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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Em Defesa de Israel

No fatídico dia 7 de outubro de 2023, Israel foi vítima de um ataque terrorista premeditado, coordenado e de uma brutalidade chocante, perpetrado pelas mãos do Hamas e da Jihad Islâmica. Terroristas invadiram deliberadamente comunidades israelenses ao longo da fronteira com Gaza, aldeias pacíficas e até um festival de música. Seu objetivo declarado era o máximo de morte e destruição. Os terroristas cometeram atrocidades indescritíveis: massacraram civis indefesos em suas casas, executaram famílias inteiras, queimaram pessoas vivas e sequestraram mais de 240 reféns.

Por trás dessa onda de terror está a República Islâmica do Irã. O país persa é o principal patrocinador estatal do terrorismo na região, fornecendo centenas de milhões de dólares anualmente, além de armas, treinamento militar, tecnologia de mísseis e foguetes e apoio logístico. Os principais beneficiários são os Houthis no Iêmen, Hamas em Gaza, Hezbollah no Líbano e Jihad Islâmica com base na Síria. Líderes iranianos, incluindo altos comandantes da Guarda Revolucionária, têm proclamado publicamente seu apoio e orientação a esses grupos, incitando-os constantemente à destruição de Israel. O ataque de 7 de outubro não foi um ato isolado, sendo o ápice de anos de investimento iraniano e doutrinação ideológica, projetado para infligir o máximo de sofrimento a Israel e desestabilizar toda a região.

O Irã, sob o regime dos aiatolás, ainda avançou agressivamente em seu programa nuclear ilegal, enriquecendo urânio a níveis perigosamente próximos do necessário para uma bomba atômica. Relatórios da AIEA e inteligência ocidental confirmam que o país possui urânio suficiente para múltiplas ogivas nucleares e poderia produzir material bélico em questão de semanas usando tecnologia avançada instaladas em locais clandestinos. Diante das reiteradas ameaças genocidas de líderes iranianos é evidente que este arsenal nuclear seria direcionado prioritariamente contra o Estado judeu. Israel entende que a bomba iraniana não é instrumento de dissuasão, mas uma arma de aniquilação, portanto, permitir que o regime dos aiatolás adquira tal poder seria uma condenação à existência de Israel e uma catástrofe para a segurança global.

Diante das esmagadoras evidências de que o Irã não apenas financia, arma e coordena grupos terroristas, responsáveis por décadas de derramamento de sangue israelense — mas também avança a passos acelerados rumo à bomba atômica, ignorando inspeções internacionais, o direito de autodefesa preventiva de Israel não é apenas legítimo: é um imperativo moral e estratégico. Permitir que o regime de Teerã concretize suas ambições nucleares seria assinar a sentença de morte do Estado judeu, transformando uma máquina genocida em potência atômica. Assim, neutralizar as instalações nucleares iranianas e decapitar sua estrutura terrorista não é uma opção, mas uma necessidade de sobrevivência — um ato de coragem para proteger não apenas civis israelenses sob constante ameaça, mas a estabilidade global, interrompendo o epicentro do terror que alimenta o ódio e a destruição em todo o Oriente Médio. Israel, como nação que carrega o fardo de defender sua existência diante de inimigos que desejam aniquilar seu povo, tem o direito inalienável de agir antes que a calamidade se torne irreversível.

Invasão Silenciosa

A recente descoberta, por técnicos do governo dos EUA, de que controladores fabricados por empresas chinesas e usados em painéis solares em território americano possuem canais secretos de comunicação, acende um alerta global sobre os riscos da dependência tecnológica estrangeira, especialmente de países com regimes autoritários e estratégias geopolíticas expansionistas, como a China. O fato de esses equipamentos conterem funções não documentadas, capazes de permitir acesso remoto fora dos sistemas de segurança, levanta sérias preocupações de cibersegurança e soberania nacional. Isso revela como a infraestrutura crítica de um país pode ser comprometida por vulnerabilidades inseridas deliberadamente por fornecedores estrangeiros.

