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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Foto: Getty Images

Nova Ordem Global

Para além das leituras tradicionais, os desdobramentos da visita de Volodymyr Zelensky a Washington sugerem algo mais profundo. Podemos estar diante de uma mudança de fundo na dinâmica da política internacional que tem potencial para mover os pilares da estabilidade global construída no pós-guerra. Este novo equilíbrio representa o retorno ao mundo de competição e equilíbrio entre grandes potências que prevaleceu antes da Segunda Guerra Mundial. É menos um mundo novo e corajoso do que um retorno a uma velha e perigosa dinâmica de poder.

A realidade imposta à Ucrânia representa a quebra de um paradigma importante que pode selar o futuro de diversas nações que depositaram no exterior a responsabilidade por sua defesa. Desde os acordos de Budapeste, que garantiram as fronteiras ucranianas em troca de sua desnuclearização, passando pela garantia da defesa da Europa na forma de um consórcio internacional, a OTAN, e desaguando na dinâmica de segurança de nações como o Japão, Taiwan e Coreia do Sul, jamais a estabilidade global atravessou período de tamanha turbulência e incerteza.

Nesta nova realidade estamos diante da possível consolidação de três pilares, liderados por Estados Unidos nas Américas, Rússia como pivot euroasiático e a China com influência decisiva no Pacífico, caracterizado por um novo balanço de poder. Os custos deste novo concerto seriam altíssimos nas mais diversas frentes, reordenando o equilíbrio global, entretanto, na visão de seus atuais líderes, alinharia seus interesses econômicos, geográficos e políticos. O mundo que lide com isso.

Este novo desenho de poder parece tomar forma na medida que diversos governos estão sendo impulsionados por uma onda populista, possivelmente idealizada, nascida, financiada e construída de forma artificial nas salas de um edifício neobarroco com fachada de tijolos amarelos nos arredores de Moscou, chamado de Lubyanka. Uma estratégia que encontrou simpatizantes dentro de partidos europeus e em líderes políticos nas Américas. Um modelo exportado pela Rússia, mas que sempre foi presente nas autocracias euroasiáticas e no autoritarismo chinês.

A alternativa ao novo desenho de mundo que pode emergir deste reordenamento de forças reside atualmente, única e exclusivamente, na capacidade de resiliência europeia, especialmente no que tange a defesa da Ucrânia, de maneira firme e decisiva. A Europa está diante de seu mais importante desafio desde a Segunda Guerra, aquele que definirá o seu futuro com desdobramentos profundos na geopolítica internacional, inclusive mediante reflexos na soberania dos países asiáticos, na existência de Taiwan como uma nação soberana diante das garras de Pequim, mas também na independência do Japão e na autonomia da Coréia do Sul. Os pilares da estabilidade internacional moveram-se profundamente e a ascensão de um inédito concerto entre as grandes nações tornou-se uma possibilidade real. Se tal movimento se concretizar, a discussão no Salão Oval passará de um simples incômodo diplomático a um marco histórico que pode ter sinalizado o surgimento de uma nova ordem global.

Foto: Sergei Bobylev/Sputnik.

Xeque Mate

Estamos diante de uma partida de xadrez no tabuleiro internacional e Moscou vem trabalhando com foco no longo prazo, com a preparação de jogadas e armadilhas com vistas a atingir seus propósitos. Tudo indica que vem logrando êxito, especialmente diante dos últimos acontecimentos.

Desde que assumiu o poder, Putin tem um grande objetivo, que é a reconstrução do império russo por meio das fronteiras perdidas diante da desintegração da União Soviética em 1991. Em discurso em 2005, pontuou que o colapso da URSS foi “a maior catástrofe geopolítica do século” e que “para o nosso povo, isso se tornou um drama de verdade. Dezenas de milhões de nossos cidadãos se viram fora de nossa Federação”. Reconstruir este espaço se tornou sua obsessão.

