Todos os posts de Márcio Coimbra

Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Cartel de Caracas

Sob a perspectiva técnica da inteligência corporativa e da análise de riscos geopolíticos, classificar a Venezuela de Maduro apenas como uma ditadura é um erro de categoria. O que observamos hoje não é uma crise política convencional, mas a consolidação de um “narco-estado de exceção”. A Venezuela deixou de operar sob a lógica de um Estado-nação para funcionar como uma organização criminosa transnacional que representa uma ameaça existencial à segurança hemisférica.

Os indicadores macroeconômicos e sociais descrevem um país em processo de extermínio deliberado. Com uma retração do PIB superior a 80% na última década e a destruição completa do poder de compra pela hiperinflação, o regime instrumentalizou a miséria. A fome não é um acidente de gestão, é uma política de Estado para o controle social. Contudo, o que mantém Maduro no Palácio de Miraflores não é a ideologia, é o terror. Relatórios da Missão Internacional da ONU documentam, com precisão forense, a arquitetura da repressão: o uso sistemático de tortura, violência e desaparecimentos forçados executados pelo SEBIN e pela DGCIM. O Helicoide, em Caracas, tornou-se o monumento de um sistema onde a dissidência é tratada com choques elétricos e asfixia.

Caracas representa a fusão entre Estado e crime organizado. A Venezuela tornou-se o principal hub logístico para o escoamento de drogas nas Américas. O denominado Cartel de los Soles não é uma máfia que corrompeu o governo, ele é o governo. Altas patentes militares utilizam a infraestrutura estatal — portos, aeroportos e radares — para exportar drogas para os EUA e Europa. Ainda mais alarmante é a cessão de soberania territorial a grupos terroristas. A presença ativa do ELN, de dissidentes das FARC e de células operacionais ligadas ao Hezbollah e ao Irã transforma a Venezuela em um porto seguro para o terrorismo global e inteligência hostil no continente.

Diante desse cenário, a tese da “solução interna” tornou-se uma ilusão. A sociedade civil está desarmada e desnutrida, a oposição política, encarcerada ou exilada. Uma intervenção externa coordenada deixa de ser uma opção radical e passa a ser a única via pragmática para estancar a sangria. Tratar Maduro não como um chefe de Estado, mas como o líder de uma organização criminosa, é vital. O relaxamento dessa pressão seria um erro de cálculo catastrófico, validando a impunidade de um regime que zomba da diplomacia. Para além disso, é preciso lembrar que a mera troca de comando, preservando a estrutura militar corrompida, perpetuaria um narco-estado sob fachada democrática. A mudança exige o desmantelamento total do aparelhamento chavista, sob pena de criar uma soberania tutelada pelo crime.

Para o Brasil, a neutralidade diplomática é negligência estratégica. O risco de contágio é iminente. A organização criminosa venezuelana Tren de Aragua já infiltrou suas operações em Roraima e outros estados, estabelecendo alianças táticas com facções locais como o PCC e o CV. Nossas fronteiras são permeáveis ao fluxo de fuzis e drogas que o regime vizinho fomenta. Apoiar uma intervenção internacional robusta e a refundação institucional em Caracas não é ingerência, é uma medida urgente de legítima defesa da soberania e da segurança pública brasileira.

A voz de Tóquio

A ascensão de Sanae Takaichi ao cargo de Primeira-Ministra marca o encerramento da era da timidez diplomática do Japão. Ao declarar inequivocamente que uma agressão chinesa a Taiwan constituiria “situação de ameaça à sobrevivência” do seu país, Takaichi alinhou a política externa japonesa à dura realidade do século XXI: a segurança de Taiwan é, de fato e indissociavelmente, a segurança da Ásia. Esta postura não deve ser lida como belicismo, mas como um necessário realismo geográfico e estratégico.

A decisão da Primeira-Ministra de abandonar a tradicional “ambiguidade estratégica” em favor de uma “clareza tática” foi recebida com a previsível fúria de Pequim. As retaliações chinesas, que variam desde a suspensão de importações de produtos japoneses até o congelamento do turismo e uma retórica inflamada sobre ultrapassar “linhas vermelhas”, acabam por expor a fragilidade dos argumentos do vizinho comunista. Quando uma nação soberana reage a uma postura defensiva de um vizinho com coerção econômica e ameaças veladas, ela apenas valida a necessidade urgente dessa defesa. A liderança de Takaichi, ao recusar-se a ceder a essa chantagem, envia uma mensagem crucial ao mundo: o Japão não será refém de seu maior parceiro comercial quando sua existência estiver em jogo.

