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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Taiwan na ONU

Criada em 1945, a Assembleia Geral é o principal órgão deliberativo da ONU, reunindo todos os Estados-membros sem distinção. Ao longo de oito décadas, tem sido fórum essencial para discutir temas relevantes para o equilíbrio internacional. Sua legitimidade deriva justamente do caráter universal, princípio que não pode ser comprometido por exclusões políticas arbitrárias.

A 80ª sessão abrirá formalmente em 9 de setembro de 2025, em Nova York. Entretanto, o tema da Assembleia Geral deste ano, “Juntos somos melhores: Oito décadas de compromisso com a paz, o desenvolvimento e os direitos humanos”, ecoa uma contradição gritante: enquanto defende universalidade, continua a falhar no sentido de fornecer vez e voz para nações que têm o direito de serem ouvidas, como é o caso da mais vibrante e aberta democracia da Ásia, Taiwan. 

Esta incômoda situação se baseia na Resolução 2758, aprovada em 1971, que se tornou objeto de distorções que comprometem a credibilidade do sistema multilateral. Embora trate exclusivamente da representação da China na ONU, a resolução tem sido utilizada por Pequim como argumento para excluir Taiwan da participação na organização e em suas agências. Uma interpretação que carece de fundamento político ou jurídico, uma vez que o diploma legal não reconhece Taiwan como parte da China e tampouco que o governo de Pequim deve representar o povo taiwanês no sistema das Nações Unidas.

A exclusão de Taiwan tem consequências práticas graves, uma vez que é capaz de fomentar tensões militares que colocam em risco a segurança de toda a Ásia-Pacífico e a estabilidade global. A ilha desempenha papel central na economia mundial — produzindo mais de 90% dos semicondutores avançados — e está localizada em uma rota marítima vital para o comércio internacional, onde transita cerca de metade da frota mundial de navios de carga. Sua exclusão não só debilita o multilateralismo, como expõe o sistema internacional a riscos desnecessários em um contexto de crescente rivalidade geopolítica.

Para além disso, em 2025, com apenas cinco anos para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, a ausência de Taiwan nos debates das Nações Unidas mina a capacidade coletiva global de alcançar resultados. Taiwan tem um histórico robusto em áreas como saúde pública, igualdade de gênero, inovação tecnológica e combate às mudanças climáticas. Seu know-how e sua participação ativa poderiam acelerar avanços essenciais para o desenvolvimento global inclusivo e sustentável. Negar esse espaço é contrariar o próprio espírito da agenda multilateral.

A Assembleia Geral de 2025 oferece uma oportunidade histórica para corrigir esse descompasso. Garantir a participação de Taiwan e seus cidadãos, inclusive jornalistas, é fortalecer a democracia, proteger o direito internacional e assegurar que o sistema das Nações Unidas se mantenha fiel à sua missão de universalidade. O passaporte taiwanês é amplamente aceito no mundo, e sua rejeição em Nova York ou Genebra carece de fundamento jurídico, refletindo unicamente uma leitura política restritiva. Não se trata apenas de reconhecer Taiwan, mas de reconhecer que os princípios norteadores das Nações Unidas seguem como pilares essenciais da ordem internacional. A inclusão de Taiwan não é um favor, mas um imperativo moral e estratégico da estabilidade global.

Nova Ordem Autoritária

A Organização para Cooperação de Xangai (OCS) se consolida como um bloco geopolítico marcado pelo antagonismo ao Ocidente e pela defesa de regimes autoritários. Sob a liderança de Xi Jinping, a entidade propõe uma “nova ordem mundial” que, na prática, significa a consolidação de um modelo de poder centralizador com supressão de direitos civis e enfraquecimento da democracia. Ao contrário de promover multilateralismo, a OCS funciona como um eixo de apoio mútuo entre autocracias que buscam reduzir a influência das instituições democráticas globais.

O encontro em Tianjin, que aprovou uma estratégia até 2035, mostra que o bloco pretende expandir sua influência. A criação de um Banco de Desenvolvimento próprio e iniciativas em energia e inovação reforçam a tentativa de construir um sistema paralelo ao ocidental, mas sem compromisso com direitos humanos, liberdade ou democracia. A Índia, tradicionalmente alinhada ao Ocidente, se aproxima de forma perigosa dos líderes da OCS e aprofunda o risco de legitimar práticas repressivas neste eixo autoritário, ampliando tensões regionais e globais, colocando em xeque sua imagem internacional.