Duas décadas depois, a Europa se tornou dependente do gás russo e o país abriu a porta dos conselhos de suas empresas para políticos europeus. Passou a investir em uma máquina de propaganda e desinformação por meio de canais oficiais e não oficiais no exterior, envenenou opositores e encarcerou dissidentes do regime, além de manipular eleições no exterior, seja pelo apoio financeiro ou por meio de estratégias de seus canais de comunicação e informação. 

Isso significa que o Kremlin vem desenhando este caminho há tempos. Uma estratégia como esta é algo preparado de forma meticulosa no longo prazo e agora vem colhendo resultados reais. O enfraquecimento da Otan, a ascensão de governos populistas ao redor do mundo, assim como a consolidação de um eixo autocrático está dentro dos planos traçados por Moscou. Nada, até o presente momento, fugiu do script.

A ação militar sobre a Ucrânia, com a sua invasão, é apenas mais um capítulo desta história. Agora, que tudo se encaminha para um acordo onde o leste do país ficará sob a tutela de Moscou (que já havia tomado a Criméia), será uma questão de tempo para que o Kremlin avance por todo o país. Um aperitivo do que pode vir depois, colocando em risco o Báltico e o Cáucaso antes de ampliar ainda mais seu espectro.

Em 1904, o geógrafo inglês Halford Mackinder desenvolveu a teoria do Heartland. Ele situou esta região na zona territorial que abrange os continentes europeu e asiático, que recebe a denominação de Eurásia. Pela profundidade do território e suas riquezas, aquela nação que controlasse esta faixa de terra e suas saídas marítimas estratégicas, dominaria o mundo. Poucos entendiam de geopolítica como Mackinder, entretanto, ao ler seus ensinamentos, é possível antever cada um dos passos dados por Vladimir Putin. Em face de seu objetivo, claro e bem traçado, vemos que os movimentos do Kremlin estão espalhados em várias frentes, são coordenados e pensados no longo prazo, inclusive incluindo suas alianças e criação de novos fóruns internacionais. Uma arquitetura de poder que vem corroendo as estruturas democráticas do mundo ocidental nos seus valores, lideranças, eleições e decisões, por meio da desinformação, financiamento e infiltração. Se o Ocidente não reagir, o xeque-mate será inevitável.   

Foto: André Borges / EFE.

Derrota Anunciada

Lula chegou pela terceira vez à Presidência da República embalado na rejeição colhida por Bolsonaro em várias frentes, porém, sobretudo durante a pandemia. Costumo dizer que Lula não venceu as eleições de 2022, mas Bolsonaro que perdeu, uma frase que explica muito da dinâmica daquela campanha. Quando miramos no cenário que se desenha para 2026, vemos Lula repetir os erros de Bolsonaro, colocando-se em especial posição para ser o derrotado pelas urnas, encerrando sua carreira política.

O Presidente chegou ao Planalto a bordo do que se convencionou chamar de “frente ampla”, ou seja, uma união de partidos, líderes e políticos de centro que no passado foram seus adversários, mas que diante do cenário, preferiram apoiar seu nome. Ao vencer, tinha tudo para construir um governo de coalizão e terminar sua vida política como uma liderança política reconhecida, mesmo que sob a sombra de seus erros e das comprovações de corrupção que envolvem seus governos, aliados e a si mesmo.

O caminho escolhido, entretanto, foi outro. Lula colocou em prática aquela forma já ultrapassada de fazer política, acrescentando pitadas de seus antigos vícios, abrindo um espaço demasiado grande para partidos pequenos e um feudo enorme para os petistas. O resultado, é claro, foi um governo disfuncional, sem base no Congresso Nacional, com políticas que se afastaram do centro, mostrando um governo torto, totalmente desconectado dos votos essenciais que lhe entregaram a vitória de 2022.

Esta dinâmica está exposta nas pesquisas de opinião. Atualmente Lula vive seu pior momento desde que assumiu a Presidência da República em 2003. Sua popularidade despencou para 24%, uma queda de 11 pontos em 2 meses, algo inédito. A reprovação de sua gestão também subiu, de 34% para 41%. Sua popularidade caiu 15 pontos entre os mais pobres e foi acentuada também no Nordeste. Tudo isso se torna ainda mais impactante quando 62% da população não deseja ver Lula como candidato à reeleição.

