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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Foto: Camille Delbos/Getty Images

Geopolítica Comercial

As rotas de transporte marítimo são essenciais para o comércio exterior, responsáveis pelo transporte de commodities e também bens de valor agregado ao redor do mundo. Para esta circulação de mercadorias ser eficiente, certos pontos de passagem são considerados vitais, como os canais do Panamá, Suez e Kiel e os estreitos de Bósforo, Gibraltar, Singapura e Ormuz. São as chamadas pedras basilares da navegação, pois sua importância estratégica é crucial para a comunicação marítima internacional.

O mais recente conflito no Oriente Médio levou a desdobramentos perigosos que afetam o trânsito em um dos canais mais importantes do mundo, o chamado Canal de Suez, que realiza a ligação do Mar Vermelho com o Mediterrâneo, localizado no Egito. Embarcações estão sendo atacadas por rebeldes Houthis do Iêmen, estacionados no estreito de Babelmândebe, fronteira do Mar Vermelho com o Golfo de Aden, entrada para o Oceano Índico, que divide o país dos vizinhos Djibouti e Eritréia e a África da Ásia.

Segundo a The Economist 80% do comércio mundial em volume e 50% em valores é transportado pela frota de 105 mil navios porta-contêineres, petroleiros e cargueiros convencionais e o Canal de Suez é responsável por 10-15% do comércio mundial, incluindo as exportações de petróleo, e por 30% dos volumes globais de transporte de contêineres. Isto significa que qualquer instabilidade na região com reflexos nas rotas comerciais pode levar a sérios desdobramentos nas cadeias de abastecimento globais.

Seis das 10 maiores empresas de transporte de carga – como Maersk, MSC, Hapag-Lloyd, CMA CGM, ZIM e ONE – estão evitando em grande parte ou completamente o Mar Vermelho devido à ameaça dos Houthi.  O Banco Mundial alertou que a interrupção das principais rotas marítimas estava “corroendo a folga nas redes de abastecimento e aumentando a probabilidade de ‘estrangulamentos’ inflacionários”. A instabilidade já entrou nos custos globais, porém, seus reflexos podem ainda se expandir.

A crise no Iêmen é grave. Os conflitos já mataram mais de 400 mil pessoas, seja na guerra interna ou mesmo de fome. A disputa é política/religiosa e os Houthis xiitas recebem apoio do Irã, enquanto os sunitas são apoiados pelos vizinhos sauditas. Os Houthis, uma mescla de rebeldes com terroristas, intensificaram suas ações atingindo as cadeias de comércio global com apoio de Teerã em um suposto movimento de apoio ao Hamas. Na verdade, é um grupo que usa a chamada causa palestina para ampliar sua força, poder e apoios na região, assim como vários outros. Da mesma forma como o Hezbollah, tornou-se um mero fantoche que opera sob a orientação dos iranianos.

As rotas de transporte marítimo são essenciais no modelo econômico global. A liberdade de navegação pelos estreitos internacionais é de fundamental importância estratégica para a livre circulação de mercadorias e bens ao redor do planeta, reconhecida pelo Direito Internacional em Convenção das Nações Unidas. A estratégia de usar os Houthis e um país miserável e destruído pela guerra, o Iêmen, como peões contra o Ocidente é apenas mais um capítulo da reorganização de forças da geopolítica global estabelecida por uma rede de países autocráticos, teocráticos e antidemocráticos na construção de uma nova arquitetura internacional. Estamos diante do mais perigoso e desafiador movimento geopolítico desta geração.

Oito de Janeiro

A politização de tudo no Brasil tem se tornado uma triste realidade. A polarização foi capaz de se infiltrar em todos os temas do país, passando pelas artes, esporte e tudo mais que sejamos capazes de imaginar. Não seria diferente no aniversário das ações que atingiram o coração do poder um ano atrás. Se no país do futebol tudo virava em samba, agora, no país polarização, tudo vira disputa política.