Essa confluência de autocracias gera efeitos diretos no equilíbrio global agindo sobre a guerra na Ucrânia e a estabilidade da Europa. Ao se reunir em fóruns e desfiles que projetam poder militar, líderes como Xi Jinping demonstram apoio tácito e claro à invasão russa, enfraquecendo pressões internacionais por uma solução pacífica. A complacência desses regimes autoritários não apenas prolonga o conflito e a tragédia humanitária ucraniana, como também mina o sistema internacional baseado em regras e instituições democráticas. O recado é claro: ditadores unidos desafiam abertamente os valores do Ocidente, abrindo espaço para uma nova era de conflitos.

Esse movimento ganhou contornos ainda mais nítidos em Pequim, no desfile organizado como parte das comemorações dos 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial. Lá, Xi Jinping exibiu pela primeira vez a tríade nuclear chinesa, sinalizando poder bélico em vez de cooperação pacífica. Ao seu lado, estavam ditadores e líderes autoritários de diferentes continentes — de Putin a Lukashenko, passando por figuras ligadas a regimes terroristas, como Masoud Pezeshkian do Irã e outros que também perseguem opositores e sufocam liberdades, com Kim Jong-un e Miguel Díaz-Canel, ditadores da Coreia do Norte e de Cuba. Um convescote autocrático que sinaliza o esboço de uma nova ordem autoritária. 

O Brasil, ao se fazer presente nestes eventos e se aproximar desse grupo, compromete sua tradição diplomática de defesa do multilateralismo democrático. A imagem projetada não é de liderança equilibrada, mas de cumplicidade com regimes que desprezam liberdades individuais, manipulam eleições e governam pela intimidação. Ao invés de se orgulhar de ocupar esse espaço, o país deveria se envergonhar. Estar ao lado de autocratas em desfiles militares ou fóruns controlados por ditadores significa renunciar a valores históricos da nossa política externa, corroendo a credibilidade internacional do Brasil e manchando sua identidade democrática.

No mundo atual, já marcado por conflitos e polarizações, a associação com a OCS e com espetáculos autoritários em Pequim não fortalece o Brasil. Apenas o coloca no lado errado da História — aquele que celebra o poder dos ditadores ao invés da liberdade dos povos.

O Brasil é dos Chineses

A recente negociação envolvendo a venda das minas de níquel da Anglo American para a MMG, subsidiária da estatal China Minmetals, escancara a vulnerabilidade do Brasil diante de investimentos estrangeiros que não apenas movimentam cifras bilionárias, mas tocam o coração da soberania nacional: o controle sobre recursos estratégicos. O negócio, avaliado em US$ 500 milhões, foi concretizado em condições que levantam fortes suspeitas. Outra interessada, a Corex Holding, ofereceu quase o dobro do valor — US$ 900 milhões — e mesmo assim foi preterida, em uma decisão que reforça a percepção de que a Anglo American priorizou interesses políticos e comerciais ligados à China, ainda que em detrimento da transparência e da competitividade.

O caso se torna ainda mais grave quando se analisam seus impactos sobre o mercado. Se confirmada, a transação entregará à MMG o controle de mais de 50% do mercado brasileiro de níquel, praticamente 100% do mercado nacional de ferro-níquel e cerca de 60% do mercado global. Estamos falando de um insumo central para a economia do futuro, essencial na produção de baterias, veículos elétricos e aço inoxidável. Ou seja, o Brasil corre o risco de se tornar conscientemente refém de uma potência estrangeira justamente em um setor estratégico para a transição energética e a indústria de ponta.

Esse episódio ilustra porque o Projeto de Lei 1051/2025, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos (CTIE) não é apenas necessário, mas urgente. A ausência de uma estrutura robusta de avaliação de investimentos abre espaço para que decisões de curto prazo comprometam o futuro da economia nacional. O CTIE teria a missão de filtrar operações que afetam diretamente a segurança nacional e a autonomia estratégica do país. Trata-se de mecanismo de defesa que países desenvolvidos já utilizam para conter a expansão predatória em setores sensíveis, prática comum entre os membros da OCDE.