Em seu terceiro governo há um Lula ultrapassado, seja diante da tentativa de reeditar políticas antigas ou envelopar iniciativas superadas de outrora. Diante de novos desafios são necessárias novas estratégias e o governo parece parado no tempo, incapaz de enxergar uma política fiscal consistente, reduzir gastos públicos, controlar as críticas de um petismo atrasado que ainda vive preso nos anos 1980 e levar racionalidade para a máquina pública.

Além disso, Lula não tem o mesmo carisma do passado diante das massas, produz gafes em série e gera pouco efeito positivo. Isto ficou exposto na carta enviada pelo seu amigo, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro: “O Lula do 3° mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política”. O diagnóstico é preciso e irretocável.

Lula caminha para uma derrota anunciada, aquele que será vencido em 2026, independente de quem triunfe.

Foto: Sérgio Lima/Poder360 .

Crise de Identidade

Em 1988 o legislador elaborou uma carta constitucional de claro teor parlamentarista. A aposta era esperada, afinal, em 1993 o Brasil encararia um plebiscito que poderia mudar o sistema de governo. Faltou combinar com os russos, como diria Garrincha, e o eleitor optou pelo presidencialismo. O resultado foi o modelo popularmente conhecido como “presidencialismo de coalizão”, onde o Planalto fatiava o governo entre os aliados diante da necessidade de formar maioria em um sistema fragmentado.

Cerca de 30 anos antes, outra tentativa de mudança no tapetão havia sido desenhada, com a adoção do sistema parlamentar em meio ao mandato de João Goulart. O objetivo era evitar um golpe e a manutenção do mandato do Presidente, porém confiscando seus poderes, entregando-os para uma espécie de Primeiro-Ministro. Inicialmente escolhido para chefiar o governo, o mineiro Tancredo Neves acabou renunciando, o que abriu uma crise sucessória envolvendo os nomes de San Tiago Dantas, Auro de Moura Andrade e Brochado da Rocha. Instaurado em 1961, o incipiente parlamentarismo foi derrotado no referendo de 1963, devolvendo o país ao presidencialismo tradicional.

Agora uma nova tentativa volta à baila, entretanto, muito mais para normalizar uma situação de fato, do que uma iniciativa para mudar as regras do sistema. De fato, o país já vive em um modelo parlamentar. Torto, é verdade, mas parlamentar. Um movimento que começou nos anos Dilma, mas que se intensificou enquanto Bolsonaro ocupava o Planalto. Hoje, com o controle do orçamento em suas mãos, o parlamento tomou para si, indiretamente, a função de governar, ou seja, assumindo o bônus de direcionar recursos, porém, sem qualquer tipo de ônus ou desgaste.

Com o objetivo de normalizar institucionalmente esta situação, surgiu a discussão do semipresidencialismo na Câmara dos Deputados. O modelo é inspirado no sistema francês onde o Presidente, chefe de estado, é eleito pela população e o primeiro-ministro, chefe de governo, indicado pelo Presidente, depende da confiança do parlamento. Este deve liderar seu gabinete, formado pelo conselho de ministros. Neste caso, o controle do governo se divide, assim como o poder, responsabilizando o Congresso Nacional e o Presidente, que podem inclusive derrubar o Primeiro-Ministro.

Fato é que diante do atual modelo, com a autonomia do parlamento por meio das emendas, houve o sepultamento do Presidencialismo de Coalizão, uma vez que este mecanismo depende do poder do governo em manter uma maioria por intermédio da alocação de recursos. Hoje estamos diante de um novo sistema. Se 20 anos atrás, mais de 70% dos recursos repousavam sob o domínio do governo, hoje apenas 7% estão sob seu controle. O parlamento tornou-se senhor do orçamento. Formar um base de apoio do governo no Congresso Nacional da forma tradicional tornou-se impossível.