Esse episódio norte-americano é apenas um exemplo de um problema muito mais amplo: o uso do investimento chinês como ferramenta de influência estratégica. A China, por meio de seu ambicioso projeto de expansão econômica global — incluindo a Nova Rota da Seda — tem investido maciçamente em setores essenciais de diversos países, como energia, mineração, telecomunicações e transporte. Em muitos casos, esses investimentos vêm acompanhados de cláusulas contratuais e exigências que comprometem a autonomia regulatória dos países receptores. A dependência excessiva de capital chinês pode tornar essas nações vulneráveis a pressões políticas e econômicas incompatíveis com seus interesses soberanos.

O Brasil, embora em um cenário distinto dos EUA, não está imune a esses riscos. Empresas chinesas já têm participação relevante em áreas estratégicas como energia elétrica (caso da State Grid), telecomunicações (Huawei) e mineração (MMG, CMOC). A ausência de mecanismos de triagem e análise de segurança nacional em investimentos estrangeiros diretos expõe o país a riscos latentes. A longo prazo, a concentração de ativos críticos nas mãos de atores estrangeiros pode limitar a capacidade de reação do Estado brasileiro frente a eventuais conflitos de interesse ou crises geopolíticas.

Nesse contexto, ganha relevância o Projeto de Lei nº 1051 de 2025, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly, que propõe a criação do Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos (CTIE). Inspirado em modelos já implementados em países como Estados Unidos (CFIUS), Alemanha e Austrália, o comitê teria a responsabilidade de avaliar, condicionar ou até vetar investimentos que possam afetar a segurança nacional, a ordem pública ou setores estratégicos da economia. Adotar esse tipo de mecanismo não significa fechar as portas ao capital estrangeiro, mas garantir que investimentos recebidos estejam alinhados aos interesses de longo prazo do Brasil.

A institucionalização de um sistema de triagem de investimentos estrangeiros é uma medida preventiva necessária diante do cenário internacional. É uma forma de proteger a soberania nacional, garantir a resiliência das cadeias produtivas estratégicas e manter a capacidade de autodeterminação do país em temas sensíveis. O caso americano com os painéis solares evidencia que vulnerabilidades ocultas podem se transformar em poderosos instrumentos de coerção. A aprovação do PL 1051/2025 colocaria o Brasil em sintonia com as melhores práticas internacionais, inclusive recomendadas pela OCDE, e fortaleceria nossa segurança nacional em tempos de crescente competição geopolítica.

Deslocamento de Poder

A última década testemunhou uma significativa transferência de poder no Brasil, especialmente no controle do orçamento federal, do Palácio do Planalto para o Congresso Nacional. Este processo, iniciado durante o governo Dilma, consolidou-se nos anos seguintes, gerando uma presidência com poderes drasticamente reduzidos. Isto explica as razões de Lula conduzir um governo de poderes altamente esvaziados. Em outras palavras, o Brasil já vive em um sistema semipresidencialista de fato.

O governo Dilma foi certamente o marco zero deste processo. Enfrentando uma grave crise política e econômica, com base parlamentar frágil e buscando evitar o impeachment, Dilma viu-se seduzida a ceder espaço sem precedentes ao Legislativo na definição de emendas e alocação de recursos orçamentários com o objetivo de salvar seu mandato. A barganha por sobrevivência política minou a capacidade do Executivo de planejar e executar o orçamento conforme suas prioridades, enfraquecendo sua autoridade presidencial. O resultado foi o inverso do esperado. Ao empoderar-se, o parlamento se livrou de sua presença na presidência da República.

