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Lula lamenta, mas iranianos comemoram a morte do “açougueiro de Teerã”

A morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi foi recebida com comemorações por parte de muitos iranianos. Conhecido como “o açougueiro de Teerã”, Raisi construiu sua carreira em cima de assassinatos de dissidentes políticos. A sua reputação de impiedoso perseguidor de opositores rendeu-lhe um legado de temor e ódio.

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, chegou a afirmar que entende por que o povo iraniano celebrou a morte de Raisi. O presidente, apesar de sua importância, não é a autoridade suprema no Irã e não comanda as forças armadas. Essa autoridade é exercida pelo Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo e religioso do país.

Com a aposentadoria iminente de Khamenei, muitos apostavam que Raisi, um representante da linha dura iraniana, seria seu sucessor. Recentemente, o regime tem enfrentado protestos intensos devido ao endurecimento de políticas de violação de direitos humanos. Em 2022, a jovem Mahsa Amini foi assassinada pela polícia de costumes por usar o hijab de forma “inadequada”. Esse incidente desencadeou uma onda de protestos, brutalmente reprimida, resultando em milhares de presos políticos e mais de 500 sentenças de morte.

Apesar dos esforços dos aiatolás desde a revolução na década de 1970, Teerã não se tornou fundamentalista. A resistência persiste, especialmente entre os jovens, que constituem mais de 50% da população e agora têm acesso ao que acontece em outros países. A economia do país anda cada vez pior, e a viabilidade do regime dos aiatolás é cada vez mais questionada.

Por outro lado, o Irã investe em armas nucleares e apoia grupos terroristas como Hamas e Hezbollah, que expandem a ideologia dos aiatolás por meio do medo e da violência. A morte de Raisi levanta questões sobre o futuro do conflito com Israel e a relação com os países ocidentais. Essa é a grande questão não respondida.

O Brasil, no entanto, parece já ter escolhido um lado. Nunca fomos tão próximos do Irã. Diante da ONU, o Brasil se omitiu recentemente para que não se aprofundassem investigações de violações de direitos humanos pelo regime dos aiatolás. O Irã foi convidado para fazer parte dos BRICS. Os laços entre a teocracia e o ditador Nicolás Maduro, parceiro de Lula, são muito estreitos. Resta saber quais serão as consequências práticas dessa proximidade.

“Civil salva civil” não é fake news. É força capaz de redimir o Brasil

O termo “democracia” tem sido tão maltratado, retorcido e descaracterizado em nossos dias que mal se consegue reconhecê-lo como um conceito que aponta para algo além de um vazio retórico instrumentalizado ao bel prazer da demagogia política de ocasião.

É preciso, às vezes, retroceder um pouco, retomar o fio da história das ideias a fim de repor o sentido ou reapresentar os sentidos das palavras que mobilizam as paixões políticas do nosso tempo.

Quando falamos democracia, nós, que não somos socialistas, referimo-nos a um regime político onde o poder está distribuído, difuso, pouco concentrado; falamos em uma forma de governo na qual o Estado deve não apenas equilibrar o exercício do seu poder entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas deve também ser fiscalizado e permanecer em diálogo aberto, transparente e regular com a sociedade civil que, por sua vez, deve ser ativa, dinâmica, criadora e livre.

Abismo entre Estado e sociedade civil

A tragédia que assolou o Rio Grande do Sul mostrou, no entanto, que, no Brasil, há uma enorme distância separando o cidadão comum das instituições; mostrou que há um abismo entre o Estado e a sociedade civil, sendo a profundidade desse abismo a medida da crise política que vivenciamos.

A democracia surge com a pólis, cidade-estado grega, na qual se configura também a política enquanto organização de indivíduos livres e pensantes que deliberam, decidem e agem tendo por finalidade a efetivação do bem comum e a manutenção de uma ordem social na qual cada um é livre para buscar por si mesmo aquilo que considera o seu próprio bem.

O bem comum é a razão de ser do Estado e a liberdade é a razão de ser da política. Quando o Estado não assegura o bem comum e, além disso, usa a política contra a sua razão de ser, que é a liberdade, estamos diante de uma grave crise.

Liberalismo e conservadorismo em tempos de crise

A corrupção que se generaliza à medida que o Estado se agiganta faz com que as doutrinas do Estado mínimo se tornem atrativas, embora a realidade brasileira, marcada pela pobreza, pela exploração e pela desigualdade seja campo pouco fértil para o florescimento de um pensamento liberal tout court. Apesar das adversidades, o pensamento liberal foi ganhando corpo e hoje é uma força política considerável no Brasil.

Da mesma forma foi ganhando espaço, no Brasil, a tendência conservadora, que valoriza o ser social em seus vínculos concretos de tradição, costumes, cultura, hábitos e sentimento de solidariedade; visão política que, por sua vez, cultiva prudência e ceticismo em relação ao valor e à eficácia de um planejamento estatal abstrato, desvinculado da experiência real da comunidade.

Esse liberalismo e esse conservadorismo difusos – talvez sequer bem compreendidos em seu sentido mais conceitual e rigoroso por aqueles que os expressam – deram um tom sui generis à ação e à narração daqueles que se prontificaram a ajudar o Estado a fazer o seu papel por ocasião do desastre ambiental que trouxe o caos ao Rio Grande do Sul.

Medo da ordem espontânea e censura

A força da mobilização espontânea da sociedade e o entusiasmo que acompanhou a descoberta dessa força foi tão grande que aqueles cujo poder só se perpetua devido à nossa dependência e subserviência sentiram-se ameaçados.

Enquanto a comunidade organizava forças-tarefa de voluntariado em redes solidárias para resgate e apoio aos atingidos pelo desastre natural, o Governo Federal organizava uma “Sala de Situação” para monitorar e censurar postagens nas redes sociais.

O Ministro-chefe da Secretária de Comunicação Social do Brasil, Paulo Pimenta, misturou opiniões críticas ao governo, desabafos exasperados de cidadãos comuns, versões de temas controversos, algumas notícias sabidamente falsas, listou tudo junto, assinou um ofício e encaminhou o material à Justiça para um novo inquérito das fake news, com uma recomendação suplementar de “botar para f…nos caras” e tratar como “quinta-coluna” e “criminosos” todos aqueles que ousaram expressar suas dúvidas a respeito da onipotência benéfica do Estado.