Nada retira a gravidade do que vimos um ano atrás. Estivemos diante de um atentado contra a democracia e as instituições republicanas. Porém, politizar o ato ao longo dos anos posteriores jamais nos ensinará aquilo que devemos aprender com os erros vistos e transmitidos ao vivo naquele dia. É preciso virar a página e olhar adiante, da mesma forma que precisamos sempre enxergar estas cicatrizes para que ações como aquelas jamais voltem a se repetir em nosso país.

A democracia é instrumento pelo qual são salvaguardadas nossas liberdades, desde a mais simples e singela até aquelas essenciais para o funcionamento da república. Nossas instituições são o mecanismo no qual gira nossa democracia, sendo essenciais para que não seja atacada, ferida ou destruída. Logo, agredir nossas instituições significa afrontar o mais importante pilar que sustenta uma democracia.

Vimos isso um ano atrás, quando os prédios que guardam os poderes institucionais da república foram invadidos, vandalizados e depredados, sem qualquer senso de respeito com os símbolos de nossa nação. Estivemos diante de atos que estão longe de ações de pessoas que realmente desejam mudar o país. Simplesmente um grupo de arruaceiros e vândalos que acreditam que seja possível mudar mediante a brutalidade e violência.

Fato é que o ocorrido em Brasília é sintoma que se espalhou pelo mundo mediante uma polarização estúpida e rasa que vem ditando os rumos da política em tempos recentes. Nossa capital viu se repetir aquilo que enxergamos em Washington, quando uma turba enfurecida tentou reverter o resultado eleitoral mediante uma violência explícita contra as instituições norte-americanas. A ocorrência destas ações explicita o quão doente encontram-se nossas democracias.

Enquanto houver polarização e esta disputa infantil, sem convergências e caminhos alternativos que indiquem soluções comuns, estaremos reféns de políticos rasos e uma política burra, que funciona somente para aqueles que se servem dela. Infelizmente vivemos a simples tradução de uma sociedade doente, refém de suas certezas, incapaz de ouvir ou aprender algo. Os políticos representam simplesmente a tradução disto.

Nossa democracia sobreviveu, ao contrário de outros países que sucumbiram diante dos populistas, autocracias que dizem viver em liberdade, porém se alimentam apenas de um populismo rasteiro, seja pela via da direita ou esquerda. A construção de uma real democracia passa pelo trabalho constante, demorado, muitas vezes vagaroso. Passa pela educação, normalidade institucional, combate à corrupção, supremacia das leis e limites de poder. Sem tangenciar estes valores, o Brasil poderá estar novamente diante de outro oito de janeiro, com outros atores e métodos, porém, com o mesmo objetivo.  

Clube Autocrático

O ano inicia com um novo formato do BRICS. Entram no clube fundado por China, Brasil, África do Sul, Rússia e Índia, os seguintes novos sócios: Arábia Saudita, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. O bloco passa a ser formado por dez países depois desta que é considerada a mais importante ampliação do grupo que opta por uma guinada autocrática, tornando-se definitivamente um fórum hostil ao movimento democrático.

O novo BRICS ou BRICS 10, como tem sido chamado em alguns fóruns internacionais, é composto em sua vasta maioria, ou seja, 80%, por países que não possuem qualquer traço democrático em suas estruturas, sendo considerados ditaduras ou autocracias.  As exceções são Brasil e África do Sul. Nenhum membro, entretanto, pode ser classificado como uma democracia liberal plena.

A avaliação é a mesma daquela realizada pelos principais órgãos que medem os níveis de democracia em escala global, como a Freedom House sediada nos Estados Unidos, Universidade de Gotemburgo na Suécia e Economist Intelligence Unit com base no Reino Unido. O cálculo geral mostra que hoje existe uma ampla maioria de ditaduras e autocracias no mundo e o número de democracias vem regredindo constantemente.

