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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Coração da Ásia

Na Ásia, do alto do Taipei 101, a paisagem respira economia. Não somente nos andares que suportam o arranha-céu, onde estão instaladas empresas, um enorme shopping center e uma avalanche de turistas que visitam o prédio todos os dias. Do alto do 92º andar é possível enxergar a dimensão de uma renda média per capita de US$ 35 mil, o equivalente a mais de três vezes a média mundial. Um país que sete décadas atrás vivia sob uma base agrária, se transformou em potência tecnológica de ponta.

Taiwan fica localizada na ilha de Formosa (assim batizada pelos portugueses em 1542), ao sul do Japão e ao norte das Filipinas. O governo existente no país é sucessor oficial daquele estabelecido com o fim da dinastia Qing, última da história imperial chinesa. O modelo democrático de nação, chamado oficialmente desde sua fundação como República da China, elegeu neste ano Lai Ching-te, também conhecido como Wiliam Lai, como seu Presidente para um mandato de quatro anos.

De qualquer forma, o que mais impressiona quando analisamos a República da China, ou seja, Taiwan, é a sua capacidade em produzir desenvolvimento econômico aliado a um modelo de liberdades pleno. É o país mais democrático de toda Ásia e aquele com a maior liberdade de imprensa no continente, com a segunda melhor qualidade de vida do mundo. Com 146 universidades em um território um pouco menor que o estado do Rio de Janeiro, possui a melhor educação dentre todos os países do planeta.

O resultado está expresso em números. Nos últimos 30 anos, o PIB per capita em dólares cresceu 220% (4% ao ano), comparado a 2,5% ao ano da Europa. Em valores absolutos, a produtividade é quase três vezes maior que da China continental e aproxima-se de patamares europeus. Destaca-se no ranking de competitividade do World Economic Forum, no índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, no ranking de investimentos do Business Environment Risk Intelligence e do Banco Mundial, além de ser um dos ambientes empresariais mais seguros do mundo, segundo a The Economist.

Além de tudo, estamos falando do principal e mais importante produtor de microchips do mundo, componente essencial da economia digital que vivemos. Atualmente 66% da produção mundial está em Taiwan, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC. O impacto no mercado de capitais é avassalador: A proporção de tech na bolsa é de quase 60%, batendo com facilidade o Brasil, com apenas 1%, Europa, com tímidos 7%, e até os EUA com 37%. Isto é o resultado de educação, inovação e tecnologia. A tecnologia taiwanesa está presente em nossos smartphones, televisores, videogames e computadores, o que significa que todos carregamos um pouco de Taiwan todos os dias.

A manutenção da soberania da ilha, constantemente ameaçada pelo governo de Pequim em tempos recentes, é essencial para a estabilidade econômica internacional. Além do mais, o país asiático segue sendo o farol de uma sociedade virtuosa, aberta e moderna para Ásia, cada vez mais necessária e essencial em momentos delicados como este vivemos, com a ascensão de inúmeras autocracias ao redor do mundo.

Do alto do Taipei 101, a paisagem mostra uma economia pujante, porém somente capaz de existir de forma plena impulsionada pela liberdade, democracia e prosperidade que sopram no coração da Ásia.

Efeito Streisand-Marçal

Mike Masnick cunhou o termo “efeito Streisand” ao se referir a um incidente em 2003 no qual a atriz Barbra Streisand processou o fotógrafo Kenneth Adelman e o website pictopia.com em 50 milhões de dólares. Ela desejava que uma foto aérea de sua mansão fosse removida da coleção de 12.000 fotos da costa da Califórnia disponíveis no site, alegando preocupações com sua privacidade. Como resultado do caso, a foto se tornou viral na Internet, com mais de 420 mil acessos à época.

Na última semana, Tábata Amaral, candidata à prefeitura de São Paulo solicitou, por meio de seu partido, a suspensão dos perfis de Pablo Marçal nas redes sociais, seu adversário na disputa municipal. Ela acusa Marçal de abuso de poder econômico pelo suposto pagamento de apoiadores para editar e difundir cortes de vídeos. A justiça eleitoral acatou o pedido e os perfis foram derrubados.

