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Protesto contra o antissemitismo na Bélgica — Foto: AFP

Marxismo, identitarismo, decolonialismo e o novo antissemitismo

Por esses dias escrevi alguns parágrafos para a orelha do livro do professor Rodrigo Jungmann, que será publicado em breve. No seu ensaio, intitulado “Deturparam Marx?” Jungmann declara que o texto nasce de um “assombro com a popularidade do comunismo entre professores, estudantes, formadores de opinião brasileiros, a despeito de toda a inegável crueldade inerente a esse sistema”. 

Comento, então, que, de fato, esse cenário é preocupante, tanto mais que a justificação da violência revolucionária presente na teoria marxista transmutou-se, dando as caras hoje, por exemplo, como legitimação do terror islâmico num cenário em que palestinos são colocados no papel dos oprimidos da nova era, sendo os muçulmanos, por conseguinte, interpretados e apoiados como novos sujeitos revolucionários para os quais toda “resistência” é legítima.

Tenho refletido e escrito sobre isso desde o dia 7 de outubro de 2023, quando um ataque bestial, grotesco, horrendo, cruel e covarde perpetrado pelo grupo terrorista palestino Hamas contra israelenses/judeus foi festejado pela extrema esquerda como um ato de resistência. Parece-me não ser possível compreender tão odiosa atitude sem ter em mente essa chave de interpretação: os muçulmanos substituíram o proletário do papel de oprimidos. Para que se tenha uma dimensão do que isso significa convém considerar algumas nuances da teoria marxista. Para isso me valho do ensaio acima referido que prefaciei.

Depois de demonstrar, em livro anterior (“Marx e Engels: o que não te contaram”), a existência, na obra de Marx e Engels, de racismo, antissemitismo e homofobia, Jungmann expõe, em “Deturparam Marx”, trechos nos quais ambos defendem a violência extremada e o terror a serviço da causa revolucionária. Os males do comunismo, explica, não contradizem os ditames teóricos do marxismo, mas são sua consequência natural. Isso pode parecer lugar-comum para quem é anticomunista desde criancinha, mas é importante atentar para explicação da justificação da violência extremada e do terror.

Com seu materialismo histórico dialético, Marx julga ter solucionado o enigma da história. Na sua interpretação dogmática, a história é movida incessantemente por uma luta de classes entre opressores e oprimidos. Há, em sua visão de mundo, uma teleologia imanente, incompatível, por óbvio, com a escatologia cristã, perpassada por uma teleologia transcendente. Dito de outra forma, a teoria de Marx é uma religião política que prega a inevitabilidade do paraíso na terra, sob a forma da consumação do comunismo, após, claro, a superação do estágio nada agradável da ditadura do proletariado.

O marxismo, explica Jungmann, “não se apresenta como um conjunto de hipóteses, mas antes como ciência consumada das condições propícias ao advento desse futuro radioso.” Essa pretensão à infalibilidade tem como corolário a intolerância política, afinal, como você acha que se comporta alguém que se julga detentor de uma verdade redentora, acredita que a moral é apenas uma superestrutura ideológica e vê na religião apenas o ópio do povo?

Identitarismo e decolonialismo

Essa mentalidade dogmática, intolerante, revolucionária, fanática ficou um tanto adormecida depois do fim da União Soviética, da queda do muro de Berlim e da constatação factual de que o socialismo só trouxe desgraça à humanidade. À semelhança, porém, de um germe nefasto que permanece latente esperando ocasião de se manifestar, o vírus totalitário encontrou na política identitária da nova esquerda o ambiente adequado para se proliferar.

É para isso que aponta um artigo do escritor português, João Pereira Coutinho, publicado na Folha de S.Paulo, em 7 de outubro de 2024. O artigo trata da “alegria macabra” que sucedeu o pogrom do Hamas contra os judeus um ano atrás. Ele recorda, então, outro atentado terrorista islâmico, o de 11 de setembro de 2001:

Eu ainda me lembro dos dias seguintes aos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001. Das expressões de júbilo que, aqui e ali, aplaudiam Osama bin Laden. Mas eram vozes raras. Não havia multidões nas ruas de Londres, Paris ou Berlim com cartazes do gênero ´I love Al Qaeda´ ou ´Do Atlântico ao Pacífico, a América será livre´.

O que mudou em duas décadas? O que fez com que o vírus do antissemitismo, aparentemente cristalizado, se disseminasse a ponto de termos visto universidades no mundo todo ocupadas por jovens ocidentais dementados, portando orgulhosamente seus keffiyehs, berrando cânticos que pedem a aniquilação de Israel e hostilizando estudantes judeus?

Ecoando a análise do jornalista britânico Brendan O’Neill, Coutinho escreve: “Quando o 11 de Setembro aconteceu, os festejos foram modestos porque não havia ainda um roteiro que os enquadrasse na luta anti-imperialista. Faltava, digamos assim, repertório. Para O’Neill, o roteiro surgiu com a radicalização das ´políticas de identidade´ que se espalharam nos 20 anos seguintes e que começaram a atribuir valor moral a certos grupos de acordo com a cor da pele, o pretenso privilégio e o lugar que ocupam na hierarquia racial”.

Essa radicalização das políticas de identidade, por sua vez, deu-se concomitantemente ao desenvolvimento e grande difusão de outra ideologia radical: o decolonialismo, que nada mais faz do que atualizar a velha dicotomia marxista que lê o mundo pela estreita fórmula de opressores e oprimidos.

No ciclo vicioso da eterna doutrinação, os jovens da atual geração são o produto de uma educação que se esmerou em demonizar o Ocidente, reduzindo a história da civilização ocidental a processos de violência colonizadora por meio da escravização dos povos africanos, do genocídio dos povos indígena ou da subjugação de povos árabes, sempre em favor do privilégio europeu e posteriormente dos interesses norte-americanos.

As revisões do marxismo que firmaram as bases da nova esquerda aposentaram o proletariado como sujeito revolucionário. Foucault, por exemplo, ensinou aos novos esquerdistas que há uma microfísica do poder, que as relações de poder estão por toda parte, invisíveis. No nosso mundo pós-moderno, pós-estruturalista, pós-colonial e pós-verdade não há, pois, sujeito revolucionário, mas discursos revolucionários que criam o tempo todo novos sujeitos.

O novo sujeito revolucionário pode ser qualquer minoria, desde que se ache oprimida por poderes invisíveis, se ache vítima de uma dívida história pela qual exige ser ressarcida ou se sinta ofendida pela sociedade “heteronormativa”, “patriarcal” que não presta culto (ainda) às suas idiossincrasias sexuais.

De modo algum são os pobres de espírito enaltecidos pelo Cristo, nem os desvalidos que o poder dos homens curvou mas que a fé na eternidade enobreceu; são, ao contrário, os que deserdaram da fé cristã para crer somente na violência redentora da política.

Desumanização dos judeus e islamoesquerdismo

O ressentimento está disperso e a falta de uma estrutura de poder visível e palpável contra a qual se insurgir torna indispensável que se eleja um inimigo comum, capaz de homogenizar a vozes estentóricas e revoltadas que bradam contra tudo e contra todos.

O Ocidente, vimos, já havia sido condenado. Mas o que é o Ocidente? Uma tradição moral, jurídica e religiosa; um epopeia espiritual ainda em curso cujas raízes se assentam na fé no Deus de Israel, na razão filosófica dos gregos e no pensamento jurídico de Roma, como belamente explicou o papa Bento XVI em discurso já citado por mim em artigo anterior.

O marxismo, vimos, é uma cosmovisão teleológica materialista incompatível com a teleologia judaico-cristã. Que povo da terra é um testemunho vivo da ação de Deus no mundo senão o povo hebreu, o povo de Israel, os judeus? A resistência, a persistência, a sobrevivência e a existência dos Judeus em Israel é quase a materialidade de uma finalidade que não é desse mundo mas que se mostra no mundo.

Toda política de viés totalitário precisa eleger um inimigo. Por que não os judeus mais uma vez? Basta adaptar um pouco o discurso. Não mais um ódio de raça, por que, afinal, somos antirracistas. Que tal um ódio ao povo disfarçado de ódio ao lar desse povo? Mas como transformar as vítimas do holocausto em carrascos?! Dá-se um jeito. Nada que décadas de revisionismo histórico não resolva.

Por meio das narrativas mais disparatadas, eivadas de contradições, preconceitos, ignorância soberba e má-fé, a intelligentsia esquerdista conseguiu, em algumas décadas, transformar os judeus em brancos privilegiados colonizadores opressores genocidas nazistas. É o que denuncia Frank Furedi no artigo “A desumanização woke dos judeus”:

Do ponto de vista da política de identidade, há pouco espaço para empatia em relação à situação do judeu supostamente hiperbranco. Como supostos possuidores de tanto poder e privilégio, o povo judeu não tem direito ao status de vítima, mesmo quando é brutalizado à vista do mundo. Os pecados cometidos pelo Hamas em 7 de outubro são muito fáceis de lavar quando suas vítimas não são mais consideradas totalmente humanas.