Poder e propaganda: Pimenta no JN 

Mas nem só de repressão vivem os regimes autoritários. A propaganda é alma do negócio. Sendo assim, vamos assistir ao mesmo ministro da Secom, Paulo Pimenta, ser entrevistado, ao vivo, em horário nobre, no Jornal Nacional, sobre o referido pedido de investigação das pessoas que supostamente divulgaram desinformação.

Justiça seja feita, Willian Bonner teve ao menos a hombridade de comentar que, entre as postagens encaminhadas por Pimenta para investigação, algumas não tinham “uma característica tão clara de fake news”, mas sim “a característica de uma crítica ou de um comentário crítico ao governo”.

Bonner não insistiu quando o ministro da propaganda do governo Lula sofismou em torno da pergunta sobre o critério usado para incluir tais postagens meramente críticas no referido inquérito. De toda forma, o experiente jornalista se equilibrou entre o dever de perguntar e a polidez de não tentar forçar o entrevistado a responder. 

O servilismo escancarado ficou por conta mesmo da moça do governo na Globo News, que causou indignação ao se referir de modo bastante infeliz à ação dos voluntários no Rio Grande do Sul.

A cauda longa do governo na Globo

Em vídeo bastante difundido nas redes sociais, Daniela Lima afirma que “eles” (referindo-se às pessoas que supostamente disseminam fake news) “usam vídeos falsos, descontextualizados, para dizer que quem tá salvando o Rio Grande do sul no braço são os voluntários, são os civis”.

No referido trecho do seu programa alegadamente jornalístico, a cheerleader do governo Lula pede — com o seu didatismo pedante, cheio de uma gesticulação peculiar — que o telespectador salve o termo “cauda longa”. Segundo a douta, a ideia de que “civil salva civil” seria essa tal cauda longa: “Essa ideia tá incutida em toda lá (sic). É para dizer que o Estado é lento, que o Estado não chega, que o Estado é preguiçoso, que o Estado nada está fazendo.

Se eu que estou aqui, no conforto da minha casa sequinha, longe das enchentes, fiquei indignada com esse vídeo, como não terão se sentido os civis que estão lá no Rio Grande do Sul, com o pé na lama e a mão na massa, resgatando pessoas e animais, recolhendo e distribuindo doações, levantando pontes e improvisando abrigos?

Não é justo que se hostilize o esforço de mobilização do Estado, pois os bombeiros, os policiais, os militares e todos os outros servidores públicos que foram enviados para a missão no Rio Grande do Sul são também brasileiros solidários, dispostos a estender a mão ao seu semelhante e a fazer o seu melhor. Mas tampouco é justificável o esforço autoritário na direção da censura ou o menosprezo pela mobilização autônoma da sociedade civil.

Fake news e democracia

Em um momento trágico e delicado, o governo Lula agiu para calar as críticas, sufocar a dissidência, perseguir opositores e tentar impedir que o povo tomasse consciência da sua própria força, da sua própria grandeza, da sua própria capacidade de se organizar de maneira espontânea, solidária e eficiente.

Fake news não é crime. É apenas um termo vago como tantos outros, manipulado pelos que detêm o poder e que farão de tudo para não perdê-lo, inclusive avançar a censura a fim de perpetuar esse status quo injusto no qual o Estado esmaga e rouba o pagador de impostos, ao mesmo tempo em que incha com as regalias concedidas à sua elite burocrática à custa de suor e sangue do brasileiro que se vê agora ameaçado no seu mais básico direito de reclamar.

Os que não somos socialistas jamais aceitaremos que, sob pretexto de defender a “democracia”, o Estado cale as críticas dos cidadãos com a alegação estapafúrdia de defender a honra das instituições.

A “honra” de uma instituição está no cumprimento fiel de sua função. Se as instituições brasileiras se desmoralizam pela falta de ética dos indivíduos que as compõem, não é silenciando as críticas e as denúncias que essas mesmas instituições serão preservadas.

O avanço da censura sob o pretexto de defesa da democracia é apenas um dos sinais de que a democracia está morrendo. Mas ela pode reviver. Porque a democracia não é apenas um regime político concreto; é também um ideal aberto de igualdade, liberdade e justiça que, em sociedades livres, pode ser concretizado em formas diferentes e novas.

Aqui no Brasil, nossa democracia pode ressurgir da lama, como aquela ponte erguida “no braço” pelos civis. 

“Civil salva civil” não é “cauda longa”, não é fake news; é o valor heroico da união e da solidariedade que pode redimir o Brasil.

Estratégia Ambiental

Há tempos defendo que o Brasil adote uma moderna agenda ambiental como cartão de visitas de nosso país na arena externa. As razões são claras, uma vez que possuímos protagonismo natural para lidar com o tema e depois da Rio 92 assumimos uma posição de destaque nas esferas de poder internacionais pautando o debate ambiental. Lembro que rejeitar esta agenda é também se afastar de um ativo estratégico. Para o Brasil, mais do que abraçar, é preciso se reconciliar com o tema, tornando-se novamente referência de políticas e ações que geram eco e ressonância externa.

O Brasil, entretanto, vem se movimentando de forma errática neste campo, o que levou o país a abandonar o protagonismo adquirido na década de 1990. O mais recente debate nacional sobre meio ambiente mostra uma perda de liderança, ao tragar o assunto para arena polarizada da política, sem qualquer movimento de convergência, que deveria ser a tônica usada por nosso país como liderança internacional.

Adotar uma estratégia inteligente, calcada em políticas públicas modernas, que usem o meio ambiente como ativo essencial do Brasil frente aos mecanismos da nova economia, pode tornar nosso território um ponto central diante do novo cenário mundial. Caberia ao país tomar esta decisão de forma sábia, usando um ativo natural único no planeta, capaz de impulsionar nossa economia e peso internacional a patamares jamais vistos.

