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Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke

O wokismo como cultura dominante progressista chegou ao fim com a contrarrevolução de Trump, é o que escreve Benedict Neff, analista político suíço, em seu artigo no Neue Zürcher Zeitung (NZZ).

Ao analisar a chamada “revolução do senso comum”, proclamada pelo presidente americano em seu discurso inaugural, o jornalista explica: “o que ele quer dizer com isso é que existem apenas dois gêneros e que as pessoas devem falar como quiserem — “liberdade de expressão“. Parece simples. E é. O senso comum não é muito exigente.

Por uma feliz coincidência, acabo de ler um divertido e interessante texto “entrevista com o senso comum”, escrito por Luiz Felipe Pondé.

Ao ser questionado por Pondé sobre o que considerava mais importante na sua vida, o senso comum respondeu: “minha família, que meus filhos não usem drogas e Deus”. Eis a chave do imbróglio político da atualidade e o motor que impulsiona a tal polarização.

Se a esquerda raiz já atacava a família – Marx e Engels a veem apenas como uma instituição burguesa voltada para a manutenção da propriedade privada – e Deus – A religião é ópio do povo – a nova esquerda pós-moderna e pós-marxista, conceitualmente nutrida por Marcuse, Foucault, Judith Butler, etc escancara essa guerra contra os valores morais de maneira chocante para o senso comum.

Um ponto importante, abordado também por Pondé em artigo anterior ao supracitado, é que essa esquerda nutella woke pretende “criar um novo senso comum”, o que é obviamente absurdo uma vez que “o senso comum não é algo que a engenharia social, paradigma da esquerda, consegue fazer acontecer”.

Esse anseio paradoxal e impossível de criar um novo senso comum explica parcialmente o alto grau de autoritarismo da militância woke.

Aceitar que um indivíduo adulto opte por tomar hormônios e fazer uma cirurgia para mudar de sexo sem se intrometer na sua vida nem condená-lo por viver assim não é mais suficiente. Você deve acreditar que esse indivíduo realmente mudou de sexo; pensar o contrário seria indicativo de intolerância e transfobia; expressar o que você pensa e acredita acerca disso pode lhe render processo e até cadeia.

Educar as crianças para esse novo mundo onde há mais gêneros do que cores do arco-íris é fundamental nesse processo de engenharia social; se você não acha que seus filhos devem ser educados nesse fantástico mundo de Bobby, prepare-se, seu reacionário homofóbico transfóbico de extrema direita, para ter problemas com o Estado e com seus amigos mais despertos (wokes).

Foi por se contrapor duramente a essa situação distópica que Trump assegurou, mais uma vez, a sua vitória, o que é um forte indicativo, segundo o jornalista suíço do NZZ, de que o Woke como cultura ocidental dominante chegou ao fim.

Benedict Neff lembra que “o antecessor de Trump, Joe Biden, assumiu o cargo em 2021 para formar o gabinete mais diverso da história americana e seu primeiro decreto foi sobre justiça social e equidade em relação às minorias. A ideia de que a sociedade deveria se tornar mais inclusiva, diversa e sensível parecia imparável no Ocidente. Isto foi considerado um progresso por excelência”.

Pesquisas mostravam, porém, que a maioria da população (o tal senso comum) ficava cada vez mais desconfortável com as proibições de pensar e falar que inevitavelmente acompanhavam o avanço das políticas afirmativas. Mesmo assim, os democratas continuaram enfiando goela abaixo da sociedade os valores DEI (diversidade, equidade e inclusão).

Um número cada vez maior de pessoas foi entendendo que essas políticas, que retoricamente afirmavam buscar a libertação das minorias, “na verdade as limitava à sua identidade, a categorias como origem, cor da pele e gênero”.

Donald Trump está acabando com as políticas DEI. É a revolução do senso comum. O problema é que a direita populista, nacionalista, iliberal, representada por Trump não é propriamente uma direita dotada de bom senso, mas uma direita que tende, também ela, a se contrapor a algo muito comum, genuíno e espontâneo: a compaixão, por exemplo.

Dentre as suas inúmeras medidas duríssimas contra imigrantes, destaca-se como particularmente desumana o ter encerrado o status de proteção temporária (TPS, na sigla em inglês), para mais de 300 mil venezuelanos nos Estados Unidos, que devem ser deportados para voltar a sofrer os horrores da ditadura de Maduro nos próximos meses.

Ao comprar a briga contra a cultura woke, Trump conseguiu votos e apoio daqueles que já estavam exasperados com o avanço da agenda delirante e intolerante da esquerda progressista. Sob esse aspecto, Trump parece ter sido um mal necessário para frear as pretensões de uma esquerda que levou seus erros longe demais.

Considerá-lo um mal necessário para o momento, porém, é diferente de fazer dele um ícone, um ídolo, um grande símbolo da liberdade, tal como o faz a direita brasileira, que o adora como novo mito.

Foi vexatória e patética a excursão de parlamentares brasileiros de direita para os Estados Unidos, primeiro no dia da eleição, depois no dia da posse.

Mas também foi e é vergonhosa, pelo motivo oposto, a cobertura da imprensa progressista sobre qualquer coisa que diga respeito a Trump. A imprensa não preciso idolatrá-lo nem demonizá-lo, mas acompanhar com atenção e senso crítico suas decisões.

Para voltar a citar o já referido artigo do NZZ, parece que “o momento está com Trump.”

Lembra Benedict Neff que, “Para Goethe, o zeitgeist era a predominância de um lado que assumia o controle da multidão e fazia o que tinha que fazer por um tempo, enquanto o outro lado tinha que se esconder. Mas em algum momento o zeitgeist muda novamente…”

A cultura woke tende a cair em ruína sob o peso do seu próprio absurdo. Resta saber que outro erro absurdo tomará o seu lugar a fim de resistirmos também a ele.

Direita e esquerda: os dois polos da estupidez

Direita e esquerda reduziram-se, no Brasil, a dois polos de estupidez. Isso chegou a um nível tal que não parece haver mais vida inteligente em nenhum dos lados dessa militância.

Cada um dos polos ideológicos, claro, vai se julgar superior; direitistas reacionários, principalmente aqueles que adquiriram seus conhecimentos políticos via Olavo de Carvalho e Brasil Paralelo medirão seu próprio conhecimento por contraposição à educação doutrinária e militante predominantemente de esquerda, a qual chamam depreciativamente (com uma dose de razão) de educação Paulo Freire.

Em ambos os lados, porém, há mero verniz intelectual encobrindo vasta ignorância. E aqui não faço apologia a um eruditismo vão e pedante. Pelo contrário, penso que faz falta nos dias de hoje a simplicidade da vida comum, o desprezo cético por teorias e discussões inócuas.

Temos vivenciado uma contínua subordinação das mais diversas esferas da vida às exigências políticas. Mas não há pensamento onde só há ideologia e, paradoxalmente, a politização de tudo equivale à própria destruição da política.

Isso tende a provocar nas pessoas mais sóbrias e ponderadas uma saturação, uma hostilidade e desprezo pela política e suas questões.