Este processo acelerou-se e cristalizou-se após o impeachment. Temer, um político forjado nos bastidores do parlamento, aprofundou a prática, entregando efetivamente parte significativa do orçamento aos congressistas. Paralelamente, a Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95/2016) restringiu severamente a capacidade do Executivo de criar despesas, aumentando o valor político do espaço fiscal controlado pelo Congresso. Bolsonaro levou essa lógica ao ápice com a expansão exponencial do chamado “orçamento secreto” – emendas de relator com execução obrigatória e sigilo inicial. O Congresso tornou-se o gestor de fato das verbas mais relevantes, reduzindo o Executivo à condição de refém para aprovar sua agenda básica.

O terceiro governo Lula herdou essa nova realidade institucional. Apesar da vitória eleitoral, ele encontrou uma Presidência com sua capacidade orçamentária e de implementação de políticas severamente limitada. Porém, custou a entender que o Brasil que governava em 2023 era muito diferente daquele de 2003. Agora, o controle efetivo sobre os recursos e a agenda governamental cotidiana residia majoritariamente no Congresso, uma realidade muito distinta dos seus dois primeiros mandatos. A dificuldade do Presidente se adequar aos novos tempos, entretanto, tem cobrado um preço muito alto do país.

A percebida fraqueza do terceiro governo Lula está ligada ao cansaço de um Presidente já em idade avançada, aliada a um desinteresse em governar diante da perda estrutural e irreversível de poder orçamentário. Sem o controle efetivo da principal ferramenta de política e com a dependência de negociações exaustivas com uma base fragmentada, a Presidência vê-se reduzida a administrar concessões. Assim, Lula vestiu o traje de Chefe de Estado, abstendo-se de conduzir efetivamente o governo, que hoje surge sem comando, rumo ou liderança.

O deslocamento de poder tornou-se fato concreto. O Brasil precisa de um Presidente com habilidade para lidar com esta nova dinâmica, sob pena de tornar-se apenas um “pato manco” na condução do governo, como ocorre com Lula. O semipresidencialismo já é uma realidade em Brasília.

OCDE: Imperativo Nacional

A adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) representa uma oportunidade histórica para consolidar o país como protagonista global e atrair investimentos limpos sem qualquer tipo de mecanismo predatório. A OCDE, que reúne as principais economias comprometidas com padrões elevados de governança, transparência e políticas públicas eficientes, ofereceria ao Brasil um selo de credibilidade internacional. Isso facilitaria a integração a cadeias de valor globais, reduziria custos de captação de recursos externos e estimularia reformas estruturais essenciais para modernizar a economia. Para um país que busca superar desigualdades históricas e instabilidade fiscal, a entrada na OCDE não é apenas simbólica, mas um caminho prático para crescimento inclusivo. 

O atual governo, sob a liderança de Lula, tem negligenciado a prioridade de acelerar o processo de adesão à OCDE, optando por uma agenda mais focada em políticas protecionistas e alinhamentos questionáveis. Esse atraso tem custos claros: enquanto países como Colômbia e Costa Rica avançaram, o Brasil perde espaço na competição por investimentos diretos e fica à margem de fóruns que definem padrões globais. Politicamente, a hesitação em adotar reformas exigidas pela OCDE — como ajustes fiscais e combate à corrupção — enfraquece a imagem do país como parceiro confiável. Economicamente, a incerteza jurídica e a falta de modernização regulatória desestimulam empresas estrangeiras, perpetuando um ciclo de baixo crescimento e dependência de commodities

Para ingressar na OCDE, o Brasil precisa implementar um conjunto de reformas alinhadas aos critérios da organização. Isso inclui: implementar os mecanismos simplificadores e progressivos da reforma tributária, reduzindo a complexidade que desestimula negócios; fortalecer instituições de controle, como a CGU, para combater corrupção sistêmica; avançar em políticas ambientais e modernizar leis trabalhistas e de inovação tecnológica. Além disso, o país precisa demonstrar compromisso com responsabilidade fiscal, equilibrando gastos públicos e reduzindo o risco de crises cambiais. Esses passos exigem coalizão política e diálogo com o Congresso, setor privado e sociedade civil, um desafio enorme para uma nação extremamente polarizada. 

