ainda virão adiante, longe das diferenças partidárias e ideológicas. Porém, vemos nossos líderes fazendo política com o desastre, adotando discursos baratos e batidos, falando em orçamento de guerra sem qualquer coordenação ou transparência sobre uso e aplicação dos recursos. No país da impunidade, estamos diante da receita ideal para o desvio e demagogia, uma aliança perfeita para perpetuar o atraso. 

A mensagem recebida pela tragédia é objetiva: Faz-se necessário discutir os efeitos das mudanças climáticas ao invés de rejeitá-las por simples ranço ideológico e aqueles que enfrentarão as urnas este ano estão obrigados a lembrar do brutal recado recebido por esta tragédia. Ainda estamos no momento de doação e salvamento. Porém, devemos aprender com as lições deixadas pela força e volume das águas. A reconstrução deve levar em consideração aspectos ambientais que impedem novos desastres, como evitar construir em encostas e planícies de inundação, manter intacta a mata ciliar e os rios limpos.  A enchente de 2024 deixa um brutal recado. Rejeitá-lo é flertar com o caos e se tornar corresponsável por possíveis tragédias futuras. Já passou do tempo de o Brasil parar de brigar com meio-ambiente, entendendo que esta parceria é o mais importante ativo de nosso país.

Ambiente Estratégico

O governo brasileiro partiu para mais uma participação em um fórum internacional, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), a COP28. A participação do Brasil é importante neste tema, uma vez que pode usar a diplomacia ambiental como cartão de visitas do país na atração de investimentos, além de se preparar para sediar a COP30 em Belém em 2025.

Nosso país vai apresentar sua versão dos fatos, ou destacar aquilo que interessa, a começar pela apresentação dos resultados positivos na redução do desmatamento na Amazônia, que caiu 49,5% nos dez meses de 2023 na comparação com o mesmo período do ano anterior. Porém, nosso país pode ter dificuldade em explicar seu projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas ao mesmo tempo que o mundo busca abandonar os combustíveis fósseis. Algo que pode interferir na estratégia do Brasil como nação disposta a liderar pelo exemplo.

Apesar de manter-se na vanguarda dos discursos ambientalmente responsáveis, o país vem perdendo oportunidades sucessivas de apresentar resultados palpáveis de suas ações, algo que desloca o Brasil da posição natural de liderança ambiental. A diplomacia ambiental deveria ser o cartão de visitas de nossa política externa, porém o assunto tem sido sucessivamente rejeitado como estratégico pelos governos recentes.

Esta poderia inclusive ser a frente mais importante durante o período que nosso país passará pela presidência do G20, em 2024. O Brasil coloca o tema como uma das três prioridades de discussão, ao lado do combate à fome e a reforma do sistema global de governança, porém, ao selecionar três prioridades, pode sair do processo sem uma resposta real para qualquer uma destas questões.

Fato é que a COP30 e a Presidência do Brasil no G20 precisam ser usadas de maneira inteligente, como forma de reposicionar o país como player central na frente ambiental. Esta posição estratégica nos colocaria como uma nação relevante, ouvida também em outros fóruns, podendo estabelecer prioridades e orientar agendas. Tratar este assunto como acessório é desprezar nossa vantagem competitiva natural. Já passou da hora de destravarmos este potencial.

Este é o principal atalho para o Brasil se tornar uma potência global, atrair investimentos modernos, relevantes, mirando no desenho de uma nova economia que será realidade em pouco tempo. Ao rejeitar este caminho, seremos dependentes de uma economia velha e ultrapassada, dependente de matrizes vencidas e sem conexão com as novas economias. Nosso país não pode perder mais esta oportunidade.

O Brasil leva uma comitiva de 12 ministros para COP28, sendo que dos 2,4 mil brasileiros que se inscreveram para participar da cúpula em Dubai, 400 são do governo. A comitiva brasileira será formada ainda por empresários, cientistas, ativistas e políticos. Nosso país merece retorno deste investimento para além da preparação para a COP30. Será mais uma oportunidade que se apresenta para traçarmos um caminho estratégico na busca por um país capaz de conjugar a agenda ambiental com uma nova economia. Uma perspectiva que pode desenhar um futuro próspero para as novas gerações, longe dos discursos e perto das ações reais.