Infelizmente setores do país insistem em duelar com esta realidade, rejeitando a pauta ambiental, jogando-a para patamares inferiores de discussão, como se uma economia virtuosa somente fosse possível de ser alcançada longe destas políticas. Na verdade, a realidade está em lado oposto: diante da nova realidade exterior, uma economia virtuosa somente é possível de ser alcançada quando suas políticas se encaixam de forma inteligente na pauta ambiental, como entes complementares.

Isto significa que uma economia verde é uma excelente oportunidade para o Brasil subir de patamar, já que conta com uma matriz energética limpa, motores movidos a etanol, de fonte renovável, e poderia fazer muito mais na recepção deste mundo novo de oportunidades. Segundo o Banco Mundial e a OIT, a projeção de aumento no PIB brasileiro, em função da economia verde, é de R$ 2,8 trilhões. E com isso podem surgir 7,1 milhões de empregos só aqui no Brasil. Uma verdadeira revolução.

Neste mundo, entretanto, não existe espaço para erros como vimos no Rio Grande do Sul. Depois de vencer o desafio das enchentes, com aportes e investimentos vindos do mundo inteiro, o estado terá oportunidade de construir um modelo sustentável que dialogue com o meio ambiente de forma eficiente e inteligente, fazendo com que a economia gaúcha possa crescer a níveis jamais vistos. É uma crise profunda, mas que assim como outras, geram incontáveis oportunidades, construindo um ambiente seguro para que catástrofes como esta jamais se repitam.

As oportunidades para o Brasil estão postas nesta nova realidade. Ao optar por abraçar um modelo de governança moderna, agenda social segura e economia que dialogue com o meio ambiente de forma complementar, nosso país pode criar caminhos e oportunidades capazes de mudar a face de nossa nação. É uma decisão que depende de cada um nós.

Rio Grande do Sul: emergência climática ou evento recorrente?

Na economia da atenção, todo assunto importante precisa ser reduzido a um simplismo binário. Tem sido assim com a causa da tragédia no Rio Grande do Sul.

Não há tempo para ouvir, para compreender explicações complexas. É preciso falar, defender um lado, expor o outro que está mentindo. Há quem defenda que sempre houve enchentes no Rio Grande do Sul, portanto não é uma emergência climática. E há quem coloque a culpa de tudo no desmatamento e no negacionismo do Bolsonaro.

O geofísico e youtubber Sergio Sacani falou do tema dia desses no podcast Inteligência Ltda. Disse que há exagero e alarmismo sim na militância catastrofista. E que também há exagero e ignorância em quem nega o fenômeno do aquecimento global, que é documentado e tem consequências.

No caso específico do Rio Grande do Sul, sempre houve enchentes. A história da cidade é marcada pelas “enchentes de São Miguel”, em setembro. Coisa antiga, da época da ocupação espanhola, explicada por uma quizila de santos. Da intriga com São Pedro viram as enchentes.

Tudo é cíclico no mundo, argumentam os que negam emergências climáticas ou o aquecimento global. Os cientistas sabem disso. Eles descontam o padrão cíclico dos cálculos e medem se há ou não mudanças. E elas existem para além do normal dos ciclos, inclusive no Rio Grande do Sul.

Seria possível que as leis pró-natureza e medidas de prevenção de enchentes evitassem uma tragédia das proporções que vemos agora? Não sabemos. Mas muitos tratam como se fossem favas contadas. Investiu aqui, evitou o desastre climático ali. Não é tão simples.

Entender a natureza sempre foi primordial para o avanço da humanidade. O ser humano não domina a natureza, é parte dela. Por isso nossas sociedades sempre fizeram o máximo para entender os fenômenos naturais, aprender a lidar com eles e usar isso para melhorar as condições humanas.

O que vai acontecer com uma sociedade que se recusa a entender a natureza? Passou a ser mais importante defender posições imutáveis. Não importam os fatos, ou se é do time emergência climática ou do time evento recorrente. Ambos os times são cheios de certezas, hiperbólicos, implacáveis com quem os questiona e seguros de quem são os culpados por tudo.

Nesse contexto, cabe perguntar que tipo de futuro deixaremos para as próximas gerações. E aqui não falo daquele clichê manjado do catastrofismo à la Greta a destruição do mundo amanhã. O tema é outro, a ideia de futuro que desenhamos para os nossos filhos e netos.

Eu cresci com a ideia de um futuro melhor, um futuro glorioso. Meus avós e bisavós, que cruzaram um oceano fugindo de guerras sangrentas, lançaram-se ao nada acreditando que amanhã seria melhor. Minha geração pensava no futuro e imaginava os Jetsons, os carros voando, robôs inteligentes. Pensávamos na cura do câncer, na juventude eterna. O futuro era bom, valia a pena lutar por ele.

Os jovens de agora são apresentados a um futuro pelo qual nem vale a pena lutar. Está condenado. A catástrofe iminente e a impotência do indivíduo diante do mundo são combustíveis do binarismo que domina a economia da atenção.

Há o grupo que alardeia o apocalipse. Não haverá futuro para os nossos filhos. Tem gente até deixando de ter filhos porque não há futuro. O capitalismo torna inviável a natureza. A ganância sempre vence. Para quê o jovem vai brigar por um futuro desses?

Também há o outro grupo, advogando que nada de diferente acontece. Só que as coisas estão diferentes. Então a desculpa é que não podemos acreditar em nada nem em ninguém. Tudo é uma grande conspiração. A Nova Ordem Mundial quer te transformar em um zumbi. Eles são invencíveis. Para quê o jovem vai brigar por um futuro desses?

Conhecer a natureza e seus ciclos é o que nos trouxe até aqui. Isso precisa incluir também conhecer a natureza humana. Não vamos a lugar nenhum nesse frenesi binário de redes sociais, mas a dopamina e a serotonina são tentadoras.

A luz e a lama no Rio Grande do Sul

Por mais que tentemos escrever sobre solidariedade, as palavras não são suficientes para expressar a beleza de um gesto humano no momento em que o semelhante mais precisa.