A adoção das legislações exigidas pela OCDE teria impactos profundos na qualidade institucional do Brasil, não apenas por facilitar a entrada na instituição, mas resolveriam entraves históricos, como a baixa produtividade e a desigualdade social, posicionando o Brasil como economia dinâmica e resiliente. 

A demora do governo Lula em priorizar a OCDE reflete uma miopia política que coloca em risco o futuro do país. Enquanto o Brasil hesita, concorrentes regionais consolidam vantagens. A adesão à OCDE deve ser entendida como projeto nacional, transcendendo ideologias e ciclos eleitorais. Aprovar as reformas necessárias não é apenas cumprir exigências burocráticas, mas pavimentar um caminho para um Brasil mais próspero e integrado ao século XXI. O custo da inação será medido em décadas de estagnação — e o momento de agir é agora.

Livro Branco

Na política chinesa, um “livro branco é um documento oficial publicado pelo governo para explicar, detalhar ou defender políticas, posições ou estratégias do Estado em relação a temas específicos. Esses documentos são ferramentas de comunicação política e diplomática, servindo tanto para o público interno, quanto para a comunidade internacional.

Na última semana, o Gabinete de Informação do Conselho de Estado da China publicou seu primeiro Livro Branco sobre segurança nacional. O documento descreve uma visão abrangente para a salvaguarda da soberania, estabilidade e desenvolvimento no que as autoridades chamam de “nova era“. O Livro Branco apresenta uma estrutura para enfrentar os desafios de segurança tradicionais e emergentes, ao mesmo tempo que reafirma o papel central do Partido Comunista Chinês (PCCh) na orientação da estratégia de segurança nacional.

O texto destaca os avanços e diretrizes estratégicas, uma leitura essencial para aqueles que desejam entender os próximos caminhos que serão trilhados por Pequim. Reafirma a importância da liderança do Partido Comunista Chinês na condução das metas, visando consolidar a posição do país como potência global e impulsionar uma revitalização nacional integral até 2049, centenário da tomada de poder pelo grupo de Mao Tse Tung.

O documento, ao citar o ressurgimento do “hegemonismo, da política de poder e da mentalidade da Guerra Fria”, alerta para o aumento de conflitos geopolíticos, protecionismo econômico e ameaças não tradicionais, como desastres climáticos e ataques cibernéticos. Argumenta que “nenhum país pode viver em uma ilha isolada”, enfatizando a necessidade de cooperação internacional e um futuro compartilhado na economia, deixando uma clara ligação ao projeto da Nova Rota da Seda.

O livro analisa a postura de Pequim em relação aos seus “assuntos internos”, afirmando que “alguns países interferiram gravemente […] causando problemas no Estreito de Taiwan, no Mar da China Meridional [Mar da China Oriental, Xinjiang, Tibete e Hong Kong]”, uma clara referência à visão da China sobre as relações dos Estados Unidos na região da Ásia-Pacífico e um modelo de polaridade global entre Washington e Pequim.

Fato é que as diretrizes deixam claro que estamos diante de uma liderança chinesa cada vez mais assertiva e determinada a remodelar a ordem internacional segundo seus próprios valores e interesses. Isso representa riscos significativos para o equilíbrio global, pois evidencia o aprofundamento da competição geopolítica, além de sinalizar um avanço do autoritarismo como modelo de governança a ser exportado.

Em se tratando de China, sabemos que a retórica de soberania e multipolaridade, tende sempre a camuflar práticas expansionistas e uma rejeição a normas internacionais consolidadas, gerando instabilidade em regiões sensíveis, especialmente no Indo-Pacífico. Além disso, ao enfatizar o papel central do Partido Comunista Chinês na política global, o documento mira na democracia, como um adversário a ser combatido.

A China sabe muito bem onde deseja chegar. O caminho está detalhado e registrado. No futuro, ninguém poderá dizer que foi surpreendido.