Essa audácia política não ocorre no vácuo, encontrando forte ressonância na renovada aliança com Washington e no apoio de uma comunidade internacional cada vez mais cautelosa com o expansionismo chinês. A comunicação direta com a Casa Branca sugere que Washington vê em Takaichi a parceira ideal para a manutenção de um “Indo-Pacífico Livre e Aberto”. Ao verbalizar o que muitos líderes ocidentais pensam, mas hesitam em dizer por temor econômico, o Japão assume a liderança política que condiz com seu peso global. No centro desta disputa está a recusa em aceitar a ficção diplomática de que a ilha democrática de Taiwan seria apenas uma simples província rebelde.

A análise técnica e jurídica corrobora a posição japonesa, pois Taiwan opera como um país pleno sob qualquer critério objetivo de direito internacional. A ilha preenche todos os requisitos da clássica Convenção de Montevidéu para a personalidade jurídica de um Estado: possui uma população permanente de 23 milhões de habitantes com identidade própria, detém território definido com fronteiras claras e jurisdição efetiva, é gerida por um governo democrático, funcional e autônomo que cobra impostos, emite passaportes e demonstra plena capacidade de estabelecer relações com outras nações. Ao tratar Taiwan como parceiro estratégico, Takaichi não está inventando uma nova realidade, mas apenas reconhecendo a existência de um Estado que possui suas próprias leis, forças armadas, moeda e plena autonomia.

Em última análise, a atitude de Sanae Takaichi representa um divisor de águas na geopolítica asiática. Diante das ameaças de Pequim, a resposta do Japão sob sua liderança não foi o recuo habitual, mas a firmeza baseada em princípios. Ao defender o direito de Taiwan de existir livre de coerção, a Primeira-Ministra defende também a ordem internacional baseada em regras, lembrando que a complacência com regimes expansionistas historicamente apenas convida a maiores agressões. O Japão posiciona-se agora não apenas como um observador ansioso, mas como um guardião ativo da liberdade e da estabilidade no Pacífico.

Os Tentáculos de Teerã

Enquanto a atenção mundial se concentrava nos conflitos abertos no Oriente Médio, um plano ousado, gestado nos porões de Teerã, foi desmontado a tempo de evitar uma tragédia de proporções internacionais. Poucos meses atrás, o governo mexicano, em coordenação com agências de outros países, frustrou uma conspiração orquestrada pela Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã, para assassinar Einat Kranz-Neiger, Embaixadora de Israel no México. O caso, que recebeu escassa atenção da imprensa brasileira, serve como alerta contundente: a máquina de desestabilização iraniana não apenas permanece ativa, mas opera com audácia crescente em territórios distantes, mesmo após os reveses de seus aliados mais visíveis.

O modus operandi envolvia o recrutamento de um cidadão mexicano, seguindo ordens diretas de um agente iraniano. A estratégia de recrutamento local evidencia uma nova tática da Guarda Revolucionária dos aiatolás na América Latina, operando desde a Venezuela. O objetivo principal é minimizar riscos e aumentar as chances de sucesso em solo estrangeiro, demonstrando uma sofisticação funcional que vai além do teatro de guerra convencional.

Este episódio é um exemplo emblemático da doutrina de “guerra híbrida” iraniana. Num momento em que Hamas, Hezbollah e Houthis enfrentam significativa pressão militar e diplomática, Teerã responde estendendo seus tentáculos. Ao mirar uma alta figura diplomática em um terceiro país como o México, o regime sinaliza que sua campanha de antagonismo não conhece fronteiras. A escolha do alvo – uma mulher que representa Israel diplomaticamente – foi claramente calculada para infligir um golpe estratégico e simbólico, criando uma crise internacional de grandes proporções.

A contenção bem-sucedida deste complô, um triunfo silencioso da cooperação em inteligência, evitou uma catástrofe. No entanto, a tentativa em si é a mensagem mais alarmante. Ela desmente qualquer narrativa de que um Irã sob sanções (e com seus proxies enfraquecidos) estaria contido. Pelo contrário, revela um regime que, quando pressionado, pode tornar-se mais ousado e imprevisível, recorrendo a operações de alto risco em territórios alheios ao seu teatro de operações para projetar poder e vingança.

