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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Grand Chelem

No automobilismo, alcançar um hat trick é uma tarefa árdua, tanto quanto rara: significa conquistar a pole position, fazer a volta mais rápida e vencer a prova. Porém, ao transferir este roteiro para a política, a vitória de Donald Trump na corrida presidencial se encaixa perfeitamente em algo que transcende este feito, definido como Grand Chelem, ou seja, a corrida perfeita: quando um piloto faz a pole-position, marca a melhor volta e vence a prova liderando de ponta a ponta. Foi exatamente aquilo alcançado por Trump neste ciclo eleitoral. Explico.

O candidato republicano foi muito além daquilo que era projetado pelas pesquisas. Sedimentou seu controle sobre o partido, moldando-o a sua imagem e semelhança, indo muito além 2016, quando sua vitória ainda era dividida com o establishment político. Ao obter uma vitória maiúscula de forma incontestável, alcança o controle absoluto do partido, tornando-o uma agremiação de viés trumpista, direcionado por suas políticas e ideias, algo que move o posicionamento dos pilares da política norte-americana.

O triunfo na candidatura presidencial, por si mesma, seria um grande feito, entretanto, a forma como ocorreu, com a manutenção do controle da Câmara de Representantes e uma virada no Senado, agora com superioridade incontestável, mostra que o recado das urnas foi contundente. Trump irá governar com maioria nas duas casas legislativas, além de uma sólida base conservadora na Suprema Corte, onde já indicou três nomes: Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett.

Como se não fosse o bastante, Trump ajudou a eleger oito governadores. Os Estados Unidos foram às urnas para eleger não só o novo presidente do país, mas também 11 novos governadores. Oito republicanos conseguiram o cargo, enquanto apenas três democratas foram eleitos. Atualmente, 27 Estados são governados pelo Partido Republicano e 23 pelo Partido Democrata.

Trump conseguiu desmontar o chamado Blue Wall, formado pelos estados de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, erguido pelos democratas desde o período de Bill Clinton. Apesar deste sólido bloco de estados democratas ter exibido rachaduras em 2016, foi reerguido por Biden em 2020. Em 2024 se desfez por completo. Trump venceu nos três estados, dois deles governados por democratas que sonharam estar no lugar de Kamala Harris nesta disputa: Gretchen Whitmer e Josh Shapiro.

Para além destes, Trump venceu na Carolina do Norte, Georgia, Arizona e Nevada, estados onde havia maior disputa, ou seja, o republicano venceu em todos os estados-pêndulo. O resultado não poderia ser diferente: 312 votos no colégio eleitoral contra 226 de Kamala Harris. Ganhou também no voto popular com 75 milhões de votos, 50,2%, uma diferença de 3 milhões para a democrata. É o melhor resultado para um republicano na disputa pela Casa Branca desde 1988.

Donald Trump assumirá o poder novamente com 78 anos e 7 meses, 2 meses mais velho que Biden em 2021. Sairá com 82 anos. Não poderá ser reeleito em 2028. A Constituição norte-americana proíbe mais de 2 mandatos, seguidos ou não. A luta pelo seu espólio político será um ponto central dos próximos anos, afinal todos sonham com um Grand Chelem como este alcançado por Trump para consolidar seu poder. O tamanho desta vitória é certamente a herança mais cobiçada deste mandato.

Democracia sob Ataque

Como ponto mais alto da agenda política em 2024, a disputa pela Casa Branca deixou recados relevantes, sendo o mais importante delineado pela enorme polarização que tomou conta do país. A realidade vivida nos Estados Unidos não é diferente a qualquer outra nação democrática em tempos recentes e já passou do momento de avaliarmos quais mecanismos vem contribuindo para este movimento de corrosão da democracia.

O 5º relatório do centro de análise de ameaças da Microsoft (MTAC) do ciclo de eleições presidenciais de 2024 revelou que Rússia, Irã e China intensificaram esforços para interferir nas eleições americanas por meio de operações de influência online. O relatório fornece detalhes sobre o uso de vídeos aprimorados por inteligência artificial, desinformação em mídias sociais, ataques cibernéticos para atingir candidatos e mecanismos para interromper o processo eleitoral. Como podemos perceber, este não é um trabalho realizado por grupos isolados, mas por atores que agem em sinergia e sincronia para atingir seu objetivo.