Não se trata de xenofobia econômica, mas de realismo geopolítico. A China, por meio de suas estatais, persegue deliberadamente o controle de cadeias globais de suprimento de minerais críticos. A lógica é clara: quem domina os insumos controla os preços, define os prazos e estabelece condições comerciais e controle econômico. O Brasil, dono de vastas reservas minerais, assiste passivamente à entrega de seu patrimônio estratégico.

É simbólico que até o Instituto Americano do Ferro e do Aço busque pressão diplomática contra o acordo, denunciando a crescente ação global da China pelo controle dos minerais críticos. O país domina hoje o refino de minerais como níquel, cobalto e terras raras, mas ainda depende de minas no exterior para alimentar suas fundições. Por isso, corre para adquirir ativos estratégicos em diferentes continentes. 

A soberania nacional está além de manter fronteiras, mas também resguardar a capacidade de decidir sobre nossos recursos. Portanto, a venda das minas de níquel não é apenas um negócio isolado: é um alerta. Sem instrumentos institucionais como o CTIE, o Brasil segue vulnerável a operações que comprometem seu futuro. O PL 1051/25 surge como uma salvaguarda indispensável, garantindo que decisões estratégicas sobre setores críticos não sejam tomadas sob a lógica do oportunismo financeiro, mas sob o imperativo maior da soberania nacional. O governo diz que o Brasil é dos brasileiros, porém, a verdade é que, até o momento, o Brasil caminha para ser propriedade dos chineses.

Silêncio em Pequim

Entre os muros da Cidade Proibida, símbolo de um passado marcado pela discrição, ressoa hoje um eco que se projeta sobre Zhongnanhai, o atual centro nervoso do poder chinês. Ali, atrás de portões fechados e corredores vigiados, definem-se em silêncio os destinos da política externa de uma das grandes potências do planeta. Naquele mundo, a regra é simples: decisões cruciais não são explicadas, apenas sentidas pelo mundo.

Foi nesse cenário que a diplomata Sun Haiyan, ex-embaixadora em Singapura e vice-chefe do Departamento Internacional do Partido Comunista, desapareceu da cena política. Seu superior, Liu Jianchao — nome tratado como sucessor natural de Wang Yi, atual Ministro das Relações Exteriores — teve destino similar: interrogatórios, rumores e silêncio. Ambos seguem nos registros oficiais como se ainda estivessem em seus cargos. A burocracia se encarrega de manter a ilusão; a realidade, porém, já os apagou.

Estes não são casos isolados. Em 2023, Qin Gang, então Chanceler, foi igualmente removido sem explicação. Esses desaparecimentos sucessivos revelam algo mais profundo: até mesmo a diplomacia chinesa, que deveria sinalizar estabilidade e continuidade, na verdade é vulnerável à lógica interna e regras do Partido Comunista, que privilegia disciplina e lealdade acima da previsibilidade e estabilidade política.

O problema é que essa opacidade não se limita às paredes de Zhongnanhai. Ela vaza para além de suas fronteiras, tornando-se risco exportado. Parceiros comerciais, governos e investidores precisam lidar com uma China em que os interlocutores podem sumir de um dia para o outro. A pergunta que fica é: Como negociar compromissos estratégicos em condições tão incertas? O comércio e a geopolítica exigem confiança, mas Pequim oferece em seu cardápio apenas mistério e incerteza.

Sob Xi Jinping, a diplomacia passou a refletir o estilo do próprio regime: centralizada, rígida, pouco transparente — e, por isso mesmo, imprevisível. O resultado é um mundo forçado a interpretar ausências, decifrar sinais, ler entrelinhas. A instabilidade interna do Partido, em vez de assunto doméstico, tornou-se elemento de insegurança global.

A lição que se impõe é dura: nos corredores de Zhongnanhai, o silêncio não é vazio, mas instrumento de poder. Quanto menos se explica, mais espaço há para a disciplina interna, mas também para a incerteza. É nesse contraste entre opacidade e influência global que reside o paradoxo da China contemporânea: uma potência que aspira confiança, mas cultiva o segredo como método.