A desumanização dos judeus possibilitada pela retórica identitária casou bem com o antissemitismo islâmico. A autoaversão ocidental à sua própria história após décadas de lavagem cerebral marxista, neomarxista e congêneres possibilitou essa estranha aliança chamada islamoesquerdismo.

Essa aliança, porém, tem os dias contados. No instante em que as forças ocidentais tombarem e os véus e as burkas que cobrem as pobres mulheres no Islã precisarem cobrir as estranhas mulheres trans ocidentais, esta já não será apenas a veste obrigatória, mas a própria mortalha dos incautos que padecerão sob a espada de Allah, após renegarem o Deus justo de Israel e o Cristo compassivo, que sustenta a moral e a liberdade que ainda reina no Ocidente.

O possível crime de antissemitismo do governo Lula

Por critério puramente ideológico, o governo brasileiro vetou uma licitação vencida com toda legitimidade por Israel. A denúncia foi feita pelo próprio ministro da Defesa do governo Lula que declarou, nesta terça-feira 9 de outubro: “Houve agora uma concorrência, uma licitação… Venceram os judeus, o povo de Israel, mas, por questão da guerra, do Hamas, os grupos políticos… Nós estamos com essa licitação pronta, mas, por questões ideológicas, nós não podemos aprovar”.

O ministro José Múcio não entrou em detalhes, mas se trata da compra de canhões que ficam acima de caminhões blindados e que as Forças Armadas do Brasil consideram de grande importância; daí o desabafo/denúncia do ministro da Defesa.

Outro detalhe que o ministro deixou de lado – ou não nomeou incisivamente – foi o aspecto possivelmente criminoso do veto; imposto, aparentemente, por motivo de ódio ideológico antissemita: no Brasil, de acordo com a Constituição de 1988, antissemitismo se inclui nos crimes de racismo.

A fala do ministro José Múcio é grave; precisa ser investigada na via judicial e levada em conta pelo Parlamento. Neste âmbito, já se adiantou o deputado Kim Kataguire, que pretende convocar o ministro da Defesa para dar explicações na Comissão de Fiscalização da Câmara.

A denúncia do veto a Israel foi a mais grave, mas não foi a única. Uma outra, talvez não criminosa, mas também prejudicial aos interesses brasileiro, refere-se ao veto a uma venda de munições de tanque para a Alemanha em 2023: “Temos uma munição no Exército que não usamos. Fizemos um grande negócio. Não faz, porque senão o alemão vai mandar pra Ucrânia e a Ucrânia vai usar contra a Rússia e a Rússia vai mexer nos nossos acordos de fertilizantes”, disse o ministro José Múcio.

A referida iniciativa do deputado Kim Kataguire de convocar o ministro de Lula para esclarecimentos foi seguida de outra semelhante pelo deputado Alfredo Gaspar, que nesta quarta-feira, 9, apresentou convite para ouvir José Múcio não só quanto à denúncia sobre o veto à licitação vencida por Israel, mas também sobre a venda de munições para a Alemanha.

Os nobres deputados, todavia, devem ter em mente que outro personagem – mais que ninguém envolvido nestes assuntos – deve ser convidado ou convocado para dar explicações: Celso Amorim, conselheiro do presidente Lula e ministro paralelo do Exterior. Foi Amorim quem orientou Lula quanto ao veto à licitação vencida por Israel, e tem longamente orientado Lula na amistosa relação entre o presidente brasileiro e o tirano imperialista invasor da Ucrânia.

Antiocidentalismo, antissemitismo e estupidez

O mundo está em guerra. A bem da verdade, nunca esteve em paz. Mas o leitor sabe do que estou falando. Há duas guerras em curso que têm mobilizado a política externa das principais potências europeias e dos Estados Unidos. 

Embora o Brasil seja insignificante no que tange à continuação ou ao fim da guerra no Oriente Médio e na Ucrânia, a postura do presidente Lula em relação a esses dois conflitos deixou bastante claro o seu pendor liberticida, seu apreço pela tirania, sua admiração por regimes fortes, ditatoriais e cruéis, seja ele representado na forma de uma teocracia fundamentalista islâmica, como é o caso do Irã com seus tentáculos terroristas, seja representado na forma de um pan eslavismo expansionista reacionário, como é o caso da Rússia.

A corrosão ideológica do terceiro governo Lula traz deformidades antigas como o antiocidentalismo e o antiamericanismo, acrescido de componentes idiossincráticos do mandatário e, como novidade, uma forma sui generis de antissemitismo mal disfarçado, escorado em um antissionismo desvairado e estridente. Por este aspecto, considere-se, a nova extrema esquerda presta à extrema direita um relevante serviço, arrebatando-lhe a identificação com o repugnante preconceito antissemita, tradicionalmente vinculado à extrema-direita nazista.

O antiocidentalismo da nova esquerda é um balaio cheio contrassenso. Por exemplo, desde a Revolução Francesa – quando o termo “esquerda” ganhou sua conotação política – todas as correntes esquerdistas propugnaram pelo progresso. O marxismo, representação máxima da esquerda desde o início do século 20, apresenta sua linha evolutiva da humanidade com foco no progresso da civilização europeia, que os revolucionários deveriam estender para o mundo todo.

Eis que os ideólogos antiocidentalistas pretendem agora que o progresso da humanidade dependa da condução de países os mais atrasados do mundo, como o Irã. Essa estupidez, parida por intelectuais do Ocidente, pretende que a primeira condição para a felicidade universal seja a destruição de toda a construção civilizatória de origem ocidental.

Nesse momento em que o Ocidente é ameaçado pela Rússia e pelo fundamentalismo islâmico, Ucrânia e Israel atuam como escudos para o mundo livre. Lula e Celso Amorim, porém, tenho denunciado insistentemente, optaram pela diplomacia do mal, fazendo do Brasil o idiota útil de tais regimes tirânicos. São traidores da pátria, atuam contra o interesse da nossa nação e do nosso povo. Bem sei que as instituições no Brasil são bastante frágeis, mas, como cidadã, não posso ter outra atitude senão exortar o parlamento a agir.

Lula na ONU: desvio de caráter, covardia e diplomacia do mal

Os redatores do Itamaraty não tiveram dificuldade em elaborar o discurso exibido pelo presidente Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU. A gosto do freguês, redigiram o de praxe: discurso para momentos de grande solenidade, ideologicamente carregado, vazado numa linha de narrativa arrogante e seletiva. 

Diante, porém, do quadro inescapável da realidade, o contraste entre supostas intenções e gestos efetivos tornou-se patente e a fala empolada de Lula revelou-se como um tecido de enganações: um discurso cosmético, sem substância e incoerente.

O próprio Lula já declarou que uma narrativa bem construída supera todos os obstáculos. Disse isso como conselho ao seu amigo Nicolás Maduro, ditador da Venezuela. E no seu discurso maquiado da ONU, com efeito, ele realizou a façanha de fechar os olhos para a crise humanitária causada pela ditadura no país vizinho e arregalá-los para crises e guerras em locais muito distantes, como Oriente Médio e Ucrânia.

E a Venezuela, Lula?

Ocorre que precisamente a crise da vizinha Venezuela é a única em que as palavras de Lula e atitudes do governo brasileiro poderiam ter uma influência de monta. Assim, tão descabida omissão seletiva configura desvio de caráter e covardia diplomática.

Vale lembrar que a própria Missão Independente da ONU divulgou recentemente um relatório sobre a situação dos direitos humanos na Venezuela entre setembro de 2023 e agosto de 2024. Segundo o documento, “o governo da Venezuela intensificou dramaticamente os esforços para esmagar toda oposição pacífica ao seu domínio, mergulhando a nação numa das mais agudas crises humanitárias na história recente.”

O relatório da ONU informa que, na primeira semana após as eleições, por exemplo, foram presas cerca de 2.000 pessoas, incluindo mais de 100 menores de idade e algumas pessoas com deficiências. Pelo menos 25 pessoas foram executadas, a maioria jovens pobres, incluindo dois menores.

Se a omissão sobre a Venezuela mostra a face de uma diplomacia inerte e covarde, os pitacos de Lula em relação às guerras no Oriente Médio e na Ucrânia mostram que a sua ignorância está a serviço do seu ativismo no que tenho chamado de diplomacia do mal.