O movimento de expansão do BRICS, portanto, é a expressão clara deste movimento pelo qual passa o mundo em tempos recentes, porém, as consequências deste caminho ainda não foram medidas. Entretanto, causa ansiedade notar que nações classificadas como democracias eleitorais ou imperfeitas como o Brasil se deixem seduzir pela aliança com países que violam garantias e liberdades conquistadas ao longo da História. Nosso país deveria rumar em sentido oposto, consolidando alianças com democracias.

Dentro do BRICS 10, o Brasil agora estará ao lado de autocracias eleitorais, ou seja, aquelas que realizam eleições simplesmente protocolares como Rússia, Egito, Índia e Etiópia, onde sabemos antecipadamente os vencedores. Além destas, agora somos sócios de autocracias fechadas, países já sem qualquer pudor em aplicar uma política despótica, como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã e China, considerados também regimes autoritários consolidados.

Em Buenos Aires houve uma correção de rumo. O novo governo fez a opção por declinar do convite do BRICS, uma vez que não acredita nos propósitos de um grupo que possui a autocracia como fator balizador e a liderança da China como farol. Os argentinos foram além e falam em diminuir a dependência do investimento chinês que tem tornado aos poucos muitos países reféns dos desejos de Pequim.

Este é o principal ponto deste clube autocrático. O BRICS está longe de ser uma iniciativa que eleva países periféricos a serem partícipes do concerto internacional. O grupo se tornou a principal base de lançamento de iniciativas, financiamento e apoio mútuo de uma política baseada em interesses que estão em confronto direto com os valores ocidentais de liberdade e democracia. Um clube que mina os esforços em prol da democracia, liberdade e soberania daqueles que rejeitam sua cartilha. Uma forma de imperialismo e dominação que de forma silenciosa vem impondo sua agenda e seus interesses em escala global.  

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal

Perigosa Rota da Seda

A empresa chinesa State Grid arrematou o principal lote no maior leilão de energia da história do Brasil. Os chineses levaram o lote de maior investimentos e complexidade, especialmente os empreendimentos que servem para transportar energia por longas distâncias e em alta tensão. O deságio da operação ainda foi de 40%. Os chineses irão construir linhas de transmissão nos estados do Maranhão, Tocantins e Goiás.

A notícia em um primeiro momento parece ser boa, uma vez que somos um país com enorme déficit de poupança interna e precisamos de capital externo para realização de investimentos. Entretanto, se torna intrigante observar o foco dos chineses pela área de energia no Brasil. O setor foi aquele que mais recebeu recursos de Pequim.

O mesmo ocorreu em outras áreas do mundo. No Paquistão um novo corredor está sendo construído com foco na interligação da economia do país com a China. Kashgar agora está ligada diretamente ao porto de Gwadar, cedido aos chineses e sob o seu controle direto pelos próximos 40 anos. A posição estratégica do porto funciona como escoamento dos produtos chineses passando pelo Paquistão.

Em troca de investimentos, a Grécia vendeu 67% do seu maior e mais estratégico porto para os chineses, que agora controlam um dos mais importantes hubs do comércio marítimo europeu. O país asiático implementou o mesmo modelo comprando dezenas de portos no mundo, sendo a proprietária de mais de uma centena deles em cerca de 67 país. Hoje, sete dos dez maiores portos do mundo estão nas mãos dos chineses.

Estas ações fazem parte da famosa e controversa estratégia chamada de “Nova Rota da Seda” que aos poucos desembarca no Brasil. Porém, nem tudo são flores na rota desenhada por Pequim. A estratégia tem sido a mesma, ou seja, oferecer investimentos e tornar os países endividados, usando este laço de “dependência” criado entre as duas nações e a dívida com Pequim como moeda de troca política no xadrez internacional.  

Os exemplos estão espalhados pelo mundo. Em Gana, a população pediu na justiça o fim da exploração da bauxita pelos chineses. O Quênia já acumula mais de 2 bilhões de dólares de dívida com Pequim. Na Malásia, o ex-premiê desviou mais de 800 milhões, deixado uma dívida de 4,5 bilhões de dólares do seu país com a China. A Argentina cedeu parte de seu território na Patagônia para a instalação de uma estação militar chinesa.