Ambiguidade Inaceitável

A recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rússia levanta sérias preocupações quanto ao posicionamento do Brasil no cenário internacional. Ao se reunir com Vladimir Putin em meio à guerra na Ucrânia — um conflito desencadeado por uma invasão militar amplamente condenada pela comunidade internacional — Lula opta por ignorar os princípios democráticos e de autodeterminação dos povos que historicamente pautaram a diplomacia brasileira. A presença do líder brasileiro ao lado de um chefe de Estado amplamente considerado autoritário e responsável por crimes de guerra lança sombras sobre o compromisso do Brasil com os direitos humanos e com a ordem internacional.

Ao se aproximar de líderes como Putin, Lula reforça uma aliança simbólica com regimes que atentam contra liberdades fundamentais. Sua postura ambígua em relação à guerra na Ucrânia, marcada por tentativas de “equidistância” entre o agressor e o agredido, deslegitima o sofrimento do povo ucraniano e relativiza uma invasão armada de um país soberano. Ao não condenar com clareza e firmeza a violação territorial promovida pelo Kremlin, o presidente brasileiro passa a mensagem de que o pragmatismo geopolítico se sobrepõe aos princípios democráticos que deveriam guiar a política externa de qualquer nação que se pretende civilizada.

A visita também mina a credibilidade internacional do Brasil. Ao se colocar ao lado de ditadores e regimes autoritários — não apenas na Rússia, mas também em interações com governos como os da Venezuela, Nicarágua e Irã — Lula enfraquece o potencial do Brasil de atuar como mediador legítimo em crises internacionais. Países democráticos e alinhados ao direito internacional veem com desconfiança essa postura dúbia, que enfraquece coalizões em defesa da paz e da justiça. O Brasil, que poderia ser uma voz influente pelo diálogo e pelo multilateralismo, se arrisca a ser percebido como conivente com agressões inaceitáveis.

Além disso, a escolha de Lula contrasta com o discurso que sustenta em outras frentes, como a defesa da democracia doméstica e a crítica ao autoritarismo de adversários políticos internos. Essa contradição desmoraliza sua retórica, enfraquece a confiança internacional em sua liderança e alimenta críticas legítimas sobre a coerência de sua política externa. A política internacional não pode ser um campo onde os princípios são negociáveis — especialmente quando estão em jogo vidas humanas, soberanias nacionais e o futuro da ordem global.

Em suma, a visita de Lula à Rússia, sem uma crítica clara à agressão militar contra a Ucrânia, representa um retrocesso diplomático e moral. Ao lado de líderes autoritários, o presidente brasileiro se afasta dos valores democráticos e da solidariedade internacional com vítimas de regimes opressores. O Brasil precisa decidir se será um defensor da liberdade e da paz, ou apenas mais um ator disposto a sacrificar princípios em nome de interesses imediatos.

Educação Transformadora

A integração de tecnologias educacionais no Brasil é um passo crucial para reduzir desigualdades e melhorar a qualidade do ensino. Enquanto países como China, Coreia do Sul e Taiwan já colhem os frutos deste investimento, o Brasil ainda enfrenta desafios como infraestrutura desigual e falta de capacitação docente. Dados do PISA 2022 mostram que estudantes brasileiros estão até 3 anos atrás em matemática e ciências comparados aos alunos desses países asiáticos, onde plataformas adaptativas e inteligência artificial são comuns. Isso significa que a adoção de ferramentas modernas e soluções locais poderiam ajudar a diminuir essa lacuna, especialmente quando falamos em escolas públicas.

Na China, plataformas modernas são usadas para aulas remotas e programas de gestão escolar, enquanto a Coreia do Sul implementou sistemas de inteligência artificial para personalizar o ensino. O Brasil pode se inspirar nesses modelos, adotando tecnologias adaptativas que atendam às diversidades regionais e socioeconômicas do nosso país.