O debate público passa a padecer, com isso, de uma fuga de cérebros: aqueles que poderiam contribuir com alguma palavra sensata rendem-se ao cansaço e ao tédio, enquanto os exaltados, os fanáticos, os parvos e os mal-intencionados alçam a voz, preenchendo ruidosamente todos os espaços públicos, das redações de jornais aos púlpitos das igrejas, das tribunas às cátedras universitárias, das redes sociais aos quadros do funcionalismo público.

Essa extensão da visão político-partidária-ideológica para instâncias nas quais a importância política está justamente no caráter apolítico do exercício de tais funções é perigosa.

Há décadas, no importante ensaio “Verdade e Política”, a pensadora Hannah Arendt já alertava que determinadas instituições públicas, embora estabelecidas e apoiadas pelos poderes, precisam estar ciosamente protegidas da influência e da pressão política.

A politização, por exemplo, do judiciário e das instituições de ensino, algo tão gritante no Brasil, é inegavelmente prejudicial à cultura democrática, embora os que politizam tais setores o façam, na maioria das vezes, em nome da democracia.

Outro setor seriamente afetado pela estupidificação ideológica, pela má-fé e pelo servilismo dos que se curvam ao poder em detrimento de suas precípuas funções é a imprensa.

Em artigo recente, o jornalista Felipe Moura Brasil analisou o problema do ativismo no jornalismo mostrando os prejuízos da ausência de distinção entre informação e juízo de valor:

“No mercado da comunicação, além da eventual indistinção entre setores noticiosos, analíticos e opinativos, há profissionais e ´especialistas´ que buscam dar ares de informação a seus juízos de valor, enviesando o noticiário e turbinando um dos maiores problemas do nosso tempo: a perda da base comum de realidade objetiva, que finca as discussões públicas em alicerces factuais”, escreveu o diretor de Jornalismo desse portal O Antagonista e da revista Crusoé.

No já referido ensaio, Hannah Arendt analisa essa confusão entre fato e opinião, assim como a hostilidade à verdade factual quando esta se opõe ao lucro ou ao prazer de um determinado grupo. Esse aspecto também é abordado no artigo de Felipe Moura, que denuncia o ativismo político autoritário que busca deslegitimar com ofensas e distorções as poucas fontes idôneas de conhecimento factual.

Hannah Arendt foi uma filósofa judia, que fugiu do nazismo e se estabeleceu nos Estados Unidos, tornando-se uma pensadora mundialmente reconhecida por ocasião da publicação de As origens do totalitarismo (1951).

Sua obra analisa não apenas as entranhas de uma sociedade que se precipitou no abismo totalitário, mas expõe também os resquícios de tendências totalitárias que permanecem em germe nas sociedades atuais.

Não apenas na sociedade mundial, mas também aqui, na sociedade brasileira, há uma atmosfera autoritária perigosa, um ar difícil de respirar, politizado demais. Os sinais de que estamos no caminho da servidão voluntária são numerosos.

Esse caminho se alarga mais toda vez que o influente militante da direita aponta o dedo para toda a esquerda, amaldiçoando-a e o influente militante da esquerda aponta o dedo para toda a direita, defenestrando-a, como se apenas ali, no espectro político que não lhe diz respeito, estivesse todo o perigo e todo o mal.

A demonização do adversário político serve aos propósitos dos autoritários e o pendor autoritário é ambidestro.

O Brasil está mergulhado em um caos social. A raiva, o rancor, a decepção, a frustração dos brasileiros será mais uma vez manipulada, instrumentalizada se não rompermos a bolha da ignorância e do fanatismo.

Ainda somos uma democracia. Uma democracia disfuncional, agonizante. Cabe a nós, porém, revigorarmo-nos como nação livre, plural e tolerante ou deixarmos o nosso país se enterrar de vez ao som da trombeta apocalíptica de qualquer discurso político demagógico de ocasião.

Foto: Frederico Brasil/TheNews2/Estadão Conteúdo.

Lula: um abraço na democracia, outro em Maduro

Tudo o que eu tenho escrito e dito de relativamente importante a propósito de filosofia política pode ser resumido em uma tentativa de mostrar a necessidade de nos recolocarmos no fluxo da evolução de uma tradição democrática, liberal e humanista que se iniciou na Grécia como um anelo, um anseio, um elã por justiça e por liberdade.

A configuração social, o regime político, o sistema de governo que mais se aproxima da concretização desse anseio é a democracia.

O ter que qualificar tal modelo ao qual me refiro como democracia liberal seria desnecessário se a palavra democracia não tivesse sido deturpada, manipulada e instrumentalizada para defender justamente o seu oposto, dando ares de legitimidade a ações que lhe defraudam os princípios.

Essa manipulação maquiavélica daquilo que, para além de um mero conceito, é também um valor, atingiu níveis estratosféricos de cinismo, no Brasil, na semana passada, marcada pela patética cerimônia lulista em lembrança dos dois anos do 8 de janeiro de 2023, pela presença de representantes brasileiros e dirigentes petistas na posse de um ditador e pela histeria censora em torno da decisão da Meta de descentralizar a checagem de postagens nas redes sociais.

Abraço de amante na democracia relativa

Como foi bem pontuado por alguns poucos editoriais e artigos de quem prefere exercer o senso crítico à bajulação, Lula se apropriou do 8 de janeiro para posar, mais uma vez, de grande defensor da democracia. Nada mais distante da verdade.

Em um discurso que deveria ser solene, o presidente largou essa pérola: não sou nem marido, eu sou um amante da democracia. Porque, a maioria das vezes, os amantes são mais apaixonados pelas amantes do que pelas mulheres.”

Ah, a linguagem! Essa dama que os mal-intencionados tentam manipular, acabando presos nas suas complexas redes de sentido. Ao tentar exagerar o seu suposto ardor amoroso pela democracia, Lula apenas entregou a baixeza do seu caráter como homem: um homem vulgar, para quem é normal ter amantes e amá-las mais que a própria esposa.

Depois da tosca improvisação do discurso, Lula deu continuidade ao cerimonial patético: partiu rumo ao evento “abraço à democracia” onde minguadas centenas de militantes de esquerda deram as mãos e simbolizaram um abraço em torno da palavra democracia, escrita com flores que estavam em vasos no chão da Praça dos Três Poderes.

Lula X Maria Corina Machado

Em 9 de janeiro, um dia depois da encenação novelesca do suposto amor lulista pela democracia, dava-se, no país vizinho, um ato de genuína coragem e zelo democrático: milhões de venezuelanos saíam mais uma vez às ruas para cobrar respeito à vontade popular, que elegeu o ex-diplomata Edmundo González Urrutia como presidente da República.

A intimorata líder Maria Corina Machado saiu da clandestinidade e foi ter com o povo. Antes disso, já havia declarado: “se alguma coisa acontecer comigo, a instrução é muito clara para a minha equipe, para os venezuelanos: ninguém vai negociar a liberdade da Venezuela por minha causa.”