Mais do que mudar o sistema de governo, a proposta vem reconhecer e disciplinar uma mudança que de fato já ocorreu no interior do modelo político, responsabilizando seus agentes eleitos de acordo com as funções que exercem, sejam deputados, senadores e o próprio Presidente da República, atualmente um legítimo pato manco diante das atuais regras. Resolver esta crise de identidade se tornou ponto central de nosso país, que vive um sistema disfuncional, errático e desorientado, incapaz de gerar as políticas públicas e regras de controle necessárias para a condução de um governo.

Foto: REUTERS/Brendan McDermid.

Trumpismo de Resultados

O estilo de Donald Trump na condução da presidência tem uma estreita relação com a forma com a qual ele sempre conduziu os seus negócios e muito pouco daquilo que é conhecido como a maneira tradicional de fazer política. Esta postura, ao mesmo tempo que causa ondas de inquietação, vem colhendo resultados, uma vez que inaugura uma nova forma de fazer política, retirada dos seus próprios manuais de negociação.

O modelo básico usado por Trump é simples, porém, jamais utilizado no tabuleiro de xadrez internacional, especialmente por alguém com habilidade de negociador no setor privado. Conseguiu aumentar as bases americanas na Groenlândia, rota utilizada pelos navios chineses, após sugerir a compra do território que pertence à Dinamarca. Em sequência, Steve Witkoff, seu enviado especial para o Oriente Médio, selou o acordo entre Hamas e Israel, produzindo o cessar-fogo e o retorno dos reféns para casa.

O foco do Presidente americano, entretanto, foi além. Anunciou que retomaria o Canal do Panamá, caso os vizinhos permanecessem em flerte contínuo com os chineses em detrimento dos interesses dos Estados Unidos. O local foi o primeiro destino de viagem do novo Secretário de Estado, Marco Rubio. O resultado foi contundente. O país decidiu não renovar o acordo da Nova Rota da Seda com Pequim tornando-se o primeiro país latino-americano a deixar a iniciativa. Um duro golpe para a China, que enxerga o país da América Central como essencial para seus esforços de influência no mundo.

Emmanuel Macron, Presidente da França, anunciou que irá dobrar seu orçamento de defesa, atingindo 110 bilhões de Euros. Trump havia anunciado que os EUA continuarão a investir na defesa da Europa, mas solicitou que os países da Otan que elevassem os gastos militares para 5% do PIB. Como vemos, sua fala já começou a produzir resultados.

Ao enviar o diplomata Richard Grenell para a Venezuela, conseguiu a libertação de seis americanos que estavam presos em Caracas. Maduro ainda concordou em receber de volta ao seu país (e fornecerá transporte para a deportação) todos os venezuelanos ilegais presos nos EUA, incluindo integrantes de gangues do “Tren de Aragua”. Em El Salvador, Marco Rubio selou um acordo com o Presidente Nayib Bukele, que passará a aceitar deportados de qualquer nacionalidade, incluindo criminosos condenados por delitos graves, em um acordo sem precedentes entre ambos os países.

Na esfera da América do Norte, Trump impôs tarifas comerciais contra Canadá e México. Isto levou o México para mesa de negociação. Claudia Sheinbaum optou por um acordo em várias frentes, incluindo envio imediato de 10.000 soldados da Guarda Nacional para fronteira, com vistas a evitar a imigração ilegal e o tráfico de drogas para os Estados Unidos, especialmente fentanil. Em contrapartida, Trump aceitou suspender as tarifas por um mês, quando as negociações devem evoluir. O Canadá seguiu o mesmo caminho.

O novo presidente americano possui objetivos claros e agenda extensa para cumprir. Está claro que deseja imprimir um papel de protagonista central ao seu país no cenário externo fazendo valer os seus interesses ao redor do globo, exercendo, sem rodeios, suas credenciais de superpotência. Para alcançar este objetivo seguirá desafiando a política tradicional e impondo seus métodos de negociador do setor privado. Estamos diante do trumpismo de resultados, que significa uma mudança profunda no modo dos Estados Unidos se relacionarem com o mundo.