A diplomacia do mal

Lula começou o seu discurso com uma saudação especial a Mahmmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina.Os semelhantes se atraem e se entendem. Assim como Lula, Abbas tem posicionamentos ambíguos e escorregadios em relação a questões fulcrais. Assim como Lula, ele costuma acender uma vela para Deus e outra para o diabo.

Abbas, que consegue matizar seu discurso e disfarçar suas reais intenções a ponto de estabelecer diálogo com autoridades europeias e americanas, tirou, por um momento, a máscara da moderação por ocasião do seu tributo em honra do terrorista Ismail Haniyeh. Em agosto, no Parlamento da Turquia, Abbas expressou o que realmente pensa: “A América é a praga e a praga é a América.” Antiocidentalismo e antiamericanismo são, como sabemos, a senha capaz de reunir esquerda radical e islã em uma perigosa aliança. 

Após cumprimentar o amigo duas caras, com quem se encontrou no dia seguinte, Lula tentou colar em si a máscara de pacifista, desfilando platitudes e lamentos acerca do crescimento dos gastos militares globais que poderiam ser usados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima. Ele se queixou também de que “o uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra.”

Oh sofista hipócrita! Por que, então, estás aliado a Putin, que violou o direito internacional com o uso da força ao invadir um país soberano, trazendo morte e desgraça a um povo já tão sofrido? Povo esse vitimado inclusive, no passado, pela grande perversidade do Holodomor, o genocídio de milhões de ucranianos, que morreram de fome, em razão da política econômica de Stalin, ditador cruel até hoje reverenciado pela extrema esquerda.

Tu mentes, Lula, quando afirmas que “o Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano”. Jamais houve condenação firme, apenas considerações ambíguas e levianas que equiparam o país invadido e o país invasor em um mesmo grau de responsabilidade pela guerra.

Além disso, segues tu e o líder da tua diplomacia do mal, Celso Amorim, com demonstrações de simpatia pelo tirano do Kremlin. E mesmo agora, a alegada firmeza contra a invasão se perde na omissão do nome do país invasor. 

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, faz bem em desmascarar reiteradamente o teu cinismo, acusando-te de fazer “teatro” e de ter intenções escusas com uma proposta de paz articulada com a China e o país invasor.

Disseste, ainda, presidente Lula, em teu discurso malandro, que “não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre seus escombros uma nova governança global”. Deus nos livre de uma terceira guerra, mas Deus nos livre também de uma governança global sob os valores dos teus aliados ditadores e terroristas.

O evento político-militar que mais tem aproximado o mundo de uma Terceira Guerra é precisamente a invasão criminosa da Ucrânia pela Rússia: nada há de mais parecido com o início da Segunda Guerra, que se deu com a invasão da Polônia pela Alemanha nazista. Não é algo bonito de se dizer, mas a verdade é que a Ucrânia só pode alcançar a paz com armas.

Da mesma forma, a verdade dura e obliterada no discurso de Lula, sempre crítico e condenatório em relação aos esforços de defesa de Israel, é que a paz no Oriente Médio depende da força bélica desse pequeno país. Certeira foi Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel, ao afirmar que “se os palestinos baixarem as armas, haverá paz. Se os israelenses baixarem as armas, não haverá mais Israel”.

Ladainha e meio ambiente

A ladainha de Lula na ONU prolongou-se enfadonha, abordando temas os mais díspares. Ele criticou “experiências ultraliberais”, posou de valentão contra “plataformas digitais”, defendeu “forte regulação da economia doméstica”, divagou em torno de uma “inteligência artificial emancipadora que também tenha a cara do Sul global”, achou tempo para tomar as dores da ditadura cubana e terceirizou o problema das queimadas do Brasil ao mesmo tempo em que afirmou que não os terceirizaria.

Lula cobrou do mundo rigor na proteção do meio ambiente, quando – em grande parte pela omissão, incompetência e irresponsabilidade do seu governo – o Brasil está sendo devastado por incêndios: com flora, fauna e inteiros biomas destruídos; com grande parte deste país continental coberto pela fumaça; com milhões de pessoas – especialmente idosos e crianças – sendo vítimas de males respiratórios.

Sobre tamanha catástrofe, situação desesperadora sem fim previsto, Lula falou de forma dispersa e evasiva, com frases de compreensão complicada, como essa: “O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania”. Qual foi, Lula, o país estrangeiro ou agente nacional traidor que, nessa emergência de incêndios, pediu ao governo brasileiro para “abdicar da sua soberania”?

O fato é que Lula fez muito pouco em relação às queimadas. Seu governo não está enfrentando o desafio da crise climática; por enquanto, está contornando o desafio. Muitos dos que lucram com a degradação ambiental submetem o governo com chantagens no Congresso Nacional. Variados ilícitos ambientais vêm prosperando em todas as regiões do país sem dar muita atenção à alegada intransigência governamental. O combate ao garimpo ilegal, forte no início do governo, arrefeceu. Quanto ao crime organizado, até mesmo por enfrentar um governo desorganizado, está ganhando a guerra.

Enfileirando platitudes, supostas boas intenções e enganações o discurso do presidente do Brasil na ONU foi longe, mas a repercussão internacional ficou aquém do pretendido. No Brasil, sempre há quem jogue confete, faça festa e coloque qualquer bobagem que Lula diz nas alturas. Fora da bolha ideológica da esquerda lulista e da mídia chapa branca, porém, viu-se apenas mais um discurso hipócrita facilmente desmascarado.

Lula não quer paz; quer a rendição da Ucrânia e do Ocidente

Vladimir Putin assinou, em agosto desse ano, um decreto que facilita a entrada na Rússia de estrangeiros que buscam fugir dos ideais liberais ocidentais. No texto do referido decreto, a Rússia é apresentada como um país onde “os valores tradicionais reinam supremos.” 

Quem quiser, portanto, renegar os valores do Ocidente em nome dos valores espirituais e morais tradicionais russos poderá solicitar ao Kremlin sua residência temporária fora da cota aprovada pelo governo russo e sem fornecer documentos que confirmem seu conhecimento da língua russa, história russa e leis básicas.

Parece uma proposta tentadora para quem tem uma inclinação conservadora, uma tendência reacionária e está incomodado com a depravação moral do “Ocidente satânico”? Não se esqueça, porém, que, para Putin, liberdades individuais e direitos humanos são apenas idiossincrasias ocidentais desprezíveis.

Os valores espirituais e morais tradicionais que Putin quer representar são o pan-eslavismo, o nacionalismo, a ortodoxia religiosa e a autocracia. Trata-se, obviamente, de ideologia avessa à democracia, construção ocidental por excelência. 

Não surpreende, portanto, que, tal como ocorreu na Segunda Guerra Mundial, o chamado mundo livre esteja se unindo, mais uma vez, para conter o delírio expansionista de um psicopata que resolveu invadir e anexar uma nação livre, democrática e soberana.

O fascismo de Putin

A analogia da Rússia sob Putin com a Alemanha sob Hitler não é totalmente despropositada. Uma analogia só é possível porque há diferenças; guardadas as devidas diferenças, salta aos olhos as semelhanças. Uma delas é que, assim como o líder alemão, o líder russo também usa uma justificativa étnica para seu objetivo de anexação da Ucrânia. 

Além disso, há a expectativa de estabelecer uma nova ordem antidemocrática, antiliberal com a clara proposta de substituir o que se considera a “decadência ocidental” por um regime baseado na força de um líder. A Rússia putinista é o regime atual que mais se aproxima dos regimes fascistas do século XX.

Dizer que a invasão da Ucrânia foi uma atitude defensiva de Putin face um suposto expansionismo da Otan é narrativa de professor de história de ensino médio para doutrinar adolescentes com seu ranço antiocidental. A guerra da Rússia é uma guerra expansionista e não vai parar na Ucrânia se a Ucrânia cair. A Ucrânia, portanto, precisa parar a Rússia e o Ocidente precisa apoiá-la na sua justa guerra de defesa.

Lula apoia Putin

O Brasil não tem nada a ver com isso. Não deveria se meter a não ser para fazer o que todo governo decente do mundo está fazendo: declarando apoio explícito à Ucrânia quando não tem poderes para apoiá-la efetivamente. Para infelicidade e vergonha dos brasileiros, porém, Lula insiste em fazer o contrário. 

A Secom nos informa que ele conversou com Putin por telefone, nessa quarta-feira, 18 de setembro. 

Sem força moral para confrontar a ditadura que oprime nossos irmãos na Venezuela, incapaz de exercer uma boa influência na circunscrição territorial em que essa influência é esperada, a América Latina, Lula se arroga arauto da paz mundial, apresentando-se, junto com a China, como mediador para um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia.