Como brilha a virtude para quem tem olhos para discerni-la! Como a força e grandeza dessa mulher ofusca e apequena ainda mais certas figuras que desempenham o papel de liderança política! Lula, por exemplo, jamais citou o seu nome. Certa feita, comparou-se a ela sem citar seu nome e, em tom de deboche, asseverou não ter ficado chorando quando ele próprio foi impedido de se candidatar…

Ah, a inveja! Como sofre a alma que dela padece…como se contorce o indivíduo vaidoso e moralmente débil, fustigado no seu orgulho ao ser confrontado por um indivíduo valoroso, portador da honra de que ele carece. Sobra-lhe isso: o deboche.

Ao sair da grandiosa manifestação, Corina Machado teve a moto que a conduzia interceptada pela Guarda Nacional Bolivariana. Ela foi, então, forte e bruscamente arrancada do seu veículo e colocada em outra moto entre dois homens.

Graças às redes sociais (essa ferramenta de interação global que a esquerda lulista está fortemente empenhada em censurar), a notícia do seu sequestro se espalhou rapidamente e, em questão de minutos, autoridades de diversos países mandaram duros recados exigindo sua imediata liberação. O Brasil de Lula, claro, permaneceu em silêncio.

“Amante secreto de Maduro”

No dia seguinte, 10 de janeiro, como se nada tivesse ocorrido, Lula enviou à Venezuela uma embaixadora brasileira para, ao lado dos ditadores de Cuba e da Nicarágua, participar do teatro que consumou o autogolpe de Estado com o qual Nicolás Maduro pretende se perpetuar no poder e continuar matando seu povo de terror e de fome.

A proximidade dos dois eventos – o “abraço da democracia” na Praça dos três poderes, em 8 de janeiro, e o endosso do Brasil ao golpe do ditador vizinho, no dia 10 – explicitou ainda mais a incoerência, a hipocrisia, o cinismo e até a maldade de quem se vale do nome democracia para fazer avançar a tirania, que é o seu exato oposto.

Dentre os vários comentários e trocadilhos aos quais o discurso improvisado de Lula, em 8 de janeiro, deu ensejo, foi do senador Sergio Moro o mais certeiro. Lula não é amante da democracia; “Lula é o amante secreto de Maduro.”

A formação do Ocidente

Guerras no Oriente Médio, invasão da Ucrânia, a ameaça do fundamentalismo islâmico, o imperialismo russo e a estupidez woke/identitária.

Esses foram alguns temas que abordei nos artigos que escrevi ao longo de 2024.

Neste novo texto, gostaria de focar mais no significado do Ocidente, a fim de salientar o que está em jogo com tais ameaças.

Passo a expor, portanto, de forma resumida, o conteúdo do livro O que é o Ocidente, do filósofo político francês, Philippe Nemo.

A tese central desse livro é que, no Ocidente, “foram alcançadas certas figuras do universal cujo desaparecimento ou enfraquecimento afetaria a humanidade como um todo.”

Segundo o autor, a civilização ocidental pode se definir “pelo Estado de Direito, pela democracia, pelas liberdades intelectuais, pela racionalidade crítica, pela ciência e por uma economia de liberdade baseada na propriedade privada”.

Tais valores e instituições foram o fruto de uma longa luta de construção histórica e de determinados acontecimentos essenciais.

Grécia e Roma

O princípio do governo da lei e o princípio da liberdade individual, por exemplo, foram uma inovação grega, herdada pelos romanos e posteriormente reformulada pelos filósofos políticos ingleses na forma do rule of law, um governo de leis e não de homens, cerne do ideal liberal moderno.

Os gregos inventaram o governo de lei, mas foram os magistrados e jurisconsultos romanos que o aperfeiçoaram no período da República Romana.

Os filósofos estoicos já haviam elaborado a teoria do cosmopolitismo, estabelecendo que a humanidade constitui uma comunidade única partilhando uma natureza humana idêntica.

As relações sociais no seio da comunidade deveriam, portanto, ser regradas tendo por referência uma lei natural, racional, da qual as leis positivas de cada cidade seriam uma aproximação.

O arcabouço conceitual trabalhado pelo direito romano procurou definir a propriedade privada, delimitando juridicamente o “meu” e o “teu” nas diversas situações possíveis.

Ao definir assim o domínio próprio de cada um, assegurando os seus direitos, o conceito de indivíduo ganhou relevância.

O Direito Romano foi não apenas uma das colunas principais sobre as quais se estruturaram os sistemas jurídicos modernos, mas também uma das fontes do humanismo ocidental.

Junto ao civismo grego, o progresso feito por Roma no Direito imprimiu na cultura ocidental o valor do Eu, fornecendo as bases sobre as quais o cristianismo se apoiou para afirmar o valor absoluto da pessoas humana, livre, moralmente responsável, criada e amada por Deus, dotada de uma dignidade intrínseca a despeito de quaisquer fatores contingentes como raça, condição social, gênero, etc.

A moral cristã

Embora se apoie na tradição moral e jurídica herdada da antiguidade pagã, a moral evangélica a supera e transforma por meio do sublime sentimento da compaixão, da caridade.

À exigência de justiça já presente no profetismo judaico, Jesus junta a misericórdia e uma elevada exigência de ação em direção ao outro, ao sofredor, ao próximo.

Trata-se de uma ética da superabundância, que não se esgota no dar a cada um o que é devido, mas alarga-se como doação de si no dever do amor.

“Ama o teu próximo como a ti mesmo”, eis a máxima.

Porque Jesus realizou na Terra o supremo sacrifício, o apelo cristão tornou-se um móbil para a própria sociedade que, insuflada e impulsionada pelos imitadores do Cristo, progrediu gradativamente no caminho da fraternidade universal.

A César o que é de César

Embora tenha havido momentos de confusão entre o poder religioso e o poder temporal, é possível defender a tese de que a dessacralização do poder na Europa foi fruto da religião judaica e da religião cristã, sendo a noção de laicidade depreendida do próprio texto bíblico.

No judaísmo e no cristianismo, o poder espiritual não se curva ao poder temporal; a salvação depende da conversão interior dos homens, nas quais trabalhavam os profetas e os santos.

A missão do Estado, por sua vez, era garantir a ordem social. A frase de Jesus “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, sanciona essa separação de papéis.

Essa cisão ou irredutibilidade entre os dois mundos, que será uma das fontes de nascimento das democracias modernas, também se expressa quando, ao ser confrontado por Pilatos acerca da sua realeza (Tu és rei?), Jesus responde: “Meu reino não é deste mundo”.

A mensagem bíblica, portanto, é uma mensagem de dessacralização do Estado. O Ocidente acostumou-se com essa mensagem e por ela se deixou moldar.

Não obstante, houve diversas tentativas de “ressacralização do Estado, seja sob uma forma autoritária ou absolutista (Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Hegel…seja sob uma forma totalitária”.

À esquerda ou à direita, encontram-se inimigos da sociedade aberta, que é a sociedade de direito e de livre mercado, a sociedade que preza a ordem espontânea.

Democracias liberais

Segundo Philippe Nemo, “a democracia é o nome especial dado ao liberalismo político e ao pluralismo nos procedimentos de nomeação de governantes e da tomada de decisões políticas.”