Enquanto isso, Taiwan se destaca pelo uso de realidade aumentada (RA) e gamificação em salas de aula, aumentando em 30% o interesse dos alunos por disciplinas como matemática e ciências. No Brasil, projetos-piloto com RA, como os realizados pelo SESI, já mostram resultados promissores, com aumento de 20% no desempenho em escolas testadas. Se expandidas, essas tecnologias poderiam revolucionar o ensino em áreas rurais e periféricas, onde a evasão escolar chega a 7,6% no ensino médio.

Os países escandinavos, como Finlândia e Suécia, oferecem outro modelo eficaz: a abordagem transversal, onde a tecnologia não é uma disciplina isolada, mas integrada a todas as matérias. Na Finlândia, 70% das escolas usam plataformas digitais para projetos colaborativos, resultando em altos índices de criatividade e resolução de problemas. Aqui, poderíamos adotar essa abordagem, utilizando plataformas não apenas para aulas remotas, mas como parte do currículo diário. Isso exigiria capacitação docente e infraestrutura, porém, os resultados—como mostram os escandinavos—são alunos mais preparados para os desafios do século XXI.  

O impacto potencial do uso da tecnologia na educação seria enorme: estima-se que a implementação em larga escala de tecnologias educacionais poderia aumentar em 25% a proficiência em matemática (como visto em projetos locais) e reduzir a evasão em até 15%. Para isso, é essencial seguir exemplos globais, combinando políticas públicas robustas (como o Plano de Conectividade Escolar do MEC) com parcerias privadas. Se o país investir em infraestrutura, formação docente e inovações como IA e RA, poderá não apenas recuperar o atraso educacional, mas também se tornar um case de sucesso na América Latina. 

Em resumo, a tecnologia na educação não é um luxo, mas uma necessidade para reduzir desigualdades e preparar os estudantes brasileiros para um futuro globalizado. Inspirar-se em casos de sucesso internacional—seja na adoção de IA como na Ásia, seja na transversalidade escandinava—pode guiar o Brasil rumo a um ensino mais dinâmico e inclusivo. É uma chance real de virar o jogo onde mais precisamos.

Apagão de Soberania

Nesta semana, um colapso energético sem precedentes deixou milhões de pessoas no escuro em pelo menos 12 países europeus, em especial Portugal e Espanha. O apagão, considerado o maior da última década, paralisou transportes, hospitais e redes de comunicação, além de causar prejuízos econômicos estimados em bilhões de euros.

As causas apontadas até o momento falam de um incêndio em uma subestação crítica na Alemanha, passando por um ataque cibernético e até um fenômeno atmosférico raro devido a variações extremas de temperatura no interior da Espanha. Em suma, ninguém até o momento consegue apontar com exatidão o que pode ter acontecido.

Isto nos leva a um ponto que começa a ser discutido em várias nações e recentemente chegou até o Brasil. Por necessidade de investimento, muitos países estão entregando partes significativas de suas infraestruturas para investidores internacionais, inclusive para países que confundem o conceito empresarial com uma espécie de capitalismo de Estado. O resultado é que a infraestrutura de diversas nações hoje repousa sob domínio de países que possuem interesses e agenda próprios.

Em Portugal, a REN (Redes Energéticas Nacionais) é a empresa responsável pela gestão das redes de transporte de eletricidade e gás natural. Funciona como operadora do sistema energético nacional, garantindo a segurança e eficiência do abastecimento de energia no país. Desde 2012, a China State Grid detém 25% de suas ações. Na Espanha, epicentro do apagão, a Red Eléctrica de España, operadora do sistema elétrico nacional espanhol, tem 24,36% de suas ações repousando nas mãos da mesma China State Grid, que desde 2017 tornou-se a maior acionista privada da empresa.