Contas vinculadas à Rússia em plataformas como X, Telegram e YouTube têm espalhado alegações falsas, incluindo vídeos, como aquele gerado por IA acusando Kamala Harris de caçar ilegalmente animais ameaçados de extinção na Zâmbia. Também circularam deepfakes da democrata zombando de uma tentativa de assassinato de Donald Trump e alegações infundadas de abuso sexual contra seu companheiro de chapa, Tim Walz. Como podemos perceber, são conteúdos fortes, com acusações graves que fogem aos parâmetros conhecidos de ataques de uma campanha política.

Grupos iranianos, se passando por americanos, procuraram encorajar eleitores a boicotar a eleição como forma de protesto contra o apoio dos EUA a Israel. Além disso, atores cibernéticos iranianos ligados ao Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica conduziram reconhecimento cibernético em sites eleitorais de estados indecisos no início deste ano e tiveram como alvo os principais veículos de comunicação dos EUA. Um processo meticuloso e calculado com o objetivo de desacreditar o sistema eleitoral.

Grupos de trolls ligados à China concentraram seus esforços de desinformação em candidatos republicanos que criticaram o Partido Comunista Chinês. Os senadores republicanos Marco Rubio e Marsha Blackburn, juntamente com os deputados, também republicanos, Barry Moore e Michael McCaul, foram alvos de falsas acusações de corrupção. McCaul enfrentou falsas acusações de uso de informação privilegiada e abuso de poder, especialmente após sua viagem a Taiwan, levando-o à lista negra do governo chinês. Marsha Blackburn, que lançou um anúncio de campanha mostrando-a “quebrando a China” para salvar os EUA, foi falsamente associada a doações eleitorais de fabricantes de opioides – uma operação realizada por robôs diretamente da China.

Este é um processo que certamente não está restrito aos Estados Unidos. O ataque de regimes autocráticos e autoritários ao redor do mundo com objetivo de enfraquecer e controlar democracias é denso, profundo e perigoso. Estamos diante de um mecanismo que opera nas sombras para manipular a opinião pública, destruir reputações e desacreditar sistemas eleitorais de forma direta e indireta. Certamente a beligerância e polarização encontradas em democracias como Brasil e agora os EUA não são mera coincidência. Enquanto a democracia estiver sob ataque, a nossa liberdade corre sérios riscos.

Guinada Conservadora

É um lugar comum acreditar que eleições municipais são um termômetro para a disputa presidencial. Costumo me descolar desta posição, uma vez que os grandes vencedores de pleitos municipais (assim como seus padrinhos) raramente conseguem relevância no pleito nacional subsequente. Vimos isso em 2012, 2016, 2020 e tudo leva a crer que o cenário deve se repetir em 2024.

Considerando os resultados que emergiram das urnas municipais, entretanto, surge um indício claro de como será o próximo Congresso Nacional a partir de 2027. Isso se explica porque prefeitos e deputados federais vivem uma relação de simbiose completa diante dos mecanismos de funcionamento do sistema político. Deputados precisam dos votos dos prefeitos na mesma medida que estes precisam de suas emendas e nesta dinâmica, a mágica acontece.

Isto se torna ainda mais real diante do protagonismo assumido pelo Congresso Nacional em tempos recentes, tomando o controle do orçamento, seja com emendas de relator, impositivas, secretas ou de qualquer ordem. Ao mudar as regras de efetivação das emendas, o parlamento passou a depender infinitamente menos do governo do que no passado. Se tempos atrás, os parlamentares viviam do acesso e bom relacionamento com os ministérios, hoje a lógica se inverteu. Deputados e Senadores são os senhores de milhões de reais de emendas que dependem exclusivamente de sua decisão.

Nesta nova correlação de forças, as emendas alimentam prefeitos, que em troca canalizam votos para os deputados. Um mecanismo que passa ao largo do governo federal e tem capacidade de reconduzir indefinidamente muitos parlamentares por diversas legislaturas, reelegendo grupos políticos em seus currais eleitorais no comando das prefeituras, a exemplo de como sempre funcionou a chamada “velha política”. O resultado impactou nas urnas: em 2022 vimos uma das menores taxas de renovação da história do parlamento.