Uma importante jornalista brasileira refere-se, na sua coluna, a essa movimentação como se fosse uma iniciativa séria e promissora: “o governo agora trabalha com a China, em silêncio e comedidamente, na busca de algum acordo de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia”, escreve ela, acrescentando as seguintes informações: “na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov conversou com o brasileiro Mauro Vieira em Riad, na Arábia Saudita, e depois com o assessor internacional Celso Amorim, em Moscou. E Amorim já engatou contatos com seu correspondente chinês.”

O que a colunista não cita é o que o próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, já escancarou a desfaçatez de Lula e da sua diplomacia do mal, rejeitando a proposta sino-brasileira como “destrutiva” e acusando-o de fazer “teatro”. 

Em declaração recente para o brasileiro Metrópole, Zelensky denunciou a astúcia do governo brasileiro ao se mancomunar com a Rússia e a China para uma “proposta de paz”:

“É apenas uma declaração política. Eu disse a Lula e ao lado chinês: ´vamos sentar juntos, vamos conversar´. […] Por que você de repente decidiu que deveria ficar do lado da Rússia? ´Ah, nós vamos fazer nossa proposta (de paz)´. Não nos perguntaram nada. E a Rússia aparece e diz que apoia a proposta do Brasil e China. Nós não somos tolos. Para que serve esse teatro?

Ou seja, falaram com a Rússia sobre uma iniciativa, apresentaram essa iniciativa e disseram: ´essa é nossa proposta´. Bem, definitivamente não se trata de justiça, não se trata de valores. É uma falta de respeito com a Ucrânia. Não somos tolos.”

Zelensky não é tolo. Nós também não somos tolos. Estamos vendo, todos os dias, que a diplomacia brasileira sob o governo Lula não tem sido neutra coisa nenhuma. Ela está tomando partido, ela está descambando descaradamente para um lado: o lado de Putin, de Xi Jinping, de Maduro, dos aiatolás do Irã, dos terroristas do Hamas e do Hezbollah. 

Em um momento geopolítico delicadíssimo, Lula está colocando o Brasil ao lado das autocracias antiocidentais. Ele não quer paz; quer subjugar o mundo livre e liderar, ao lado dos déspotas, uma nova ordem ditada pelo Sul global.

O que é o Ocidente? Ele esqueceu de onde veio?

Gostei do título de um artigo que li recentemente na revista Spiked: “O Ocidente esqueceu de onde veio”. Muito daquilo sobre o quê tenho refletido e escrito de filosofia política e até de política propriamente dita passa por uma tentativa ainda um tanto canhestra de acusar esse esquecimento e lembrar as origens da nossa civilização.

E isso não surpreende uma vez que me entendo politicamente como alguém que defende aquilo que o filósofo francês Philippe Nemo chama, na sua Histoire des idées politique, de tradição democrática-liberal, cuja origem se confunde com a origem da própria civilização ocidental.

Falaremos ainda sobre esse pensador francês. Voltemos, porém, ao referido artigo. Trata-se, na verdade, da transcrição de uma entrevista do editor da Spiked, Brendan O’Neill, com Frank Furedi, autor do livro The war against the past: why the West must fight for its history (A Guerra Contra o Passado: Por que o Ocidente deve lutar por sua história).

Antes de introduzir a entrevista, O´Neill, com a escrita objetiva e incisiva que lhe é característica, faz um diagnóstico do atual estado de coisas:

“Estátuas são derrubadas, museus são esvaziados de seus artefatos, heróis nacionais são difamados como racistas e criminosos. De universidades a escolas primárias, de museus a conselhos locais, as instituições confiáveis para preservar e transmitir a memória histórica estão, em vez disso, travando uma guerra contra ela. As elites de hoje se voltaram decisivamente contra os ganhos da civilização ocidental e buscam pintar seu legado como tóxico”.

Trata-se de uma “virada anticivilacional” e Brendan O´Neill quer saber de Frank Furedi quando começou essa guerra contra o passado.

Segundo Furedi, “começou como um ataque bastante específico e direcionado a coisas como a escravidão na América ou como o Império Britânico se comportou no século XIX ou no início do século XX. Então, de repente, cada dimensão da experiência ocidental se tornou tóxica”, explica o acadêmico húngaro-canadense, acrescentando que, embora isso tenha aumentado em 2020, demorou muito para acontecer e o terreno para eclosão desse antiocidentalismo foi preparado na década anterior.

Memórias alternativas e versão identitária do holocausto

No seu livro, Furedi argumenta que “ao separar a sociedade de seu passado e fazer todo o possível para transformar o passado em uma espécie de área proibida, as pessoas estão esquecendo algumas experiências muito importantes.” Não apenas esquecendo, mas reinventando-as perigosamente, por meio da crianção do que ele chama de “memórias alternativas.”

Uma das memórias alternativas em voga é a versão identitária do holocausto, “aquela em que os judeus desempenham um papel bastante menor e indistinto. Em vez disso, você tem todos os tipos de grupos de identidade sofrendo em uma extensão muito maior do que qualquer outra pessoa sofreu. O Holocausto então se torna esse conjunto, onde diferentes grupos podem alegar que foram suas principais vítimas. Vemos isso na estranha tentativa de “queerizar” o Holocausto”.

Já estamos nos encaminhando, segundo Furedi, para algo imaginado por George Orwell no livro 1984, no qual um homem do Ministério da Verdade afirma que, em 2050, as pessoas não se lembrarão mais de quem foi Shakespeare nem quem foram todos os filósofos importantes:

“Já temos uma situação em que as pessoas não se lembram mais de quem é o verdadeiro Aristóteles, porque nos dizem que ele foi o fundador da supremacia branca. As crianças que vão à escola hoje podem ouvir que Churchill foi um criminoso de guerra. Quando você tem uma visão tão distorcida de um dos maiores ícones da história britânica do século XX, então você não consegue se lembrar muito sobre de onde veio”, conclui o escritor.

Precisamos, pois, ativar a memória da juventude, conectá-la com a notável jornada civilizacional à qual ela se vincula. O primeiro passo para combater o antiocidentalismo reinante é, obviamente, dar a entender o que é o Ocidente e o que estará em jogo se abdicarmos dessa herança cultural e espiritual que nos é própria.

O que é o Ocidente?

Na introdução do seu livro “O que é o Ocidente”, Philippe Nemo sugere que as circunstâncias geopolíticas de hoje reclamam algo como um “discurso à nação ocidental”.

Diante da já sentida crise do Ocidente, faz-se necessário uma tomada de consciência dos valores e ideais que o Ocidente representa. Essa tarefa torna-se mais urgente se considerarmos a hipótese de que, nessa civilização em crise, “foram alcançadas certas figuras do universal cujo desaparecimento ou enfraquecimento afetaria a humanidade como um todo.”

Em uma primeira aproximação, indica o pensador francês, a civilização ocidental pode se definir “pelo Estado de Direito, pela democracia, pelas liberdades intelectuais, pela racionalidade crítica, pela ciência e por uma economia de liberdade baseada na propriedade privada”.

Nada disso, porém, é natural, “esses valores, estas instituições são fruto de uma longa luta construção histórica”. Tendo isso em vista, e apoiando-se no conhecimento adquirido ao escrever a sua Histoire des idées politiques, Nemo propõe estruturar a morfogênese cultural do Ocidente em cinco acontecimentos essenciais:

1) A invenção da polis, da liberdade perante a lei, da filosofia e da ciência pelos gregos;

2) A invenção do direito, da propriedade privada, da “pessoa” por Roma;

3) A revolução ética e escatológica do cristianismo;

4) A “Revolução Papal” dos séculos XI-XIII, que escolheu usar a razão humana resgatando a ciência grega e o direito romano formulando a primeira grande síntese entre “Atenas”, “Roma” e “Jerusalém”;

5) A promoção da democracia liberal alcançada pelas grandes revoluções democráticas (Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, França, e então, de uma forma ou de outra, todos outros países da Europa Ocidental)

Jerusalém, Atenas e Roma

Essa estrutura apresentada por Philippe Nemo está em consonância com um importante discurso proferido pelo papa Bento XVI, em 2011, no Parlamento alemão. Na ocasião, Joseph Ratzinger propõe “algumas considerações sobre os fundamentos do Estado liberal de direito”.

No começo do discurso, Ratzinger já expõe algo fundamental da relação entre política e cristianismo que muitos políticos que se dizem cristãos atualmente andam esquecidos ou simplesmente desconhecem:

“Na história, os ordenamentos jurídicos foram quase sempre religiosamente motivados: com base numa referência à Divindade, decide-se aquilo que é justo entre os homens. Ao contrário doutras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, nunca impôs um ordenamento jurídico derivado duma revelação”, explica Bento XVI.

Por outro lado, é preciso considerar que o cristianismo “apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito.” Assim sendo, os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico e jurídico que estava formado já desde o século II a.C., dando-se então um encontro entre o direito natural desenvolvido pelos filósofos estoicos, e os mestres do direito romano. Neste contato, afirma Ratzinger “nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade”.

