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O milagre da segurança de Bukele não fez El Salvador prosperar

Após conquistar um segundo mandato como presidente de El Salvador em 2024, Nayib Bukele prometeu traduzir os ganhos em segurança em prosperidade para o país. Conseguir isso parecia razoável. Afinal, durante anos, a prevalência de extorsão e violência em El Salvador foi um grande impedimento ao crescimento, refletindo uma tendência mais ampla na América Latina, onde se estima que a insegurança prejudique as economias da região em quase 3,5% do PIB.

Mas, apesar da impressionante recuperação na segurança, ressaltada pela queda acentuada nos homicídios desde 2015, quando El Salvador tinha uma das maiores taxas de homicídio do mundo, El Salvador não conseguiu entrar em uma trajetória econômica positiva. A pobreza, na verdade, aumentou nos últimos anos, nos quais o país experimentou as melhorias mais drásticas em segurança. O Banco Mundial agora projeta que o crescimento de El Salvador em 2025 será o mais baixo da América Central.

Diante do alto desemprego, os salvadorenhos continuaram a migrar para os Estados Unidos em grande número — desacelerando apenas nos últimos meses devido às políticas de fronteira mais rígidas dos EUA — revelando uma falta de confiança na direção do país. A ambiciosa visão de Bukele de transformar El Salvador em uma versão centro-americana de Cingapura, um Estado de partido único com uma economia de mercado próspera, parece distante.

O sucesso de Bukele em restaurar a segurança nas ruas de El Salvador lhe rendeu imensa popularidade em El Salvador e reconhecimento internacional. No entanto, as medidas extremas que ele tomou para reprimir gangues de rua não deram lugar a qualquer flexibilização das políticas de mano dura. Em vez disso, El Salvador está entrando em seu quarto ano de “estado de exceção”, no qual a polícia pode prender suspeitos sem o devido processo legal. O país agora tem a maior taxa de encarceramento do mundo, e mais de 85.000 supostos criminosos estão detidos por tempo indeterminado, sem mandados ou datas de julgamento.

São, em grande parte, as ações de Bukele que têm prejudicado a recuperação econômica. Bukele continuou a concentrar poder, eliminando quaisquer restrições ao seu estilo caprichoso de governar, inclusive substituindo juízes da Suprema Corte por membros leais em 2021. Além disso, ele desperdiçou capital político ao buscar iniciativas chamativas em vez de trabalhar nas reformas fundamentais de que o país precisa. Isso levantou preocupações sobre a estabilidade e o Estado de Direito a longo prazo do país, além de dúvidas sobre as prioridades de Bukele.

Embora tenha feito campanha como um outsider anticorrupção, o governo de Bukele agiu com crescente falta de transparência, e ele não conseguiu lidar significativamente com as redes de corrupção arraigadas em El Salvador. O governo concedeu contratos governamentais lucrativos a aliados políticos por meio de processos não competitivos. Bukele eliminou ou expulsou órgãos anticorrupção importantes, como a Secretaria de Transparência e Anticorrupção, a unidade anticorrupção do Ministério da Fazenda e a Comissão Internacional Contra a Impunidade, apoiada pelos EUA, em El Salvador.

Em vez de implementar reformas fundamentais para tornar El Salvador um lugar mais fácil para se fazer negócios, Bukele tem repetidamente adotado políticas questionáveis ​​com benefícios econômicos limitados. Sua adoção do bitcoin como moeda corrente em 2021 alienou investidores institucionais e desencadeou rebaixamentos de crédito, com o Fundo Monetário Internacional condicionando um novo programa de assistência financeira de US$ 1,4 bilhão à dissolução do Fundo de Reserva Estratégica de Bitcoin de El Salvador, no valor de US$ 500 milhões.