Isto significa que os resultados das eleições municipais ainda não respondem quem possui chances de chegar ao Planalto em 2026, porém, fornecem sinais claros sobre que tipo de parlamento que teremos no próximo ciclo. Estaremos diante de um Congresso Nacional de mesmo corte político dos prefeitos eleitos, ou seja, de centro, com perfil ideológico de inclinação à direita.

Este movimento explica o fato de a esquerda, que controla a máquina federal, vencer em apenas uma capital, Fortaleza, e ainda de forma apertada. Em todas as outras onde foi para o segundo turno, foi derrotada. Foram revezes em Cuiabá, Porto Alegre, Natal, Aracaju e São Paulo e ainda em muitas cidades médias. Há um claro descolamento do discurso da esquerda da realidade vivida pelo eleitor, um modelo que não soube se modernizar e perdeu conexão com a população.

Estamos diante da evolução de um quadro que começou a ser desenhado com as manifestações de 2013, passou pela Lava Jato, impeachment e a eleição de Bolsonaro. As eleições municipais de 2024 foram mais um episódio deste processo que tem potencial para inverter o estado atual da realidade de poder em 2026.

Foto: picture alliance / ASSOCIATED PRESS | Vyacheslav Prokofyev

Convescote Autocrático

Kazan foi o palco escolhido por Vladimir Putin para reafirmar sua presença internacional, mesmo que em meio a um grupo de países autocráticos. Ao hospedar a atual reunião de cúpula dos Brics às margens do rio Volga, Putin consegue driblar o mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional que ordena sua prisão e posa de líder ao lado de outros presidentes também polêmicos, como Xi Jinping da China e Masoud Pezeshkian do Irã.

O Brics substitui aquilo que era chamado no passado de países não alinhados, uma vez que o bloco não é uma instituição, mas apenas um grupo político que atualmente gira em torno da China, defendendo sua agenda e interesses, contrapondo-se ao G7.  Moscou e Pequim, os reais líderes, usam a oportunidade de palco informal para apoio ao chamado “Sul Global”, designação que na cartilha de seus membros substitui a antiga expressão “Terceiro Mundo” ou “países em desenvolvimento”.

O bloco recentemente passou por uma ampliação, recebendo Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã como membros plenos. Este será o 1º encontro com os chefes de governo dos novos participantes, que se integram aos fundadores, Brasil, Rússia, Índia, China e (depois) África do Sul, que se reúnem desde 2009.

Vladimir Putin usa o evento como forma de demonstrar alguma liderança internacional desde que sua imagem foi atingida com a invasão da Ucrânia. Atualmente ele está banido de reuniões nos Estados Unidos e em países europeus e busca mostrar liderança entre o chamado Sul Global, mas também na Ásia Central, onde estão localizadas as antigas repúblicas soviéticas e em regiões da África, onde divide seu imperialismo político com o domínio econômico chinês.  

Com o objetivo de diminuir o impacto das sanções internacionais contra o Kremlin, Putin aposta na redução das transações em dólares. Para isso pretende usar o Brics e seu banco, o NDB, atualmente sob comando formal do Brasil. O objetivo é forçar com que a moeda dos EUA, o dólar, deixe de ser referência no comércio e finanças globais e, assim, perca a relevância como reserva de valor. Tudo, claro, combinado com os chineses.

Liderado pela China, o palco de Putin foi montado também para mostrar a musculatura e potencial de influência das autocracias que comandam o grupo. Como forma de ampliar seu poder, porém sem perder controle decisório, o bloco procura implementar uma nova modalidade de membros associados. Participariam de reuniões, mas sem votar. Assim, a reunião decidiu receber líderes de 24 nações, como Bahrein, Belarus, Bolívia, Nicarágua, Síria, Cuba, Argélia, Venezuela, entre outros, ou seja, nenhuma que navegue de forma calma pelas águas de um regime democrático. Um movimento que deixa claro o caminho trilhado pelo Brics: um clube autocrático em ampliação.