Foram estes fatos que levaram muitos países a evitar uma excessiva dependência do capital chinês, por mais atraente que possa parecer. Na verdade, o custo do negócio embutido nos acordos pode custar muito caro para a soberania das nações, tornando-as frágeis quando pressionadas pelo governo de Pequim. Além disso, o tamanho das dívidas assumidas e o tamanho da infraestrutura estratégica concentrada em empresas chinesas tornam os países vulneráveis ao interesse estrangeiro de um único país.

Apesar de já ter se tornado um país sinodependente em alguns aspectos, ainda existe tempo hábil para o Brasil reverter a dependência em setores estratégicos como tecnologia, infraestrutura e logística. É preciso aprender com os erros de outras nações e evitar dissabores que podem custar muito caro para nossa população, soberania e economia.

Milei, um libertário no poder

A vitória política de outsiders se tornou um hábito em tempos recentes, levando uma lista de pessoas com diferentes visões e propostas para o comando de muitos países. São nomes da esquerda, direita, populistas, conservadores e progressistas, porém, na Argentina foi inaugurada a chegada de uma nova vertente política ao comando de um país. O ocupante da Casa Rosada é um libertário.

A situação é tão nova e inusitada que analistas e jornalistas políticos se debatem para encaixar Milei em algum conceito. Já foi taxado de extrema-direita, conservador e até fascista, porém ninguém conseguiu ao certo defini-lo, o que expõe um preparo precário de muitos no que tange ao conhecimento de conceitos políticos, mais um triste sinal destes tempos rasos que vivemos.

A comparação com Bolsonaro é constante, uma vez que possuem estilo de comunicação calibrado para o embate com o sistema. As semelhanças, entretanto, estão apenas neste campo. Enganam-se aqueles que julgam Milei como o Bolsonaro portenho. Existe uma avenida que divide libertários do conservadorismo social, motor do bolsonarismo. Estão em polos tão distantes que podem inclusive ser considerados antagônicos.

Para além desta agenda social que separa ambos, há no argentino uma crença real na privatização e no controle dos gastos públicos, pontos que passaram longe do último governo brasileiro. Além disso, em Brasília havia uma relação umbilical entre militares e governo, baseado na crença de que os fardados são bons gestores, o que se provou uma falácia. Na Argentina, certamente não veremos posições civis nas mãos dos militares.

As relações exteriores também são ponto de divergência entre ambos. Milei convidou e recebeu em sua posse o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Bolsonaro preferiu a companhia de Putin enquanto esteve no poder, assim como faz Lula atualmente. No Brasil, ambos os presidentes deixaram o país em situação desconfortável diante das democracias mundiais quando optaram a se alinhar a autocracias. A Argentina preferiu um caminho oposto àquele trilhado por Lula e Bolsonaro.

A distância responsável da China também é um ponto de divergência. Enquanto Milei mantém uma postura cautelosa, o Brasil fez movimento oposto. Milei, ao contrário dos peronistas, não deseja transformar seu país em uma Argenchina, como dizia Sérgio Massa, candidato derrotado, porém, olhará para Pequim com ceticismo e responsabilidade, com foco na soberania de seu país. 

O libertário é essencialmente um liberal em termos econômicos e neste caminho Milei buscará soluções para a economia argentina, que se encontra em situação de agonia. A trilha a ser percorrida passa pelo controle dos gastos públicos e diminuição do tamanho do Estado, abrindo caminhos para que a economia floresça por meio da própria sociedade como motor de um país próspero. O caminho não é fácil, especialmente em um país refém dos benefícios providos pelo governo.

Em um Brasil que vive o pior dos antagonismos entre dois tipos rasos de populismo, a solução argentina joga luz em opções que estão além das definições rasas apresentadas em solo tupiniquim. Algo que significa uma ótima notícia para os argentinos.