O Brasil, maior parceiro comercial da China na América Latina, deveria observar esses movimentos com atenção redobrada. Não basta comemorar os números do agronegócio ou a expansão do comércio bilateral. É preciso compreender que, ao atravessar Xinhuamen (Portão da Nova China), e adentrar em Zhongnanhai, onde o poder realmente se move, não há espaço para ingenuidade. Ali, a política externa não se conduz à luz do dia, mas entre sombras — as mesmas que têm provocado reiterados episódios de instabilidade em sua diplomacia.

Isolamento Brasileiro

A retórica de “soberania” e “multilateralismo” que permeia o discurso diplomático brasileiro contrasta radicalmente com um padrão documentado de incoerência estratégica. Dados concretos revelam uma desconexão perigosa entre aspirações e ações, minando sistematicamente a posição do país no tabuleiro global. O colapso das negociações Mercosul-UE e as recentes críticas de Donald Trump são sintomas de uma patologia mais profunda: a incapacidade crônica de construir confiança comercial.

A política tarifária ilustra esse descompasso com clareza matemática. Enquanto o Brasil impõe 20% de tarifa sobre o etanol norte-americano, os Estados Unidos reciprocam com meros 2,5% sobre o mesmo produto brasileiro – assimetria que sacrifica R$ 3 bilhões anuais em fluxos comerciais potenciais. Essa proteção seletiva não se limita aos EUA: contra a média global de tarifas industriais de 3.8% (Banco Mundial, 2024), o Brasil mantém barreiras de 11.3% para bens manufaturados europeus.

Essa esquizofrenia regulatória gera consequências tangíveis. Quando autoridades brasileiras rebatem críticas alegando que “produtos americanos-chave já têm acesso facilitado”, ignoram um princípio elementar de comércio internacional: parcerias duradouras exigem reciprocidade previsível. O resultado é a erosão acelerada da credibilidade, evidenciada pelo desinteresse estratégico de atores centrais. A indiferença de Trump diante da aproximação Brasil-China – “podem fazer o que quiserem” – reflete essa percepção de irrelevância negociadora.

A crise com a União Europeia segue a mesma lógica desalinhada. Enquanto o Brasil rejeitava cláusulas ambientais do acordo Mercosul-UE invocando soberania, aumentava em 1.200% as importações de diesel russo – commodity financiadora de um regime sob sanções internacionais. Essa dupla moral não passou despercebida: 72% dos legisladores europeus citaram “incoerência geopolítica” como obstáculo à ratificação, segundo relatório do European Council on Foreign Relations.

Longe de serem episódios isolados, tais contradições expõem uma falha metodológica estrutural. Governos sucessivos – independentemente de orientação ideológica – confundem protecionismo com soberania e gestos unilaterais com autonomia. A consequência é um isolamento progressivo, manifestado em três dimensões críticas: perda de influência regional, como evidenciado por acordos bilaterais secretos com a China que minam o Mercosul, cujo comércio intrazona estagnou em 15% do total (contra 60% na UE); custos econômicos mensuráveis, com o Brasil representando apenas 1.2% do comércio global (OMC, 2025), abaixo do potencial de sua economia; e desconfiança sistêmica, expressa na 68ª posição do país no Índice de Credibilidade Comercial (Heritage Foundation, 2024).

A reconquista da relevância internacional exige mais que retórica. Requer harmonização tarifária transparente, reduzindo a média de proteção industrial para menos de 7%; alinhamento geopolítico verificável, abandonando parcerias que contradigam posições multilaterais; e reformulação do Mercosul como plataforma negociadora integrada, não escudo para unilateralismos. Na economia global pós-pandêmica – onde cadeias de valor se reorganizam sob critérios de confiabilidade – o Brasil não pode pagar o preço da incoerência. Como alerta o ex-Secretário-Geral da OCDE, Ángel Gurría: “Na nova geografia comercial, credibilidade é a moeda mais forte”. Resta saber se o Brasil aprenderá a emití-la.