Ao fim da celebração russa, a presidência rotativa do bloco será transferida para o Brasil, que sediará a 17ª reunião de cúpula. Seria uma oportunidade para nosso país falar de temas importantes que passam ao largo da agenda do bloco, ignorados solenemente pelos países que lideram as discussões. Ao optar pelo silêncio, democracias como o Brasil apenas chancelam a cruzada autoritária de seus membros. Na verdade, o Brics se tornou um convescote autocrático financiado por ditaduras que oprimem suas populações. Já passou da hora de repensarmos nossa presença neste clube.

Foto: Natalia KOLESNIKOVA AFP.

Imperialismo Autoritário

O imperialismo é um conjunto de ideias, medidas e mecanismos que, sob determinação de um país, procuram efetivar políticas de expansão, domínio territorial, econômico ou cultural sobre outras regiões geográficas. Apesar do conceito de imperialismo, derivado de uma prática assente na teoria econômica, ter somente surgido no início do século XX, sua prática é recorrente ao longo dos séculos por muitas nações, civilizações e mais recentemente por Estados-nação.

Existem alguns países que possuem o imperialismo como elemento norteador de suas ações, um verdadeiro traço de suas personalidades como nação. Este elemento está claramente presente no pivot da Ásia, a Rússia, que ao longo dos séculos foi palco de políticas expansionistas. É possível identificar este elemento no domínio soviético em países da Ásia Central e do Leste da Europa, tornando-se suas repúblicas. Em tempos mais recentes, este elemento está presente na tentativa de domínio econômico, político e cultural dos mesmos países, agora independentes, atingindo seu ápice com a invasão territorial da Ucrânia ordenada pelo Kremlin.

O imperialismo também sempre foi presente na Ásia, seja na Mongólia, o maior império de terras contíguas da história, mas passando também pelo Império Khmer, atualmente o Camboja, pela ascensão do poderio nipônico na expansão e domínio do Japão pelo continente e mais recentemente em escala local e global pela China, que passou a ser governada pelo Partido Comunista desde a Guerra Civil que terminou em 1949, levando o antigo líder, Chiang Kai-shek, a viver no exílio, em uma ilha conhecida como Taiwan.

Assim como a Rússia, que ainda sente o gosto amargo do fim do império soviético, quando possuía duas dezenas de repúblicas, hoje países independentes, na sua esfera de influência e domínio, a China também custa a aceitar a realidade de que ao longo de décadas Taiwan se tornou um país independente. Pequim se expandiu para o Tibete e outras regiões da península asiática, porém jamais conseguiu controlar Taiwan, um desejo antigo que mexe com as placas tectônicas da geopolítica internacional.

Isso se explica porque Taiwan se tornou um país independente de fato e de direito ao longo dos anos, adotando todos os passos necessários para firmar-se como economia relevante, parceiro comercial confiável, uma democracia plena e centro vibrante na área de inovação e tecnologia, com índices altíssimos de educação. O país que produz hoje cerca 66% da produção mundial de chips, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC, possui em torno de si um chamado “escudo de silício” que o protege, uma vez que um abalo econômico causado por uma guerra na região seria algo devastador para a economia de todo o planeta.

O imperialismo tornou-se um risco no atual plano das relações internacionais, pois tem sido usado de forma sistemática por regimes antidemocráticos para consolidar e ampliar o poder de líderes autoritários. Os casos são vários e começam pelos aqui já citados, ou seja, pelo avanço da Rússia pela Ucrânia, das ameaças chinesas em direção a Taiwan, porém também nas ameaças da Venezuela à Guiana, do expansionismo iraniano no Oriente Médio, da instabilidade causada pela Coréia do Norte em direção ao Seoul. O gene do autoritarismo, uma prática que se tornou popular em tempos recentes, carrega consigo os riscos do imperialismo, colocando o mundo em situação cada vez mais instável e perigosa em tempos recentes.

Desmonte da Esquerda

As eleições municipais deixaram impressões muito claras sobre o rumo do eleitorado brasileiro. Talvez a mais importante tenha sido a desidratação dos partidos de esquerda, mostrando de forma clara que estas agremiações não foram capazes de realizar uma transição modernizadora de forma e conteúdo, tornando seu discurso algo que transita entre o ultrapassado e o obsoleto, incapazes de dialogar com o eleitor.