Este evento não é um incidente isolado. Deve ser analisado em conjunto como uma prática já utilizada pelo regime dos aiatolás. A Austrália expulsou o embaixador iraniano após apontar envolvimento de Teerã em um ataque contra uma sinagoga em Melbourne e outro contra um restaurante kosher em Sydney. Na América Latina, o atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, em Buenos Aires, que deixou 85 mortos. Um ataque cometido pelo Hezbollah a pedido do Irã. 

A lição do atentado frustrado na Cidade do México é cristalina: a comunidade internacional não pode expor-se ao risco. Subestimar a resiliência e a capacidade de adaptação do regime iraniano é um erro estratégico perigoso. A abordagem ocidental não pode se limitar a conter grupos proxy, deve confrontar com vigor a fonte primária da instabilidade e regimes aliados, como em Caracas. É imperativo intensificar a pressão diplomática, ampliar a cooperação em inteligência e fechar as brechas nas sanções que permitem a Guarda Revolucionária financiar operações globais. Ignorar a persistência da ameaça iraniana é convidar a uma crise ainda mais severa no futuro. O perigo não se dissipou, simplesmente se transmutou e expandiu seu raio de ação.

COP30: Uma Reflexão Necessária

Enquanto o Brasil recebe a COP30, a narrativa de uma crise climática atinge seu ápice. No entanto, um exame mais aprofundado da história do planeta e dos dados disponíveis revela um quadro mais complexo e menos alarmista. A Terra é um organismo dinâmico, que passou por ciclos naturais de aquecimento e resfriamento ao longo de milênios, muito antes da industrialização. Logo, questionar o atual consenso absoluto não é negacionismo, mas um exercício de ceticismo científico saudável.

Climatologistas como Bjorn Lomborg, autor de “O Ambientalista Cético”, não negam as mudanças climáticas, mas colocam em perspectiva o papel da humanidade nelas. Lomborg argumenta que o discurso apocalíptico gera políticas ineficazes e custosas, desviando recursos de problemas globais mais prementes, como a pobreza, a má-nutrição e a falta de saneamento básico. Ele defende que a adaptação e a inovação tecnológica são respostas mais pragmáticas e humanas do que tentativas draconianas de descarbonizar a economia global à força.

Essa visão pragmática encontra eco em outros cientistas de renome. O físico atmosférico Richard Lindzen, do MIT, e a climatóloga Judith Curry, da Georgia Tech, já argumentaram que a sensibilidade do clima ao CO2 pode ser superestimada e que a variabilidade natural interna do planeta é um fator subestimado nos modelos atuais.

A ideia de que o clima era estático antes da atividade humana ignora evidências históricas. Períodos como o Ótimo Climático Medieval (séculos X-XIII), quando as temperaturas eram provavelmente mais altas que as atuais, permitiram a colonização viking na Groenlândia. Em contrapartida, a Pequena Idade do Gelo (séculos XIV-XIX) trouxe frio intenso e fome para a Europa. Esses eventos ocorreram sem a influência de combustíveis fósseis, demonstrando a variabilidade natural do sistema climático.

Surge, então, a pergunta crucial: até que ponto a ação humana é o fator determinante? Muitos cientistas, cujas vozes são muitas vezes abafadas, apontam para a influência de ciclos solares e oscilações oceânicas como os principais condutores do clima em escalas de tempo decenais e seculares. Culpar apenas o CO2 por todas as mudanças no clima é uma explicação simplista para um sistema que é complexo e imprevisível.

Não se pode ignorar, ainda, a dimensão econômica por trás da “agenda verde”. Criou-se uma poderosa indústria bilionária em torno das teses das “mudanças climáticas”. Fundos de investimento, corporações de energia “renovável” e uma vasta rede de ONGs são financiados para promover uma narrativa única. Esta, por sua vez, justifica pesados subsídios, regulamentações e taxações que redistribuem riqueza e concentram poder, muitas vezes com um impacto questionável na temperatura global.