Tanto em um caso como no outro, foram intensos os debates sobre a influência estrangeira em setores estratégicos. O dinheiro chinês, entretanto, falou mais alto. Foram pagos 2,1 bilhões de euros pela Red Eléctrica de España em 2017 e 387 milhões de euros pela participação na Redes Energéticas Nacionais portuguesas em 2012. Isto sem falar na EDP, que gera e distribui eletricidade (com forte presença da China Three Gorges) e na participação acionária chinesa na espanhola Iberdrola S.A.

No Brasil, a China State Grid controla cerca de 14% da rede de transmissão nacional, com o domínio de linhas no Norte e Nordeste e projetos no Centro-Oeste e Sudeste, sem contar com linhas de 1.500 km no Pará e Maranhão e parcerias com Furnas. Desde 2017 também controla 54,64% da CPFL Energia, adquirida por R$ 25,8 bilhões, atuando em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná.

No intuito de evitar a sobrecarga de um país ou companhia em setores sensíveis, o parlamento começou a se mobilizar com a proposta de criação do criação do Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos, um órgão responsável por avaliar e monitorar aportes estrangeiros em setores estratégicos da economia nacional, como já acontece nos Estados Unidos, Alemanha e China em áreas como energia, defesa e tecnologia. A proposta poderá equilibrar abertura econômica e segurança nacional, posicionando o Brasil como um destino atrativo e responsável para investimentos internacionais. Ao diminuir nossa vulnerabilidade, é possível que possamos nos proteger dos riscos enfrentados pela Europa nesta semana. Mais do que ficar sem energia, tudo indica que estes países vivem um apagão em suas soberanias.

Legado de Francisco

Desde sua eleição em 2013 como o primeiro papa jesuíta e latino-americano, o pontificado de Francisco foi marcado por um estilo pastoral inovador e um compromisso com a transformação institucional da Igreja Católica. Com ênfase na misericórdia, justiça social e reforma da Cúria Romana, seu papado buscou equilibrar tradição e modernidade, promovendo uma Igreja mais inclusiva e voltada para as “periferias existenciais”. No entanto, sua condução também enfrentou críticas de setores conservadores e desafios persistentes, como os escândalos de abuso sexual e polarização dentro da Igreja. Analisar seu legado exige considerar tanto seus avanços simbólicos quanto tensões entre reforma e continuidade no catolicismo.

Sua ênfase renovada na justiça social e pastoral ficou refletida em suas encíclicas e ações. Documentos como Laudato Si’ (2015) e Fratelli Tutti (2020) reposicionaram a Igreja Católica como voz ativa em debates globais, desde a crise ambiental até a desigualdade econômica. Internacionalmente, Francisco redefiniu o papel diplomático do Vaticano, mediando conflitos, contudo, sua abordagem a regimes autoritários (China, Rússia) foi considerada excessivamente conciliatória em momentos cruciais. Seu legado, em síntese, é o de um reformista político pragmático.

Ele também promoveu mudanças internas significativas, como a constituição Praedicate Evangelium (2022), que reestruturou a Cúria Romana e ampliou a participação de leigos, incluindo mulheres, em cargos de decisão. Seu foco na descentralização buscou equilibrar poder entre o Vaticano e conferências episcopais locais. A criação de mecanismos de transparência financeira, como a Secretaria para a Economia (2014), respondeu a escândalos de corrupção, apesar de ainda vista como incompleta. 

No campo da moral e doutrina, adotou postura pastoral mais flexível, especialmente em questões familiares (Amoris Laetitia, 2016), permitindo maior integração de divorciados recasados. Seus gestos, como a abertura a uniões civis e sua ênfase na misericórdia sobre o rigor doutrinal, geraram esperanças de reformas, mas também tensões com tradicionalistas. Apesar de manter a proibição do sacerdócio feminino, nomeou mulheres para posições de liderança inéditas no Vaticano, como a francesa Nathalie Becquart no Sínodo dos Bispos (2021).