O que fica de uma tragédia como essa, que atingiu os nossos irmãos do Rio Grande do Sul, além da lama, da aflição e do medo? Fica o gesto de quem estendeu a mão, de quem entregou um cobertor, de quem arriscou a própria vida, de quem cedeu seu tempo, de quem juntou alguns pertences para doação no intuito singelo de colaborar, o mínimo que fosse.

Diante de uma tragédia, o que se mostra além do caos, é o ato genuíno de compaixão, que nos lembra daquilo que nos foi ensinado em parábolas cristãs mas que pouco sentido fazia até que nos deparamos nós mesmos com o bom samaritano que cada um pode ser quando a frieza do seu coração se dissipa diante do sofrimento do seu próximo.

O que podemos fazer também em respeito à dor dos gaúchos é limitar nossos comentários maledicentes, educar nossa língua ferina, refrear nossa necessidade infantil de apontar o dedo para este ou aquele político em especial, como se houvesse um único culpado para uma catástrofe ambiental na qual todos estamos enredados.

Tampouco é pertinente insistir em teorias ideologizadas que utilizam as mudanças climáticas para justificar radicalismos que nada têm a ver com a questão ambiental.

O que nos falta é coragem para enxergarmos que estamos todos juntos em um mesmo barco que afunda. Somos partícipes de erros e irresponsabilidades coletivas, mas somos, sobretudo, responsáveis pelos nossos próprios atos.

Cada um de nós tem um papel a realizar nesse ensaio cacofônico para que ele se torne uma sinfonia. Cada um de nós é um instrumento que pode se afinar e se harmonizar a fim de ser utilizado por Deus para soerguimento da terra convulsa. Isso pressupõe liberdade e responsabilidade.

Não é livre aquele cujo pensamento está subjugado à ideologia da hora ou cujas ações têm por móbil somente o autointeresse, desconsiderando o apelo ao bem comum, ao cuidado com o outro.

A solidariedade não se submete a partidarismos; a luz que brota do coração humano quando ele se vê fortemente inclinado em direção ao próximo que necessita de ajuda não se confunde com o holofote que jogam sobre si aqueles que se aproveitam das calamidades públicas para a autopromoção.

Todos os políticos deveriam olhar hoje para o Rio Grande do Sul e se envergonhar. Não porque sejam diretamente culpados pelo evento trágico, mas porque aquilo que podem fazer é mínimo diante da catástrofe. E isso mostra quão ridícula é a sua soberba, quão fantasiosa é a sua presunção de que o Estado pode mais do que o povo unido em torno de um objetivo comum.

Tudo o que o Estado brasileiro representa hoje está em descrédito. A opulência, as regalias, as emendas bilionárias, os orçamentos secretos, os desvios por corrupção, os fundos partidários, a ineficiência: tudo isso fica mais gritante diante do cenário de guerra que se avista no Rio Grande do Sul. É como se a lama na qual o estado gaúcho submerge materializasse a lama moral da qual a política brasileira jamais se limpou.

Já passa da hora de acenarmos um adeus para todos aqueles que parasitam a máquina estatal para o seu próprio benefício.

O mundo dá sinais de convulsão: pandemias, guerras, catástrofes ambientais, terrorismo, fanatismo, histerias coletivas: tudo isso soa como uma espécie de trombeta do apocalipse para os mais impressionáveis. Mas, mesmo para os céticos e para os incrédulos, parece prudente aceitar que o momento pede um pouco de reflexão para reajuste.

Aceitemos a nossa falibilidade, paremos um pouco com a nossa intolerância e com a disseminação de um ódio difuso. Voltemos um pouco para o nosso próprio eu a fim de investigarmos onde temos errado e como podemos redirecionar a conduta a fim de nos tornarmos mais úteis. Tragédias como essa deveriam, pelo menos, trazer o espanto filosófico que leva a um minuto de circunspecção e silêncio.

Recado das Águas

O desastre que se abateu no Rio Grande do Sul é uma mensagem que já havia sido telegrafada há tempos, porém negada e rejeitada pelas autoridades. Os sinais de que a natureza reagiria com fúria aos erros e excessos em seu entorno estavam desenhados. Esta enchente de proporções épicas foi precedida por outras e significa um alerta para as próximas que devem chegar. Negar esta realidade é flertar com a irresponsabilidade, o risco e o perigo de perder vidas e dilacerar os pilares de uma economia sustentável.

Porto Alegre é banhada por um lago, chamado Guaíba, que recebe cinco afluentes, chamados de Gravataí, Taquari, Caí, Jacuí e Sinos. Este lago, se encaminha para a Lagoa dos Patos, que deságua no oceano. A enchente em Porto Alegre acontece na medida que o volume de água dos afluentes aumenta em razão das chuvas e a capacidade do lago atinge seu limite, transbordando para dentro da cidade.

A falta de estrutura para evitar a crise nos leva inevitavelmente a um ponto de reflexão que vai muito além do Rio Grande do Sul. A ocupação de encostas no Rio de Janeiro, a contaminação do Rio Doce por dejetos em Minas Gerais e tantas outras ações como construção de cidades em planícies de inundação, são ações que acabam por cobrar um alto preço na medida que o descuido e o negacionismo se tornam moeda corrente em nossas políticas públicas.

Os gestores públicos também precisam encarar o resultado de sua irresponsabilidade. A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023. Até chegar a zero, o investimento para prevenção a enchentes caiu dois anos seguidos e o item chamado “melhoria no sistema contra cheias”, não recebeu recursos ano passado. A mesma situação ocorre com o departamento que cuida da área de águas e esgotos, que opera atualmente com a metade dos funcionários que tinha em 2013.

Entretanto, para além dos culpados, enquanto os gaúchos ainda contam suas vítimas e resgatam sobreviventes, esta tragédia deveria servir para unir o nosso país, por meio do diálogo e união, conversando sobre medidas resolutivas, diretas e objetivas para os desafios que ainda virão adiante, longe das diferenças partidárias e ideológicas. Porém, vemos nossos líderes fazendo política com o desastre, adotando discursos baratos e batidos, falando em orçamento de guerra sem qualquer coordenação ou transparência sobre uso e aplicação dos recursos. No país da impunidade, estamos diante da receita ideal para o desvio e demagogia, uma aliança perfeita para perpetuar o atraso. 