Oportunismo Político

A ascensão de Donald Trump e a adoção de suas políticas, especialmente no âmbito migratório, tem funcionado como combustível para governos impopulares tentarem um regaste de prestígio diante de sua população. Vimos isso acontecer com a deportação de imigrantes ilegais colombianos e brasileiros dos EUA, algo que movimentou o cenário externo nos últimos dias.

Petro, presidente da Colômbia, mergulhado em uma desaprovação que ultrapassa 60%, busca incansavelmente caminhos que recuperem sua popularidade. Achou uma brecha com a repatriação de imigrantes ilegais colombianos dos Estados Unidos. Havia aceitado receber os deportados. Fez um post celebrando a chegada de seus compatriotas com “bandeiras e flores” e depois deletou. Mudou de ideia para criar um fato político. Trump considerou sua mudança de atitude como ato de hostilidade e desonestidade. Retaliou. Petro recuou e acatou integralmente os termos dos EUA.

O Brasil seguiu pelo mesmo caminho. A polêmica por aqui se estabeleceu sobre o transporte dos imigrantes ilegais devolvidos em voo fretado pelos EUA. Há reclamação de que o grupo voltou algemado. O procedimento utilizado tem sido padrão desde 1980, usado também para transporte de presos nacionais dentro do seu próprio território. O padrão é adotado por dois motivos. Protege aquele que está sob custódia do Estado, que pode nesse tipo de situação se machucar ou até cometer algum ato extremo contra si próprio. O outro é a proteção dos agentes de segurança. Além disso, os voos são parte de um acordo firmado em 2018, durante o governo Temer.

Percebemos, na verdade, que o imbróglio possui fundo político, uma vez que estamos diante do mesmo rito e mecanismos usados há pelo menos 45 anos. Foram 22 ministros de Lula que mostraram indignação sobre brasileiros deportados no primeiro voo durante o governo Trump. Durante o terceiro mandato de Lula já foram 32 voos trazendo deportados da mesma forma. O governo jamais havia tecido qualquer crítica.

Todos sabem que o Brasil possui um governo antiamericano, algo inegável. Por questões políticas e ideológicas, Lula nunca escondeu sua visão sobre os Estados Unidos. Seu círculo mais íntimo de assessores, especialmente na área internacional, ainda carrega uma visão ultrapassada e obsoleta de mundo, responsáveis por equívocos como este.

Assim como Petro, o governo brasileiro tem usado o oportunismo político como arma para alavancar sua popularidade. Atualmente, Lula possui taxa de reprovação que supera a aprovação. Assim como Petro, enxerga sua popularidade derreter, colocando em xeque as chances de reeleição. Ambos procuram usar este fato como combustível político para resgatar o apoio popular perdido em meio aos erros de seus governos.

O número de ilegais deportados vem caindo sistematicamente desde o governo Clinton – aquele que mais deportou (com folga) nas últimas décadas e o número de deportados que havia caído com Obama e Trump, voltou a subir com Biden. Estes são fatos. Os EUA seguirão sendo um país de imigrantes, mas sobretudo de leis. Aqueles que migram de acordo com as regras, serão muito bem recebidos, porém, aqueles que infringirem as normas, estarão em risco de serem devolvidos aos seus países. Enquanto isso, não faltarão líderes populistas para lucrar nas costas dos deportados, algo que no dicionário de Brasília se chama de oportunismo político.

As Garras da América

A águia foi escolhida como o símbolo oficial dos Estados Unidos por representar valores como liberdade, coragem, resiliência e determinação. Incluída no selo do país em 1776, tornou-se icônica, simbolizando orgulho e força. Suas garras representam sua arma mais poderosa, usadas tanto como instrumento de ataque, como de defesa.