Petróleo, Guiana e Maduro

O mais novo capítulo do avanço das autocracias sobre as democracias começou a ser desenhado nas fronteiras brasileiras. Maduro, ditador da Venezuela, ameaça avançar sobre o território do país vizinho, a Guiana, uma nação autônoma, independente e com suas fronteiras reconhecidas internacionalmente. O foco de sua cobiça está além das terras vizinhas, ou melhor, naquilo que se esconde em seu subsolo: minérios e petróleo.

Hoje, a Guiana extrai cerca de 400 mil barris por dia. Se suas fronteiras continuarem como estão hoje, esse número pode superar 1 milhão em 2027. Segundo a Exxon, a sua reserva abriga 11 bilhões de barris de petróleo — o que posicionaria o país entre os 20 maiores do mundo. Como comparação, o Brasil tem 14,8 bilhões de barris em reservas comprovadas.

A economia da Guiana baseia-se no setor primário e os principais produtos agrícolas são cana-de-açúcar, mandioca, frutas e arroz. Porém tudo mudou com a descoberta de petróleo na região. Depois de iniciada a exploração o PIB per capita da Guiana triplicou. É o país que mais cresce no mundo. Em 2022, o PIB alcançou 14,52 bilhões de dólares. O FMI estima um crescimento de 38% para 2023.

Os números falam por si e explicam a cobiça da Venezuela sobre as riquezas do vizinho. A Venezuela, entretanto, é o país com as maiores reservas de petróleo do mundo. Porém, desde a tomada do poder pelo chavismo, a produção despencou com falta de investimentos, qualificação e êxodo da população para o exterior, o que levou a deterioração da infraestrutura e politização da indústria. A produção atual é de cerca de 750.000 a 800.000 barris por dia, ainda muito distante dos 3 milhões de barris por dia que faziam do país uma força global no mercado na década de 90.

A corrida pela exploração do petróleo começou em diversas partes do mundo como forma de aproveitar ainda a demanda em alta, uma vez que a transição energética deve atingir em cheio os preços em alguns anos. A Agência Internacional de Energia estima que o uso global do insumo deve ter crescimento mais lento nos próximos anos e atingir seu ápice até o final da década. Depois, deve vir uma queda, especialmente no uso como combustível, já que a adoção de carros elétricos avança em várias partes do mundo.

Ciente disso, Nicolás Maduro busca ampliar a exploração em seu país, autorizando inclusive empresas americanas a explorar o setor como aconteceu recentemente com a Chevron. Porém, 65% do petróleo venezuelano têm como destino a China, outro player interessado nos movimentos políticos de Caracas. Isto significa que a Venezuela jamais daria um passo ousado contra um país vizinho sem possuir respaldo de Pequim.

O argumento de Maduro para avançar sobre Essequibo, se baseia no argumento que o território lhe foi tirado em 1899 por uma sentença arbitral em Paris. Venezuela e Reino Unido (antigo detentor do território da Guiana) concordaram em respeitar o resultado, mediado à época pelos Estados Unidos. Hoje, depois da descoberta de petróleo, ouro, diamante e bauxita, o velho assunto volta à baila. Nada mais conveniente para Maduro, que assim busca unir o país diante de um pseudo-inimigo comum, fortalecer sua imagem e ainda pode ganhar mais uma reserva de petróleo em seu portfolio. Conveniente, porém ilegítimo, irresponsável e inconsequente.

Ambiente Estratégico

O governo brasileiro partiu para mais uma participação em um fórum internacional, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), a COP28. A participação do Brasil é importante neste tema, uma vez que pode usar a diplomacia ambiental como cartão de visitas do país na atração de investimentos, além de se preparar para sediar a COP30 em Belém em 2025.