A mensagem recebida pela tragédia é objetiva: Faz-se necessário discutir os efeitos das mudanças climáticas ao invés de rejeitá-las por simples ranço ideológico e aqueles que enfrentarão as urnas este ano estão obrigados a lembrar do brutal recado recebido por esta tragédia. Ainda estamos no momento de doação e salvamento. Porém, devemos aprender com as lições deixadas pela força e volume das águas. A reconstrução deve levar em consideração aspectos ambientais que impedem novos desastres, como evitar construir em encostas e planícies de inundação, manter intacta a mata ciliar e os rios limpos.  A enchente de 2024 deixa um brutal recado. Rejeitá-lo é flertar com o caos e se tornar corresponsável por possíveis tragédias futuras. Já passou do tempo de o Brasil parar de brigar com meio-ambiente, entendendo que esta parceria é o mais importante ativo de nosso país.

Foto: Stephanie Keith/Getty Images

“Mein Kampus”: a loucura antissemita nas Universidades

As Universidades foram tomadas, nas últimas semanas, por acampamentos de manifestantes radicais pró-Palestina. Os estudantes em protesto não defendem apenas um cessar-fogo em Gaza, mas, como pode ser constatado em inúmeros vídeos difundidos pelas redes sociais, clamam pela aniquilação de Israel com urros e gritos de ordem e agridem verbal e fisicamente estudantes judeus que ousem confrontá-los ou entrar no Campus.

Como entender esse extremismo estudantil que incorre em um dos ódios mais arraigados da história, o ódio contra os judeus? Como compreender o aumento exponencial da intolerância justamente dentro do ambiente universitário, que nasceu com a missão de libertar o pensamento humano de suas amarras dogmáticas, sejam elas teológicas ou ideológicas?

Um artigo do autor e colunista Ross Douthat, publicado no jornal The New York Times traduzido pelo jornal brasileiro Estadão nos dá uma pertinente interpretação: o problema está no currículo das universidades, naquilo que os jovens são obrigados e estimulados a ler nas Instituições de Ensino Superior.

O currículo de ciências humanas da Universidade de Columbia

Segundo o analista político americano, na porção do currículo básico da Universidade de Columbia que lida majoritariamente com a ciência política, as leituras pré século XX seguem padrões tradicionais como Platão, Aristóteles, Agostinho, Hobbes, Locke, Rousseau, Maquiavel e leituras complementares sobre a conquista das Américas, a Declaração de Independência, a Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos EUA, etc. Mas, então, diz ele, chega o século XX e é aí que o caldo entorna:

De repente o escopo se estreita, restringindo-se a preocupações progressistas e somente a essas preocupações: anticolonialismo, sexo e gênero, antirracismo, meio ambiente. Frantz Fanon e Michel Foucault. Barbara Fields e o Coletivo Combahee River. Reflexões sobre o comércio escravagista transatlântico e como a mudança climática é um ´déjà vu colonial.´”

Embora algumas dessas leituras valham a pena, o foco exclusivo nessas questões, em detrimento de outros problemas ou mesmo de outras perspectivas para abordar os referidos problemas mostra evidentemente um “conjunto de compromissos ideológicos muito específicos”. Para compreender o mundo posterior a 1900, explica Ross Douthat, os alunos de Columbia só leem textos de uma perspectiva da esquerda contemporânea:

Nas leituras do século 20 presentes no currículo de Columbia, a era do totalitarismo simplesmente se dissipa, deixando a descolonização como o único grande drama político do passado recente. Não há Orwell nem Solzhenitsyn; nem os ensaios de Hannah Arendt sobre a Guerra do Vietnã; e os protestos estudantis nos EUA estão no programa, mas não ´As Origens do Totalitarismo´ nem ´Eichmann em Jerusalém´.

Também estão ausentes leituras que trariam à luz ideias que a esquerda contemporânea tem combatido: não há nada sobre neoconservadorismo, certamente nada sobre conservadorismo religioso e também não há nenhuma análise sobre o liberalismo em todas as suas variantes. Não há Francis Fukuyama, nenhum debate sobre o “fim da história” [….] E nenhuma leitura coloca foco em aspectos tecnológicos ou espirituais do presente nem oferece críticos culturais com alguma perspectiva não progressista — nada de Philip Rieff, nem Neil Postman, nem Christopher Lasch.

[…] Conservadorismos de qualquer tipo estão naturalmente fora de questão. Manejos centro-esquerdistas também soam como vender a si mesmo. Não há nenhum caminho claro para lidar com muitos dos principais dramas do nosso tempo.”

Uivo de raiva

Nesse ponto, faço uma digressão para indicar outro bom artigo publicado recentemente sobre as manifestações em Columbia. No texto “A howl of rage against civilisation (um uivo de raiva contra a civilização), o analista político britânico e colunista da revista Spiked, Brendan O’Neill escreveu:

“Quão tolos fomos ao pensar que a educação poderia libertar os jovens da obscura ignorância do passado. Hoje em dia, foram os mais instruídos, os habitantes da academia, que permitiram que o ódio mais antigo do mundo os dominasse. Podemos agora ver as consequências de ensinar os jovens a serem cautelosos em relação à civilização ocidental e a tratar tudo o que é “ocidental” como suspeito e perverso. Tudo o que lhes resta é a atração da barbárie, a crença demente de que até a selvageria pode tornar-se louvável se o seu alvo for ´o Ocidente´.

Vejam que ambos os artigos mostram a relação de causa e efeito entre um currículo no qual os jovens são condicionados a odiar o Ocidente e o aparentemente incompreensível caos atual provocado nas universidades pelos estudantes radicalizados, que, sob pretexto de defenderem a paz em Gaza, alastram como um barril de pólvora um antissemitismo cada vez mais ostensivo e uma intolerância cada vez mais doentia.

Voltemos, porém, para o artigo do Ross Douthat, que aborda o problema do currículo acadêmico de Columbia, que certamente é semelhante ao de grande parte das universidades ao redor do mundo. O autor chama atenção para o fato de que os jovens estão sendo expostos a uma leitura reducionista da realidade em um mundo extremamente complexo: “a mudança climática é onipresente, mas o ativismo ambiental deve ser mesclado de algum modo com ação anticolonial e antirracista.” Esse é o limitado horizonte de análise no qual o jovem universitário de Columbia e de outras universidades está sendo formado. Trata-se de um “estreitamente intelectual e histórico dramático” cheio de consequências.