Da mesma forma, o cortejo de Bukele à China resultou em uma visita de Estado com o presidente Xi Jinping em 2019 e em alguns projetos de infraestrutura de alto nível — incluindo uma nova biblioteca nacional e um estádio de futebol com conclusão prevista para 2027 — mas não conseguiu mudar a dinâmica de uma relação comercial desequilibrada, na qual as exportações da China para El Salvador cresceram consistentemente, enquanto as exportações de El Salvador para a China diminuíram em grande parte. Apesar das discussões iniciais sobre um acordo de livre comércio em 2024, não há planos para a retomada das negociações.

Mais recentemente, Bukele direcionou seus instintos empreendedores para alugar a capacidade prisional de El Salvador para os Estados Unidos, a fim de abrigar migrantes deportados, por cerca de US$ 6 milhões, uma quantia irrisória considerando o risco legal e reputacional envolvido. O acordo de detenção, uma parceria de alto perfil que traz poucos benefícios para o seu país, mas o aproxima de um líder poderoso, é emblemático do estilo de governo de Bukele, que prioriza a imagem em detrimento da obtenção de benefícios aos salvadorenhos.

Os persistentes problemas econômicos de El Salvador ressaltam a fraqueza central das abordagens autoritárias ao crime. Uma vez que os governos optem por políticas de segurança que minam o Estado de Direito e corroem as instituições, o imperativo de manter os ganhos em segurança convida ao exercício cada vez mais irrestrito do poder, o que naturalmente impede o investimento e o desenvolvimento econômico.

Não espere que El Salvador se torne uma história de sucesso econômico. O poder e o estrelato que Bukele desfruta garantem que seu país permanecerá pobre, com Bukele no centro das atenções.

Educação Transformadora

A integração de tecnologias educacionais no Brasil é um passo crucial para reduzir desigualdades e melhorar a qualidade do ensino. Enquanto países como China, Coreia do Sul e Taiwan já colhem os frutos deste investimento, o Brasil ainda enfrenta desafios como infraestrutura desigual e falta de capacitação docente. Dados do PISA 2022 mostram que estudantes brasileiros estão até 3 anos atrás em matemática e ciências comparados aos alunos desses países asiáticos, onde plataformas adaptativas e inteligência artificial são comuns. Isso significa que a adoção de ferramentas modernas e soluções locais poderiam ajudar a diminuir essa lacuna, especialmente quando falamos em escolas públicas.

Na China, plataformas modernas são usadas para aulas remotas e programas de gestão escolar, enquanto a Coreia do Sul implementou sistemas de inteligência artificial para personalizar o ensino. O Brasil pode se inspirar nesses modelos, adotando tecnologias adaptativas que atendam às diversidades regionais e socioeconômicas do nosso país.

Enquanto isso, Taiwan se destaca pelo uso de realidade aumentada (RA) e gamificação em salas de aula, aumentando em 30% o interesse dos alunos por disciplinas como matemática e ciências. No Brasil, projetos-piloto com RA, como os realizados pelo SESI, já mostram resultados promissores, com aumento de 20% no desempenho em escolas testadas. Se expandidas, essas tecnologias poderiam revolucionar o ensino em áreas rurais e periféricas, onde a evasão escolar chega a 7,6% no ensino médio.

Os países escandinavos, como Finlândia e Suécia, oferecem outro modelo eficaz: a abordagem transversal, onde a tecnologia não é uma disciplina isolada, mas integrada a todas as matérias. Na Finlândia, 70% das escolas usam plataformas digitais para projetos colaborativos, resultando em altos índices de criatividade e resolução de problemas. Aqui, poderíamos adotar essa abordagem, utilizando plataformas não apenas para aulas remotas, mas como parte do currículo diário. Isso exigiria capacitação docente e infraestrutura, porém, os resultados—como mostram os escandinavos—são alunos mais preparados para os desafios do século XXI.  

O impacto potencial do uso da tecnologia na educação seria enorme: estima-se que a implementação em larga escala de tecnologias educacionais poderia aumentar em 25% a proficiência em matemática (como visto em projetos locais) e reduzir a evasão em até 15%. Para isso, é essencial seguir exemplos globais, combinando políticas públicas robustas (como o Plano de Conectividade Escolar do MEC) com parcerias privadas. Se o país investir em infraestrutura, formação docente e inovações como IA e RA, poderá não apenas recuperar o atraso educacional, mas também se tornar um case de sucesso na América Latina. 