Portanto, a COP30 deve ser um espaço não para o dogmatismo, mas para o debate aberto. É preciso escutar os cientistas céticos, avaliar os custos reais das políticas de net-zero e priorizar a resiliência e a prosperidade humana. O planeta sempre mudou. O grande desafio não é frear um processo natural, mas sim aprender a lidar com ele com inteligência, sem renunciar ao nosso progresso e qualidade de vida em razão de um alarmismo financiado por interesses políticos.

Crime Sem Fronteiras

A operação deflagrada no Rio de Janeiro expôs com violência o caráter transnacional do crime organizado brasileiro. Ao enfrentar o Comando Vermelho, facção que controla rotas de cocaína da Amazônia à Europa, a polícia estava também atingindo pontos nevrálgicos de uma organização criminosa transnacional. A letalidade da ação, portanto, não é apenas um drama local. Estamos diante de um sistema que alimenta redes globais de tráfico, lavagem e violência que demandam respostas coordenadas além de nossas fronteiras. Sem integração plena de inteligência, operações como essa combatem sintomas enquanto o ilícito se reorganiza em tempo real.

Em um mundo onde o crime ignora soberanias, a cooperação policial internacional é imperativa. A Interpol, com seu canal I-24/7, processa 1,2 milhão de consultas diárias, ou seja, cada segundo de atraso é uma rota de fuga. Ainda assim, a rede apresenta vazios criados por critérios políticos, não técnicos. Cidades do porte de Hong Kong e países como Kosovo e Taiwan poderiam estar mais integrados ao sistema internacional. Apesar da expertise, permanecem fora das reuniões, treinamentos e do I-24/7 – uma exclusão ditada por pressões externas, não por incapacidade. As forças de segurança de Taipei, por exemplo, desmantelaram em 2024 uma plataforma de exploração infantil com 5.000 membros, rastreando criptomoedas e operadores transfronteiriços.

Taiwan não é um caso isolado. Hong Kong, antes membro pleno, foi rebaixado a “escritório de ligação” após 1997 e Kosovo, reconhecido por mais de cem países, ainda luta por acesso. Todas essas jurisdições possuem forças policiais operacionais e registros de cooperação bilateral exitosa, mas são mantidas à margem por vetos políticos. A resolução da 53ª Assembleia Geral da Interpol, em 1984, não impôs barreiras à participações como a de Taiwan; o artigo 2º da Constituição da organização exige “a mais ampla assistência mútua”. Logo, subordinar essas missões a disputas diplomáticas é escolher ideologia em vez de resultados reais que podem salvar vidas.

Países como Nova Zelândia, Austrália e Japão já trocam inteligência cibernética com Taipei sem criar precedentes políticos. Formalizar canais multilaterais – via status de observador – ampliaria o alcance da rede sem custos de soberania. Da mesma forma, em outras jurisdições excluídas, a inclusão técnica contribui para fortalecer a rede global. No Rio, cada quilo de droga apreendido tem origem em cadeias que passam por múltiplos continentes e sem todos os elos, a resposta é fragmentada.

A segurança internacional não tolera pontos cegos. Na 93ª Assembleia Geral da Interpol, em 2025, priorizar capacidade técnica e poder de cooperação sobre política é medida de pragmatismo e de segurança, não de cortesia. Conceder acesso aos países capazes de ajudar a combater o crime organizado em outras jurisdições é essencial, evitando lacunas que podem ser exploradas por organizações que operam nas sombras da lei.

A inclusão de todas as jurisdições competentes na Interpol é reforço operacional que beneficia diretamente o Brasil. Em um contexto de crime organizado transnacional, defender a cooperação técnica com essas nações é imperativo que deve ser cobrado de nossa diplomacia, uma vez que fortalece nossa segurança interna, fecha brechas na rede global de inteligência e prioriza resultados concretos acima de vetos ideológicos. É preciso combater o crime em todas as frentes e com todos os mecanismos possíveis.

Mexicanização Brasileira

O poderio do crime que motivou a ação policial no Rio de Janeiro não é um caso isolado. É a tradução de uma doença metastática que consome o Brasil. O que se vê no Rio hoje é apenas o ensaio geral, a prévia mais avançada do que todo o país experimentará amanhã se não acordarmos para a realidade brutal: o crime não mais opera à margem do Estado: ele se infiltrou em suas veias e diversificou seus negócios em escala industrial.