A resposta aos escândalos de abuso sexual revela tanto avanços quanto limitações. Francisco estabeleceu normas mais rígidas para responsabilizar bispos (Vos estis lux mundi, 2019) e revogou o sigilo pontifício em casos de abuso. No entanto, é possível ver falhas na aplicação dessas medidas, como a lentidão em processos canônicos e a falta de transparência em casos envolvendo cardeais influentes. Seu legado nessa área permanece ambíguo: reconhecido por ações sem precedentes, mas ainda questionado por vítimas e reformistas.

Ao fim e ao cabo, o Papa que se despede deixa um legado importante para o catolicismo, tendo conseguido mover suas estruturas parcialmente, porém, em pontos basilares. Aquele que virá encontrará um ambiente muito diferente daquele com que Francisco se deparou e podemos considerar isso um sinal positivo, algo que aproximou os católicos da Igreja de Pedro.

Lobby e Democracia

Ao ler as notícias do dia, me deparei com a seguinte manchete: “Lobista cobrou 20% para liberar emendas de empresários investigados, diz PF”. Ao abrir a matéria pude perceber que não se tratava de um lobista, mas alguém que exercia, sem cerimônias, a prática de tráfico de influência. Me senti aliviado, afinal de contas, nada mais longe do exercício diário da vida de um lobista do que a ação denunciada pela matéria.

Antes de qualquer coisa é preciso deixar algo muito claro: lobby não é tráfico de influência. Pelo contrário, são conceitos antagônicos. Mais do que isso, lobby somente existe onde há um sistema democrático e transparente, enquanto tráfico de influência é uma prática comum em regimes autocráticos e autoritários, onde existe concentração arbitrária de poder. Nosso país, uma jovem democracia, somente foi apresentada ao lobby em tempos recentes e ainda possui dificuldade em entender sua legitimidade. 

O lobby é uma prática tão antiga quanto a democracia, pois se estamos diante de um regime com plenas liberdades, talvez a mais importante delas seja aquela que garante à sociedade o direito de ser ouvida pelos seus representantes. Ao isolar-se e rejeitar a necessidade de ouvir, um governo torna-se autoritário. Ao fechar as portas para os pleitos dos eleitores, um parlamento perde legitimidade. Ao deixar de ouvir as partes, um juiz se torna despótico. Limitar o direito ao lobby é limitar o direito ao exercício mais básico de cidadania em uma democracia.

O termo lobby nasceu nos Estados Unidos, país que moldou o conceito moderno de democracia como conhecemos. No início de sua república, os parlamentares passavam longos períodos em Washington, hospedados no hotel Willard, localizado entre o Congresso e a Casa Branca. No lobby do hotel era comum encontrar representantes do setor privado à espera dos parlamentares para que estes pudessem ouvir sobre o impacto das leis que estavam por analisar. Desta atividade surgiu o termo lobby.

Os lobistas tornaram-se elemento central do processo legislativo e pilar essencial da democracia, uma vez que se tornou essencial ouvir os setores da sociedade afetados pelas leis que eram debatidas no Capitólio. A prática cresceu em importância e relevância na medida que aperfeiçoava diplomas legais mediante diálogo direto com a sociedade. As leis passaram a ser debatidas ouvindo a realidade do cidadão, contribuindo para que a legislação ajudasse o país a prosperar.

No Brasil, o termo passou a fazer parte de nosso cotidiano durante o mais recente período autoritário, quando não havia eleições e o parlamento permanecia fechado. Mais do que isso, passou a designar aqueles que conseguiam arrancar favores e políticas favoráveis do regime militar, uma clara situação que configurava tráfico de influência. 

Com a redemocratização e o nascimento da prática de lobby como instrumento legítimo da sociedade, o termo, usado de forma equivocada para designar tráfico de influência, foi internalizado erroneamente em nossa língua. Para remediar esta confusão, o primeiro grande passo seria ver nosso Congresso Nacional aprovar a lei que regulamenta esta atividade. Uma ação tardia, com mais de dois séculos de atraso, porém relevante e necessária para introdução de mecanismos éticos e transparentes para esta atividade que é um dos pilares da democracia.