Vamos aos números. Pablo Marçal é o candidato que tem mais seguidores nas redes sociais. São quase 20 milhões, somando as quatro contas atingidas pela decisão. Para ser exato, estamos falando de 19.535 milhões de seguidores. Instagram: 13 milhões, YouTube: 3,59 milhões, TikTok: 2,6 milhões e X (ex-Twitter): 345 mil. Ao suspender suas contas, a ideia era que seu engajamento sofresse limitações, porém, tudo indica que o caminho trilhado foi o inverso.

Ao recriar os perfis, em apenas 36 horas já contava com 2,6 milhões de seguidores somente no Instagram, rompendo a barreira dos 3 milhões pouco tempo depois. Se considerarmos apenas o perfil recriado, ele já se reposiciona acima de todos os seus adversários no pleito municipal, a saber: Boulos: 2,3 mi, Tabata: 1,5 mi, Nunes: 973 mil e Datena: 961 mil. Antes da suspensão, seu perfil original perdia apenas para o de Bolsonaro, com 25,7 milhões de seguidores.

A suspensão ocorreu na mesma semana em que ele disparou nas pesquisas de intenção de voto, posicionando-se em situação de empate técnico na liderança em mais de uma sondagem, ou seja, algo que mostra um crescimento consistente. No Datafolha surgiu em 2º com 21%. Na Atlas Intel, em 3º com 16,3%. Na Paraná Pesquisas também em 3º, com 17,9% e na mais recente, realizada pelo Instituto Veritá, depois da suspensão dos perfis, disparou para 30,9%, assumindo a liderança da disputa.

A derrubada dos perfis de Marçal nos remete claramente ao efeito Streisand. Por óbvio o candidato já possuía uma plataforma robusta, entretanto, a tentativa de limitar sua influência por meio das redes obteve efeito inverso, impulsionando sua candidatura a uma exposição viral, gerando engajamento espontâneo e consolidando sua narrativa antissistema. Um movimento que se encaixa de maneira perfeita em sua estratégia eleitoral.

Desde 2013 o eleitor vive um período de transição, que neste momento passa pela antipolítica com pitadas de populismo. Marçal é um fenômeno da internet e sabe como poucos navegar as regras internas de funcionamento das redes sociais. Mais do que admiradores, ele possui seguidores reais. Ao criar uma limitação para sua atuação, vimos um resultado bumerangue, que desidratou seus adversários e impulsionou sua candidatura, uma espécie de “efeito Streisand” aplicado ao mundo político, algo que no futuro, dependendo do impacto no resultado da eleição, poderá começar a ser chamado também de “efeito Streisand-Marçal”.

Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado.

Freios e Contrapesos

Não se enganem, o embate entre Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (com Planalto na retaguarda) pelo domínio do orçamento é uma batalha pelo controle político do país. Estão em jogo os mecanismos do presidencialismo de coalizão e inclusive uma mudança mais profunda, sobre a introdução formal do semipresidencialismo no país. Aquele que conseguir vencer este conflito terá em suas mãos os instrumentos de poder para controlar a agenda de qualquer governo.

Na última década, o Congresso Nacional avançou de forma consistente no controle do orçamento federal, primeiramente sob o comando de Eduardo Cunha, com a aprovação das emendas impositivas, em um primeiro movimento que fortaleceu muito os parlamentares. Aos poucos, outros capítulos foram adicionados nesta história, como orçamento secreto, as chamadas RP9, e as emendas PIX.

O resultado deste acúmulo de poder nas mãos do Congresso Nacional abriu caminho para a manutenção do mandato dos parlamentares, com uma das mais baixas taxas de renovação na política, na mesma medida que os tornou independentes do Planalto. Um caminho iniciado por Cunha e concluído por Arthur Lira, que ocupou o espaço aberto pelos vazios de poder gentilmente fornecidos por Bolsonaro durante seu mandato.