Em resumo, a tecnologia na educação não é um luxo, mas uma necessidade para reduzir desigualdades e preparar os estudantes brasileiros para um futuro globalizado. Inspirar-se em casos de sucesso internacional—seja na adoção de IA como na Ásia, seja na transversalidade escandinava—pode guiar o Brasil rumo a um ensino mais dinâmico e inclusivo. É uma chance real de virar o jogo onde mais precisamos.

“Adolescência”, uma tragédia contemporânea

Adolescência, a minissérie de quatro episódios, da Netflix, está fazendo sucesso. O motivo da grande repercussão pode ser o fato de que a produção toca em várias feridas abertas do mundo contemporâneo, vários pontos delicados, várias fissuras no tecido social com as quais aparentemente não estamos sabendo ainda como lidar.

Como, hoje em dia, quase nada passa incólume pelo estúpido processador dos cérebros ideológicos e militantes que costumam deturpar qualquer obra até transformá-las em teses favoráveis a seus limitados pontos de vistas, com Adolescência não foi diferente.

Inicialmente percebi, nas redes, o movimento de rejeição da série dentro da bolha da direita mais reacionária.

Nesse caso, a tentativa de cancelamento vinha acompanhada de pouca argumentação e uma fake news: a mesma Netflix, que costuma mudar a cor da pele de personagens icônicos, como fez com a branca de neve, por exemplo, teria retratado, dessa vez, o criminoso real negro (Hassan Sentamu, de 17 anos, que esfaqueou Elianne Andam, de quinze anos) como um menino branco de classe média e conservador.

Essa tentativa de desqualificar a série foi compartilhada por inúmeros perfis de direita, em vários países, inclusive no Brasil. A série, porém, não é um documentário sobre nenhum caso real específico, mas uma ficção que obviamente se inspira nos inúmeros casos reais de crimes violentos envolvendo adolescentes que aconteceram nos últimos anos no Reino Unido e no resto do mundo.

No outro extremo, temos a militância progressista, explorando exaustivamente a série como se se tratasse ali apenas da corroboração da ideia de uma “masculinidade tóxica”: o menino que esfaqueou a menina não é “mau”, é o resultado da sociedade estruturalmente machista, do pai bruto, brutalmente educado e da permissividade das redes sociais.

A série, porém, é maior do que o debate ideológico que se criou em torno dela. Li e assisti algumas das várias análises disponíveis por aí. Eis uma interpretação com a qual concordo: a série Adolescência, da Netflix, é uma tragédia contemporânea.

A tragédia, gênero literário clássico, que surgiu na Grécia, era profundamente marcada pela fatalidade, pelo confronto entre a vontade dos homens e a vontade dos deuses; esses últimos simbolizavam as forças desconhecidas, que estavam acima da compreensão humana, que não se deixavam racionalizar. Os conflitos entre razão e paixão, ética e desejo eram expostos em toda a sua crueza, induzindo à catarse do público, mas os dilemas morais apresentados não apresentavam uma solução clara.

Assim me parece que o enredo de Adolescência é trabalhado. Ou, pelo menos, foi assim que ele ressoou em mim. Um menino de 13 anos, Jamie, esfaqueou e matou uma sua colega de mesma idade. Durante todo o filme, nós, os espectadores, tentamos digerir, acomodar internamente esse fato.

Assim como Eddie, o pai do menino, passamos o começo do filme negando a realidade, acreditando nas palavras do garoto: “eu não fiz nada errado. Eu sou inocente”. Diante das provas cabais, passamos, então, a esperar uma explicação razoável, algo que justifique o ocorrido.