Ela não se desenvolveu, porém, de modo contínuo, mas foi um ideal lançado que precisou contornar inúmeros obstáculos e desvios a fim de reencontrar seu elã inicial e continuar o processo de abertura da sociedade.

Apesar de ter se configurado no Ocidente, a sociedade aberta concerne direta ou indiretamente a toda a espécie humana. Houve um avanço real na organização social e abrir mão desse avanço é uma escolha clara pelo retrocesso.

Adversários externos e internos

Na medida em que o Islã é uma das religiões do livro, há algum aspecto de proximidade do mundo árabe-muçulmano com o Ocidente.

Mas o Islã transformou e descaracterizou profundamente a ética recebida do judaísmo e do cristianismo.

Além disso, o mundo islâmico não assimilou os princípios do civismo grego e do direito romano.

Durante séculos, a educação do Ocidente formou a juventude com seus valores, ideais e normas.

As escolas e universidade formaram mentalidades ocidentais que, por sua vez, asseguravam a perpetuação dessas mesmas instituições.

Esse movimento circular foi rompido.

Tal rompimento, porém, não configurou progresso, mas retrocesso.

A cultura de cada geração é, de modo geral, o resultado da forma como foi educada a geração anterior.

O que hoje se convencionou chamar “cultura woke” é a consequência de décadas de uma educação ocidental marcada pelo desprezo dos seus próprios valores.

Nesse contexto, a excêntrica e perigosa aliança entre a esquerda woke (identitária) e o islamismo faz com que a atual disputa política deixe de ser um debate interno saudável e legítimo dentro do contexto de uma democracia para se tornar uma clivagem civilizacional que ameaça o próprio Ocidente.

Cena de Ainda Estou Aqui. Foto: Alile Dara Onawale

Ainda estou aqui

Eis que chega o dia de escrever meu último artigo do ano. E nesses dias – de festas para alguns, de reflexão para outros, de nostalgia para muitos – senti-me impelida a escrever sobre o filme brasileiro “Ainda estou aqui.”

Não sendo eu crítica de cinema, não escrevo como especialista, apenas como espectadora. E, como tal, já antecipo meu juízo de valor: o filme é bonito, é bem feito, é comovente.

É surpreendente que seja assim, uma vez que o tema da ditadura brasileira já foi tão explorado nas telas que se tornou um clichê pouco atrativo. O referido longa-metragem, porém, teve o grande mérito de tratar o tema sem distorções, sem tornar a arte serva da política.

Daí minha surpresa ao ler, em um desses sites mais à direita, uma crítica superficial e rasteira cujo título é “apesar de badalado pela mídia, ´ainda estou aqui não vale a ida ao cinema.” A referida crítica, maldosa e mal escrita, faz aquilo que injustamente acusa o filme de fazer: deixa a ideologia falar mais alto.

“Ainda estou aqui” não deixa transparecer em nenhum momento qualquer traço de servilismo ideológico. Apesar do pano de fundo político, a pretensão não é fazer proselitismo de esquerda; o filme é um drama, não um panfleto.

Claro que há um componente político, claro que uma mensagem política é passada, mas ela é passada com êxito porque flui naturalmente como algo que se vai depositando em nosso cérebro enquanto nossa emoção está envolvida com sentimentos universais.

O longa-metragem dirigido por Walter Salles, como muitos já sabem, é uma adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva e conta a história de sua mãe, Eunice Paiva (interpretada magistralmente por Fernanda Torres), uma mulher com cinco filhos que teve a vida bruscamente modificada após o sequestro e assassinato de seu marido (Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello) por agentes do regime militar.

Uma longa parte do filme é bem gasta retratando “a poética cotidiana na casa da família, que vai sendo gradativamente interrompida pela escalada do autoritarismo”, como bem notou o cineasta Josias Teófilo, em sua resenha na Crusoé.

De repente, seguem-se cenas intermináveis de tensão e a narrativa passa a focar a força de Eunice, a forma como ela passa a conduzir com coragem e firmeza de ânimo a sua vida e a dos seus filhos.

Há um tema que corre em paralelo que, a meu ver, dá o tom especial do filme: o tempo. O tempo em suas várias expressões: o tempo que passa, as memórias que ficam, as memórias que se vão ou que se escondem no fundo da alma, presa no corpo já velho e cansado que sucumbiu ao mal de Alzheimer.

É tocante a aparição de Fernanda Montenegro como Eunice. Aquela que foi a fortaleza moral da família e a protagonista durante todo o filme, aparece, em uma tomada de vídeo, em plano secundário, no canto da mesa, alheia ao burburinho, à azafama do entorno, absorta em si mesma.

O filme, em suma, faz jus ao sucesso. É delicado e profundo. E quisera eu parar por aqui meu comentário, apenas atestando a sua excelência. Mas, assim como apontei a insensatez de um crítico de direita, não me furtarei a apontar o absurdo das críticas da militância da esquerda identitária.

De modo geral, militantes identitários criticaram o filme porque ele abordou o tema da ditadura pelo recorte de uma família branca, abastarda, burguesa, moradora do Leblon.

Foi constrangedor ver o já bastante esquerdista Marcelo Rubens Paiva (filho de Eunice e autor do livro que embasou o filme) ter que dar satisfação sobre isso, no programa Roda Viva, confrontado com a crítica de “questão de classe” e “recorte racial” de um tal youtuber chamado “chavoso da USP”, que viralizou nas redes sociais.

Esse processo autofágico da esquerda por meio do identitarismo é assunto longo, ao qual pretendo voltar em artigo posterior. De momento, chamo atenção para algo que não me sai da cabeça: todo esse drama que os brasileiros enfrentaram entre 1964 e 1985 e que hoje rememoram através da arte é a realidade atual dos nossos irmãos venezuelanos.

Quem se compadece verdadeiramente das vítimas da ditadura brasileira deveria se compadecer igualmente das vítimas da atual ditadura venezuelana. Que uma ditadura tenha sido de direita e que a outra seja de esquerda, pouco importa. Já passa da hora de amadurecermos como nação democrática e livre. Livre de ideologias perversas que justificam tais aberrações e atrocidades.

Há muitos “Rubens Paivas” sendo mortos pelo regime de Nicolás Maduro; há muitas mulheres como Eunice, suportando a dor da perda de seus maridos e seus filhos sequestrados, torturados e assassinados por esse cruel regime, que já se vai tornando pior do que uma ditadura e se transformando em um Estado totalitário.

Aos que criticam os negacionistas da ditadura militar brasileira e que, com razão, combatem os reacionários que pretenderam reinstaurá-la, fica o meu apelo para que condenem toda e qualquer ditadura, inclusive aquela que se diz socialista.

Foto: Ali Haj Suleiman

O lamento da esquerda pelo fim da ditadura de Bashar Assad

Em várias cidades da Síria, multidões fizeram festa para celebrar o fim da ditadura de Bashar Assad. Especialmente em Damasco, a capital, milhares de pessoas ocuparam ruas e praças para expressarem alegria e júbilo pela destruição de uma tirania brutal que, passando de pai para filho, já durava mais de 50 anos.