O conceito de crime organizado transcende em muito aquele já conhecido como ilícito comum. Estamos falando de um conglomerado infiltrado nas instituições públicas, com gestão corporativa, que sistematicamente corrompe e coopta o Estado para garantir a impunidade e expandir seus impérios. Esta não é uma teoria conspiratória. É a prática documentada de facções como o PCC e o Comando Vermelho, que hoje controlam cadeias inteiras do poder público. A infiltração é a nova arma, agora eficaz e silenciosa. As fraudes em concursos públicos, criminosos eleitos para parlamentos e um judiciário leniente são as provas cabais de êxito desta estratégia.

Além disso, é um erro reduzir o poder do crime apenas ao tráfico de drogas. Atualmente uma vasta e complexa teia econômica lava seus recursos e financia sua expansão. Facções dominam o contrabando de cigarros, comercialização de vapes, adulteração de combustíveis em escala nacional e, de forma mais visível, parcelas do lucrativo mundo das apostas que envolvem influenciadores. Segundo a Receita Federal, apenas 27 das 134 empresas do setor possuem registro regular, criando um ambiente fértil para lavagem de dinheiro.

Enquanto o Rio de Janeiro chama a atenção pela visibilidade, vastas regiões do Norte e Nordeste do país já vivem sob um silencioso e férreo controle das facções. Inúmeras cidades têm seu comércio, transporte e até a vida social ditados pelo crime. Prefeitos governam sob a tutela de grupos criminosos ou fazem parte deles, enquanto a população vive sob a lei do silêncio, sabendo que o Estado, quando aparece, é muitas vezes apenas uma extensão do poder do tráfico e das milícias. Segundo o Monitor da Violência, 15% dos municípios brasileiros relataram episódios de guerra entre facções em 2023, um aumento de 40% em relação a 2020. São batalhas pelo domínio territorial.

Este cenário é a materialização do que especialistas chamam de “mexicanização”. Não se trata de uma simples importação cultural, mas da adoção de um modus operandi onde os cartéis não apenas disputam mercados ilícitos, mas contestam o monopólio estatal da força e controlam porções significativas do território e da economia formal e informal.  O destino lógico e aterrador deste caminho é o nascimento de um modelo de narcoestado, onde as decisões de política pública, as nomeações para cargos-chave e a agenda econômica são influenciadas pelos interesses escusos que, além do crime, controlam parcelas do comércio, política, entretenimento, energia e outros setores. 

A ação no Rio é um sintoma de uma guerra civil assimétrica, um conflito armado onde o Estado reage à superfície do problema, mas perde a guerra silenciosa nos corredores do poder e no campo econômico. Enquanto não houver uma estratégia nacional, unindo inteligência, investigação financeira, combate implacável à lavagem de dinheiro e, sobretudo, a desinfecção da máquina pública cooptada por essas milícias e facções, estaremos apenas enxugando gelo. O Brasil está caminhando a passos largos para se tornar o que o Rio já é: a tradução de um Estado falido.

Risco Chinês

O Quarto Plenário do 20º Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCCh), que teve início a portas fechadas no Hotel Jingxi, em Pequim, não é apenas um evento rotineiro do ciclo político nacional. É um momento de engenharia estratégica de alto risco que visa redefinir o caminho do país num cenário global crescentemente hostil. Reunindo mais de 350 dirigentes, o foco central não é a governança partidária, mas a sobrevivência econômica e segurança nacional, materializada nas propostas para o 15º Plano Quinquenal (2026-2030).

O teor central do Plenário, realizado em um momento de acentuada desaceleração econômica (com PIB abaixo das expectativas) e de colapso no investimento estrangeiro, foi a mudança brusca de prioridade: do crescimento a todo custo para segurança e autossuficiência. Sob a liderança de Xi Jinping, o Partido Comunista busca construir uma China menos vulnerável às pressões externas. 

O objetivo passa por investimentos massivos em inteligência artificial, tecnologia quântica, semicondutores e energia limpa, enquanto a modernização de indústrias tradicionais busca competitividade global. Contudo, a alocação seletiva de recursos para setores estratégicos, em detrimento de uma recuperação econômica ampla, repete os erros de planos passados, que frequentemente sacrificaram resiliência em favor de prioridades políticas. A crise da dívida local e o colapso do setor imobiliário, problemas herdados do 14º Plano, continuam a desafiar a estabilidade chinesa, e a insistência do regime em soluções centralizadas revela uma incapacidade real de promover reformas estruturais profundas, sufocando a inovação genuína.