Muitos contextos são levantados: o bullying sofrido, a radicalização online, o ambiente escolar caótico e desrespeitoso, o machismo, o universo dos incels, a falta de vigilância, a agressividade latente do pai…todos esses contextos têm algum potencial explicativo, mas a conta não fecha. Parece faltar alguma peça nessa quebra-cabeça. De quem é afinal a culpa? Eis a questão.

Todos têm um pouco de culpa. A culpa é de todos. E se é de todos, não é de ninguém. Isso gera no espectador um profundo mal-estar. E por falar em mal-estar…Freud continua, em muitos aspectos, incontornável.

A civilização é um verniz, uma superfície. Nas suas entranhas, no psiquismo dos indivíduos que formam a coletividade, estão reprimidos instintos sexuais e agressivos profundos. Em “O mal-estar da civilização”, Freud trabalha o conceito de Thanatos, a pulsão de morte, o impulso destrutivo presente no ser humano.

A série deixa transparecer, principalmente na caracterização do ambiente escolar, uma sociedade fragilizada e neurótica. Jovens entrando em contato com seu universo interior em erupção sem encontrar nos adultos modelos, freios, valores claros, diretrizes morais firmes.

Mas esse caos é menos uma descrição do que vivenciamos do que a explicação que buscamos. Um jovem de treze anos, inteligente, de classe média e família normal esfaqueia a sua colega. Esperamos entender o porquê. Mas o mal é absurdo e o absurdo não tem explicação.

O primeiro passo para combater o mal é admitir que ele existe. Santo Agostinho negou a existência ontológica do mal, mas admitiu a existência do mal moral ou pecado. Ele é resultado da má escolha da vontade humana; é a privação do bem causada pelo uso incorreto da vontade pelo ser humano.

Todos nós somos livres, imperfeitos e por isso vulneráveis ao mal. Os adolescentes são mais vulneráveis ainda. Eles precisam de nós para lhes apontar o certo e o errado, o bem e o mal, para ajudá-los a solidificar valores, lidar com frustrações, entender o mundo, moldar seu caráter, formarem-se a si mesmos.

Entendo a importância de se discutir, a partir da série, o problema da misoginia, do bullying, das redes sociais, da radicalização, do hiato que existe entre essa geração totalmente digital e nós que nos formamos em um mundo ainda analógico. 

O problema é que, no fundo, ninguém sabe muito bem como fazer isso e, normalmente, os especialistas que oferecem alguma panaceia para tantos problemas contemporâneos não são as pessoas mais confiáveis.

Não sei se há mérito ou demérito nisso, mas eu costumo optar por expor minha incipiência e limitação quando estou diante de algo que não consigo abarcar. Como mãe de adolescente, sinto-me, muitas vezes, perplexa e insegura diante da responsabilidade que essa função requer.

Abraço o meu filho muitas vezes, oriento, cuido, educo, brigo, beijo, vigio, alerto, mas sei que há muitas coisas que fogem ao meu controle. Preciso confiar nele, na sua força interior, na luz que ele traz em si e na luz que ele recebe do alto.

Apesar de todos os cuidados no ambiente doméstico, o futuro se abre diante de nós como um misto de ameaça e esperança. 

Somos constantemente tensionados pela expectativa em torno da felicidade de nossos filhos. Esses filhos, porém, são indivíduos. Maduros ou não, estão no mundo. Caberá a eles trabalharem em si suas potencialidades e suas limitações.

O aspecto social reflete os indivíduos que somos e somos o que fazemos de nós mesmos. Nossos pais fizeram o possível; nós também estamos fazendo o nosso melhor. Será suficiente? Não sabemos.

Estamos todos como Eddie, o pai de Jamie, na cena final da série: desesperadamente agarrados aos ursinhos dos nossos filhos adolescentes, tentando reter um pouco mais a infância, a ingenuidade, a inocência, a pureza que se esvai. 

Apertamos o ursinho contra o peito, querendo proteger com nosso corpo, com nossa própria vida aquele que agora precisaremos proteger à distância.

Para além da nossa presença física, a nossa proteção se dará doravante como eco das nossas palavras corretas em suas consciências, em um momento de dilema ético; como lembrança das nossas demonstrações inequívocas de afeto, em um momento de aguda angústia moral.