Imperialismo Disfarçado

A narrativa da Rússia como “aliado” ou “contrapeso” ao Ocidente no Sul Global é uma cortina de fumaça para práticas imperialistas que corroem a soberania de nações como o Brasil. Sob o manto do multilateralismo dos BRICS, Moscou avança seus interesses geopolíticos de forma predatória, explorando vulnerabilidades e promovendo dependência, com consequências graves e tangíveis.

O caso mais flagrante e preocupante é o complexo de drones em Alabuga, no Tatarstão. Relatórios investigativos (como os da Escola de Administração de Yale) denunciam práticas que beiram o trabalho forçado, onde estudantes estrangeiros – incluindo latino-americanos – são atraídos com falsas promessas e depois coagidos a produzir armas usadas na invasão da Ucrânia. Esta operação é um microcosmo do imperialismo russo moderno: apropriação de recursos humanos de países em desenvolvimento, subjugando sua soberania e força de trabalho para alimentar sua máquina de guerra ilegal, violando direitos humanos básicos e o direito internacional. O silêncio ou a passividade do Brasil frente a essa denúncia é uma conivência perigosa.

Este alinhamento subserviente foi escancarado pela presença do Presidente Lula no Desfile da Vitória em Moscou, evento que celebra o triunfo soviético sobre o nazismo, mas que Putin transformou em palanque de propaganda para justificar sua guerra atual. Ao lado de ditadores, Lula legitimou um regime agressor. Essa postura covarde se estendeu à Cúpula dos BRICS no Rio de Janeiro, onde o Brasil evitou deliberadamente qualquer menção à Ucrânia, enterrando a oportunidade de posicionar o país ao lado do direito internacional, da soberania das nações e das democracias que defendem estes princípios. Optou-se por um “neutralismo” que, na prática, beneficia o agressor e mina a credibilidade internacional do Brasil como defensor da paz baseada em regras.

As consequências desta política miope já se materializam no campo econômico. O aumento das importações brasileiras de diesel russo, comprado com descontos atraentes, mas em claro desafio ao embargo internacional liderado pelo G7, coloca o Brasil na rota de colisão com sanções secundárias. Empresas e instituições financeiras envolvidas nessas transações arriscam ser cortadas do sistema financeiro ocidental. O custo pode ser devastador: acesso restrito a mercados cruciais, dificuldades em transações internacionais e perda de investimentos. É uma aposta perigosa, especialmente para um país que já sofre com tarifas de importação dos EUA. Arriscar sanções mais amplas por alinhamento tácito com a Rússia agravaria exponencialmente este fardo econômico.

Moscou não oferece uma parceria equilibrada ao Sul Global. Oferece dependência, risco geopolítico e a erosão da soberania – seja pela exploração de recursos humanos como em Alabuga, seja pela pressão para apoiar suas narrativas de guerra. O Brasil, ao abraçar essa relação de forma acrítica, afasta-se dos valores democráticos, enfraquece sua posição internacional e hipoteca o futuro de sua economia. Defender a verdadeira soberania significa rejeitar o imperialismo russo, condenar suas agressões e realinhar o país com os princípios da Carta da ONU e das democracias que os defendem, antes que o custo se torne insustentável. O preço da subserviência ideológica diante da autocracia do Kremlin é alto demais para uma democracia que corre o risco de se afastar de forma definitiva das boas companhias.

Preço do Populismo

A resposta do governo Lula diante das tarifas de Trump revela uma perigosa cartilha populista que tem guiado o Palácio do Planalto. Em vez de buscar soluções estruturais, negociações robustas ou ajustes para aumentar a competitividade, a administração petista aposta na reedição irresponsável de mecanismos emergenciais e na expansão do crédito estatal – um caminho pavimentado com demagogia que desestabiliza as contas públicas e hipoteca o futuro do Brasil em nome da reeleição em 2026.

O plano de contingência imaginado pelo governo espelha-se no Benefício Emergencial (BEm), criado para o cenário da pandemia. Aplicar esse remédio de guerra a um desafio comercial é um absurdo econômico. Ressuscitar um programa que reduz jornada e transfere para os cofres públicos o pagamento de parte dos salários representa uma intervenção massiva e distorciva no mercado de trabalho. Não resolve o problema de competitividade gerado pelas tarifas e apenas mascara seus efeitos imediatos com dinheiro público, criando uma dependência insustentável.