Tais manifestações foram registradas, com abundantes imagens que percorreram o mundo pelos canais de TV e pela internet. Não obstante, parte da esquerda desprezou o povo sírio, declarou a derrota de Assad como trama pérfida do imperialismo e derramou-se em desalentado pranto pelo fim de uma das mais ignóbeis ditaduras da história.

Certamente, não foi toda a esquerda: existem correntes de uma esquerda moderada, como o trabalhismo e a social-democracia, que conservam o juízo e honram a convivência democrática. Todavia, é a estridente esquerda sul global que se vem fazendo ouvir mais intensamente.

Essa esquerda autoritária, inimiga declarada da civilização ocidental, fez opção preferencial pelas autocracias e chora a ditadura que agora se foi.

Saydnaya, “matadouro humano”

As perversidades do regime sírio estão agora em foco, com destaque para Saydnaya, prisão militar ao norte de Damasco, um local de tortura e matança do regime de Bashar Assad.

Qualificada como um “matadouro humano” por organizações de direitos humanos, essa prisão foi construída pelo pai de Bashar, o então ditador Hafez Assad. Desde então, tornou-se esconderijo de atrocidades, onde milhares de pessoas foram detidas, torturadas e executadas:

“Numa das salas, os corpos dos presos eram esmagados numa prensa…”; “Depois do esmagamento, segundo relatos dos rebeldes, o que sobrava dos cadáveres era dissolvido em ácido”, diz o trecho de uma reportagem da Euro News.

A mesma matéria denuncia uma verdadeira política de extermínio em Saydnaya: “Entre 2011 e 2015, 13 mil pessoas foram enforcadas nesta prisão, de acordo com a Anistia Internacional – várias dezenas de execuções por enforcamento foram ali consumadas todas as semanas.”

Pepe Escobar e Jeffrey Sachs

Nada disso, porém, comove a hipócrita esquerda sul global, cujo discurso tem se concentrado em apontar participação da Otan e de Israel na campanha contra o regime deposto e em lamentar a queda de Bashar Assad como uma derrota na “luta anti-imperialista”.

Pepe Escobar, por exemplo, “jornalista” brasileiro, inflamado defensor da tirania de Putin na Rússia e da tirania dos aiatolás no Irã, definiu a queda de Assad, em entrevista à TV 247, como “um dos espetáculos mais tristes da história” e lamentou o fim da ditadura de Assad como “uma derrota estratégica enorme para a Rússia e para o Irã”.

Já o economista norte-americano Jeffrey Sachs, que se tornou querido da extrema esquerda por sua predisposição contra Israel e os EUA, escreveu o seguinte, em artigo no site progressista Common Dreams: “[…] Sem dúvida, Assad muitas vezes cometeu erros e enfrentou um descontentamento interno severo, mas seu regime foi alvo de colapso por décadas pelos EUA e Israel.”

Como podemos ver, Jeffrey Sachs concede, en passant, que Assad cometeu erros e enfrentou descontentamento. Porém, esta miserável concessão diante dos horrores de mais de 50 anos de atrocidades dos Assad é apenas um cisco em meio a um rio de lágrimas vertidas em honra da ditadura morta ao longo do referido artigo.

O futuro da Síria

Não sendo possível a quem tem bom senso negar a importância do fim de uma tirania de meio século, ainda assim, há reais motivos de preocupação com o futuro da Síria.

Como já amplamente divulgado, as forças rebeldes vitoriosas são compostas por facções heterogêneas que vão de grupos moderados até fundamentalistas islâmicos radicais.

A facção principal, o grupo Hay’at Tahrir Sham (HTS) é uma organização política e paramilitar jihadista. O líder desse grupo, Abu Mohammed Jawlani foi chefe de uma antiga afiliada da organização terrorista Al Qaeda.

Porém, desde que abriu dissidência da sua antiga organização, Al Jolanne passou a dar vazão a um discurso mais moderado e tenta mostrar abertura para o diálogo; se há fortes motivos para preocupação, não é, porém, descabido que se alimentem esperanças.

O presidente Joe Biden mandou mensagem afirmando que os EUA querem colaborar para levar adiante o processo de transição para uma Síria independente e soberana; porém, marcando a posição de continuar lutando contra o Estado Islâmico.

Países europeus como França, Espanha, Inglaterra, Polônia, Itália e Alemanha mandaram mensagens semelhantes, enfatizando a construção da soberania Síria e alertando contra o perigo dos extremismos.

Enfim, querem ajudar. Já os esquerdistas sul globalistas querem atrapalhar. Se pudessem, retornariam com o ditador Assad e reativariam a prisão de Saydnaya.

Zeitgeist: o espírito do (nosso) tempo

“Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”, escreveu Marx, em 1848, na abertura do Manifesto Comunista. Após causar muito terror e desgraça, esse espectro foi, num certo sentido, exorcizado. Mas ele, assim como o nazismo, foi apenas a manifestação de outro espectro mais difícil de afastar: a inclinação humana ao coletivismo e a tendência ao totalitarismo.

O espectro do totalitarismo voltou. Isto já deveria estar claro para uma mente mais alerta. O ódio difuso e mal dissimulado, o resgate de velhas fórmulas de preconceito, o medo arraigado de perder o próprio bem-estar (como se o bem-estar fosse um valor supremo), o delírio febril em torno de líderes e o pouco apreço ao indivíduo real que sofre, vítima do infortúnio ou do ódio de desajustados de pendor autoritário são alguns sintomas desse retorno.

O espírito do nosso tempo requer uma análise mais psicológica do que política. O analista político não alcança as sutilezas do movimento interno das massas.

Psique coletiva

Se considerarmos toda a história da humanidade, a civilização é ainda uma novidade, de modo que não deveríamos nos espantar tanto quando pessoas se comportam de um modo primitivo.

Há duas formas, porém, de nos relacionarmos com o primitivo: atualizando-o psiquicamente por meio da manifestação de seus símbolos e engrandecendo a personalidade pela assimilação de alguns dos elementos dispersos do inconsciente coletivo ou nos deixando subjugar inconscientemente pela sua força.

A psique coletiva compreende as partes inferiores das funções psíquicas, por conseguinte, como explica Carl Gustav Jung, o indivíduo que incorporar inconscientemente a psique coletiva preexistente ao seu próprio patrimônio ontogenético estenderá de modo ilegítimo os limites de sua personalidade, inflando-a, intensificando a importância do ego e levando o indivíduo a uma patológica vontade de poder.

O desenvolvimento da personalidade exige sua diferenciação da psique coletiva a fim de evitar uma nefasta fusão do individual no coletivo e o cultivo espiritual dessa personalidade pelo processo de autoconhecimento é condição para que indivíduos não sucumbam às suas próprias sombras e, sucumbindo, abram as portas para a sombra coletiva.

O nazismo só foi possível porque um enorme número de indivíduos espiritualmente embotados, psiquicamente fragilizados tornaram possível aquela terrível psicose em massa.