Em 1997, Tony Blair levou o Partido Trabalhista britânico ao poder depois de 18 anos. Sua leitura partia de uma refundação da esquerda inglesa, rompendo com as tradições sindicais ultrapassadas e um discurso que não se encaixava mais na realidade política e econômica do país. Seu movimento, batizado de “Novo Trabalhismo”, carregava a base teórica da “terceira-via”, desenhada por Anthony Giddens. A estratégia foi amplamente vencedora e o partido permaneceu no comando de Downing Street por 13 anos.

A esquerda brasileira ainda sente os efeitos da falta de uma leitura sobre os efeitos das manifestações de 2013 e suas consequências, que passam pelo choque promovido pela Lava Jato no coração do sistema, o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro para o Planalto. Durante esta última década, o desgaste foi lento e gradual, sentido nas urnas e na clara falta de aderência de seu discurso diante da nova realidade do país. A eleição de Lula em 2022, mais do que uma vitória do petismo, foi uma derrota pessoal de Bolsonaro e isso não foi compreendido pela esquerda.

A ausência de uma troca geracional é um dos principais aspectos que impedem as forças de esquerda de se modernizar e voltar ao debate nacional como protagonistas. Sob Lula não floresceram novas lideranças, nomes de envergadura nacional com potencial de conduzir um processo de transição. Ao se manter como único nome, Lula deixou o grupo refém de sua figura política, além de impedir a modernização do discurso e das práticas necessárias para a manutenção da esquerda como um player relevante no debate nacional. 

O resultado está expresso nas urnas. O partido que dois anos atrás venceu as eleições presidenciais amargou apenas um 9º lugar com 253 prefeitos eleitos em 2024. É grande a chance do partido sair deste pleito sem eleger prefeito em nenhuma capital do país. Por mais que, para o petismo, esta eleição tenha sido levemente melhor do que 2020 em números absolutos, há uma forte curva descendente na esquerda. O PDT, por exemplo, enfrenta a maior queda entre os dez maiores partidos, caindo de 310 para 148 prefeitos. A participação das siglas de esquerda nos municípios caiu 13%.

Enquanto isso, os partidos de centro foram os maiores vencedores. Juntos, PSD, MDB, PP e União Brasil elegeram mais de 3.000 prefeitos no primeiro turno. Isso corresponde a 54% das cidades do país. Ao mesmo tempo, aqueles situados mais à direita, como PL e Republicanos foram os que mais cresceram. O PL ampliou em 49% o número de prefeitos, chegando a 523 e o Republicanos dobrou de tamanho, elegendo 441.

Se a esquerda não se reencontrar, recalibrar seu discurso, renovar suas lideranças e suas práticas, continuará a vender um conteúdo obsoleto para o país, algo já identificado pelo eleitor. Um caminho perigoso que tem potencial para tomar o comando do governo federal das mãos de Lula já nas próximas eleições. O aviso está dado. O desmonte da esquerda nunca foi tão claro. Se dobrarem a aposta, o tombo pode ser ainda maior.

Centrismo Municipal

Costumo dizer que eleições municipais tratam do cotidiano das pessoas e muito pouco sobre vertentes políticas ou lideranças nacionais. O pleito que se avizinha parece ser mais um episódio desta história, com pequenas exceções em algumas poucas capitais que insistem em apostar na polarização. Entretanto, eleições municipais são o que são, ou seja, uma oportunidade de discutir os problemas reais que fazem parte da vida do cidadão, desde o saneamento básico, passando pelo transporte, limpeza das ruas, conservação viária, iluminação pública entre muitos outros desafios.

Isso explica a razão de partidos centristas serem os maiores vitoriosos nesta dinâmica. O MDB é líder nesta tradição e sempre carregou o maior contingente de prefeituras. Para este nicho específico agora se encaminha o PSD de Gilberto Kassab, que se credencia como o grande partido centrista do Brasil, assim como foi por décadas o MDB, classificados na literatura política estrangeira como “catch all parties”, ou seja, agremiações que aceitam políticos das mais diferentes orientações e vertentes.