Além disso, o governo planeja lançar uma enxurrada de novos programas sociais e ampliar outros usando o tarifaço como justificativa. Medidas que, na verdade, têm por objetivo único inflar a popularidade presidencial para a próxima disputa eleitoral. Ao todo, Lula planeja ao menos seis novos programas. Estamos falando da ampliação do Minha Casa, Minha Vida para aqueles que ganham até R$ 12 mil, juros subsidiados na liberação de crédito para reformas residenciais, vale-gás para 16 milhões de famílias, crédito para motos elétricas mediante linhas facilitadas aos entregadores de aplicativos e medidas de auxílio aos caminhoneiros. Uma farra fiscal pré-eleitoral.

O setor produtivo também entrou em campo para colher benesses e deseja flexibilizar as leis trabalhistas durante a vigência do tarifaço. Ao mesmo tempo pleiteia uma linha de crédito que permita às companhias exportadoras honrar seus ACCs (adiantamentos de contrato de câmbio), aliado a medidas de facilitação de crédito, algo que por mais que soe como uma medida paliativa razoável, significa alarmante expansão descontrolada do crédito estatal.

Os pedidos se acumulam. O governo foi demandado para ampliar o Acredita Exportação, programa que ajuda micro e pequenas empresas brasileiras com a restituição de 3% das receitas de vendas ao exterior. O pleito agora é que o benefício seja estendido a companhias de todos os portes. A prioridade aparente não é fortalecer a economia brasileira para enfrentar desafios globais, mas sim comprar paz social e apoio político no curto prazo, custe o que custar ao Erário.

Lula escolheu o atalho populista. Em vez de liderar o país em um necessário esforço de modernização e eficiência para enfrentar as tarifas e os desafios globais, opta por queimar o futuro fiscal do Brasil como combustível para fazer funcionar sua máquina eleitoral. É uma estratégia miope, egoísta e profundamente danosa. A conta desse festival de irresponsabilidade recairá inevitavelmente sobre a população. Seja através de impostos mais altos, serviços públicos ainda mais precários ou um novo ciclo recessivo forçado por um ajuste inevitável. O Brasil não pode se dar ao luxo de mais um ciclo de ilusão populista seguido de amargo despertar. O preço será catastrófico.

Do Palanque ao Prejuízo

A relação entre Brasil e Estados Unidos atravessa sua pior crise em décadas, resultado direto da política de confronto adotada por Lula contra Donald Trump. Desde a eleição norte-americana de 2024, Lula transformou fóruns internacionais em palanques de hostilidade, rompendo padrões diplomáticos. Chamou Trump de “criminoso que deveria estar na cadeia” (ONU, setembro/2024), “monstro que ameaça a humanidade” (Planalto, novembro/2024) e “símbolo do fascismo moderno” (Deutsche Welle Brasil, março/2025). O ponto crítico, porém, foi sua ofensiva contra o dólar, propondo nos BRICS criar uma nova ordem financeira “sem hegemonia do dólar americano”, iniciativa que sequer encontrou endosso da Rússia: “Esta é uma ideia exclusiva de Lula”, disse Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores de Putin.

A resposta veio em maio de 2025: tarifas de 50% sobre produtos estratégicos brasileiros, como etanol, celulose e grãos – afetando US$ 10 bilhões em exportações. Ao contrário do discurso oficial que fala em “agressão à soberania”, trata-se de uma retaliação previsível à hostilidade sistemática de Lula, que misturou ataques pessoais a Trump, desprezo às instituições dos EUA e iniciativas geopolíticas antagônicas.

Pela primeira vez, os EUA reagiram às bravatas de um presidente latino-americano com força comercial. E Lula, acostumado a discursos sem consequências, agora enfrenta perdas reais. Após o tarifaço, dobrou a aposta: “Trump usa o comércio como arma porque não tem moral para negociar com democracias verdadeiras”, disse. Mas essas falas apenas reforçam o isolamento diplomático do Brasil. Washington interpretou a declaração como provocação frontal e o USTR iniciou investigação sobre o Brasil com base na Seção 301 do Trade Act de 1974, que analisa práticas comerciais consideradas injustas, discriminatórias ou restritivas.