Islamismo, identitarismo e o tribalismo anti-universalista

Infelizmente vivemos hoje algo parecido. O massacre perpetrado contra judeus em território israelense em 7 de outubro de 2023 deu uma amostra do que o ódio bestial como sombra projetada pela psique coletiva do Islamismo é capaz de fazer e o suporte que parte do Ocidente deu aos perpetradores daquele massacre deu uma amostra do tipo de violência que a adoecida psique ocidental é capaz de justificar.

Apesar de ser uma religião mais nova que o judaísmo e o cristianismo, o islamismo se expressa como uma religião primitiva, tribal, fechada. Suas práticas, seus cultos, mas principalmente sua moral é incompatível com uma sociedade aberta e em constante evolução. Por isso mesmo encontram nela guarida milhões de almas entorpecidas e ainda imaturas, incapazes de assumir as altas responsabilidades que cabem a um indivíduo autônomo e consciente de si.

Do lado ocidental, o primitivismo aflora na política como sentimento de apego a grupos identitários. Como explica Antônio Risério no seu livro “Identitarismo”, a esquerda atirou longe o marxismo para se associar “tanto ao totalitarismo terceiro-mundista quanto ao obscurantismo religioso dos aiatolás da morte, ao antissemitismo e ao neorracismo”.

Após o vazio ideológico gerado pela crise do comunismo, a nova esquerda “elege o muçulmano ou o negro como arquétipo do “oprimido” e sucedâneo do “proletariado”: “A ditadura iraniana pode prender e matar mulheres, o fanatismo muçulmano pode incendiar homossexuais vivos na Nigéria, os ex-comunistas chineses podem promover campanhas genocidas contra os uigures. E tudo bem: não existe pecado fora dos limites geográficos tradicionais do Ocidente. […] O identitarismo, em seu tribalismo antiuniversalista, conduz-se como se não tivesse absolutamente nada a ver com isso”.

Ocidente e democracias liberais

A cultura ocidental não é superior em um sentido absoluto, pois cada povo e cada civilização tem sua contribuição a dar à humanidade. Mas há de se reconhecer que, do ponto de vista político, mais vale uma sociedade regida pelo direito e pelo respeito à liberdade individual do que sociedades regidas pela sharia ou pelo despotismo oriental.

A superioridade política do Ocidente está na liberdade dada ao indivíduo sob parâmetros éticos universais. Não se chegou a isso de uma hora para outra. Sua conquista, tanto no sentido das lutas concretas, quando dos esforços intelecto-morais para concebê-la, confunde-se com o próprio desenvolvimento civilizatório.

É um pouco nesse sentido que penso deva ser lido o clássico de Francis Fukuyama, “O fim da história”, ou seja, não no sentido de um fim concreto da história ou da perenidade de uma forma muito específica de regime político, mas como a intuição de que o impulso moral que está na base das democracias liberais não pode ser eliminado porque há algo de essencial nessa concepção política ocidental que é a democracia.

Paradoxalmente, sua essência é sua própria incompletude ou abertura, como explica o filósofo francês Henri Bergson, para quem o ideal democrático é originalmente religioso, é o eco político do apelo à fraternidade lançado pelo cristianismo. O apelo é definitivo, a resposta a ele depende da humanidade.

Homem primitivo e sociedade fechada

A democracia é, segundo Bergson, de todas as concepções políticas, a mais distante da natureza, a única que transcende, ao menos em intenção, as condições da sociedade fechada. Atribuindo ao homem direitos invioláveis, ela pede também ao homem uma fidelidade inalterável ao dever, uma capacidade de ser livre e autônomo, legislador e sujeito, um cidadão ideal, tal como queria Immanuel Kant.

Mas o homem, infelizmente, está mais perto da natureza do que do seu ideal. E o recrudescimento para o primitivismo das sociedades fechadas é uma ameaça constante que não pode ser menosprezada.

A sociedade fechada é aquele onde seus membros são indiferentes ao resto dos homens, estão sempre prontos a atacar ou a se defender, restritos a uma atitude de combate. Para ela, faz-se necessário um chefe que estabeleça, de um lado, o comando absoluto e, de outro, a absoluta obediência.

Autoridade, hierarquia e fixidez são as marcas de uma sociedade primitiva, que se reproduzem em sociedades não-democrática de qualquer época. A sedução que uma tal estrutura social ainda provoca em muitos é uma prova de que, por trás do verniz civilizatório, o instinto primitivo ainda pulsa em nós. Há “um instinto profundo de guerra que recobre a civilização”, explica Bergson.

A força do indivíduo

Estamos, então, condenados à fatalidade da guerra, ao retorno ao primitivismo das sociedades fechadas? Não, se aprendermos a lidar com as disposições da espécie que subsistem no fundo de cada um de nós.

Talvez devêssemos levar a sério a máxima da psicologia analítica segundo a qual algo interno que não se torna consciente acontece no mundo externo como uma sina. Somos nós que fazemos a nossa própria época. “Todo o futuro, toda história do mundo, brota fundamentalmente como uma gigantesca somatória das forças escondidas nos indivíduos”, escreveu Carl Gustav Jung

Deveríamos, pois, exigir de nós mesmos e dos políticos, maior consciência psicológica em vez de projetarmos coletivamente nosso primitivismo.

O avanço tecnológico não nos salvará, se não nos salvarmos de nós mesmos. “A humanidade geme, meio esmagada sob o peso do progresso que realizou”, escreveu Bergson no último parágrafo de seu último livro. “Ela não sabe o suficiente que seu futuro depende dela…”.

Foto: Igo Estrela/Metrópoles.

Anistia sim; para Bolsonaro e para a “rataria”, não

Felipe Moura Brasil publicou, em O Antagonista, texto extenso e criterioso detalhando palavras e ações não republicanas de Jair Bolsonaro e seu entorno, elencadas desde julho de 2022 até o recente indiciamento pela Polícia Federal do ex-presidente e mais 36 envolvidos como suspeitos em uma tentativa de golpe de Estado.

O título do artigo – “Como Bolsonaro alimentou a ´Rataria´”– já indica ao leitor o nível rebaixado no qual os planejamentos do assalto ao poder transcorreram. “Rataria”, no caso, foi palavra usada por um dos participantes do plano para designar os aliados mais aloprados do então ainda presidente Bolsonaro: aqueles que estariam dispostos a agir fora do limite de inibições éticas.

Há quem continue negando os fatos ou minimizando sua gravidade. Se o caro leitor é um desses, sugiro consultar as quase 900 páginas do inquérito da PF que resultou no indiciamento ou ir direito à cronologia dos fatos resumida no artigo supracitado. Limito-me aqui a comentar o tema da Anistia aos condenados do 8 de janeiro.

PL da Anistia

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 5064/2023 que concede anistia aos acusados e condenados pela invasão das sedes dos três poderes da República em 8 de janeiro de 2023.

Esse PL tinha boas chances de ser aprovado até quando sobrevieram, seguidamente, a tragédia do bolsonarista suicida que atacou o Supremo Tribunal Federal e o inquérito em tela. Agora, sua aprovação tornou-se improvável; e muitos já dão a antes possível Anistia como morta e enterrada.