As novas regras transformaram a Presidência da República em terreno desconhecido para Lula, mudando a dinâmica de governança do país. O Planalto agora estava sem o poder da liberação de emendas em troca de apoio, instrumento essencial para o exercício de poder dentro do presidencialismo de coalizão. Sem estes mecanismos, o palácio havia se tornado mero instrumento decorativo da arquitetura de Niemeyer na capital.

Entretanto, a chegada de Flávio Dino ao STF começou a reposicionar o jogo político. O novo Ministro determinou regras rígidas para execução e distribuição de recursos do orçamento, como transparência para emendas de relator e limitação de remessa de emendas PIX. Em ato contínuo, resolveu pela suspensão das emendas parlamentares até que o parlamento formule regras que forneçam transparência e rastreabilidade. Com a decisão, Dino recolocou o Planalto de volta no jogo e provocou a ira dos cardeais legislativos.

A reação do Congresso foi imediata. A Comissão Mista de Orçamento rejeitou Medida Provisória que distribuía R$ 1,3 bilhão ao Judiciário e Lira desengavetou projeto que limita decisões monocráticas do STF. Além disso, nos corredores da Câmara, o tema do semipresidencialismo voltou à tona. Tudo isso, enquanto Alexandre de Moraes resiste aos vazamentos de seu gabinete no caso batizado na capital de “Vaza Toga”.

Esta dinâmica descortina a real luta pelo poder em Brasília, ao mesmo tempo que alimenta o jogo de traições na sucessão do comando das Casas do Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados. Com a decisão de Dino, Lula entra com muito mais poder na batalha pela sucessão de Lira, buscando evitar que o alagoano escolha o vencedor e siga dando as cartas na República. Uma batalha que envolve freios e contrapesos entre os poderes e pode desenhar um novo equilíbrio de forças na República. A conferir.

Correção de Rota (da Seda)

Gigantes empresariais da América, Europa e Japão dominaram o comércio global em tempos recentes, porém há sinais de que esta realidade vem mudando. Empresas chinesas avançam com voracidade em direção ao Sul global e isto tem mexido com o antigo equilíbrio das cadeias externas. Estas novas indústrias, que vão desde vestuário a automóveis, estão se expandindo com velocidade surpreendente causando enorme impacto nas economias do mundo em desenvolvimento.

Para os consumidores isto promete uma bonança de bens e serviços que mudará vidas. Entretanto, para o Ocidente, trata-se de uma lição desconfortável tanto na frente econômica como política. As multinacionais ocidentais, que há muito tempo são os principais agentes do comércio e investimento transfronteiriços, estão cedendo terreno nos mercados mais populosos e de crescimento mais rápido do mundo para Pequim.

Isto significa que à medida que o Ocidente se voltou para dentro, a China e o resto do mundo emergente aproximaram-se, especialmente usando o financiamento da Nova Rota da Seda. Algo que se tornou um risco, porém, uma forma de suprir uma clara necessidade dos países em desenvolvimento, que carecem de recursos para realizar investimentos. Apesar dos perigos inerentes, existe a oportunidade de enriquecer os próprios consumidores, criar empregos e promover inovação e concorrência. Porém, para atingir este objetivo é necessário oscilar de forma inteligente entre protecionismo e passividade.

Os resultados da Nova Rota da Seda estão longe de ser uma unanimidade na esfera internacional, com a transformação de algumas nações em meras marionetes dos interesses de Pequim nos fóruns internacionais e celeiros de corrupção. A sabedoria talvez esteja na habilidade de receber recursos de forma inteligente sem criar laços que tornem o país vulnerável ou subserviente, focado em resultados e orientado pela diversificação de investidores em diferentes setores. Na verdade, o mecanismo precisa de correções, uma espécie de ajuste de rota (da seda).

Esta correção de rumo pode surgir no Brasil, o que seria um ganho enorme para os dois lados, tanto em Brasília como em Pequim. Explico. Diversos países vêm adotando políticas de avaliação de investimento, preservando setores da economia do risco de monopólios privados, promovendo mecanismos de concorrência para áreas estratégicas, aquilo que ao fim e ao cabo produz desenvolvimento e inovação aliado a preservação da soberania política e econômica. Uma forma de receber investimentos necessários de forma saudável e eficaz.     