Israel como bode expiatório e o antissemitismo como virtude

A primeira consequência desse embotamento intelectual em massa da juventude é uma espécie de mistificação e simplificação das coisas, que usa as relações de poder de um passado distante mal compreendido para entender o século XXI: “se você estiver disposto a simplificar e aplainar a história — especificamente a história do século XX — é mais fácil fazer essas preocupações caberem na questão Israel-Palestina. Com sua posição incomum no Oriente Médio, sua fundação relativamente recente, sua relação próxima com os EUA, seus assentamentos coloniais e sua ocupação, Israel acaba figurando como bode expiatório para pecados de finados impérios europeus e regimes supremacistas brancos”, escreve o articulista do New York Times.

Para ele, reconhecer “que Israel é um tipo de inimigo de conveniência para uma visão de esquerda que sem isso fica sem correspondências no mundo real para suas teorias” não é pretexto para eximir o governo israelense de falhas e poupá-lo de críticas, é, sim, uma chave interpretativa para explicar porque o atual conflito em Gaza teve tanta repercussão enquanto outras guerras são ignoradas e porque essa suposta comoção em torno da crise humanitária em Gaza descamba “tão rapidamente da crítica para a caricatura, da simpatia aos palestinos para narrativas favoráveis ao Hamas, da condenação às políticas de Israel para o antissemitismo”.

O que está por trás dos atuais protestos antissemitas nas maiores universidades do mundo é a vitória momentânea de determinadas ideias, de uma visão de mundo empenhada em encontrar inimigos e que agora “agarra-se a Israel com uma sensação entusiástica de vingança”, que cede facilmente ao ódio. Esse espírito de vingança do nosso tempo é audacioso e desavergonhado porque acredita poder se passar por virtude.

Esse é o ponto enfatizado pela escritora Joanna Williams em seu artigo “How anti-Semitism became a virtue on American campuses” (Como o anti-semitismo se tornou uma virtude nos campi americanos), publicado na Spiked.

Ao comentar o caso das ex-reitoras de Harvard e da Penn – que, interpeladas no Congresso americano mostraram-se relutantes em reconhecer que apelar ao genocídio de judeus violava os códigos de conduta institucionais – Joanna Williams destaca que, com frequência, o antissemitismo não é contestado pelos gestores universitários e que, tendo em vista esse endosso acrítico, os protestos estudantis “são menos um desafio à ideologia da elite e mais uma demonstração prática de valores institucionais”.

Diversidade, equidade e inclusão?

A diversidade, a equidade e a inclusão (DEI) se tornou, segundo a autora, a ortodoxia universitária, mas, paradoxalmente, estas políticas supostamente antirracistas não estendem a proteção aos judeus:

É tentador gritar hipocrisia, mas isso tira o foco. Não é verdade que a política de identidade que alimenta as iniciativas da DEI simplesmente tenha um ponto cego para o povo judeu. Muito pior, ao classificar os judeus como “hiper-brancos” e, portanto, racialmente privilegiados, a política de identidade na verdade legitima a intolerância antijudaica”, explica a colunista da Spiked e continua:

Desde o início da sua educação, os estudantes de hoje absorveram uma compreensão grosseira de que as pessoas podem ser classificadas em diferentes grupos de acordo com a cor da pele, gênero e sexualidade, sendo que cada grupo tem um estatuto distinto como privilegiado ou oprimido. Exercícios inspirados na teoria crítica da raça, concebidos para levar as crianças a verificarem os seus privilégios, acompanham aulas de história que encorajam os alunos a insistirem apenas na vergonha das antigas potências coloniais. Em vez de considerar os ganhos da era dos direitos civis, os alunos são ensinados a ver a injustiça racial como um continuum sem fim, que vai da escravatura às leis Jim Crow e termina com o assassinato de George Floyd”.

Iludidos

Segundo a autora, as instituições de elite da América absorveram essa mensagem. Os seus estudantes, doutrinados na visão de que o mundo pode ser dividido entre opressores e oprimidos, foram ensinados a odiar o seu país. Notem que, em várias das manifestações recentes, bandeiras dos Estados Unidos foram queimadas pelos próprios estudantes americanos ou arrancadas de seu mastro e substituídas por bandeiras da Palestina. Essa loucura é a consequência de anos de internalização de uma cultura de ressentimento e culpabilização do Ocidente. É nesse quadro de ódio difuso e demência coletiva que se inserem as atuais manifestações estudantis antissemitas:

Neste contexto, alinhar-se com os palestinos e demonstrar hostilidade a Israel faz todo o sentido. Permite que os alunos se identifiquem com um grupo oprimido e se distanciem da sua própria nação e cultura. Não é surpreendente que tal sentimento possa facilmente descambar para o antissemitismo. Os estudantes têm sido iludidos ao pensar que quanto mais extremas forem as suas exigências para a abolição de Israel, e quanto mais vil for o seu ataque aos judeus, melhor demonstrarão a sua própria virtude. Terrivelmente, o antissemitismo passa a ser visto como uma posição moralmente virtuosa”.

O processo de assimilação dessa doutrina antiocidental perpassa todos os âmbitos culturais e pretende retroagir nas conquistas da civilização, abrindo cada vez mais espaço para a mentalidade revolucionária.

O espírito transgressor dos jovens precisa de outros estímulos. É preciso saber conduzir e canalizar o ímpeto juvenil para causas verdadeiramente nobres. Odiar a própria civilização, clamar pelo extermínio de um povo e pela aniquilação de um país soberano definitivamente não deveria ser uma causa pela qual lutar.