Nosso país vai apresentar sua versão dos fatos, ou destacar aquilo que interessa, a começar pela apresentação dos resultados positivos na redução do desmatamento na Amazônia, que caiu 49,5% nos dez meses de 2023 na comparação com o mesmo período do ano anterior. Porém, nosso país pode ter dificuldade em explicar seu projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas ao mesmo tempo que o mundo busca abandonar os combustíveis fósseis. Algo que pode interferir na estratégia do Brasil como nação disposta a liderar pelo exemplo.

Apesar de manter-se na vanguarda dos discursos ambientalmente responsáveis, o país vem perdendo oportunidades sucessivas de apresentar resultados palpáveis de suas ações, algo que desloca o Brasil da posição natural de liderança ambiental. A diplomacia ambiental deveria ser o cartão de visitas de nossa política externa, porém o assunto tem sido sucessivamente rejeitado como estratégico pelos governos recentes.

Esta poderia inclusive ser a frente mais importante durante o período que nosso país passará pela presidência do G20, em 2024. O Brasil coloca o tema como uma das três prioridades de discussão, ao lado do combate à fome e a reforma do sistema global de governança, porém, ao selecionar três prioridades, pode sair do processo sem uma resposta real para qualquer uma destas questões.

Fato é que a COP30 e a Presidência do Brasil no G20 precisam ser usadas de maneira inteligente, como forma de reposicionar o país como player central na frente ambiental. Esta posição estratégica nos colocaria como uma nação relevante, ouvida também em outros fóruns, podendo estabelecer prioridades e orientar agendas. Tratar este assunto como acessório é desprezar nossa vantagem competitiva natural. Já passou da hora de destravarmos este potencial.

Este é o principal atalho para o Brasil se tornar uma potência global, atrair investimentos modernos, relevantes, mirando no desenho de uma nova economia que será realidade em pouco tempo. Ao rejeitar este caminho, seremos dependentes de uma economia velha e ultrapassada, dependente de matrizes vencidas e sem conexão com as novas economias. Nosso país não pode perder mais esta oportunidade.

O Brasil leva uma comitiva de 12 ministros para COP28, sendo que dos 2,4 mil brasileiros que se inscreveram para participar da cúpula em Dubai, 400 são do governo. A comitiva brasileira será formada ainda por empresários, cientistas, ativistas e políticos. Nosso país merece retorno deste investimento para além da preparação para a COP30. Será mais uma oportunidade que se apresenta para traçarmos um caminho estratégico na busca por um país capaz de conjugar a agenda ambiental com uma nova economia. Uma perspectiva que pode desenhar um futuro próspero para as novas gerações, longe dos discursos e perto das ações reais.

A Vez da Argentina

A eleição de Javier Milei representa um movimento importante da sociedade argentina que resolveu romper com a política tradicional e apostar em algo novo. A tentativa da população representa em síntese uma novidade, porém o agente da mudança é tão importante quanto o movimento, pois indica se estamos diante de uma mudança real ou de apenas mais um aventureiro que conseguiu angariar votos para ser eleito.

Estamos diante de uma onda que já varreu muitos países ao redor do globo. Uma realidade que se estabelece basicamente pelo desgaste da política tradicional e sua incapacidade de prover soluções reais para as demandas da população. O Brasil viveu este ciclo potencializado pelos casos de corrupção expostos pela Lava Jato e a Argentina pela inflação galopante que serviu para despachar mais uma vez o peronismo do poder.

Porém, como disse acima, tudo depende do tipo de líder levado ao poder pela onda antissistema. Os americanos levaram Trump, os salvadorenhos entregaram o poder a Bukele, os britânicos optaram pelo Brexit e os colombianos levaram de forma inédita a esquerda para o poder. Os resultados de cada um deles depende do seu estilo e também dos resultados alcançados no exercício do poder.