A China pode muito bem concordar com isso. Ao longo dos anos, as multinacionais americanas e japonesas perceberam os benefícios de uma relação sadia e próxima de seus mercados. Desta forma, as empresas chinesas poderão enxergar os benefícios de estabelecer raízes mais profundas no mundo emergente, exercendo inclusive uma influência política de forma inteligente, longe dos erros cometidos na África e na Ásia, que deixaram um rastro de ressentimento e insatisfação. Uma correção de rota, que pode começar a ser desenhada em parceria com o Brasil.

Marionete de Caracas

Enganam-se aqueles que acreditam estarmos diante de um governo ditatorial clássico liderado por Maduro na Venezuela. Geralmente ditadores são dotados de poderes despóticos e irrestritos, assim como ocorre na Rússia de Putin, na Cuba de Miguel Díaz-Canel ou na China de Xi Jinping e na Coréia de Norte de Kim Jong-un. Na Venezuela tudo é um pouco diferente. Maduro é o Presidente de um país autoritário, porém não reside nele a concentração total de poder que se imagina de um ditador.

O modelo bolivariano implantado pelo antecessor Hugo Chávez está calcado em uma grande casta que sustenta o regime, basicamente formada por militares que controlam todos os setores importantes ou estratégicos do país. Maduro é seu fantoche e uma espécie de para-raios de um regime militar que usa sua imagem como líder nacional. Maduro não é elemento essencial para continuidade do chavismo, porém se tornou uma peça importante ao aceitar o papel de preposto do sistema executando de maneira fiel a cartilha bolivariana.

Isto significa que o país na verdade é governado por uma casta militar com um rosto civil, onde se destacam nomes como os Generais Padrino López, Néstor Reverol, Efraín Velasco e Diosdado Cabello, entre outros, todos servis e leais ao chavismo que os enriqueceu ao longo de décadas no poder. Chávez entendeu que para sobreviver, especialmente depois da tentativa de deposição sofrida em 2002, teria de incorporar os militares em funções políticas e sociais rentáveis. Assim, as principais estatais foram para as mãos dos militares, como, por exemplo, a PDVSA e a linha que separava militares e políticos foi cortada com autorização para que fardados assumissem cargos eletivos. Formas de cooptação que sedimentaram o apoio da caserna.

Ao mesmo tempo, o sistema de promoções na esfera militar cresceu na medida que a parceria com Cuba se intensificou. Hoje a Venezuela conta com 2,5 mil generais, dentro de um contingente entre 95 mil a 150 mil oficiais. Os cubanos se infiltraram e montaram um serviço robusto de vigilância dentro dos quartéis que sustenta a lealdade dos militares. Hugo Chávez e Fidel Castro fizeram um acordo para monitorar chavistas e não chavistas e detectar possíveis pontos de dissidência. Em troca, o petróleo que jorra dos poços venezuelanos alimentaria o regime cubano.

Ao mesmo tempo, o governo chavista fez alianças militares com Moscou e econômicas com Pequim. Com a Rússia existe uma aliança sedimentada, que tornou a Venezuela a principal porta de entrada para seu armamento na América Latina, aproveitando o país também para fazer girar a máquina de desinformação russa no continente. Com a China, Caracas optou pela dependência tradicional e os chineses compraram grande parte da dívida do país, que reside hoje nas mãos de Xi Jinping.

Isto significa que uma mudança de regime na Venezuela é um movimento bastante difícil, beirando o improvável. Estamos falando de um regime respaldado por ditaduras e assentado em uma estável casta militar corrupta que detém o controle da força e monitorada de forma sistemática pelo modelo de inteligência cubano. Tudo isso, financiado pelo petróleo. Entretanto, se a pressão internacional se tornar insuperável, nada impede que o regime rife a figura de Maduro, substituindo-o por outra marionete, mediante uma operação de maquiagem política com vistas a sobrevivência do sistema. Como vemos, as raízes do problema são muito mais profundas do que imaginamos.