Nessa época em que a bandeira da defesa dos direitos humanos é frequentemente instrumentalizada por tendências políticas antiocidentais e anticristãs, é importante a recordação do papa de que “desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através da Idade Média cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até à Declaração dos Direitos Humanos”.

O que Bento XVI está explicando é que os teólogos cristãos tiveram um papel decisivo para o desenvolvimento do direito e o progresso da humanidade quando tomaram posição contra o direito religioso e se deixaram influenciar pela filosofia, “reconhecendo como fonte jurídica válida para todos a razão e a natureza na sua correlação”.

Não convém entrar nos pormenores da sapientíssima argumentação de Bento XVI. Importa-nos mostrar que também ele aponta, nesse discurso, a necessidade de tomarmos consciência desse legado civilizacional que está atualmente posto em xeque:

“Quando na nossa relação com a realidade há qualquer coisa que não funciona, então devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto e todos somos reenviados à questão acerca dos fundamentos da nossa própria cultura”, orienta Joseph Ratzinger.

Os fundamentos da cultura ocidental são fortes o suficiente para resistir aos ataques de que tem sido alvo, desde que tomemos consciência do seu enorme valor e nos coloquemos em guarda na sua defesa.

A civilização ocidental, da qual a cultura da Europa é o reflexo mais visível, “nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma”, diz-nos Bento XVI.

Há tendências político-ideológicas cujos projetos passam pela destruição de cada uma das partes desse tríplice encontro. Isso explica muita coisa, inclusive o ódio a Israel que trouxe uma nova onda de antissemitismo à Europa.

Mas estamos atentos. Aos poucos, vamos resgatar a nossa memória cultural, refazer nosso percurso espiritual, apropriando-nos dos nossos valores e compreendendo que a nossa missão na terra é mais do que destruir tudo para reconstruir do nada.

Precisamos retomar o fio daquilo que de mais alto o ser humano foi capaz de alcançar e precisamos nos guiar pelo que de mais moralmente perfeito nos foi dado mirar.

A civilização ocidental evoluiu moralmente com o olhar voltado para Jesus Cristo. Desprezar esse modelo e renegar o cristianismo é justamente o caminho que aqueles que querem nos destruir estão nos incentivando a trilhar.

Feminismo progressista e esquerda talibã

Nesse mundo atravessado por espantosas ondas de violência e opressão, muitos acabam ficando anestesiados, perdendo, por conseguinte, aquela indignação espontânea e genuína diante da observação de eventos moralmente condenáveis. É preciso, porém, cuidado, para que não percamos a nossa capacidade de perceber o mal, julgá-lo como tal e condená-lo inequivocamente.

A ideologia é algo que, por vezes, oblitera a capacidade de julgar. Bem instalados dentro de determinados quadros teóricos que possuem um referencial ético próprio, pessoas ideologizadas são capazes de justificar situações concretas aberrantes em nome do bem abstrato que dizem defender.

Quem perde a capacidade de julgar, fanatiza-se. Existe fanatismo na política e existe fanatismo na religião. E existe uma religião cujo fanatismo se impõe por meio de força política porque nela política e religião são indissociáveis. Essa religião tribal e primitiva é o islamismo.

Todos sabemos que as mulheres são, de modo geral, oprimidas em todo o mundo islâmico. Um ou outro país islâmico no qual as mulheres não sejam tratadas como animais pode ser tomado como exceção que confirma a regra.

A coisificação da mulher está tão intrinsecamente ligada ao islamismo que muitos muçulmanos, ao serem acolhidos pelos países ocidentais, não transigem de forma alguma em relação a costumes tais como mutilação genital feminina, casamento infantil, casamento forçado e obrigação das meninas pré-púberes de usarem um hijab.

Essas são práticas subculturais do sul da Ásia e do oriente médio que não são exclusivas dos muçulmanos, mas que, entre os muçulmanos, são justificadas como práticas religiosas. No inevitável conflito entre tais práticas religiosas muçulmanas e o estado de direito do país ocidental que acolheu os muçulmanos o que você acha que deveria prevalecer?

Como a disseminação de um tosco multiculturalismo nos fez acreditar que nossa civilização não tem nada de superior às outras e que nossos valores não são universais porque valores universais não existem, claro que vai prevalecer o direito do macho muçulmano de extirpar o clitóris de uma menina e de casá-la com um sexagenário, afinal, quem somos nós, ocidentais cristãos brancos imperialistas para querer impor nossos valores aos outros?

O que as feministas dizem sobre isso? Aí é que está. Elas dizem pouca coisa. O abstrato patriarcado ocidental ocupa tanto a sua imaginação e gera tantas especulações que sobra pouco tempo para analisar e condenar o patriarcado real que oprime as mulheres do mundo islâmico. Perdidas nas divagações de que o patriarcado e o machismo estão difusos em todas as sociedades, tornam-se incapazes de observar e condenar a sua manifestação atual mais concreta.

A feminista progressista tem outras preocupações e, por isso, costuma ignorar a misoginia islâmica. Sua ocupação principal é defender o direito total e absoluto ao aborto em qualquer período da gestação; ela também costuma especular sobre uma “cultura do estupro” disseminada entre todos os homens brancos héteros ocidentais que são invariavelmente machistas e estupradores em potencial; por fim, algumas acharam por bem defender o direito não apenas da mulher, mas de quem “se identifica” como mulher.

O Talibã, a estupidez da Anistia e a complacência da ONU

Foi noticiado recentemente que o regime do Talibã, no Afeganistão, recrudesceu as leis com as quais escraviza as mulheres. As novas regras, determinadas pelo “Ministério para a propagação da virtude e prevenção do vício” proíbem agora as mulheres de falar ou cantar fora de casa e de irem para a escola depois de completarem 12 anos de idade. São 35 novas regras de opressão que se somam a outras mais antigas, como a obrigatoriedade do uso da burca.

Segundo o artigo “Onde está a solidariedade com as mulheres do Afeganistão?” publicado na revista Spiked, a Anistia Internacional comentou a situação e apelou ao Talibã para acabar com sua “perseguição baseada em gênero”, mas caracterizou, em postagem no X, essa perseguição como sendo contra aquelas que “se identificam como meninas.”

Segundo Candice Holdswoth, autora do artigo, a descrição “profundamente estúpida” foi reescrita para se referir apenas a mulheres e meninas: “claramente, alguém na Anistia percebeu que essa linguagem absurda e woke não pode ser usada para descrever a situação das mulheres no Afeganistão, que nunca poderiam ´se identificar´ dentro ou fora do fato de serem mulheres”.

Holdswoth também deplora o acovardamento cúmplice da ONU que tem trabalhado para integrar o Afeganistão à comunidade internacional sob a justificativa de que a aproximação com os países civilizados poderia ter sobre os talibãs alguma influência moderadora:

“No início deste ano, a ONU publicou um roteiro no qual o secretário-geral António Guterres sugere que os direitos das mulheres melhorarão com o tempo, à medida que a ONU constrói uma relação de trabalho com o Talibã. Na realidade, a situação só piorou progressivamente”, denuncia a escritora.

As mulheres afegãs, sob o Talibã, estão vivendo um pesadelo distópico, estão sendo vítimas de abusos terríveis que nem todas conseguem suportar. Muitas mulheres “estão sendo levadas à depressão e ao suicídio por desespero total”, alerta o referido artigo. Diante desse quadro, porém, o secretário-geral da ONU, António Guterres, limitou-se a dizer que viu as novas regras do Talibã com preocupação. Essa pusilanimidade levou Holdswoth a concluir seu artigo em tom de desabafo:

“O Talibã tem uma longa história de brutalizar mulheres e não há nenhuma indicação de que esses extremistas islâmicos tenham reformado suas visões. […] O Afeganistão é agora um inferno de miséria e sofrimento para as mulheres. É chocante que alguém tenha se convencido de que poderia ter sido diferente sob o Talibã, com base no que todos sabemos sobre a ameaça que o extremismo islâmico representa para mulheres e meninas.”

A esquerda talibã no Brasil

No começo desse artigo dizíamos que existe fanatismo na política e existe fanatismo na religião. Como a ideologia não pode conviver com a espiritualidade verdadeira, ela, por vezes, se une ao fanatismo religioso, que é uma deturpação da espiritualidade vivida, sentida e real. Isso explica, em parte, a aliança nefasta entre a esquerda e o Islã, que já mencionei em artigos anteriores.