Isso é um fenômeno explicado pela ausência de ideologias claras na dinâmica municipal. Por tratarem de questões do cotidiano, a ligação política com a polarização nacional é diluída, sobressaindo-se nomes de bom diálogo e articulação, conhecedores dos temas locais e da demanda direta da população. Isso explica em larga medida porque grandes políticos nacionais geralmente não conseguem se transformar em decisivos cabos eleitorais em pleitos municipais.

MDB e PSD hoje lideram em número de prefeituras. O primeiro elegeu 799 prefeitos em 2020, enquanto o segundo chegou ao poder em 660 cidades. O movimento de fortalecimento destes partidos, entretanto, foi acentuado pelo contingente de prefeitos que migraram para estas agremiações nos últimos quatro anos. O PSD cresceu e atingiu a marca de 968 prefeituras, ultrapassando o MDB, que mesmo crescendo, caiu para o segundo lugar com 838. Os dois são os maiores expoentes do poder municipal brasileiro.

De olho neste movimento, Valdemar Costa Neto, mandachuva do PL, partido que neste momento abriga o bolsonarismo, não perdeu a chance de manter um pilar cravado no centrismo, como forma de ampliar a quantidade de prefeituras dominadas pela sigla. O PL, que detém o maior fundo partidário e eleitoral, quer também controlar o maior número de executivos municipais possíveis.

A esquerda, por sua vez, fez um movimento inverso que levou suas agremiações a um claro processo de desidratação, com chances de eleger prefeitos somente em quatro capitais e o partido de Lula com chances reais de não se eleger em nenhuma delas. Em 2016, a esquerda venceu em duas já no primeiro turno e foi para o segundo turno em outras nove. Em 2020, chegaram ao segundo turno em nove e venceram em apenas cinco. Como vemos, 2024 tem tudo para ser ainda pior. No PT, o desmonte é ainda mais preocupante. O partido controla menos prefeituras que PDT e PSB.

O pleito deste ano deve fazer com que PSD e MDB sigam na liderança, elegendo grande número de prefeitos, seguidos do PL, PP e inclusive União Brasil e Republicanos. Um centrismo municipal de resultados que espera pavimentar apoios municipais decisivos para eleger bancadas numerosas no Congresso Nacional em 2026, garantindo fatias generosas dos fundos que alimentam seus partidos e que podem, quem sabe, entregar também o Planalto.

Ciclo Esgotado

O giro da comitiva brasileira em Nova York deixou uma mensagem muito clara para a comunidade internacional: nossa esquerda está fora de contexto na atualidade global. Na mesma medida que o mundo assiste ao nascimento de esquerdas modernas e engajadas em princípios, ainda subsistem governos abraçados a um viés ultrapassado e maniqueísta, onde alianças e crenças do passado representam mais do que a moral que se espera de líderes democráticos.

O Brasil tem a obrigação, na qualidade de maior país da América Latina, a agir dentro de princípios que transcendem alianças, laços políticos ou amizade pessoal. O foco deve ser sempre a preservação da democracia e do respeito humanitário, há tempos esquecido nos porões dos regimes amigos. Algo que se aplica diretamente a Maduro, Díaz Canel e aos crimes cometidos por Ortega, inaceitáveis para qualquer governo democrático. Denunciar o embargo ao regime ditatorial cubano sem lembrar de seus crimes e silenciar sobre aquilo que acontece na Venezuela e Nicarágua é praticar uma diplomacia humanitária à la carte, algo que expõe o viés ultrapassado da liderança brasileira.

Se o Brasil pleiteia possuir relevância internacional, é inaceitável, por exemplo, se omitir diante de temas de relevância global, como os crimes cometidos contra a Ucrânia, hoje epicentro de um dos teatros de guerra mais brutais do planeta. O presidente Zelensky, que enfrenta a invasão russa há dois anos, estava presente na Assembleia Geral das Nações Unidas e assistiu o Brasil mais uma vez silenciar sobre o drama vivido por sua população. Uma atitude inaceitável para um país que deseja possuir uma posição de protagonismo nos organismos internacionais.