A Venezuela continuará a viver dias difíceis enquanto esta intrincada teia não se desfizer.

Madurocracia

A eleição na Venezuela se tornou um capítulo do mais importante conflito vivido pelo mundo em tempos recentes: a batalha entre democracias e autocracias. A flagrante fraude cometida por Nicolás Maduro, preparada em detalhes, desde a impugnação de nomes da oposição, passando pelo fechamento das fronteiras e o impedimento de acesso de observadores internacionais, foi reconhecida como legítima pelas nações autocráticas, parceiros do modelo repressor implementado pelo governo de Caracas.

Com o resultado, a Venezuela se fecha ainda mais, afastando-se de nações livres e cada vez mais alinhando-se aos regimes mais duros e brutais do planeta. Afasta-se ainda mais das democracias tornando-se um regime parasitado por um ditador que realiza eleições de fachada com o simples objetivo de chancelar sua manutenção no poder, uma espécie de madurocracia, método similar ao adotado por Vladimir Putin na Rússia.

O inicial silêncio do governo brasileiro foi constrangedor, que mais uma vez optou por um chamado “distanciamento responsável”, como fazia habitualmente na Guerra Fria ao lado dos países não-alinhados, liderados por Tito, ditador da antiga Iugoslávia. Uma posição que, entretanto, tem um preço e uma linha muito tênue, que se for mal calculada, pode ser facilmente confundida com uma espécie de covardia diplomática. Neste caso, infelizmente ficava claro que o silêncio guardava apenas uma chancela velada ao regime antidemocrático madurista.

As atas divulgadas pela oposição, comprovadas pelos venezuelanos, mostram resultado completamente diferente daquele informado pelo Conselho Nacional Eleitoral. Com acesso a 73,5% das atas, o sistema mostra que Edmundo González levou 6,2 milhões de votos e Maduro obteve 2,7 milhões. Diante disso, diversas manifestações estão sendo convocadas. Pelo visto estamos diante de uma fraude de proporções vergonhosas.

Infelizmente uma insurgência da população é um tema delicado, uma vez que as forças repressivas do Estado estão ao lado de Maduro. Há cerca de 2.500 generais na Venezuela (mais do que em todos os países da Otan somados) e as Forças Armadas estão cooptadas. O êxodo também contribui. Mais de 8 milhões de venezuelanos já deixaram o país. Reagir para derrubar o governo é praticamente impossível para os civis. Maduro jamais entregará o poder de maneira pacífica e numa eleição limpa.

A presença de um narcoestado autoritário com alianças sedimentadas e profundas com outros regimes autocráticos e totalitários ao redor do mundo gera instabilidade na região e torna-se um enorme perigo para a América Latina. Delitos transnacionais, tráfico de drogas e corrupção desenfreada encobertas pelo manto da exploração e exportação do petróleo encaminham a Venezuela para a categoria de Estado falido, tomada pelo crime organizado e incapaz de gerir sua própria existência. Isto significa que a responsabilidade em buscar uma solução para o país está além de suas fronteiras, se tornando um problema internacional.

O Brasil, como maior país da América Latina, tem a responsabilidade de exercer seu papel de liderança, denunciando a fraude, exigindo o restabelecimento democrático sob pena de ser contaminado pela narcoautocracia que se estabeleceu em nossa fronteira. Chancelar a eleição de Maduro envergonha nosso povo, enfraquece nosso país e mancha nossa democracia.

Desafio de Kamala

Os últimos dias em Washington estão sendo de intensa movimentação, algo atípico para esta época do ano, tanto pelo calor que invade a capital, como pelas férias de verão que esvaziam a cidade nestes meses. Porém, tudo muda diante de um ano eleitoral como este que estamos presenciando. Nestas semanas estou imerso presencialmente na política americana discutindo cenários e colhendo informações sobre as campanhas.