No Brasil, parte significativa da esquerda tem um histórico de simpatia pelo Talibã. Em 2021, quando forças de intervenção dos EUA saíram do Afeganistão, o site brasileiro “Diário da Causa Operária” – ligado ao Partido da Causa Operária (PCO), de autodeclarada orientação marxista-leninista-trotskista – publicou uma reportagem celebrando a vitória do Talibã com registros os mais entusiasmados.

Rui Costa Pimenta, presidente do PCO, declarou na ocasião: “a vitória do talibã está inspirando os povos do oriente médio a irem pelo caminho de uma ampla revolução armada, a revolução popular para derrubar os governos corruptos financiados pelo EUA”. Em seguida, ele reclamou de correntes de esquerda que não eram suficientemente alinhadas com o fundamentalismo islâmico.

Se Rui Pimenta escarneceu a parte da esquerda não fanática chamando-a “esquerda pequeno burguesa”, não será demais chamar a parte da esquerda à qual ele pertence de esquerda talibã.

Infelizmente a esquerda talibã brasileira vai além de Rui Pimenta e do PCO: ela também influencia o governo Lula e está representada na direção do PT.

A esquerda talibã é aquela que na guerra entre Israel e o Hamas, justifica as atrocidades do Hamas e condena Israel; que na guerra entre Israel e Irã, prefere alinhar-se ao regime dos aiatolás.

A esquerda talibã brasileira se põe abstrata e retoricamente em defesa da democracia, mas, quando começa a guerra de grupos terroristas sustentados por uma teocracia perversa contra um país minúsculo que é a única pátria dos judeus e única democracia do Oriente médio, essa esquerda coloca vergonhosamente o nosso país ao lado do eixo do mal.

O contraditório apoio da esquerda a Putin, um plutocrata fascista

Uma das narrativas mais usadas – e abusadas – pela esquerda é a denúncia do “imperialismo” como culpado por todas as injustiças e horrores do mundo. Todavia, aí mora uma flagrante contradição: desde a edificação na Rússia da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, a política marxista-leninista (bolchevismo), passou a ser, fundamentalmente, de caráter imperialista.

A pregação originária do marxismo é internacionalista: para a completa vitória, a revolução proletária terá de ser realizada sem fronteiras, sem predomínio de qualquer país; reza a doutrina. Todavia, a partir de 1922 a URSS desenvolveu um política expansionista com total predominância e no interesse do poder centralizado pelo Partido Comunista (marxista-leninista) em Moscou.

A fantasia internacionalista, na prática já esfarrapada, teve grande abalo teórico quando Stalin elaborou a nova doutrina do “socialismo em um só país”. A partir de então, o internacionalismo proletário marxista foi reduzido à afirmação chauvinista da primazia da URSS e do seu Partido Comunista, concomitantemente à total subserviência dos Partidos Comunistas de todos os outros países.

O corolário dessa nova práxis doutrinária foi o culto à personalidade de Stalin, o mais arraigado e repugnante exercício de submissão a um tirano de que se tem notícia na história contemporânea.

Pode-se considerar que tudo isso é coisa velha e o stalinismo um regime/doutrina já desmascarado em sua perversidade e, em geral, rejeitado até no âmbito da própria esquerda. Nada obstante, nos dias atuais, uma franja desatinada da esquerda descortina uma nova narrativa pela qual busca reviver o passado de expansionismo soviético projetando suas fantasias no atual ditador da Rússia, o belicoso Vladimir Putin.

Aqui no Brasil, intelectuais marxistas, jornalistas lulopetistas e até partidos políticos declaram sua simpatia por Putin e apoiam atos de expansão imperialista como a invasão da Ucrânia, incidindo em nova contradição, uma vez que Putin não é marxista, não é comunista e não é socialista.

A plutocracia de Putin

Putin é um plutocrata que governa apoiado por uma rede de bilionários enriquecidos por esquemas de corrupção facilitados ou promovidos pelo governo.

A riqueza dos plutocratas amigos de Putin não é escondida, mas pelo contrário ostentada não só na própria Rússia como em vários países do exterior, por cujos mares tais nababos costumam navegar em seus luxuosíssimos iates.

Para sustentar tal poder, o governo Putin – principalmente após o início da guerra de invasão da Ucrânia, – enveredou pela prática de controle social tipicamente fascista, com censura e repressão extremas aliadas a um nacionalismo expansionista.

Já em setembro de 2022, a então relatora da ONU sobre a Rússia, Mariana Katzarova, alertou em relatório que os métodos repressivos russos recrudesciam e se sofisticavam com a edição em série de leis que visavam abafar qualquer crítica ou oposição.

Embora reconhecendo que a repressão de Putin não era comparável à repressão de Stalin, o relatório exortava a comunidade internacional a barrar o tirano enquanto fosse tempo.

Com efeito, não é fácil atingir o horror da repressão stalinista, mas o regime de Putin tem feito esforço.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

O “regime desagradável” de Lula e o fascismo na Venezuela

Imagine que você é mãe de um adolescente de 14 anos. Seu filho é um menino idealista, que se juntou a outros colegas do ensino médio para protestar contra um governo que prendeu o prefeito da sua cidade e outros líderes da oposição. A cidade está um caos, você está sem notícias. De repente, passa a circular no Twitter fotos do seu filho caído no chão com a massa encefálica exposta. Ele foi atingido na cabeça por um disparo da Guarda Nacional Bolivariana que reprimia os protestos. Como você classificaria um regime no qual isso acontece?

Nove anos se passaram depois do referido acontecimento (o menino chamava-se Kluiver Roa e foi assassinado em 2015, em San Cristóbal, Venezuela) e o regime contra o qual os venezuelanos protestavam permanece o mesmo.

As forças de segurança desse regime, e os coletivos – grupos armados pró-governo – têm sistematicamente atacado manifestações desde 2014, com ações violentas, espancamentos brutais e tiros à queima-roupa. Por isso mesmo, durante alguns anos, os protestos diminuíram. O regime não assassinou apenas Roa, mas matou, prendeu e torturou milhares de cidadãos. Como você classificaria um regime no qual isso acontece?

Crimes contra a humanidade foram cometidos sob esse regime como parte de uma política de Estado para reprimir opositores. Esse regime prendeu opositores políticos e os impediu de concorrer a cargos públicos. No país onde vige esse regime, o Judiciário parou de funcionar como um poder independente do Estado desde 2004.

Nesse regime, as autoridades estigmatizaram, assediaram e reprimiram a imprensa, fechando veículos dissidentes. Lá as autoridades assediam e perseguem defensores dos direitos humanos e organizações da sociedade civil que tratam de direitos humanos e emergências humanitárias.

Esse regime submete o seu povo a uma grave emergência humanitária, com milhões sem acesso a cuidados de saúde e nutrição adequados. Esse regime provocou o êxodo de cerca de 7,1 milhões de venezuelanos, gerando uma das maiores crises migratórias do mundo. Como você definiria esse regime?

Há muitos anos se sabe que a Venezuela não vive sob o regime democrático e há muitos anos o presidente Lula sustenta que a Venezuela é uma democracia. Nos últimos dias, porém, essa “narrativa” voltou-se fortemente contra ele, que se viu pressionado a fazer uma grande concessão e dizer que a Venezuela é um “regime desagradável”, apesar de que, nas suas palavras “não é uma ditadura.”

Ditadura de esquerda

A fala cínica e irresponsável do presidente Lula espanta e causa indignação em pessoas razoáveis, mas ela está em consonância com o julgamento que parte da esquerda brasileira faz, ainda neste momento, sobre o regime da Venezuela.

Há uma franja extrema da esquerda, na qual o PT está incluído, que aceita a falsa vitória eleitoral de Nicolás Maduro, justifica a violência passada e aplaude a violência em curso no país vizinho.

Há também uma outra parte da esquerda, um tanto mais moderada, que consegue ver o que todo mundo vê, reconhece as fraudes e violências perpetradas pela ditadura chavista, mas chega à astuciosa conclusão de que o atual regime da Venezuela não é de esquerda, mas sim de direita.

Louvamos o repúdio dessa esquerda moderada à ditadura da Venezuela, mas o regime da Venezuela não é de direita, é de esquerda mesmo; assim autoproclamado e aclamado pelos seus pares, tais como a China, Coréia do Norte, Cuba, Nicarágua e o Brasil.

O que ocorre e pode confundir é que na Venezuela amadureceram características de um modelo político historicamente identificado como de direita: o fascismo.

Extremismos políticos

Cabe aqui uma breve revisão explicativa: desde a origem na Revolução Francesa, os termos esquerda e direita marcaram profundamente as lutas políticas. Os partidos e regimes que os adotaram entraram, por sua vez, por veredas modificadoras: algumas benéficas, outras de extrema perversidade.

