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A força de Bolsonaro e a fraqueza do Brasil

Jair Bolsonaro, na mira do STF por articular decretação irregular de Estado de sítio e intervenção no TSE, convocou seus eleitores para defendê-lo no dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, e a massa de apoiadores compareceu.

No vídeo da convocação, Bolsonaro diz que se trata de um “ato pacífico em defesa do nosso Estado democrático de direito.” Sabe-se lá o que o Estado democrático de direito é na cabeça de um populista autoritário que faz reunião com todos os seus ministros para combinar a virada de mesa que iria mantê-lo no poder a despeito do resultado das eleições.

Bolsonaro queria um golpe de Estado, seu entorno planejou um golpe de Estado, que não aconteceu porque as Forças Armadas, como instituição, se negaram a implementá-lo, embora alguns militares, individualmente, tenham participado da “intentona bolsonarista.”

Em seu discurso, Bolsonaro falou da bíblia como uma “caixa de ferramenta”, dramatizou em torno do episódio da facada que sofreu em 2018, citou luta armada de 1970 e um tenente “executado pela esquerda”, lembrou sua “carreira das armas”, recordou os 28 anos como deputado “discursando para as paredes”, citou platitudes sobre seu governo até chegar ao momento “daquela coisa que aconteceu em outubro de 2022” e mostrou-se satisfeito por ter conseguido o que queria: “uma fotografia para o mundo.”

A instrumentalização do conservadorismo

Mas não faltou aquela carga ideológica caricata que, de fato, responde pela sua capacidade de aglomerar tão grande público: “Nós não queremos o socialismo para o nosso Brasil. Nós não podemos admitir o comunismo em nosso meio. Nós não queremos ideologia de gênero para os nossos filhos. Nós queremos respeito à propriedade privada. Nós queremos o direito à defesa à própria vida. Nós queremos o respeito à vida desde a sua concepção. Nós não queremos a liberação das drogas em nosso país.”

Eu e provavelmente mais da metade dos brasileiros concordamos com esse parágrafo. O que não concordamos é que o sujeito, por defender isso, não seja responsabilizado pelos desvios cometidos em outros aspectos fundamentais da ética, da moralidade, da civilidade. O problema é que o sentimento conservador do brasileiro comum foi manipulado, instrumentalizado por políticos desqualificados, ineptos e desonestos.

É uma cena burlesca ver os autoproclamados patriotas antipetistas aplaudirem com entusiasmo o discurso do presidente do PL, Valdemar da Costa, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, ocorrido no governo Lula.

Ainda mais constrangedor e decepcionante é ver um dos ícones da operação Lava-Jato, o ex-deputado Deltan Dallagnol, junto a outros expoentes do partido Novo, participar da manifestação bolsonarista, sob a justificativa de união da direita contra os abusos do STF.

Ora, todos sabem que a CPI da Lava-Toga, protocolada pelo senador Alessandro Vieira, em 2019, com o objetivo de investigar o judiciário, foi inviabilizada pelo bolsonarismo para livrar a pele de Flávio Bolsonaro das investigações do caso das rachadinhas. A foto do caloroso abraço de Bolsonaro aos ser recebido pelo ministro Dias Toffoli em sua casa, em 2020, diz tanto do Brasil quanto a foto da multidão bolsonarista na Paulista.

Lava-Jato e falta de coerência moral

Sérgio Moro, ao decidir apoiar Bolsonaro no segundo turno, após ter denunciado a intenção do ex-presidente de interferir na Polícia Federal e após ter feito uma espécie de pré-campanha para presidente na qual expôs em livro e em discursos o mal que Bolsonaro tinha feito ao combate à corrupção, acabou com a esperança política daqueles que acreditaram e defenderam a Lava Jato por princípio e por anelo de justiça e não por mero oportunismo.

Da mesma forma, Deltan Dallagnol, aderindo ao bolsonarismo, de certa forma despreza a parcela da direita antibolsonarista que viu nele alguém firme e inabalável no combate à corrupção. 

Conforme escreveu Felipe Moura Brasil no artigo O Novo parasita o bolsonarismo, os valores e princípios inegociáveis do combate à corrupção foram sabotados por Bolsonaro e colar na direita bolsonarista não é o melhor exemplo de coerência moral.

Eis a fraqueza do político brasileiro e do brasileiro comum: a falta de coerência moral. Não é porque o STF está cometendo abusos – de fato, está – que precisamos desconsiderar os crimes cometidos por aqueles que são alvos da investigação. E entre os crimes está a tentativa de golpe, infelizmente minimizada pela direita, que compromete assim o seu papel de firme, porém democrática oposição.

Duas pontas que se retroalimentam 

Em seu discurso, Bolsonaro também pediu uma anistia para “os pobres coitados que estão presos em Brasília”. Sim, eles merecem anistia. Foram massa de manobra de gente mais graúda. Eles estão presos na Papuda e o Brasil está preso a dois populistas grotescos e rasteiros que se retroalimentam, como escreveu a ex-deputada Janaina Paschoal, em postagem no seu perfil X, em momento de singular lucidez:

“Respeitando opiniões divergentes, eu vejo, com clareza, um novo teatro das tesouras. Duas pontas que se retroalimentam e, guardadas as particularidades, funcionam de forma muito parecida. Ambas têm seus fiéis, que veem crimes na outra ponta, ambas têm seus atos de dramatização e ‘despedida’. Uma ponta brinca de fazer calar a outra. Antes, eu tinha pena do povo, que acredita nesse teatro. Hoje, vejo que o povo gosta e também se alimenta disso. Pobre daquele que pensa que essa representação os aniquila mutuamente. Esse teatro os mantém vivos e eles sabem disso!”