Ao invés do confronto, outros países buscaram o diálogo: a França negociou quando ameaçada por tarifas e a China manteve canais abertos mesmo sob sanções bilionárias. Já o Brasil, por escolha política, se absteve de qualquer contato com o governo Trump. O Itamaraty ignorou o diálogo e transformou a diplomacia em trincheira ideológica.

Com suas próprias palavras, Lula isolou o país e fragilizou setores chave da economia. Produtores de etanol relatam perdas imediatas e exportadores de celulose veem contratos suspensos. “Isso é culpa do protecionismo dos ricos”, alega Lula, mas o custo recai sobre trabalhadores, não sobre os autores da retórica.

A soberania não se fortalece com discursos inflamados em cúpulas ideológicas, mas com diplomacia técnica e pragmática. O governo Lula apostou na retórica e ignorou o risco real de retaliações comerciais. O resultado não é apenas econômico – é político. Pela primeira vez, os EUA trataram o Brasil não como um parceiro complicado, mas como adversário estratégico. As tarifas de 50% são mais do que uma medida econômica: são o custo de uma política externa construída sobre confronto, bravatas e isolamento.

Para além de Bolsonaro, Moraes e STF, a imposição de tarifas contra o Brasil é resultado daquilo construído pela verborragia lulista. Trata-se de retaliação direta e calculada ao ambiente de instabilidade e beligerância verbal cultivada de forma irresponsável pelo Presidente brasileiro. Uma conta que será paga com desemprego, inflação e isolamento.

Soberba Tarifada

A situação comercial internacional do Brasil entrou em uma fase crítica. A imposição de tarifas pelos EUA representa golpe duro à já fragilizada economia brasileira. Entretanto, mais alarmante que a ação externa é a postura interna: a diplomacia brasileira, sob a liderança de Lula, tem falhado em oferecer uma resposta madura e estratégica. Ao contrário do que fizeram outros países, que buscaram canais para mitigar impactos, o Brasil opta pelo enfrentamento ideológico e pelo isolamento retórico. E isso custa caro.

Enquanto líderes mundiais tentam se articular em um cenário de transição geopolítica, Lula optou por uma postura temerária, marcada por decisões baseadas em convicções pessoais e crenças ultrapassadas que passam ao largo do interesse nacional e da realidade geopolítica atual. Donald Trump, mesmo com seu estilo imprevisível, já conversou com 34 líderes desde que reassumiu a Casa Branca, realizando 21 reuniões presenciais. Lula não está na lista. Mais do que ausência, há desinteresse. O próprio presidente brasileiro declarou que não teria “assunto” com Trump, ironizando que teria que “ficar contando piadas”. O que parece irreverência é, na prática, um grave sinal de uma diplomacia negligente.

Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria oferece uma medida concreta do impacto da nova onda tarifária. Segundo a entidade, o chamado “tarifaço” pode reduzir o PIB brasileiro em R$ 19,2 bilhões, ou seja, 0,16%. A estimativa é de que cerca de 110 mil postos de trabalho sejam perdidos. Um dano considerável, especialmente em uma economia que já sofre com baixo crescimento, juros elevados e déficit fiscal estrutural.

Os riscos não param por aí. O governo brasileiro acena, ainda que timidamente, com a possibilidade de restringir a remessa de dividendos ao exterior — uma medida que teria efeitos desastrosos sobre o investimento estrangeiro direto (FDI). Em um país que precisa desesperadamente de capital externo para financiar seu déficit em conta corrente, assustar multinacionais com ameaças à liberdade de repatriação de lucros é um erro grosseiro. As reservas internacionais do Brasil, embora robustas, não são infinitas. Sem o fluxo constante de FDI, elas não suportam uma pressão prolongada.

Lula parece ignorar que a geopolítica comercial não é guiada por discursos inflamados ou simbolismos ideológicos, mas por interesses pragmáticos. A retórica antiamericana, o desdém por abrir canais discretos de negociação e a insistência em alianças com regimes autoritários empurram o Brasil para uma posição marginal. Enquanto isso, países como México, Vietnã e Indonésia colhem os frutos de políticas externas mais sofisticadas, atraindo empresas que buscam alternativas à China, ao mesmo tempo que mantém bom relacionamento com Washington.