Uma enorme falsificação está em curso

O conceito de extrema-direita está sendo usado para promover uma enorme falsificação. Quem for contra Lula, o PT e seu governo, é logo classificado como extrema-direita. Pior, quem for a favor da resistência ucraniana à invasão do ditador Putin e contra o terrorismo do Hamas é suspeito de ser de extrema-direita. Quem for contra o eixo autocrático (a articulação das ditaduras de Rússia, China, Irã e seus braços terroristas, Coréia do Norte, Síria, Cuba, Venezuela e Nicarágua) é olhado como extrema-direita. Quem for contra o BRICS e o “sul global” é acusado de ser de extrema-direita.

A extrema-direita está sendo construída como o inimigo universal e único, às vezes chamado de “internacional fascista”. Com isso se esconde as ameaças do eixo autocrático às democracias liberais e as alianças espúrias de quem promove essa falsificação com as maiores ditaduras do planeta.

Mas são duas – e não apenas uma – as principais ameaças globais contemporâneas à democracia liberal.

Sim, existe de fato uma ameaça de extrema-direita às democracias, juntando ditadores e populistas-autoritários que se articulavam ou se articulam no The Movement e no CPAC e em outras iniciativas. Dela participam ou participaram Putin, Grillo e Casalégio (5 Stelle), Salvini e Meloni, Le Pen, Orbán, Trump e Steve Bannon, o pessoal do Brexit, Wilders, Chrupalla, Weidel e Gauland, Abascal, Ventura, Bukele e Bolsonaro.

Mas ela não é a única ameaça, nem a mais forte, às democracias. Ditadores e neopopulistas de esquerda, articulados no BRICS e no “sul global”, são uma ameaça muito mais premente. Ela reúne ditadores como Putin (novamente), Xi Jinping, Kim Jong-un, Khamenei e a Guarda Revolucionária Iraniana, pelo menos treze grupos terroristas do Oriente Médio (com destaque para o Hamas e o Hezbollah), da Ásia, da África e da América Latina (Canel, Maduro, Ortega). Mas o mais grave é que a esse bloco se alinharam ou estão se alinhando neopopulistas como Kirchner, Funes, Zelaya, Lourenço, Obrador, Petro, Evo e Arce, Correa, Lula, Widodo e Subianto, e Ramaphosa. Esse eixo autocrático em ascensão é, objetivamente, o grande interessado na falsificação de dizer que a extrema-direita é o (único) inimigo universal.

Aliados ao eixo autocrático – sobretudo no Brasil, o PT, mas no plano global todos os que se denominam antifascistas – estão fazendo um carnaval com essa história do bicho-papão da “internacional fascista” de extrema-direita. Caberia perguntar-lhes: quer dizer que Kim Jong-un não é de extrema-direita? E Xi Jinping? E Vladimir Putin? E o aiatolá Khamenei? E o genocida Assad? E o Yahya Sinwar (Hamas)? E o Nasrallah (Hezbollah)? E o Canel, o Maduro e o Ortega? Não são, eles responderão. Afinal, todo esse pessoal é antifascista. Então tudo bem?

E que tal examinarmos os antifascistas presentes no BRICS? Ali não figura nenhuma democracia plena (segundo a The Economist Intelligence Unit 2023). Nenhuma democracia liberal (segundo o V-Dem 2024). Quais os regimes que comparecem nesse arranjo autoritário? Segundo o V-Dem 2024: Brasil – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismos; Rússia – autocracia eleitoral; Índia – autocracia eleitoral; China – autocracia fechada; África do Sul – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismo; Egito – autocracia eleitoral; Etiópia – autocracia eleitoral; Irã – autocracia eleitoral; Arábia Saudita – autocracia fechada; Emirados Árabes Unidos – autocracia fechada. E ainda querem colocar no bolo mais três ditaduras: Venezuela, Nicarágua e Síria.

Todo esse contingente, por ser antifascista, supostamente não ameaça a democracia? Ora, isso é uma falsificação grosseira. Se ditaduras não ameaçam a democracia, seremos obrigados a intercambiar os conceitos de ditadura e democracia. Quem sabe teremos de colocar os trinta regimes piores colocados no ranking do V-Dem 2024, classificados pelo Índice de Democracia Liberal (LDI), no topo da lista.

Quais são esses países? Em ordem de autocratização crescente são: Guiné, Catar, Irã, Uzbequistão, Emirados Árabes Unidos, Gaza, Haiti, Sudão do Sul, Azerbaijão, Rússia, Burundi, Cuba, Guiné Equatorial, Cambodja, Venezuela, Bareim, Síria, Iemem, Chade, Arábia Saudita, Sudão, Tadjiquistão, China, Belarus, Turcomenistão, Afeganistão, Nicarágua, Mianmar, Coréia do Norte, Eritreia. Vários desses, note-se, são países do eixo autocrático atualmente em guerra contra as democracias liberais.

E teremos de colocar no final da lista as cerca de trinta democracias liberais que restaram; a saber, em ordem de democratização decrescente: Dinamarca, Suécia, Estônia, Suíça, Noruega, Irlanda, Nova Zelândia, Finlândia, Costa Rica, Bélgica, Alemanha, França, República Checa, Austrália, Holanda, Luxemburgo, Chile, Reino Unido, EUA, Uruguai, Letônia, Espanha, Itália, Canadá, Islândia, Japão, Taiwan, Barbados, Butão, Coréia do Sul, Seicheles, Suriname.

Assim inverte-se tudo. Basta, para tanto, uma revisão dos conceitos. Tal revisionismo pode ser operado com quatro medidas:

Em primeiro lugar, reduzir democracia à cidadania ou à oferta estatal de bem-estar para o povo pobre (“casa, comida e roupa lavada” dispensadas por um governo popular) ou à luta pela redução das desigualdades socioeconômicas.

Em segundo lugar, avaliar que as mais avançadas democracias do planeta, as democracias plenas, as democracias liberais, são falsas democracias (“democracias burguesas” ou governos do “macho branco no comando”), regimes impostos pelas elites (classistas dominantes ou neocolonialistas) para estabilizar sua forma de dominação e continuar explorando o “terceiro mundo”; ou, agora, o “sul global”.

Em terceiro lugar estabelecer que a democracia não é um valor universal, mas ocidental e que, portanto, tanto faz uma ditadura ou uma democracia: a Rússia ou a Ucrânia, a China ou Taiwan, o Irã ou Israel.

