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Agora eles roubaram as manifestações do povo

Político brasileiro rouba tanto que agora roubou até a manifestação do povo. Quem lembra das passeatas de 2013 a 2016 sabe do que estou falando. Aquelas sim eram do povo. Político tentava entrar e era escorraçado. Teve até cena famosa: Aécio Neves sendo expulso da passeata pelo impeachment da Dilma. Era espontâneo, era indignação real. E teve efeito.

Político tem medo de povo na rua. E povo só bota medo se não tiver político liderando. Passeata com político na frente não mete medo em ninguém. A manifestação do Boulos não bota medo na direita. E a do Bolsonaro, mesmo cheia, também não bota medo na esquerda. Por quê? Porque político não tem medo de outro político. Medo eles têm é do povo sozinho. O povo que não aceita ser comandado, que não aceita ser paquita de político.

O que a gente vê hoje é que o brasileiro cansou. As ruas agora são das torcidas organizadas de político. É gente que sempre quis ser cadelinha de alguém. Que sempre precisou de um dono. Porque, se não fosse assim, o Brasil não estava na lama em que está. A verdade é essa.

Muita gente fala que é pelos presos do 8 de janeiro. Porque as penas foram desproporcionais, porque aquilo foi um absurdo. E eu digo: se você acreditou nisso, te fizeram de otária. A manifestação é para salvar a pele dos políticos, que estão virando réus agora. Passaram dois anos e ninguém foi pra rua pedir anistia. Justo agora que os políticos estão no alvo é que virou urgência? Coincidência não é.

E ainda tem outra: anistia não é para pessoa. Não existe anistia para os presos do 8 de janeiro. O que existe é anistiar a conduta. Ou seja, dizer que tudo aquilo pelo que foram condenados não é mais crime. E por que agora? Porque agora os políticos vão ser julgados pelas mesmas coisas. Eles não estão nem aí para o povo que foi preso. Estão se protegendo.

Se quisessem justiça para o povo do 8 de janeiro, fariam outra coisa. Lembrariam que esses processos têm que ser julgados na primeira instância. Que cada um deve responder pelo que fez. Que o STF não é o foro adequado pra julgar esses casos. Isso seria o certo. Isso seria o que o cidadão de bem quer. Mas isso não atende aos interesses dos políticos.

E é por isso que eu digo: manifestação puxada por político é perda de tempo. Reivindicação se faz com povo organizado e demandas claras, sem tutela política. Estão confundindo isso com micareta de homenagem a populista.

Livres da Polarização

*Artigo de Augusto de Franco, Roberto Freire, Eduardo Jorge e Gilberto Natalini

Há no Brasil de hoje dezenas de milhões de eleitores que não se sentem representados pelas forças que dominam a arena política. São esses – em boa parte – os que apoiam a democracia como um valor universal e que são contra toda sorte de preconceitos e discriminações. São os que acreditam na eficiência do Estado, mas defendem uma economia livre, querem aliar desenvolvimento e sustentabilidade, desejam empreender, mas precisam de apoio ou, quando menos, que não sejam atrapalhados, os que sabem que segurança é inteligência e a violência, irmã da desigualdade.

São os que não acham que um pouquinho de inflação faz bem, nem querem leis dos anos 1940 regulando o trabalho, como ficou patente com a decisão dos líderes governistas de abandonar o projeto com o qual o governo pretendia transformar em trabalhadores CLT os motoristas e entregadores de aplicativo. São os que não veem legitimidade em invasões e depredações de patrimônio público ou privado, sejam eles patrocinados pelo MST ou por partidários de golpes de Estado. São os que defendem, de forma intransigente, as liberdades de expressão, organização e manifestação de acordo com as regras do Estado Democrático de Direito.

Eles não estão nos extremos ou polos que viraram instrumento de análise da divisão a que o lulismo e o bolsonarismo submeteram a sociedade, ambos em busca do poder pelo poder. Eles não defendem, nem justificam, grupos terroristas como o Hamas, o Hezbollah, os Houthis e demais milícias do Oriente Médio que servem aos propósitos da teocracia iraniana e estão sendo usados pelas grandes autocracias do planeta contra os regimes democráticos – tampouco apoiam Nicolás Maduro, Vladimir Putin ou outros ditadores, de esquerda, de direita ou fundamentalistas religiosos.

Quem falará pelos cerca de 40% de brasileiros que não são petistas nem bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas? Os partidos políticos falharam em interpretar os sentimentos, captar as aspirações e endereçar soluções para os problemas desse imenso contingente populacional. Os que não minguaram viraram satélites dos dois campos que alimentam a clivagem social e política brasileira. Não por outra razão, pesquisa recente do Datafolha mostra que aumentou a desconfiança da população dos partidos políticos. Os números, aliás, são alarmantes: só 43% confiam “um pouco”.

A construção de alternativas à polarização, portanto, terá de partir dos insatisfeitos com esse estado de coisas. E, nesse campo, há grande diversidade. De intelectuais a políticos, passando por jovens idealistas, professores, profissionais liberais, trabalhadores de chão de fábrica e de empresas de tecnologia, entregadores e motoristas de aplicativos, empresários, agricultores, artistas, sindicalistas, cientistas, enfim, pessoas comuns que querem viver, estudar, trabalhar, empreender, se divertir, amar e se congraçar com seus semelhantes sabendo que somente a democracia pode configurar ambientes pacíficos onde seus direitos políticos e suas liberdades civis sejam respeitados e valorizados.

Uma oposição democrática aos populismos, no governo ou fora dele, já existe no Brasil. Ela ainda é pequena e está dispersa, mas não crescerá por mágica nas eleições deste ano ou nas próximas. Isso só vai acontecer se as forças políticas democráticas começarem a se articular para influenciar de pronto a agenda nacional, resgatando o espaço público dos populismos de esquerda e direita que o sequestraram. Isso exige conversação livre e franca entre pessoas que não imaginam ter o monopólio da verdade e que estão abertas a ouvir e entender os pontos de vista do outro e, se necessário, a mudar seus próprios pontos de vista, seja em busca de convergência, seja porque alguém teve uma ideia melhor. Isso exige empenho contínuo, um exercício permanente de olhar para a frente, de pensar o País para além das disputas de poder.

Há muita gente disposta a isso, dentro e fora dos partidos, centristas, à esquerda ou à direita, nos mais diversos Estados. Gente cansada do destrutivo e paralisante “nós contra eles”. Gente que espera há anos por políticas que deram certo em outros lugares do mundo, independentemente da ideologia de seus idealizadores, mas que aqui são sabotadas pela polarização. Seja na educação, com a reforma do ensino médio, ou no saneamento básico, com o marco legal, para ficar em dois exemplos recentes de tentativa de retrocesso.

Que todos esses comecem a se conectar, virtual ou presencialmente, não importa se em grande ou pequeno número. O resultado desse esforço não será uma frente de pessoas que pensam igual, mas uma ecologia de diferenças coligadas. Não se articularão apenas para lançar candidatos, embora daí nascerão opções aos extremos, mas para congregar quem deseja trabalhar pela despolarização. Em nome dos milhões de brasileiros que almejam viver em um país melhor e estão fartos de quem lucra com a divisão da sociedade brasileira.

*Roberto Freire é político e advogado, Eduardo Jorge e Gilberto Natalini são políticos e médicos, Augusto de Franco é político e escritor.