O Brasil, portanto, caminha perigosamente rumo ao isolamento das democracias ocidentais, comprometendo sua reputação, seus acordos comerciais e sua capacidade de atrair investimentos. O Brasil, ao abraçar a retórica antiamericana e regimes tóxicos, assina sua exclusão das cadeias globais de valor. Se o governo não recalibrar sua postura e adotar uma diplomacia menos ideológica e mais técnica, os custos econômicos serão ainda mais profundos e duradouros. A soberba tem preço, já evidenciada pelas tarifas — e a economia brasileira acabará mais uma vez pagando a conta.

Diplomacia Inflamável

A eleição de Lula em 2023 trouxe uma mudança radical no fluxo comercial de combustíveis entre Brasil e Rússia. De importações praticamente inexistentes, o Brasil catapultou-se para o posto de maior comprador mundial de diesel russo em poucos meses. Segundo dados da Kpler e do Comex Stat, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o Brasil injetou impressionantes US$ 12,54 bilhões na economia russa, sendo o diesel o carro-chefe dessas transações. Essa súbita dependência coincide não apenas com a volta de Lula ao poder, mas também com o período em que a Rússia, sob pesadas sanções ocidentais por sua invasão da Ucrânia, buscava desesperadamente novos mercados para financiar seu esforço de guerra. A coincidência temporal é gritante: o dinheiro brasileiro flui para Moscou exatamente quando o Kremlin mais precisa para sustentar sua máquina bélica.

Este fluxo financeiro maciço não ocorre num vácuo geopolítico. Ele se entrelaça com a ativa participação do Brasil no BRICS. Lula tem sido um vocal articulador de iniciativas dentro do grupo que desafiam a ordem ocidental, notadamente a proposta de substituir o dólar nas transações entre os membros. A compra em grande escala de diesel russo, potencialmente facilitada por mecanismos financeiros alternativos que contornam o sistema Swift (alvo de sanções), aparece como uma concretização prática desse alinhamento estratégico e econômico. Paralelamente, o governo Lula manteve postura ambígua e de não condenação clara à invasão russa, recusando-se a fornecer armas à Ucrânia e frequentemente equiparando agressor e vítima em seus discursos, o que desagradou profundamente às democracias ocidentais.

A estratégia brasileira, porém, tem um preço elevado no tabuleiro internacional. Ao se aproximar energeticamente e politicamente da Rússia agressora e ao minar esforços de isolamento econômico, o Brasil enfraquece sua credibilidade diante das principais democracias do mundo. Essa postura gera desconfiança e mina décadas de construção de uma reputação de defensor da ordem internacional. O impacto mais imediato e tangível desse desgaste recai sobre o já frágil Acordo Mercosul-União Europeia. Países europeus, especialmente França e Áustria, veem com extrema preocupação o aumento das relações comerciais e o alinhamento político do Brasil com a Rússia. A ratificação do acordo, já complexa, torna-se politicamente inviável para os europeus enquanto o Brasil for visto como um financiador indireto da guerra através de suas compras de energia.

Em suma, a explosão das importações brasileiras de diesel russo sob o governo Lula é muito mais do que uma simples transação comercial. É um ato geopolítico de profundo significado. Ao injetar bilhões na economia de um país que viola flagrantemente o direito internacional, ao alinhar-se com a agenda desestabilizadora do BRICS liderada por Putin e Xi Jinping, e ao minar sua própria credibilidade junto a democracias aliadas, o Brasil não apenas financia indiretamente a invasão da Ucrânia, mas compromete suas relações estratégicas mais importantes, abrindo o flanco inclusive para sofrer sanções. O combustível russo pode baratear temporariamente o preço na bomba, mas o custo para a posição internacional e o futuro econômico do Brasil, especialmente no tocante ao Mercosul e ao acordo com a UE, pode se revelar exorbitante e de longo prazo, marcando uma opção clara por um eixo que o distancia do Ocidente.