A agenda brasileira também soa fora de tempo e contexto. O foco de nossa diplomacia, por exemplo, ainda passa pela ilusória reforma do sistema de governança das Nações Unidas, em especial o Conselho de Segurança, algo já vetado pelos principais sócios do Brasil no clube dos BRICS, Rússia e China. Uma agenda que Lula encampou em 2003 e segue sendo repetida à exaustão 21 anos depois, mesmo com a clara certeza que não prosperará.

Nosso país deveria focar em fóruns e instrumentos onde guarda relevância e pode tornar-se referência. A agenda ambiental é um destes temas. Porém, ao mesmo tempo que o Presidente defende uma diminuição da dependência de combustíveis fósseis e celebra a matriz energética limpa de nosso país, defende também a exploração de petróleo na foz do Amazonas, distanciando o discurso da prática de seu governo. Um movimento que causa confusão nos agentes internacionais, na mesma medida que arranha a imagem de nosso país como liderança ambiental relevante nos fóruns globais.

Existem no mundo esquerdas que se modernizaram e abraçaram princípios ao invés de velhas ideias ultrapassadas. O Brasil ainda não realizou uma troca geracional dentro dos quadros da esquerda e nada indica que o caminho de renovação traga a modernidade e virtude necessárias para o início de um novo período. Vivemos ainda com uma esquerda nacionalista, ultrapassada e sindicalista, inteiramente dissociada dos desafios do mundo atual. É um final amargo de ciclo. O atraso advindo deste cenário não deveria nos surpreender e o menor risco de prosperidade sequer nos iludir.

Retrato Eleitoral Americano

Desde a desistência de Biden, podemos dizer que existe disputa na eleição presidencial norte-americana. Se nos dias anteriores, diante da primeira tentativa de assassinato de Donald Trump, o pleito estava nas mãos do republicano, com a troca de candidato no campo democrata, a disputa se reequilibrou e permanece indefinida. Para entender este desenho, é importante compreender como funciona a dinâmica do sistema eleitoral.

Os Estados Unidos são uma república formada por entes federados que decidiram se unir e o peso de cada um em uma eleição presidencial é decidido pelo total da população de cada estado. Quanto mais populoso, mais delegados. Desta forma, a Califórnia, que possui 39 milhões de habitantes, possui 54. Nova York, com 19 milhões, 28, enquanto o Montana, com 1,1 milhões, elege apenas 4 e a Virgínia, com 8,6 milhões de habitantes, 13 delegados.

Na soma de todos os estados são eleitos 538 delegados e aquele que alcançar a maioria, ou seja, 270, vence. O sistema pode parecer confuso, mas funciona de forma muito simples. Vale lembrar uma regra muito importante: estamos diante de eleições estaduais, ou seja, quem vencer em cada estado, leva todos os delegados. Isto significa que se um candidato vencer, mesmo que por margem muito estreita, leva todos os delegados. Como toda regra possui uma exceção, dois estados optaram por dividir seus delegados proporcionalmente aos votos, são eles Nebraska, com 4 votos e Maine, com 2 votos. Em todos os demais, o vencedor no estado leva todos os delegados.

Tradicionalmente, republicanos e democratas possuem bastiões intocados, ou seja, estados que votam tradicionalmente com cada partido e certamente irão entregar-lhes a vitória. Os democratas vencem sempre na Califórnia (54), Washington (11), Havaí (4), Massachusetts (11), New Jersey (14), Minnesota (10), entre outros. Os republicanos vencem tradicionalmente no Texas (40), Kentucky (8), Utah (6), Florida (30), Missouri (10) e Iowa (6), entre outros. Isto significa que a eleição é decidida por estados que por vezes votam com os democratas e por outras vezes votam com os republicanos, os chamados swing states, chamados no Brasil de “estados-pêndulo”.

O foco das campanhas de Kamala Harris e Donald Trump está neste contingente de estados que definirão os rumos da eleição, a saber: Arizona (11), Nevada (6), Georgia (16), Carolina do Norte (16) e especialmente as três joias da coroa: Michigan (15), Wisconsin (10) e a cobiçada Pensilvânia (19). Em 2016, Trump venceu a eleição nacional após ganhar por estreita margem no Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Uma soma de 46 delegados que assegurou sua vitória por 306 votos. Em 2020, a perda destes três estados foi crucial para sua derrota, quando atingiu apenas 232 delegados.