Um atentado, uma desistência, uma nova candidata e um jovem senador de Ohio como companheiro de chapa. Nestes últimos dias aconteceu de tudo na campanha eleitoral. Os republicanos, ou melhor dizendo, o partido de Trump, que tomou o controle da estrutura partidária republicana, fizeram uma convenção na esteira do atentando contra seu candidato, que decidiu partir para o confronto e deixar de lado o discurso de união que poderia emergir depois dos tiros na Pensilvânia.

Trump escolheu como vice JD Vance, um jovem senador por Ohio, indicado por seus filhos, em especial Donald Jr, que enxergou em Vance um nome que pode entregar um estado essencial na disputa contra os democratas. Nenhum presidente até hoje venceu sem Ohio e ao assegurar um nome com enorme penetração política local, praticamente selou o apoio do estado na disputa eleitoral.

A mudança na chapa dos democratas diante da desistência de Biden em buscar a reeleição trouxe um elemento novo para o tabuleiro. Sua decisão já estava tomada e a comunicação foi realizada somente depois do partido costurar o apoio em torno de sua vice, algo que sugere a continuidade da sua presidência e sua chapa para reeleição. Em pouco tempo, todos os diretórios estaduais democratas selaram o apoio a Harris, assim como os principais cardeais do partido. A convenção em Chicago servirá apenas para sua consagração e formalização eleitoral.

A eleição americana será decidida mais uma vez em um pequeno punhado de estados que, ao votar com republicanos e democratas de forma pendular em cada eleição, podem fazer com que o resultado sofra variações, os chamados swing states. Flórida, Ohio, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Destes, Flórida e Ohio são considerados republicanos nesta eleição, especialmente por termos Trump e JD Vance na disputa. Kamala mira em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Sem eles, não há chance de vitória.

Isso explica porque a nova pré-candidata presidencial começou sua caminhada justo por Wisconsin, que sediou a convenção republicana. Nos outros dois estados, possui aliados de peso: no Michigan, a governadora Gretchen Whitmer e na Pensilvânia, o governador Josh Shapiro, ambos nomes com ambições presidenciais. Um deles certamente deve ser o companheiro(a) de chapa de Kamala Harris e a tendência, diante da busca de equilíbrio, é o governador Shapiro, um homem branco e centrista, que pode tirar votos de Trump, além de ser popular em um dos estados mais importantes desta eleição.

O desafio de Kamala está lançado. Sua candidatura foi bem articulada até aqui nos bastidores do partido. Biden e os cardeais democratas fecharam apoio irrestrito do partido em torno dela. A chance de vitória existe, porém, se acontecer será por uma margem muito estreita. O favoritismo ainda reside nos ombros de Trump e seu grupo político, porém, se Kamala Harris souber se movimentar há um pequeno espaço para virar o jogo. Washington segue fervendo nestas férias de verão.

Drama Democrata

Desembarquei em Washington no dia seguinte ao atentado contra Donald Trump e a sensação entre os políticos com quem conversei era a mesma. A eleição está decidida e o republicano pode preparar o terno para a posse. Se a convenção que ocorreria em Milwaukee era apenas uma formalidade, tudo indica que a eleição que teremos pela frente pode seguir enredo similar.

Se a dificuldade dos democratas era apenas a desconfiança sobre a saúde e o vigor de Biden, a realidade se tornou ainda mais sombria. O Presidente não fornece sinais de que possa desistir, ao mesmo tempo que a eleição de seu adversário se torna algo que beira o inevitável e pode jogar o partido que atualmente está no poder em uma crise sem precedentes.

Além da Casa Branca estarão em disputa diversos cargos, como governos estaduais, a totalidade da Câmara de Representantes e 1/3 do Senado. Isto representa poder político. Sem um candidato a Presidente que impulsione estas candidaturas, as chances de os democratas perderem governos, enxergarem os republicanos dominar o Senado com folga e sofrerem uma surra de proporções épicas na Câmara é uma realidade.