Ao fim e ao cabo, vemos que longe da retórica de “modernização socialista”, a estratégia adotada esconde riscos sistêmicos e geopolíticos de longo prazo que merecem uma análise crítica no Brasil e no mundo. O redirecionamento massivo de crédito dos setores tradicionais (como a construção civil, em crise) para a manufatura avançada, sem um consumo interno que absorva essa produção, pode simplesmente transferir e agravar a sobrecapacidade industrial, desestabilizando os mercados globais.

Além disso, ao forçar a autossuficiência em tecnologias sensíveis, a China acelera a fragmentação dos padrões tecnológicos globais. Isso não apenas dificulta o comércio, mas também pode forçar empresas estrangeiras a escolherem entre o mercado chinês e o resto do mundo, dividindo as cadeias de valor e aumentando os custos logísticos e de produção para todos os países, incluindo o Brasil.

O comunicado final consolida diretrizes inquestionáveis, mas a visão do PCCh, ancorada em controle rígido, levanta sérias dúvidas sobre sua sustentabilidade. A centralização excessiva, que reprime vozes dissidentes e inovações não sancionadas, contrasta com a promessa de prosperidade e expõe a fragilidade de um sistema que teme a abertura. Comparado aos planos quinquenais do passado, que, apesar de falhas, beneficiaram-se de um ambiente global mais favorável, o 15º Plano enfrenta um mundo mais hostil, onde a desconfiança gerada pelo autoritarismo do PCCh mina a cooperação internacional. O custo dessa abordagem — isolamento econômico, tensões geopolíticas e erosão da coesão social interna — pode superar as ambições do regime, revelando um modelo que, sob a fachada de força, camufla profundas vulnerabilidades, aquilo que se transformou no verdadeiro risco chinês.

A Paz de Abraão

O recente cessar-fogo em Gaza, acompanhado pela libertação dos reféns israelenses, representa um ponto de inflexão na dinâmica do Oriente Médio. Depois de anos de instabilidade, abre-se uma rara oportunidade para a reconstrução política e humanitária da região. Nesse processo, o retorno de Donald Trump ao centro das negociações internacionais recoloca os Estados Unidos como principal mediador e garante uma possível paz duradoura — agora ancorada no pragmatismo dos Acordos de Abraão.

Durante seu primeiro mandato, Trump foi o catalisador de uma guinada diplomática que alterou profundamente o mapa das alianças regionais. Ao viabilizar a normalização das relações entre Israel e vários países árabes, como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, inaugurou uma lógica baseada em benefícios concretos: comércio, tecnologia e segurança. Esse modelo, que substitui a retórica ideológica pela cooperação estratégica, mostrou-se resiliente e serve hoje de base para uma nova rodada de aproximações — possivelmente incluindo a Arábia Saudita.

O fim do conflito em Gaza não se explica apenas pela fadiga das partes, mas pela combinação de pressão diplomática e realismo político. Washington, sob liderança republicana, vem articulando uma frente de países árabes moderados que compartilham o interesse em conter o avanço de grupos extremistas e isolar o Hamas. A devolução dos reféns israelenses, eixo moral das conversas, consolidou o entendimento de que não há estabilidade possível sem responsabilização pelos atos terroristas que desencadearam o conflito.

O contexto regional também favorece essa inflexão. O Irã, peça central no tabuleiro de instabilidade regional, atravessa um momento de enfraquecimento interno e perda de tração internacional. As sanções econômicas, o conflito com Israel, a contestação popular e as divisões dentro do regime dos aiatolás corroem sua capacidade de sustentar uma rede de milícias e grupos por procuração. O impacto combinado da pressão econômica e crescente cooperação árabe-israelense tem reduzido o espaço de manobra dessas organizações, que há décadas atuam como braços desestabilizadores de Teerã. A retomada do protagonismo americano, portanto, não é apenas diplomática: ela redefine o equilíbrio estratégico, limitando a influência iraniana e reforçando a posição de Israel como âncora de segurança regional.