No caso da esquerda, a perversidade, que já havia dado as caras no regime de Terror na própria França, iria materializar-se na Rússia, no início do século XX, com o bolchevismo; atingindo seus extremos nos horrores do stalinismo. No caso da direita, a perversidade marchou pela Itália de Mussolini e chamou-se fascismo; porém, atingindo seus extremos de horrores na Alemanha de Hitler, com o nazismo.

Tais modelos perversos, embora historicamente antagônicos, nunca deixaram de guardar semelhanças importantes; a começar pela característica de que são regimes de hipertrofia do Estado. Além disso, em ambos os casos, toda a sociedade é mantida sob controle; controle este que significa censura, perseguição, prisão, tortura e morte.

Deve ser considerado também outro divisor retórico entre o totalitarismo de esquerda e o totalitarismo de direita: Autoproclamando-se “comunista” pelo início do século XIX, e principalmente pela influência do marxismo, a esquerda protagonizou terríveis violências; todas, porém, realizadas em nome do bem, de um futuro radioso de igualdade e fraternidade, com toda a riqueza da terra sendo possuída em comum (comunismo). Já o totalitarismo de direita, aquilo que se tem chamado de nazifascismo, costuma declarar abertamente as perversidades a que se propõe.

É fato que correntes de esquerda e de direita afastaram-se grandemente de seus antepassados perversos; tendo, aliás, sido esta a tônica no século XX desde o fim da Segunda Grande Guerra (1940-1945).

No século XXI, porém, de um lado e de outro, prosperam exercícios de volta às perversidades. A revolução bolivariana ou o bolivarianismo do século XXI é um desses exercícios protagonizados pela esquerda.

Fascismo real e fascismo imaginário

Na Venezuela, o modelo ditatorial de esquerda, embora acalentando a intenção bolchevista de total usurpação estatal da propriedade e dos sistemas produtivos, avançou por uma linha mais tipicamente fascista que bolchevista. Não tendo chegado ao comunismo – a exemplo de todas as ditaduras de esquerda –, o chavismo adequou o seu insaciável desejo de poder a uma espécie de capitalismo de Estado.

O fascismo é uma ideologia de difícil definição, pois carece de alguns princípios filosóficos que a fundamentem. Alguns autores chegam a considerá-lo não uma ideologia propriamente dita, mas uma síntese de elementos contraditórios de diferentes ideologias em um projeto específico.

Se formos rigorosos em relação à classificação, talvez a Rússia seja hoje o exemplo mais próximo de uma experiência fascista. O filósofo russo Aleksandr Dugin, ideólogo de Putin, admite, inclusive, o fascismo como ideologia legítima para subverter o que considera uma “decadência ocidental liberal”.

Não é à toa que orbitam hoje, em torno da Rússia, regimes autoritários e ditatoriais tanto de esquerda, quanto de direita. Eles têm em comum o mesmo desprezo pela democracia, pela liberdade, pela ordem espontânea, pelo pluralismo.

O esquerdo-fascismo vem se espalhando pelo mundo, especialmente em setores da intelectualidade que enveredaram pelo apoio entusiástico a toda tirania, por mais atrasada, repressora e cruel que seja, desde que seja antiocidental; como é o caso, por exemplo, da teocracia iraniana, que escraviza mulheres e que persegue e assassina homossexuais.

Na sua sanha repressora, o atual ditador venezuelano prometeu, e já começou a cumprir, um “banho de sangue”. Contudo, já bastante acostumado à retórica bolchevista, tem abusado daquele recurso já denunciado por George Orwell nos livros A Revolução dos Bichos e 1984; este recurso esdrúxulo é aquela linguagem de porco que consiste em usar os termos no sentido exatamente contrário aos fatos.

Na Venezuela de hoje, no momento mesmo em que a repressão manda contra os opositores a polícia e as milícias, prendendo e matando, como é típico da política fascista, este mesmo regime repressor chama suas vítimas de “fascistas”; e vai além, encaminha uma nova “Lei contra o Fascismo, o Neofascismo e Expressões Similares”.

A legalização da violência com a justificativa de combater supostas ameaças ao regime e garantir a ordem (ou seja, uma prática fascista) se impõe sob o pretexto de combate a um fascismo imaginário.

Alegando a existência de uma conspiração fascista apoiada por estrangeiros para derrubá-lo, Maduro recrudesceu mais o regime após as eleições cujo resultado fraudou. Ativistas dos direitos humanos afirmam que a velocidade e a escalada da repressão são sem precedentes na história recente da região.

Por esses dias, Maduro deflagrou a “Operación Tun Tun” (“Operação Toc Toc”). O nome faz referência às frequentes visitas de homens fortemente armados e vestidos de preto que, a serviço de Maduro, capturam oponentes em suas casa.

O próprio Serviço de contrainteligência militar do regime (DGMI) publicou na sua conta do Instagram vídeos de algumas dessas capturas.

María Oropeza, por exemplo, uma das organizadoras da campanha de Maria Corina Machado, aparece sendo detida ao som da trilha do filme de terror de 1984 A Hora do Pesadelo: “Um, dois, Freddy está vindo atrás de você! Três, quatro, é melhor trancar a porta!”, alertam as letras sinistras da música.

Um segundo vídeo do DGCIM mostra outra prisão com trilha sonora de uma adaptação para filme de terror de Carol of the Bells, cuja letra modificada alerta: “Se você fez algo errado, então ele virá! … Ele vai te procurar! É melhor você se esconder!”

Como você chama isso? Eu chamo de terrorismo de Estado, praticado por um regime ditatorial que tende ao totalitarismo. Lula chamaria de incidente normal de um “regime desagradável”, onde há “uma briga” porque perderam as atas de votação.

O lulopetismo vai afundar com suas ditaduras amigas

A ideologia marxista – ou marxista-leninista – já não existe em lugar nenhum do mundo em sua forma original, tendo-se repartido por formas peculiares de esquerdismo; umas mais brandas, outras mais extremas e nefastas.

Algumas dessas ramificações ideológicas vão se prolongando para além dos seus fundadores, como é o caso do castrismo em Cuba ou do chavismo na Venezuela.

No Brasil, a principal ideologia de esquerda ainda é o lulopetismo. Por sobre o respaldo do embasamento sindical do seu início, essa sub-ideologia estendeu seus tentáculos pela sociedade com confessado objetivo gramsciano de hegemonia cultural.

Nesse objetivo, avançou bastante: uma parte da Igreja católica brasileira, vinculada à teologia da libertação, é francamente lulopetista; nas universidades o lulopetismo herdou o intenso ativismo político das décadas de 60 e 70 do século passado; na imprensa há lulopetistas confessos, inconfessos e mesmo os que o são inocentemente, sem nem se dar conta; no ambiente artístico e cultural dá-se o mesmo.

A força arraigada do lulopetismo manteve a viabilidade eleitoral de Lula mesmo quando ele esteve preso. Naquele momento, se fosse elegível, seria eleito mesmo dentro da cadeia.

Em tese, com a eleição de Lula em 2022, o lulopetismo, vitorioso, deveria se fortalecer. Mas é o contrário que está acontecendo; ele hoje definha e se esgarça.

O terceiro governo Lula tem decepcionado muitos entusiastas dos mandatos anteriores. Trata-se de um governo fraco e ruim; sofrível, quando muito. No PT, Lula é forte e age como autocrata; no governo, submete-se às chantagens dos fisiológicos do centrão e é mais governado do que governa.

Lula está desconstruindo rapidamente a tal frente ampla que o elegeu. Nessa desconstrução, aliás, o presidente conta com a peçonha transbordante das alas extremistas do lulopetismo, que atacam com furor qualquer pessoa ou entidade que apresente alguma discordância.

Se ele realmente for candidato à reeleição, a nova frente lulista avançará apenas do PT para as franjas mais extremistas da esquerda; as mesmas que, no meu entender, estão catalizando repulsas que levarão ao esgotamento do próprio lulopetismo.

Visão tosca, primitiva e retrógrada

Convém notar que a frente ampla que elegeu Lula não era uma frente pró-Lula propriamente dita, mas uma frente pró-democracia. A ameaça reacionária representada pelos aloprados bolsonaristas foi entendida, naquele momento, como mais perigosa para a democracia do que o retorno de Lula ao poder.

Por mero pragmatismo e não por convicção democrática, Lula aparenta internamente algum respeito às instituições. Isso porque ele sabe que não contaria com o apoio da sociedade se explicitasse seu ranço autoritário e empreendesse abertamente alguma manobra inconstitucional.

Restou para ele, então, admirar e bajular aqueles que conseguiram estabelecer, lá fora, em seus países, a ditadura que ele não logrou estabelecer aqui. Da Venezuela a Rússia, passando pelo pelo Irã, Lula aproximou o Brasil do que há de mais contrário à civilização, aos direitos humanos, à liberdade e à democracia.