A Casa Branca já é considerada uma causa perdida e o congelamento das doações para a campanha de Biden evidencia o tamanho do drama eleitoral. Resta aos democratas evitar o pior e brigar para manter sua dignidade, lutando de forma viável pelas vagas no Congresso e pelo controle de governos estaduais. Neste sentido, lideranças partidárias ainda tentam convencer Biden a desistir, abrindo caminho para Kamala Harris, que seria derrotada por Trump, porém, seria capaz de levar algum vigor para as campanhas e ajudar o partido a evitar o pior.

Neste sentido, os democratas trabalham com o calendário curto e fixaram agosto como o limite para uma decisão, quando ocorre sua convenção em Chicago. Se Biden surgir mais uma vez perdido ou cometer erros graves, o partido está disposto a se movimentar visando sua própria sobrevivência na arena política. Circula em Washington que já havia uma carta pronta dos líderes pedindo a troca do candidato democrata e que foi colocada de lado diante do atentado contra Donald Trump.

O drama dos democratas também passa por três estados voláteis eleitoralmente e por isso considerados seminais na eleição americana: Wisconsin, Ohio e Pennsylvania. Os republicanos escolheram o primeiro para sediar sua convenção. O segundo é a base eleitoral do vice de Trump, o senador J.D. Vance. O terceiro é o local onde ocorreu o atentado. Se os republicanos vencerem nestes locais, seus adversários não terão a menor chance e tudo indica que o quadro vai se desenhando desta forma.

Se os democratas não agirem de forma de firme e objetiva, Trump iniciará seu segundo mandato com a maioria dos governadores, vantagem plena na Câmara e confortável superioridade no Senado. Com uma Suprema Corte de maioria conservadora, que deve ser ampliada nos próximos anos, o trumpismo se consolidará de forma esmagadora na política norte-americana, um fenômeno que se apropriou do Partido Republicano e passará em pouco tempo a se confundir com a realidade política do país.

Vitória de Pirro

A direita nacionalista saiu derrotada mais uma vez nas eleições francesas. No entanto, desta vez, a reação contra Le Pen foi capitaneada por um somatório de forças: o centrismo de Macron aliado ao esquerdismo de Mélenchon. A soma forneceu ao grupo o direito de indicar o Primeiro-Ministro e governar a França em parceria com o Presidente, o que certamente exigirá uma enorme habilidade de ambos os lados.

O grupo liderado por Mélenchon, a Nova Frente Popular, é uma agremiação formada pelo Europa Ecologia, Partido Socialista, Partido Comunista da França e França Insubmissa, todos partidos de esquerda. Macron lidera o Ensemble, uma coalizão inicialmente fundada com nome de Ensemble Citoyens, que reúne partidos de tendências liberais, centristas e aqueles a favor da integração francesa na União Europeia. É formado pelo Renascimento, partido de Macron, maior dentro da coalizão, além do Horizonte, Movimento Democrático e União dos Democratas e Independentes.

A França será governada agora por esta coalizão de partidos de ambas as frentes. A Nova Frente Popular obteve 182 cadeiras no parlamento, enquanto o Ensemble atingiu 168, que somados a outros partidos de esquerda e centro deve chegar a 369 deputados de um total de 577. Será um desafio enorme acomodar todos interesses heterogêneos destes grupos na construção de políticas nacionais e no comando doméstico do país. Tudo indica que estaremos diante de um momento delicado que pode levar a impasses capazes de paralisar o avanço e modernização das políticas francesas.

Do outro lado, a Reunião Nacional cresceu de 89 para 143 cadeiras no parlamento, um grupo muito mais homogêneo e que terá facilidade de fazer oposição aos vencedores das eleições legislativas. Isto, em termos políticos, coloca o grupo em vantagem para as próximas eleições presidenciais em 2027, uma vez que não passará pelo desgaste de ser governo e permanecerá na confortável posição de ser a única opção competitiva contra a nova coabitação política entre centro e esquerda no poder.