Os desafios, contudo, permanecem significativos. A reconstrução de Gaza exigirá coordenação internacional e a ampliação dos Acordos de Abraão depende da capacidade de conciliar interesses divergentes. A chave está em combinar garantias de segurança para Israel com incentivos econômicos para os vizinhos árabes — uma “paz pragmática”, sustentada por investimentos e integração tecnológica.

Mais do que exaltar lideranças individuais, o momento exige visão de longo prazo. Se a reaproximação entre Israel e o mundo árabe for consolidada, e se o Irã continuar a perder sua capacidade de projetar poder pela via da violência, o Oriente Médio poderá enfim ingressar em uma fase de estabilidade relativa — rara, mas possível.

Estamos diante de um possível equilíbrio regional baseado não em ilusões ideológicas, mas em interesses comuns, segurança compartilhada e cooperação concreta.

O grito de Oslo: o Nobel que desmascara o autoritarismo latino-americano

A decisão do Comitê Nobel de Oslo de conceder o Prêmio da Paz de 2025 a María Corina Machado, a incansável opositora venezuelana, transcende o reconhecimento individual: é um ato de denúncia moral e um grito universal em defesa da democracia em agonia. Em um cenário global onde o autoritarismo avança com inquietante naturalidade — como evidencia o Relatório de Democracia 2025 do V-Dem, que pela primeira vez em duas décadas registra mais autocracias (91) do que democracias (88) —, a escolha de Machado emerge como farol ético e político em meio à penumbra das tiranias.

Machado encarna a essência do testamento de Alfred Nobel — a busca da paz por meio da dignidade humana e da liberdade política. Fundadora da organização Súmate e líder do Vente Venezuela, há mais de vinte anos ela desafia um regime que transformou o país em laboratório do autoritarismo contemporâneo. Banida como candidata presidencial em 2024, ela não se rendeu: apoiou Edmundo González e organizou uma rede de observadores que documentou a vitória opositora antes que o regime de Nicolás Maduro destruísse as urnas e adulterasse o resultado. O Comitê Nobel descreveu seus esforços como “inovadores e corajosos, pacíficos e democráticos” — um tributo à fé inabalável de quem, mesmo ameaçada de prisão e tortura, recusou o exílio para continuar lutando dentro do país que ama. Nas palavras do presidente do Comitê, Jørgen Watne Frydnes, “foi a urna contra as balas”.

O prêmio expõe, com clareza quase cruel, o abismo humanitário cavado pelo regime chavista. Uma nação outrora próspera foi reduzida a um Estado em decomposição, onde a escassez, a violência e a corrupção substituíram a esperança. Segundo o Comitê Nobel, quase 8 milhões de venezuelanos foram forçados ao exílio desde 2014, em uma das maiores diásporas do século XXI. O ACNUR estima 7,8 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos espalhados pela região, enquanto dentro das fronteiras do país 3,3 milhões de pessoas, entre elas 1,8 milhão de crianças, dependem de ajuda humanitária imediata, conforme relatório da UNICEF de junho de 2025.

Enquanto isso, a elite bolivariana — empoleirada sobre uma economia destruída, corroída por hiperinflação e colapso produtivo — enriquece em meio à miséria coletiva. O Freedom House, em seu relatório de 2025, apontou a Venezuela como paradigma do declínio global da liberdade, onde a repressão eleitoral, as prisões arbitrárias e a censura de Estado tornaram-se instrumentos rotineiros de sobrevivência do poder.

A lição de Machado é inequívoca: a democracia não é ornamento institucional, é condição de paz duradoura. Como lembrou Nina Græger, diretora do Peace Research Institute Oslo, em 2024 o planeta registrou número recorde de eleições — mas pouquíssimas foram autênticas. O voto, cada vez mais, é sequestrado pela coerção, pela manipulação e pela mentira. Ao proclamar “votos em vez de balas”, Machado recorda ao mundo que a resistência civil, quando sustentada pela coragem moral, pode ainda inverter o curso da história.