Em quarto lugar, assumir que as autocracias são preferíves às democracias quando se colocam ao lado das grandes massas despossuídas do mundo contra o imperialismo norte-americano e o colonialismo europeu, que supostamente seriam as fontes de todo mal que assola a humanidade.

Uma escalada perigosa

Os ataques usando mísseis e drones feitos pelo Irã contra Israel em resposta a morte de Mohammed Reza Zahedi, alto oficial da Guarda Revolucionária Iraniana, morto em uma explosão no consulado iraniano em Damasco, cuja autoria é atribuída a Israel, por autoridades do país persa, inauguram uma nova fase do conflito na região, este é o primeiro ataque militar do Irã ao solo de Israel e mostra que o país persa está mais altivo na persecução de seus objetivos estratégicos, e mais confiante em sua capacidade de se defender da reação militar de Israel e realizar novos ataques.

O Irã mantinha um padrão de enfrentar Israel usando prepostos, ou seja, armando e treinando outros entes, sobretudo Hamas e Hezbollah. Foram cerca de 300 projéteis disparados contra Israel, sendo estimado que 170 desses fossem aeronaves não tripuladas de emprego único e 130 mísseis balísticos. Jordânia e Arábia Saudita atuaram para interceptar os mísseis e drones, que também foram interceptados pelas Forças de Defesa de Israel.

Era esperado que haveria retaliação iraniana pela morte do líder da Guarda Revolucionária, a novidade é a intervenção direta do Irã ao invés de usar sua rede de organizações aliadas. O que pode ser lido como o marco do programa nuclear iraniano ter conseguido uma massa crítica suficiente e uma rede de apoio envolvendo China e Rússia que minimiza a capacidade israelense de responder ao Irã, aliás a resposta moderada mostra uma complicação do cenário. 

Os ataques iranianos também solidificam a posição dos EUA em prol da defesa de Israel e baixam a capacidade desse ator de manobrar por um cessar-fogo em Gaza. É interessante notar os próximos passos de atores regionais relevantes, como Emirados Árabes Unidos e Jordânia, bem como potenciais globais como China e Rússia, cada um desses com uma série de interesses em múltiplos tabuleiros.

O Irã mostrou capacidade de atingir Israel, ainda que o Domo de Ferro e a coalizão informal com os países do golfo tenham minimizado o impacto do ataque. É preciso levar em conta que a divisão do gabinete israelense e forte escrutínio que a campanha em Gaza tenha contribuído nos cálculos iranianos, por que foram fatores que em conjunto a contextos geopolíticos mais amplos agiram para temperar a resposta israelense.

A operação militar prolongada e em larga escala na Faixa de Gaza tem consequências econômicas e sociais para Israel e um novo front pode complicar ainda mais essa situação e pode escalar as operações para o norte de Israel.

Muitas dúvidas ainda permanecem, mas podemos ter certeza que o jogo no Oriente Médio está ainda mais complicado e muito mais perigoso.

Investimento, Diálogo e Pragmatismo

Depois de estarmos longe do foco do investimento estrangeiro por quase uma década, existe indicação de que algo está mudando neste panorama. O Brasil voltou a figurar na lista dos 25 países mais atrativos para Investimento Estrangeiro Direto no index publicado pela consultoria Kearney. Nosso país alcançou a 19ª posição como melhor destino para investimentos no mundo, o melhor resultado desde 2017.

Se avaliarmos somente as economias em desenvolvimento, ocupamos o quinto lugar, subindo duas posições e superando o México. Hoje, acima do Brasil, apenas figuram China, Emirados Árabes, Índia e Arábia Saudita. Este é um caminho virtuoso já conhecido pelo nosso país, uma vez que entre 2000 e 2010 ocupávamos o terceiro lugar, ou seja, estamos no caminho certo, trilhando os passos corretamente como no passado.

Existem vários elementos que explicam este movimento, entretanto, se verificou que a proximidade com os Estados Unidos tem se tornado fator preponderante. Isto ocorre porque o mercado vive um período de “nearshoring”, que significa uma tendência das multinacionais em se deslocar para perto das matrizes, uma dinâmica que se fortalece diante das disputas geopolíticas e neste panorama, o Brasil surge como destino seguro.

Ademais, há espaço para se elogiar uma leitura acertada deste cenário por setores do governo brasileiro, especialmente liderados pelo Vice-Presidente Geraldo Alckmin na condução do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Alckmin e Jorge Viana são responsáveis pela guinada na política de comércio exterior e pelos novos caminhos trilhados pela Apex-Brasil com claro impacto no investimento estrangeiro.

Como ex-Diretor da Apex, entendo que é essencial a condução do órgão por alguém dotado de habilidade política. Ao optar por este caminho, o Brasil conseguiu destravar mecanismos essenciais para promoção do comércio exterior e internacionalização que propiciam, como via de mão dupla, a atração de investimentos. Jorge Viana mostrou que acertou na leitura do cenário, na mesma linha da pesquisa da Kearney: “O Brasil não pode ter ‘beicinho com os EUA’, tem que ter como prioridade o crescimento no comércio exterior com eles, afinal, os EUA são os melhores compradores de produtos brasileiros”.

Evidentemente precisamos, ao mesmo tempo, trabalhar políticas de proteção aos interesses nacionais, como fazem União Europeia e Estados Unidos. Isto significa blindar nossos ativos estratégicos essenciais para garantir a segurança do Brasil em serviços fundamentais, fornecendo ao governo uma espécie de sistema de verificação, o poder de opor-se a qualquer transação da qual resulte, direta ou indiretamente, a aquisição de controle de terceiros sobre ativos soberanos em setores como energia, transportes e comunicações.

Vemos que existe um alinhamento propício neste momento, ou seja, o crescimento do Brasil como destino de investimento estrangeiro, o período de nearshoring vivenciado pelas multinacionais e a retomada de uma postura pragmática e objetiva da Apex na condução do tema. Tudo isso explica os degraus que o Brasil vem galgando de volta no caminho de retomada de uma posição de destaque na atração de investimentos. Diálogo e pragmatismo são as cartas mais importantes no jogo do comércio exterior.