Em suma, o triunfo deste domingo pode se transformar em uma vitória de Pirro – expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis, uma vez que a chegada de grupos, partidos e parlamentares tão heterogêneos ao poder realmente não serão capazes de produzir mudanças profundas. O resultado asfaltaria o caminho do nacionalismo de direita ao poder nas eleições de 2027, capazes de levar a Reunião Nacional ao Elysée e ao comando absoluto da Assembleia Nacional.

Além disso, os ventos de 2027 continuam a soprar em favor das direitas de corte nacionalista ao redor do mundo e sua consolidação em muitos países pode ajudar os nomes indicados pela Reunião Nacional a vencer as próximas eleições legislativas, bem como levar Marine Le Pen ao posto de Presidente.

Neste domingo, a direita nacionalista francesa saiu derrotada, enquanto a esquerda nacionalista saiu vitoriosa. Entretanto, nada altera o fato de que o populismo nacionalista saiu vencedor em ambos os lados do espectro político, e olhando sob este prisma, sem dúvida, quem saiu derrotada foi a população francesa, tanto no curto, como no perigoso longo prazo, que começa a ser irremediavelmente desenhado.

Neopopulismo Francês

As eleições parlamentares francesas confirmaram os sinais emitidos pelo pleito europeu ocorrido algumas semanas atrás, ou seja, o crescimento da direita nacionalista no país. É uma clara indicação de que a França vem cedendo diante da onda de populismos que se espalha pelo mundo, levando ao poder governos que flertam com instrumentos cada vez mais distantes dos pilares da democracia.

Os resultados do pleito francês precisam ser enxergados com atenção e cautela com o objetivo de entender seu real significado. Para além dos 33% alcançados pelo partido de Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional, é preciso olhar para o resultado da Nova Frente Popular, uma coligação de esquerda formada pelo Partido Socialista, Partido Comunista da França, França Insubmissa e Europa Ecologia. A frente recebeu 28% dos votos franceses.

A grande estrela desta coalizão é a França Insubmissa, fundada por Jean-Luc Mélenchon, que obteve 22% nas últimas eleições presidenciais, chegando em terceiro lugar. O corte político do partido é um populismo de esquerda, centrado no nacionalismo e naquilo que se convencionou chamar de euroceticismo. Sua popularidade vem crescendo a cada eleição e, por mais que guarde semelhanças programáticas em vários aspectos com o Reagrupamento Nacional, pode se colocar como seu principal antagonista nas próximas eleições presidenciais em 2027.

Estamos diante de uma mudança profunda no sistema político francês que durante décadas oscilou entre a centro-direita e a centro-esquerda, elegendo gaullistas de um lado e socialistas de outro. O cenário de hoje reservou aos gaullistas um vergonhoso papel de coadjuvante, assim como os socialistas, que caminharam como um simples apêndice da coalizão de esquerda. Na medida que o centro se enfraqueceu, os extremos ganharam força e passam a partir de agora a comandar o palco político.

Se observarmos as somas dos votos impulsionados pelo populismo, temos uma clara noção do problema enfrentado pela França. Um total de 61% dos franceses optaram por soluções populistas ou ligadas ao populismo. Isto significa que a agenda anti-imigração, eurocética, nacionalista, protecionista e conservadora social de Le Pen e o nacionalismo eurocético, protecionista e socialista de Mélenchon encontraram um enorme eco na sociedade. Com algumas sutis diferenças, o eleitor optou pela mesma receita com colorações ligeiramente diferentes, mas similares na essência.

Tudo indica que o caminho do populismo até o Élysée está muito bem asfaltado e neste momento se tornou inevitável. Até lá, tudo indica um governo de coabitação entre os vencedores do pleito legislativo e o Presidente Macron. Haverá um Primeiro-Ministro que carrega visões e projetos diferentes do Presidente, algo que será um desafio para o sistema político e terá forte influência na sucessão de 2027.

O mundo vive mais uma onda, impulsionada em muitos aspectos por atores externos com muito pouco apreço à democracia, que visam balançar os pilares de nações do ocidente para surgimento de autocracias simpáticas aos seus regimes. Resta saber se o populismo francês flertará com a irresponsabilidade ou será simplesmente apenas mais uma guinada nacionalista.