“A Era de ouro da América começa agora”, pontuou Donald Trump, na abertura de seu discurso durante o triunfal retorno a Washington depois de quatro anos. Estamos diante de um Presidente que buscará exercer seu poder sem rodeios ou necessidade de aprovação. Esta sempre foi sua postura como empresário e como mandatário em seu primeiro mandato. Neste que, constitucionalmente deve ser o último, não hesitará em impor sua doutrina e atitude, que consiste na reforma dos mecanismos internos do país e na mudança de postura na frente internacional.

Veremos os Estados Unidos usarem efetivamente seu peso e poder ao redor do mundo. Ao contrário do Presidente Theodore Roosevelt, que assumiu publicamente a postura estratégica de “falar com suavidade e ter à mão um grande porrete”, a política do big stick, Donald Trump deve falar com assertividade e deixar claro que carrega centenas de porretes à sua disposição, algo que faz enorme sentido diante dos contornos políticos internacionais conhecidos de nosso tempo.

As primeiras incursões de sua política, sinalizadas antes da posse, já produziram uma série de resultados efetivos. Diante do fato de que a China tem usado a costa da Groenlândia para facilitar seu transporte de cargas, Trump lançou a ideia de compra do território. Resultado efetivo: o governo de Copenhague propôs o aumento de bases americanas na Groenlândia como forma de cessar as iniciativas de compra do território. Ponto para ele.

A negociação do cessar-fogo e retorno dos reféns para Israel foi negociado por Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio. Trump mete medo no Hamas e Netanyahu sabe que precisa do seu apoio. O resultado foi o acordo. Mais um ponto para o novo Presidente americano. Na Europa, em discurso a militares, Macron pediu ao continente para “acordar” e gastar mais com defesa. A fala veio depois de Trump pedir a países da Otan que elevassem os gastos militares para 5% do PIB. Os americanos hoje pagam grande parte deste custo. A Europa deve ceder. Mais um ponto para Trump.

Fato é que a simples sinalização da mudança de postura dos americanos já começou a movimentar as peças do tabuleiro no cenário internacional. A reação dos Estados Unidos chega em um momento crucial, especialmente diante da postura imperial de uma Rússia disposta a invadir seus vizinhos e uma China que se sentia livre para exercer seu poder e influência em diferentes pontos do planeta, seja pela compra de apoio e subserviência por meio da Nova Rota da Seda, seja pela imposição militar.

A reintrodução de uma América forte neste jogo, pautado atualmente pelos fenômenos do imperialismo e da desglobalização, é essencial para reequilibrar as forças no xadrez internacional. As garras de Washington nunca foram tão necessárias em um cenário que envolve atores dispostos a patrocinar a instabilidade internacional. A conferir.   

Foto: Divulgação/Flickr White House

O Negociador

Apesar de Donald Trump ainda não ter assumido formalmente a presidência dos EUA, seu governo claramente já começou. Desde a indicação dos novos secretários, passando pelos encontros com líderes de outras nações e finalmente enviando recados pelas redes sociais, vemos que seu protagonismo político já está presente no cotidiano dos americanos e se faltam as formalidades da posse, de maneira informal, já assumiu o comando do país.

O Presidente que chegará à Casa Branca é muito diferente daquele de 2017. Ele agora possui controle pleno do Partido Republicano, maioria na Câmara, Senado e também na Suprema Corte. Ajudou os candidatos de seu partido a saírem vencedores nas disputas pelos governos da maioria dos estados em 2024 e lidera um movimento que transcende as fronteiras da política, fornecendo voz e vez a uma legião de americanos que se sentiam esquecidos. Trump tornou-se símbolo de um contramovimento que encontra ressonância em diversas partes do mundo.

Uma das razões que levaram o empresário a vencer as duas disputas presidenciais, tanto de 2016, quanto em 2024, foi o fato de que ele jamais participou ativamente da política partidária. Jamais ocupou qualquer cargo público ou envolveu-se em disputas eleitorais. Disputou apenas a Presidência. Sua trajetória é marcada pela vida empresarial e postura midiática, algo que sempre foi um traço de seu comportamento no mundo dos negócios. Este é Donald Trump. Um operador agressivo que gosta de assumir riscos, empresário midiático que usa sua exposição e figura pública como elemento central na arte da negociação.