Como corretamente afirmou o professor Denis Rosenfield, em recente artigo, “a sua convicção antidemocrática transparece principalmente em sua visão das relações exteriores”. 

William Waack também foi no ponto quando asseverou que Lula acredita estar do lado certo, inevitável e vitorioso da história, aquele que vai destruir o “imperialismo americano” com ajuda da China e da Rússia.

Lula e sua assessoria internacional, segundo Waack, “entendem a grande ruptura geopolítica atual em linha com um determinismo no sentido de que é inevitável o triunfo do ´Sul´ (os pobres, os emergentes, os espezinhados pela hipocrisia Ocidental) conduzido pela China. Essa visão de mundo parte da premissa de que valores como democracia ou direitos humanos são mero pretexto de países ocidentais para avançar seus interesses, sobretudo econômicos. E que sanções não passam de ferramentas para atrapalhar os contestadores dessa ordem. É uma visão tosca, primitiva e retrógrada.

As ditaduras latinas amigas

A fraude eleitoral na Venezuela foi escandalosa e a violência anunciada é praticada pelo ditador Maduro e seus esbirros sem nenhuma cautela ou pudor; mesmo diante de práticas tão abjetas, o lulopetismo extremista realça a “democracia” chavista e enaltece o ditador Maduro.

Tal discurso, expresso sem rodeios, esfrangalha a capa democrática com que o lulopetismo tradicional tentou se cobrir; e sem essa capa o lulopetismo torna-se imprestável e inviável.

No caso da Nicarágua, as violências da ditadura de Daniel Ortega contra o povo do seu país vieram a ter alguma resposta do governo brasileiro apenas quando a perseguição contra o clero católico chegou ao ponto de o próprio Papa Francisco pedir para Lula intervir.

Como se sabe, a ala progressista da Igreja Católica no Brasil é ponto de apoio do Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação. Mesmo que se deva considerar a reação tardia do governo brasileiro aos abusos perpetrados pelo regime nicaraguense, resta patenteada a ferocidade de um ditador que Lula defendeu por muito tempo e que o lulopetismo extremista continua a defender.

O presidente Lula e a ala do PT na qual restou algum juízo já dão mostras de perceber o potencial de desgaste devido ao acovardamento e a cumplicidade diante das tiranias latinas. Apenas por isso começam a esboçar reações diplomáticas um pouco mais condizentes com a bela tradição da escola do Barão do Rio Branco.

Ainda assim, são reações eivadas de cinismo. Celso Amorim, por exemplo, declarou em recente entrevista à GloboNews que não tem confiança nas atas disponibilizadas pela oposição venezuelana. Falta-me a paciência quando leio na imprensa que isso é prudência diplomática. Não é. É maldade, cara de pau, falta de caráter e hipocrisia.

Defesa de Maduro e a demência fanática da extrema esquerda

A eleição presidencial já não é mais a questão central no drama atual da Venezuela, dado que a fraude já se consumou. O episódio de 28 de julho tornou-se pano de fundo catalisador nos discursos de mobilização das partes em luta: de um lado, o povo lutando por liberdade e democracia; do outro, a repressão de uma ditadura cujo objetivo é aquele de todas as tiranias: manter-se no poder.

A repressão de Maduro avança no prometido “banho de sangue”, assassinando dezenas de cidadãos. O ditador inflama seus sequazes bradando que já prendeu mais de 2 mil opositores e prenderá outros mais, enviando-os para prisões de segurança máxima (onde são praticadas torturas).

A sacrificada luta do povo venezuelano impõe-se como objeto de maior preocupação dos países democráticos de todo o mundo e à consciência das pessoas que sinceramente defendem a liberdade e os direitos humanos. Não é o caso do presidente do Brasil, nem dos seus assessores internacionais, nem do seu partido.

Internacionalmente, cresce a repulsa democrática, humanista e civilizatória a uma ditadura assassina, fraudulenta, mentirosa, corrupta e bizarra que é esta do ditador Nicolás Maduro. Inúmeros países já reconhecem Edmundo Gonzáles como o legítimo vencedor das eleições na Venezuela. Vergonhosamente, o Brasil não está entre eles.

É bem verdade que há certa pressão da imprensa, de políticos e da sociedade civil para que Lula não escancare de vez sua índole autoritária e devolva o Brasil aos trilhos da civilização, dando um passo atrás na sua diplomacia do mal. Não menos verdade, porém, é que há uma pressão do lado oposto.

A esquerda fanática

Mario Vitor Santos, por exemplo – que já foi ombudsman da Folha e hoje é colunista e apresentador de um site desprezível cujo nome nem convém citar – escreveu o espantoso texto “Maduro, não entregue as atas.”

Dirigindo-se retoricamente ao tirano da Venezuela como “presidente” que acabou de ter uma “vitória consagradora”, o militante escreve que “alguns inimigos inexplicavelmente inclusive o Brasil, se juntaram a seus arquinimigos para humilhá-lo e a seu povo”.

O patético texto foi pinçado aleatoriamente como uma amostra do grau de retração intelectual ao qual a mentalidade de certa parte da esquerda está submetida.

Mario Vitor acha que a cumplicidade do governo Lula com a ditadura de Maduro é de pouca monta e exige uma entrega total aos caprichos do ditador. Ele é a espécime de um tipo. Um tipo fanático, intolerante, autoritário e liberticida.

Ao permitir a nota do PT parabenizando Nicolás Maduro pela sua vitória, Lula estava testando a força dessa ala mais radical e extrema; ao declarar cinicamente que o pleito eleitoral na Venezuela foi “teoricamente pacífico”, um processo que “não tem nada de grave, nada de assustador”, Lula estava testando até que ponto ele pode continuar tratando os brasileiros como idiotas.

Como Lula não é burro, já deve ter percebido que não será tão fácil quanto ele esperava construir uma narrativa por meio da qual Nicolás Maduro se mantenha no poder sem que isso implique para ele (Lula) uma grande perda de popularidade.

Não é pragmatismo; é cumplicidade cínica

Muitas vozes da esquerda já se levantaram contra Maduro e sua fraude eleitoral. Até mesmo alguns lulopetistas notórios repeliram Maduro abertamente. Tudo isso é bem-vindo porque torcemos pelo aumento da pressão contra o ditador, venha ela de onde vier.

É preciso, porém, perceber as nuances da forma como a crítica contra Maduro está sendo apresentada pela esquerda. Como bem disse o jornalista Rodolfo Borges, em recente artigo em O Antagonista, o “governo Lula não é mediador na Venezuela, é cúmplice.”

Isso deveria estar óbvio, mas chama atenção os vários artigos que circularam nos quais se tenta passar a ideia de que a diplomacia do Brasil, em relação à Venezuela, estaria sendo prudente e pragmática.

Na análise da jornalista Eliane Cantanhêde, para citar um exemplo, Lula, Celso Amorim e Mauro Vieira sabem que Maduro perdeu a eleição e conversam sobre isso a portas fechadas, mas a portas abertas “é preciso manter a frieza e aguentar firme a pancadaria interna para buscar soluções.”

Para Cantanhêde, esses homens virtuosos “estão agindo com cautela e estratégia para não romper pontes com Maduro”. Segundo ela, eles estariam muito preocupados em evitar o prometido banho de sangue ou um golpe militar. Como se ambas as coisas já não tivessem acontecido! Como se o país já não fosse há anos uma ditadura militar e como se o banho de sangue já não estivesse em curso.

Em um artigo posterior ao acima citado, Cantanhêde continua batendo na mesma tecla: o Brasil aliou-se a México e Colômbia “para manter o diálogo” com a ditadura venezuelana com “o sonho de chamar Maduro à razão”.

A jornalista reconhece a inegável fraude, a “coragem impressionante” dos oposicionistas e a loucura autoritária de Maduro, mas insiste em colar no governo Lula uma boa intenção que claramente não existe.

A intenção do PT, de Celso Amorim e de Lula sempre foi garantir a perpetuação do poder de Nicolás Maduro e criar justificativas que tornassem essa ignomínia um pouco menos indigesta aos eleitores brasileiros.

A tese da colunista de que Maduro fez “todo mundo de bobo” não é apenas infantil, é também perniciosa porque escamoteia a verdade e tenta manter na cara de Lula a máscara de democrata e humanista que o mundo todo está vendo cair.

Espero, realmente, que o governo brasileiro não se deixe arrastar pelo surto de demência fanática da extrema-esquerda, saia das cordas do acovardamento diplomático e venha a cumprir o papel que pode cumprir na transição de poder de Maduro para a oposição vitoriosa.

Espero isso porque torço pela libertação da Venezuela e porque acredito no instinto de sobrevivência do animal político Lula e não porque acredito nas suas boas intenções em relação a um povo que ele mesmo ajudou a escravizar.