A manifestação na Avenida Paulista foi exitosa. Deixou clara a tragédia política brasileira: só Lula e Bolsonaro conseguem mobilizar as massas e encher as ruas; e as aberrações de um fazem as aberrações do outro parecerem menores. A força de Lula e Bolsonaro é a fraqueza da democracia do Brasil.

A Escalada de Antissemitismo no Governo Lula

Há tempos as altas esferas do poder brasileiro, especialmente o STF e o Executivo, tentam nos convencer acerca da necessidade premente de se combater o discurso de ódio por meio da regulação das redes.

Na pomposa cerimônia “democracia inabalada”, que recordou os eventos de 8 de janeiro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Lula deram especial destaque para o tema em suas falas. Para Moraes, as redes sociais viraram “um campo fértil de extremismo”; para Lula, “nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais.

Para quem não está alienado em relação aos últimos acontecimentos, está claro que o tipo de discurso de ódio que mais tem crescido no mundo é aquele dirigido contra os judeus. Não apenas o discurso, mas também os atos que lhe acompanham. Na França, por exemplo, segundo números divulgados, no fim de janeiro de 2024, pelo Ministério do Interior e pelo Serviço de Proteção à Comunidade Judaica (SPCJ), houve, em 2023, um aumento de 1000% de atos antissemitas na França.

Mas esse não é um problema apenas da Europa. Nosso país, reconhecidamente hospitaleiro, generoso e tolerante com todas as raças e credos tem sido contaminado, desde o início da guerra de Israel contra o Hamas, pela onda de antissemitismo que infelizmente se alastra, mais uma vez, pelo mundo.

Esse ódio nefasto, como é fácil constatar, está, nos dias atuais, amplamente disseminado entre os militantes e ideólogos da extrema esquerda, aspecto que tivemos a oportunidade de abordar em ensaio, publicado na revista Crusoé, intitulado Islamo-esquerdismo: a nova face do ódio aos judeus.

Esse ranço ideológico da esquerda radical explica o apoio dado pelo Brasil à absurda acusação da África do Sul contra Israel, no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, mas explica também a vista grossa das autoridades quanto à proliferação das mensagens antissemitas na internet.

O caso Breno Altman X Conib

O ministro Alexandre de Moraes, tão compenetrado no dever de sanear as redes, derrubando contas, para nos proteger do extremismo, sequer esboçou qualquer atitude contra as inúmeras postagens cujo teor é o extremismo que teve como consequência, no século passado, a cruel eliminação de 6 milhões de judeus.

Se o STF fez vista grossa à explosão de antissemitismo nas redes, o PT e o Governo Lula, por sua vez, foram mais atuantes: endossaram a militância antissemita do lulista Breno Altman que, entre os muitos despautérios disseminados em seu perfil no X para milhões de seguidores, comparou judeus a ratos (“Podemos não gostar do Hamas, mas […] nesse momento não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos”), exaltou o terrorismo (“Toda solidariedade ao Hamas!), além de outras bizarrices cruéis como comemorar a entrada do Hezbolah na guerra com o consequente aumento de “perdas sionistas”, defender “uma escalada militar que envolva Hezbolah, Síria e Irã, com aval de Rússia e China” contra Israel e incentivar o boicote de estabelecimentos judeus (“José Genuíno está coberto de razão. O Estado colonial e racista de Israel deve ser submetido a boicote. […] Empresas apoiadoras […] incluindo as brasileiras, devem receber a mesma punição.”)

Como as autoridades públicas – tão atuantes na hora de censurar os que supostamente pregaram ódio contra as instituições brasileiras e seus representantes – se omitiram diante dos disparates antissemitas de Altman, coube à comunidade judaica tomar as providências cabíveis em defesa do seu povo. Assim sendo, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) acionou a justiça na tentativa de conter o antissemitismo desenfreado do militante.

Quando um juiz do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo determinou a exclusão de 11 postagens racistas de Altman, a presidente do PT, Gleisi Hoffman correu em seu socorro, defendendo-o publicamente. 

Como se isso não bastasse, Altman recebeu apoio mais recente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que publicou nada menos do que uma nota de repúdio à Confederação Israelita do Brasil (Conib), o que equivale claramente a uma defesa do antissemitismo desenfreado nas redes.

A acintosa e cínica nota desse órgão subordinado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reflete toda a vileza do aparelhamento do Estado brasileiro por ideólogos imorais e insensatos. 

A nota repete os piores chavões em torno da guerra de Israel contra o Hamas. Aliás, a nota sequer faz referência a esse grupo terrorista que Israel combate, dando a entender que se trata de uma guerra de Israel contra os palestinos, o que é uma distorção deliberada.

A outra calhordice da nota consiste em tratar Breno Altman como um jornalista injustamente censurado e não como o que de fato é: um militante extremista, radical e antissemita chamado a responder juridicamente pelas consequências do uso indevido da sua liberdade de expressão.

E a islamofobia?

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, está de acordo com a militância do órgão subordinado à sua pasta? Qual foi a atitude dele após a repercussão do caso de antissemitismo em Arraial D´Ajuda, na Bahia, quando uma mulher enfurecida invadiu e depredou a loja de Herta Breslauer, agredindo-a verbal e fisicamente pelo simples fato de ela ser judia? O ministro fez uma nota ideologicamente servil, intitulada “repúdio ao antissemitismo e à islamofobia.”

O que justifica a inserção do termo islamofobia em uma nota de repúdio a um ato de antissemitismo quando nenhum ato ou discurso de preconceito contra muçulmanos se relaciona com o ocorrido? Nada justifica. 

Começar uma nota que deveria repudiar um ato antissemita com a frase “a absoluta e necessária condenação do massacre contra o povo palestino na faixa de Gaza, perpetrado pelo governo de Israel” é simplesmente averbação de pedágio ideológico, lassidão moral e má-fé.