Mas a anistia me parece justa, desde que haja o cuidado de afastar o claro objetivo de anistiar os condenados pela sublevação de 8 de janeiro do insinuado propósito de fazer subir nesse PL um “jabuti” para recuperar a elegibilidade de Bolsonaro e/ou salvá-lo antecipadamente de possíveis futuras condenações em face dos vários inquéritos policiais de que é objeto; medida que poderia se estender aos 36 outros envolvidos no inquérito do momento.

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro deve ser considerada à parte. O ex-presidente foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter – quando no cargo de Presidente da República – reunido embaixadores para desabonar a Justiça Eleitoral brasileira contando mentiras (pelo menos, ele jamais juntou às graves acusações que fez nenhum fiapo de prova). Portanto, esses fatos não estão vinculados aos episódios de 8 de janeiro e não tem cabimento apelar para que sejam tratados no PL da Anistia.

Os condenados do 8 de janeiro de 2023 e a rataria

Embora haja vínculos entre a invasão dos três poderes em 8 de janeiro de 2023 e o suposto planejamento de golpe de Estado transcorrido entre novembro e dezembro de 2022, eles não são a mesma coisa; e mais: condenação é uma coisa e inquérito é outra.

Quem é condenado está cumprindo pena ou foragido. Quem é alvo de inquérito – salvo decretação de prisão preventiva – permanece em liberdade com largo tempo pela frente para poder se defender. A defesa de Bolsonaro e dos outros 36 envolvidos tem a oportunidade de tentar provar que são inocentes sem necessidade de pleitear qualquer anistia.

Em relação aos “peixes pequenos” já condenados pela baderna de 8 de janeiro há uma flagrante injustiça na forma de exorbitância das penas: condenações de até 17 anos de reclusão para pessoas que vandalizaram os ambientes dos poderes, quebraram vidraças, surrupiaram lá uns objetos, sentaram nas cadeiras de autoridades, escreveram desaforos em estátuas com batons…

Sem dúvida, são ações reprováveis e merecedoras de punição; jamais, porém, num exagero de dosimetria de pena que revela mais o desejo de vindita do que o cumprimento sensato e equilibrado daquilo que a Lei e a Justiça ordenam.

Qual seria a dosimetria justa nesses casos? Não sei, mas o bom senso diz que os condenados já pagaram o suficiente; daí a urgência da viabilização do PL da anistia.

A injustiça contra os condenados do 8 de janeiro tornou-se ainda mais patente com as revelações do inquérito da “rataria”.

Os referidos condenados – na maior parte gente humilde e anônima – foram instrumentalizados: usados como massa de manobra por gente poderosa que segue livre. Se agora essa gente – ou parte dela – encontra-se num certo aperto por causa do inquérito da PF, que não busque escapar prejudicando aqueles que já foram tão prejudicados por suas inescrupulosas manipulações; que não tente a “rataria” pegar carona na anistia alheia.

Imagem: murathakanart/Shutterstock

Ameaça nuclear de Putin e o sentido da política para o Ocidente

Há quem defenda que a terceira guerra mundial já começou. Há quem julgue que falar em terceira guerra mundial é exagero. O fato é que se desdobram diante dos nossos olhos sonolentos e incrédulos uma série de alianças e movimentações militares muito preocupantes. A sequência de lances da última semana não pode ser menosprezada:

Em resposta ao envio de tropas norte-coreanas para lutar pela Rússia na guerra de invasão contra a Ucrânia, o presidente cessante dos Estados Unidos, Joe Biden, liberou o uso de mísseis de longo alcance contra as regiões russas de fronteira. Ato contínuo, o tirano da Rússia, Vladimir Putin, revisou a doutrina nacional de defesa a fim de alargar as condições de uso do arsenal nuclear.

Na nova doutrina, o lançamento de mísseis de longo alcance contra a Rússia passou a ser motivo para uso de armas nucleares. Mísseis esses que logo foram disparados pela Ucrânia. Sergei Lavrov, o ministro das relações exteriores da Rússia declarou então – em solo brasileiro, pois aqui estava por ocasião da cúpula do G20 – que o ato era visto “como uma nova fase da guerra ocidental contra a Rússia” e que a Rússia responderia de maneira “apropriada”.

É verdade que Putin já levantou o espantalho nuclear dezenas de vezes, mas até para quem está acostumado com a retórica das trocas de ameaças bélicas, o momento é preocupante.

Poder de destruição e poder político

Recordo-me de um trabalho escolar de História que precisei fazer, em 1995, a fim de marcar os cinquenta anos do lançamento da bomba atômica sobre as cidades japoneses Hiroshima e Nagazaki. Aluna aplicada que eu era, fiz boa pesquisa; o que li e as imagens que vi foram impressionantes para os meus doze anos de idade. Quase consigo reviver a sensação de choque e angústia com que colei os recortes de uma edição especial sobre o tema em uma cartolina para a apresentação escolar.

Um clarão apocalíptico e milhares de vidas aniquiladas instantaneamente. A liberação de uma enorme concentração de energia e seus efeitos devastadores. A radioatividade como terrível subproduto da já pavorosa explosão. Se há um inconsciente coletivo, essa imagem provavelmente está lá, nas profundezas do nosso psiquismo, e os acontecimentos atuais são de modo a favorecer a sua eclosão em estranhos pesadelos.

Putin está, mais uma vez, blefando? Tal questão nos desperta para a enorme responsabilidade ética que pesa sobre a política atual.

Em fragmentos de textos nos quais disserta sobre a definição de Política, a pensadora Hannah Arendt explica que a pergunta sobre se a política ainda tem algum sentido é “forçosamente formulada em vista do monstruoso desenvolvimento das modernas possibilidades de destruição cujo monopólio os Estados detêm.” É no mínimo instável uma situação na qual “a continuidade da existência da humanidade e talvez de toda a vida orgânica da terra” depende da política; e de políticos que costumam blefar.

Questionada, em entrevista ao jornal alemão Tagesspiegel, sobre a probabilidade real de uma guerra nuclear, além de toda a retórica, Sharon K. Weiner, uma professora de Relações Internacionais da Universidade de Princeton e especialista em estratégia de armas nucleares respondeu: “O que me incomoda é que, a despeito do fato de que morreríamos numa guerra nuclear, ambos não temos voz na questão de saber se as armas nucleares serão ou não utilizadas.”

Alguns trechos dessa interessante entrevista, publicada em abril deste ano, me chamaram atenção. Segundo a professora, “não existe nenhum acordo secreto para impedir o uso de armas nucleares antes que o mundo seja destruído”. Ninguém sabe bem o que acontecerá se a Rússia realmente usar armas nucleares contra a Ucrânia porque não há diretrizes de como evitar uma escalada. A única estratégica com a qual se trabalha é a lógica de que “a outra parte poderá, em algum momento, sentir-se compelida a desescalar – simplesmente para salvar o mundo.”

A hipótese de que não haverá uma guerra nuclear sustenta-se, portanto, em uma crença na racionalidade dos políticos que têm poder de decisão sobre o uso de tais armas. Ninguém usaria armas nucleares porque o mundo poderia acabar. “Ninguém é doido de começar uma coisa dessas”, ouço por aí. Não me parece que este seja um argumento decisivo e tranquilizador. Há, pois, alguma probabilidade de que o atual conflito se desenvolva da pior forma possível.

Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal

Os pais de Anne Frank mudaram-se de Frankfurt para Amsterdã para fugir do ódio antissemita que tomava conta da Alemanha. A menina judia aprendeu a nova língua, fez novos amigos, frequentou a escola e levou uma vida relativamente tranquila até que, em 1940, os nazistas invadiram a Holanda.

Durante os dois anos em que permaneceu escondida no anexo secreto da empresa de seu pai, a menina registrou suas impressões em um diário que ganhou ao completar treze anos. Sua história, sabemos, não teve um final feliz. O diário de Anne Frank chegou até nós, mas a menina judia morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen, em 1945, aos quinze anos de idade.

Após a segunda guerra, o diário tornou-se conhecido em todo o mundo, sendo difundido principalmente em escolas, para adolescentes da idade dela, com o objetivo de conscientizar as novas gerações acerca do horror do holocausto.

Organizações e instituições de combate à violência, à intolerância e ao antissemitismo foram criadas sob a inspiração do seu nome. Memoriais se espalharam e monumentos foram construídos.

Um monumento é um símbolo, um signo. Uma sociedade que ergue um monumento em memória de uma vítima do holocausto está expressando seus valores, está dizendo que honra as vítimas, que não nega a história e que vigia contra o retorno ao passado sombrio. Em 2024, porém, a estátua de Anne Frank, em Amsterdã, foi duas vezes vandalizada.

Militantes “pró-Palestina” escreveram nela com tinta vermelha o slogan “Free Gaza”. Que tipo de valores subjacentes se fazem expressar por tal ato, também ele simbólico? Que tipo de modelo social defendem aqueles que clamam pela destruição de Israel, veem no Hamas uma legítima forma de resistência, honram a memória de terroristas e desonram a memória de uma menina judia morta em um campo de concentração nazista?

Revisionismo histórico e ódio ao Ocidente

Há uma ideia difusa na sociedade que precisa ser contida. Não por meio da força, apenas, porque a força é insuficiente para deter a propagação de ideias más.

É preciso refletir sobre o ponto principal de toda essa inversão de valores que fez com que o próprio holocausto fosse deturpado, passando a ser apresentado como um dentre tantos outros ataques contra minorias, quando se tratou fundamentalmente de uma tentativa de apagar a história judaica da face da terra, apagando o seu povo por meio do extermínio.

É o sentido histórico que o povo judeu carrega que está sendo combatido, pois o revisionismo requer que o historiador conceba os fatos não como o desenrolar no mundo de uma ideia divina, de uma revelação ou de um projeto pedagógico de emancipação espiritual, mas como uma luta sem trégua entre opressores e oprimidos, cuja redenção dependerá de uma solução política e não do triunfo do homem sobre si mesmo em busca de um reino que não é desse mundo.

O que se confronta e o que se tenta eliminar desde sempre não é apenas o povo judeu, mas aquilo que a sua história guarda, um sentido transcendente e sagrado, indispensável para a compreensão dos valores éticos e morais que nos moldaram e que, felizmente, ainda nos moldam.

Somos uma civilização socrático-platônico-judaico-cristã, como bem percebeu Nietzsche, que a confrontou com muito mais genialidade e elegância do que o fazem hoje esses jovens incultos e furiosos que vão às ruas com seus keffyehs cantando “From the River to the Sea, Palestine will be free” e erguendo cartazes “globalize the intifada.”

Sabe-se que os nazistas estabeleceram relações especiais com a irmandade muçulmana; hoje, porém, quem mantém esses laços estreitos são as entidades políticas de esquerda, fenômeno que tem sido chamado de islamoesquerdismo, espectro ideológico que responde pela quase totalidade dos ataques antissemitas dos dias atuais.

A aliança entre o fundamentalismo islâmico e a extrema esquerda é compreensível porque tem por base o ódio ao Ocidente e aos seus valores universais, cuja recusa abre caminho para a justificação da violência mais bestial.

Por outro lado, trata-se de uma aliança estúpida porque, cedo ou tarde, os aliados ocidentais serão submetidos à mesma violência que hoje justificam contra o suposto inimigo comum.

Pogrom em Amsterdã e culpabilização da vítima

Mas o que me motivou a começar esse texto citando Anne Frank foi o não tão inesperado Pogrom que ocorreu em Amsterdã, em 7 de novembro de 2024.

“Nós falhamos com a comunidade judaica dos países baixos durante a segunda guerra mundial e ontem falhamos novamente”, declarou Willem-Alexander, rei dos países baixos, um dia depois do ocorrido.

O que ocorreu nessa noite na mesma terra em que viveu a icônica menina judia? Multidões de migrantes muçulmanos do norte da África e do Oriente Médio que vivem na Holanda, junto com seus aliados progressistas “Pró-Palestina”, começaram uma caçada contra judeus israelenses, que estavam na capital holandesa para assistir a uma partida de futebol do time Maccabi Tel Aviv.

Torcedores foram emboscados, jogados em rios, atropelados por carros, espancados até ficarem inconscientes.

Como no dia 7 de outubro de 2023, muitos agressores filmaram o próprio ato, vangloriando-se da barbárie. Em um dos vídeos que vi, um jovem caído no chão levava vários chutes enquanto tentava se afastar rastejando e dizendo “eu não sou judeu”. Em outro vídeo, os agressores exigiam do agredido que dissesse “Palestina livre!”, em outro vídeo, ouve-se alguém do grupo agressor gritar “hoje vamos caçar judeus.”

Mesmo com todos esses vídeos, houve jornais que noticiaram o ocorrido como sendo uma simples confusão, mais uma briga de torcida. Houve quem se apressasse em dizer que alguns torcedores do Maccabi entoaram cânticos racistas e rasgaram uma bandeira da Palestina, logo…os judeus mereceram a violência de que foram vítimas.

A retórica ofensiva e inflamada contra o Estado de Israel, essa distorção da realidade que estamos acompanhando há décadas, essa perda progressiva de contato dos jovens com seus valores em instituições de ensino rendidas à hegemonia de um pensamento que transgride e destrói para nada de bom construir, toda essa repulsiva justificação da violência por motivações político-ideológicas já foi longe demais. É preciso dar uma basta nessa ignorância coletiva que facilmente se torna ódio coletivo e violência coletiva.

Pensamento crítico não é o pensamento do revoltado ou do revolucionário infantilizado e dementado por ideologias ruins. Pensamento crítico é aquele que vê as nuances de uma situação e que a julga com o repertório moral que lhe é próprio.

É preciso, pois, um repertório moral. É preciso saber distinguir o certo do errado, o moral do imoral e encarar com seriedade e honestidade os inúmeros dilemas éticos que se apresentam em tão conturbados dias.

Não há, porém, dilema ético algum entre condenar ou justificar o massacre contra civis israelenses em 7 de outubro de 2023; não há dilema ético nenhum entre condenar ou justificar o ataque contra torcedores israelenses em 7 de novembro de 2024. O que há é uma degradação moral do ser humano que os justifica.