Portanto, para entender o quadro eleitoral é crucial desligar-se das pesquisas nacionais e focar nas sondagens destes estados, pois a eleição será definida neste pequeno universo de eleitores. As projeções variam sensivelmente e hoje mostram Kamala vencendo no Michigan por 0,7% e Wisconsin por 1,2%. Trump vence na Pensilvânia por 0,2%. Nos demais, ela está na frente em Nevada por 1,2% e ele lidera na Georgia por 0,2%, Carolina do Norte por 0,4% e Arizona por 1,3%. Como vemos, Kamala reposicionou os democratas no tabuleiro. Um jogo que voltou aos patamares tradicionais e será definido no detalhe pela inclinação dos “estados-pêndulo”. A conferir.

Arte da Estratégia

Sun Tzu foi um general, estrategista e filósofo oriental, mais conhecido por seu tratado “A Arte da Guerra”, que representa uma filosofia para gerir conflitos e vencer batalhas. É aceita como obra-prima em estratégia frequentemente citada e referida por teóricos e generais. Traduzida e distribuída por todo o mundo, influenciou diversos movimentos e nações, porém foi em Taiwan que encontrou múltiplas aplicações de longo prazo que merecem análise mais detalhada.

Taiwan emergiu, em poucas décadas, de uma economia agrária, para atingir os mais avançados patamares tecnológicos conhecidos. Hoje, o país é conhecido como “escudo de silício”, diante de sua seminal posição geopolítica estratégica na economia mundial. Ao contrário dos escudos reais, como aqueles utilizados por Israel, a terminologia se refere à importância da ilha na fabricação de chips semicondutores, que usam o silício como matéria-prima. Preservar este ativo, essencial para a nova economia, se tornou uma prioridade para diversas nações que dependem diretamente de suas aplicações.

A estratégia está na essência do desenvolvimento do país, como em qualquer grande nação, porém, mais do que em qualquer outro local, vemos a influência direta das lições de Sun Tzu. Taiwan entendeu primeiramente que o título de propriedade sobre terras poderia ser um ativo valioso para a economia. Assim, realizou uma reforma agrária profunda ainda na década de 1950. O incentivo de possuir terras próprias levou os novos proprietários a investirem em sistemas de irrigação, equipamentos mecanizados e fertilizantes. Uma década depois, o valor da produção agrícola duplicou, tornando a ilha importante exportador de arroz, açúcar, bananas e chá. Na sequência vieram a industrialização, investimento estrangeiro e as zonas de processamento de exportação.

O próximo ponto a ser atacado foi a educação, direcionada para os rumos tomados pela economia, com foco especial em áreas científicas e técnicas com o objetivo de promover o desenvolvimento agrário e industrial. Isso deu origem a novas gerações de cientistas e engenheiros que ajudaram em um salto industrial e tecnológico, permitindo ao país subir na cadeia de valor da indústria transformadora global. Atualmente são 146 universidades e 97% da população possui formação superior.

Assim, a tecnologia passou a assumir cada vez mais importância na economia. O surgimento, na década de 1970, do Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial funcionou como uma incubadora que atraiu cientistas e engenheiros talentosos para o país, levando à criação do Hsinchu Science Park, o Vale do Silício taiwanês. Uma atmosfera que produziu a maior fabricante de chips do mundo: a TSMC.

A democracia surgiu como um pilar natural de uma nação desenvolvida e com alto grau de educação. O país vive sem qualquer abalo institucional, com um sistema de liberdades, garantias e direitos que se tornou um exemplo para a Ásia.

Assim como preconizou Sun Tzu, “as oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas”. O caminho percorrido por Taiwan é o melhor exemplo desta máxima. O país agarrou todas as oportunidades que estavam diante de si, ensinando que para vencer qualquer guerra, antes é preciso dominar a arte da estratégia. Não há dúvida de que o “escudo de silício” da Ásia aplicou com sabedoria estes ensinamentos.