Esta é uma leitura que falta aos analistas e jornalistas políticos de um modo geral, algo que acaba por limitar o entendimento de seus gestos ou o encaminhamento de suas estratégias. Trump jamais será moldado pelo Salão Oval, bastidores do Capitólio ou salões diplomáticos, pelo contrário, moldará a Casa Branca a sua imagem e semelhança, impondo seu tom e dinâmica ao cargo. Isto significa que temos no comando dos EUA um negociador agressivo do mercado imobiliário de Nova York, nascido no bairro do Queens, filho de um empresário do ramo da construção civil, originário do Bronx, longe dos quatrocentões que formaram tradicionalmente a elite da cidade e a política do país.

Exatamente por estas características, Trump soube dar voz a uma legião de americanos, criando algo muito além de uma vitória eleitoral, mas o molde de um movimento que pode mudar profundamente os alicerces da política americana, segundo ele, longe dos vícios do sistema. O trumpismo já delineou os contornos do novo Partido Republicano e busca levar sua mensagem muito além destas fronteiras.

Ao falar em retomar o Canal do Panamá, renomear o Golfo do México, tornar o Canadá o 51º estado americano ou comprar a Groenlândia, Trump está levando seu estilo de negociador empresarial agressivo do mercado imobiliário para a arena internacional, algo pedido pelo eleitor nas últimas eleições. Como resultado de sua pressão inicial pré-posse, o governo dinamarquês já propôs o aumento da presença militar dos EUA na Groenlândia a fim de cessar as falas do republicano sobre tomar a região. Como vemos, melhor do que ser um bom jogador, talvez seja possuir a habilidade de mudar as regras do jogo, um traço característico no novo Presidente dos EUA.

Desafios da Geopolítica

Estamos diante de um inédito movimento de abalo das placas tectônicas da estabilidade internacional construídas no pós-guerra. Os níveis de democracia nunca foram tão baixos e governos antidemocráticos nunca foram tão robustos. O risco de mudança real no equilíbrio de forças mundial nunca foi tão presente, em grande parte pelo perfil das lideranças que comandam importantes nações, e a reorganização gerada pelos recentes conflitos. Todo este contexto se tornou peça central para entender o mundo e seu desenho geopolítico em tempos recentes.

No Oriente Médio, uma reação em cadeia desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 impulsionou um ano de mudanças impressionantes. Israel enterrou o Hamas sob escombros, degradou a rede regional de representantes não estatais dos aiatolás, demoliu as próprias defesas de Teerã, e, inadvertidamente, preparou o cenário para que rebeldes islâmicos derrubassem a ditadura de meio século da família Assad na Síria.

Na Ásia, onde a China compete com os Estados Unidos e seus aliados pela primazia, os pontos críticos no Mar da China Meridional, as águas e os céus ao redor de Taiwan e a Península Coreana parecem cada vez mais desafiadores. O ataque da Rússia à Ucrânia é, a julgar pelas ameaças do presidente Vladimir Putin, parte de uma luta para revisar os arranjos pós-Guerra Fria, e ameaça levar a um confronto mais amplo na Europa.

Em outros lugares, uma onda de conflitos — incluindo a guerra civil de Mianmar, uma rebelião apoiada por Ruanda no leste da República Democrática do Congo, uma tomada de poder por gangues que deixou milhões de haitianos em condições de guerra, além da devastação no Sudão — está aumentando a contagem global de pessoas mortas, deslocadas e famintas devido aos combates, que é maior do que em qualquer outro momento em décadas.

Estamos também diante de blocos antidemocráticos mais unidos. Falar de um eixo formal entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã pode soar exagerado. Porém, é preciso pontuar que estamos falando de governos que cada vez atuam em cooperação estreita. Armas iranianas e norte-coreanas, componentes de uso duplo da China, e agora tropas norte-coreanas ajudam a sustentar a ofensiva do Kremlin na Ucrânia. O pacto de defesa que Putin assinou com o líder norte-coreano Kim Jong Un em novembro, vincula Pyongyang, e potencialmente a segurança peninsular, à guerra na Europa.