Milei é um candidato libertário. Está muito além da leitura rasa de que estamos diante de um candidato (agora Presidente eleito) de extrema-direita. As semelhanças com seu paralelo brasileiro, Bolsonaro, param por aqui. Enquanto Bolsonaro era um deputado corporativista e patrimonialista que jamais teve protagonismo em quase três décadas de presença no parlamento, Milei representa realmente a figura do outsider. Enquanto Bolsonaro passou por oito partidos e não hesitou em se aliar ao centrão e aos conchavos para permanecer no Planalto, Milei fundou sua agremiação e nada indica que vá se aliar a banda podre da política para permanecer no poder.

O Presidente eleito argentino também possui uma forte agenda libertária nos costumes, diametralmente oposta ao conservadorismo social profetizado pelo bolsonarismo. Na economia possui crença fortemente liberal, ao contrário do liberalismo de aparências dos anos Bolsonaro, que vacilou em realizar reformas e especialmente em privatizar. Por fim, parece disposto realmente a enfrentar o perigoso apetite chinês em seu país, iniciativa que ficou apenas no discurso de Bolsonaro e jamais se tornou prática real.

Estas diferenças mostram que estamos diante de um líder de características distintas daquele que a política brasileira produziu e os resultados podem ser diametralmente opostos, com Milei colhendo êxitos e resultados positivos. Porém, o argentino possui diante de si um desafio que nenhum Presidente pós-democracia conseguiu vencer em terras argentinas: resistir ao caldeirão de pressão do peronismo entranhado em todos os setores organizados da sociedade. Fato é que a inabilidade da política tradicional em trazer resultado levou a vitória do antissistema. A onda que varreu o mundo chegou até Buenos Aires. Resta saber se o agente da mudança irá se consolidar ou apenas será parte de mais um capítulo da instabilidade presidencial que se estabelece na Casa Rosada sempre que o país flerta com a mudança. 

Reorganização Internacional

Nicolas Maduro anunciou referendo para se apropriar da Guiana Essequiba, território que representa 74% do território da nação vizinha. Será em 3 de dezembro. A Rússia, talvez o maior aliado da Venezuela, avançou sobre a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, iniciando um conflito que segue em curso. O Hamas, que governava a Faixa de Gaza, realizou uma carnificina em Israel que levou a uma outra guerra que pode se ampliar na região do Oriente Médio. Isto sem falar no risco iminente de invasão de Taiwan pela China.

Algo une estes movimentos e seria muito ingênuo achar que as peças deste quebra-cabeça carecem de articulação conjunta. Rússia, Venezuela, China e Hamas (leia-se Irã) são aliados no tabuleiro internacional e realizam movimentos em conjunto, de forma harmônica e sincronizada, com o objetivo de mover as placas tectônicas da estabilidade internacional como conhecemos.

O tabuleiro internacional se movimenta como um intricado jogo de xadrez, ou seja, precisa ser movido com prudência e paciência, sempre calculando cada uma das jogadas possíveis do adversário. Nada indica, entretanto, que as potências ocidentais possuam qualquer movimento estratégico conjunto. Tem apenas respondido de forma perdida e desorganizada todas as ações de seus adversários, sem coordenação e planejamento.

Está sendo desenhada uma nova estrutura de poder internacional diante da passividade e permissividade das potências ocidentais. Os sintomas são claros diante da corrosão de seus valores, princípios e vértices ao longo dos últimos anos. Se nenhum movimento coordenado das atuais potências for desenhado de forma urgente, veremos em pouco tempo a deterioração da democracia e a implementação de novos modelos e regimes que passam longe da liberdade que conhecemos nos países do Ocidente. 

Isto significa dizer que o mundo está em guerra, porém uma guerra fria e localizada em determinados pontos, porém que são essenciais para definir em que tipo de mundo iremos viver. Ucrânia e Israel lutam sozinhos pela manutenção de regimes democráticos e pela liberdade de inúmeros países – nações que em breve podem ser acompanhadas por Guiana e Taiwan, as prováveis próximas vítimas no tabuleiro internacional.