E é aqui que o eco do Nobel reverbera mais dolorosamente — no Brasil. A honraria concedida por Oslo deveria provocar constrangimento à diplomacia brasileira e à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto o Comitê denuncia com clareza o “regime autoritário” de Maduro e a tragédia humanitária que ele perpetua, Brasília mantém uma complacência disfarçada de pragmatismo, oferecendo aval político a eleições fraudulentas e refúgio diplomático a um ditador deslegitimado.
Lula hesita em romper com um aliado ideológico cuja permanência no poder depende da aniquilação das liberdades básicas. Essa ambiguidade não é neutralidade — é conivência com o despotismo. Apoiar Maduro, sob o pretexto da solidariedade latino-americana, é trair o próprio ideal de integração democrática que o Brasil historicamente defendeu.

O Prêmio Nobel da Paz a María Corina Machado não é apenas uma homenagem: é uma convocação moral. Um lembrete de que a democracia não se sustenta sem solidariedade entre democratas. Que o Brasil — berço de lutas cívicas e democracias vibrantes — abandone a tibieza diplomática e se alinhe ao coro global em defesa da liberdade. Como advertiu Frydnes, num mundo com menos urnas e mais correntes, é a própria paz que se dissolve.

Máquina Eleitoral

Em um movimento que expõe as complexas e pragmáticas engrenagens do poder em Brasília, o bloco parlamentar conhecido como Centrão tem sido, paradoxalmente, um dos maiores aliados do governo Lula na construção de sua campanha à reeleição em 2026. A retórica ocasionalmente antiplanalto de seus partidos dissipa-se quando o assunto é a aprovação de uma enxurrada de benesses sociais e medidas fiscais que, juntas, presentearão o presidente com aproximadamente R$ 252 bilhões para aquecer a economia no auge do período eleitoral.

A estratégia é clara: bombear recursos na economia para criar uma sensação de bem-estar e amenizar qualquer desaceleração, tornando o caminho para a vitória significativamente mais fácil. Programas como Gás do Povo (1 botijão a cada dois meses para 15,5 milhões de famílias), Pé-de-Meia (poupança para 4 milhões de estudantes) e a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5.000 (beneficiando 10 milhões) não são meras políticas públicas, são as novidades de vitrine da campanha petista, com data de estreia marcada de acordo com o calendário eleitoral.

O apoio do Centrão, no entanto, vai além da expansão de gastos. Nos últimos dois anos e meio, congressistas alinhados a esse bloco foram cruciais para aprovar reformas que fortalecem o caixa do governo, garantindo a sustentabilidade fiscal para bancar esta onda de gastos. O novo arcabouço fiscal, a reforma tributária, a taxação de offshores e fundos exclusivos, a retomada do voto de qualidade no CARF e a taxação das apostas esportivas são exemplos de medidas que, em tese, aumentam a arrecadação e dão mais controle ao Executivo sobre o orçamento.

Até mesmo eventuais atritos, como a breve rebelião no Congresso contra o aumento do IOF, foram rapidamente contornados. O assunto, após uma rápida passagem pelo STF a pedido do governo, perdeu tração, mostrando onde reside a efetiva prioridade da base parlamentar.

Este cenário coloca a oposição, particularmente a direita, em situação desconfortável. Com Bolsonaro inelegível, o nome mais forte é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ironia das ironias, Tarcísio, que emerge como principal representante do Centrão no executivo estadual, alertou que evitar esta “derrama de benesses” era essencial para sua própria viabilidade como candidato presidencial – uma possibilidade que ele agora descarta. Na verdade o governador está diante de um dilema: desafiar um presidente armado com uma máquina de R$ 252 bilhões – dos quais R$ 175,7 bi em programas sociais diretos, R$ 31,3 bi em isenção de IR e outros R$ 21,87 bi em subsídios – ou recuar e aguardar por uma janela de oportunidade que pode não se abrir.

A conclusão é inescapável: a preços de hoje, Lula é o favorito claro. O Centrão, com seu pragmatismo característico, tem criado condições para que o Planalto siga pintado de vermelho pelo menos até 2030. A eleição pode estar a mais de um ano de distância, uma eternidade em política, mas o presidente já está com o pé na estrada, e o combustível de sua máquina eleitoral é o dinheiro que o próprio Congresso, inclusive seus críticos de ocasião, lhe fornecem sem qualquer culpa. Para Tarcísio e a verdadeira oposição, o caminho certamente ficou mais difícil, uma conta que pode e deve ser debitada do Centrão e suas lideranças, que colocam suas conveniências pessoais acima de um projeto nacional.