Aconteça o que acontecer, a queda para a ilegalidade parece destinada a continuar. Os beligerantes darão ainda menos atenção ao sofrimento civil. Outros líderes podem testar se podem tomar pedaços do território de um vizinho. A maioria das guerras de hoje parece destinada a continuar, talvez em alguns casos pontuadas por cessar-fogo que duram até que os ventos geopolíticos mudem ou surjam outras oportunidades para acabar com os rivais.

À medida que o ritmo da mudança acelera, o mundo parece se movimentar para uma nova mudança de paradigma. A questão é se isso acontecerá na mesa de negociações ou no campo de batalha.

Mecanismos de Verificação

Todos sabem o que deve ser feito. A pergunta é se o governo está disposto a sacrificar sua popularidade com as medidas que necessariamente devem ser tomadas. É preciso cortar gastos, equilibrar as contas públicas e enviar sinais claros de que em Brasília existe compromisso fiscal. Entretanto, é preciso ir além e trabalhar em uma série de reformas capazes de devolver confiabilidade ao Brasil.

Esta é a lição de casa que os brasileiros esperam do governo em 2025. Para isso é necessário mirar no médio prazo, acreditando que uma economia equilibrada é capaz de produzir mecanismos de bem-estar por meio da geração de empregos e renda. Algo necessário para ajustar os rumos do Brasil.

Para além disso, é preciso trabalhar em um arcabouço de reformas que tornem o país atrativo para o investimento estrangeiro limpo, seguro e de qualidade. A adoção de alguns mecanismos já provados como efetivos por outras nações podem ajudar, como aqueles já implementados por países que integram a OCDE. O primeiro, que deveria ser prioridade para o governo brasileiro, é uma legislação que crie um ambiente propício para a entrada de investimentos sadios, reposicionando o Brasil na esfera internacional.

A legislação ideal para esta recolocação internacional do país é a adoção de mecanismos de verificação ou instrumentos de avaliação de investimento estrangeiro. O estudo mais recente realizado pela OCDE registra que nos últimos três anos houve aumento de 50% na implementação deste tipo de arcabouço legal ao redor do mundo. O impacto global desta medida é arrebatador: países com algum tipo de instrumento de avaliação de investimento estrangeiro controlam atualmente mais da metade do fluxo global de investimento direto e 3/4 do seu estoque total. Desde 2005, 101 países passaram a adotar este tipo de legislação. Infelizmente o Brasil ainda não faz parte deste grupo.

Outro mecanismo essencial, este já em tramitação no parlamento, é a aprovação de lei que disciplina as regras de atuação da sociedade em seu direito de ser ouvida pelos poderes públicos, uma ferramenta legítima e necessária em qualquer democracia. Este instrumento, popularmente conhecido na esfera internacional como lobby, no Brasil se chama de relações institucionais e governamentais, profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho na Classificação Brasileira de Ocupações com 91 competências em oito diferentes áreas.

A OCDE sugere que transparência, integridade e eficácia são fatores que estimulam a adoção de leis do lobby, algo fundamental para atração de investimentos estrangeiros sadios. Empresas com eficazes sistemas de governança e compliance sentem-se muito mais protegidas em atuar em nações com arcabouços legais que disciplinam o lobby e que possuam sistemas de verificação de investimento estrangeiro, pois assim possuem a certeza de estarem atuando em locais com elevado grau de segurança jurídica. A aprovação de legislações neste sentido seriam um salto enorme para o país.

O caminho é nos transformarmos em um país confiável, com um sistema jurídico moderno, adequado aos melhores parâmetros internacionais, ao mesmo tempo que as contas públicas oferecem uma estabilidade sadia, produzindo confiança. Esta é a lição de casa para 2025.