Como disse, o pano de fundo de todos estes movimentos reside na remodelagem do sistema internacional atual, levando as autocracias, ditaduras e governo autoritários para o controle de uma nova estrutura de poder ao mesmo tempo que a democracia é corroída por dentro nas nações do Ocidente. Iniciativa que aos poucos vem mostrando os resultados esperados por aqueles que desejam a implosão de nossas liberdades. 

Vivemos tempos preocupantes. Há tempos o sistema internacional mostrava sinais de fadiga, porém, uma safra de líderes habilidosos evitou a corrosão em escala maior. Infelizmente os tempos mudaram e o avanço antidemocrático tem crescido de forma exponencial tanto pela direita, quanto pela esquerda. O absurdo se tornou parte do cotidiano e as sociedades parecem ter esquecido as lições do passado. Vivemos o maior e mais importante risco contra a democracia e nossas liberdades em tempos recentes, uma possível reorganização internacional que pode levar nossa civilização, mais uma vez, diante do inimaginável.

Desafios do Investimento Estrangeiro

Investimento estrangeiro é um assunto que está na pauta do Brasil. Somos um país com forte déficit de poupança interna, que precisa de capital externo para realizar investimentos. Esta é uma realidade antiga que nenhum governo de direita, esquerda ou centro conseguiu resolver e pelo menos nas últimas quatro décadas faz parte do debate brasileiro.

Em 2021, os americanos aportaram US$ 200,1 bilhões no Brasil, ou 22,2% do valor total investido no país. A China, apesar de ser um parceiro comercial relevante, investiu no mesmo período apenas US$ 49,7 bilhões, uma fatia de modestos 5,5%. A Europa foi além e investiu US$ 566,9 bilhões no Brasil, quase o triplo dos americanos. Em tempos de discussão de um acordo de livre-comércio com os europeus, um dado relevante que precisamos manter em nosso radar.

As vantagens em lidar com União Europeia e Estados Unidos são claras, afinal, estamos lidando com países democráticos com instituições estáveis, judiciário independente e regras definidas. Para fluxos de comércio constantes e longos, que geram emprego e riquezas, pilares como estes são essenciais, pois fornecem segurança e manutenção das regras, elementos centrais para dinâmicas comerciais profundas, saudáveis e sólidas, afinal, democracias gostam de democracias.

Para além das democracias, a China desponta como um parceiro sedutor para os países sedentos de investimentos, porém com recursos direcionados para áreas definidas.  Nos últimos anos, o setor de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica foi aquele que mais recebeu investimentos chineses no Brasil. Portos e minas também estão na mira de Pequim. Um desenho que avança sobre setores estratégicos.

Diante disso, é preciso entender até que ponto o investimento estrangeiro em setores críticos, concentrados em empresas de um mesmo país, podem afetar nossa soberania e segurança como nação. Isto porque em geral são empresas que se confundem com governos autoritários e respondem exclusivamente ao seu interesse nacional – algo que se tornou um fato em nações seduzidas pela chuva de yuans proporcionada por Pequim.

Enquanto África e América Latina tem aberto suas portas sem maiores restrições, Europa e Estados Unidos buscaram proteger sua soberania em setores estratégicos. Para evitar tornarem-se vulneráveis, a solução passou por diversificação e competição, ao contrário do modelo proposto pelos chineses. Países desenvolvidos têm buscado receber investimento, porém evitam a dependência. Para isso usam aquilo que se convencionou chamar no meio internacional de mecanismos de verificação, conhecido como screening mechanism, uma ferramenta que merece maior atenção no Brasil.

Em tempos modernos, de inteligência artificial e sistemas remotos de controle, qualquer país pode se tornar vulnerável, especialmente aqueles que precisam demasiadamente de recursos externos. É preciso evitar riscos, atrair capitais de qualidade, essencialmente de países democráticos e criar mecanismos de verificação para que o país evite se tornar refém de países autoritários em setores estratégicos – recursos que chegam fáceis, mas cobram um alto custo adiante. Este é o grande desafio que se impõe ao Brasil, evitar trocar o estatismo do passado pela submissão externa a regimes autoritários no futuro.