Eles sabem das nossas fragilidades e das nossas limitações. Eles perdoarão os nossos deslizes e nós deveríamos nos perdoar também. O nosso amor os acompanhará para sempre. Essa é a única proteção possível que estará sempre ao nosso alcance.

Conheça o novo submundo do crime digital: você sabe o que seu filho faz na internet?

É hora de uma reflexão honesta: você sabe mesmo o que seu filho faz na internet? A pergunta pode parecer exagerada, mas não é. O submundo do crime digital está dentro de casa, nos fones de ouvido dos adolescentes, nas telas dos jogos e nas conversas em grupos fechados. E a maioria dos adultos não faz ideia do que acontece ali.

O episódio recente da ameaça de bomba no show da Lady Gaga é um exemplo. A primeira reação foi pensar em crime de ódio, terrorismo, fanatismo. Mas não. O responsável fazia parte de um dos muitos grupos que se organizam online, não por ideologia, mas por pura perversão. Outro caso recente envolveu um grupo que planejava uma live no Discord durante o domingo de Páscoa para transmitir a tortura de um morador de rua e a morte de um coelho. Isso mesmo: live. Como se fosse entretenimento.

Esses grupos são transnacionais. Em uma aula sobre o tema para autoridades, que ministrei recentemente com um delegado da Polícia Federal, vimos o caso de um grupo brasileiro coordenado por um rapaz de 17 anos, preso em Portugal. Aqui, ele não poderia ser preso. Lá, foi. Aliás, nossas polícias têm tido um trabalho incrível prevenindo tragédias e punindo culpados.

Há outros casos. Tem o que alicia meninas em chats de games, que conquista pela conversa e pela promessa de pertencimento. Em posse de nudes ou senhas delas, elas viram o espetáculo macabro para os outros integrantes da panela. Geralmente são espetáculos de automutilação ou exibição sexual, às vezes com meninas de 12 ou 13 anos.

O nome disso? Paneleiro. Se você nunca ouviu essa palavra nesse contexto, é porque você não tem a menor ideia do que seu filho faz na internet. E isso é grave.

Pais e autoridades não estão de braços cruzados, estão preocupados. Mas talvez errando o alvo. Os pais, em geral, estão mais preocupados com o discurso do influencer no Instagram ou nas outras redes. As autoridades, quando se manifestam, vão atrás do vídeo de discurso de ódio, ou discutem se um conteúdo deve ser derrubado.

Não é disso que se trata. Não é o convencimento que recruta esses adolescentes. É o vínculo social. É a rede. E esses criminosos estão infiltrados em grupos de debate político, fingindo que são militantes. Estão em grupo de dica de livro, em grupo de coach, em fórum de vulneráveis emocionais. E de lá, vão levando os jovens a grupos em que eles se sintam acolhidos. Alguns revelarão suas perversões, outros serão feitos de vítimas.

Muitos desses jovens agem como se estivessem em um jogo. Não têm empatia. E quando são presos parecem inofensivos. São chorões. Estudam. Falam línguas. Têm aparência cuidada. É a nova cara do crime.Um dos envolvidos na ameaça do show da Lady Gaga já está solto.

E enquanto isso, os pais continuam acreditando que os perigos estão na rua. Mas, hoje, a rua está dentro de casa. E se chama internet.

Na infância, nossos pais nos preparavam para os perigos da rua: cuidado com desconhecidos, não aceite carona, desconfie de estranhos. Hoje, a criança não sai mais de casa, só que os perigos entraram pela porta e os pais não sabem reconhecê-los. Proibir um adolescente de estar na internet é como proibir alguém de sair de casa em 1980. Não funciona. Vai fazer com permissão ou sem, são jovens. O que funciona é informação, conversa e vigilância real. Os tempos mudaram. A criminalidade também. Os pais e autoridades precisam acordar. A conscientização é urgente.

É uma vergonha democratas não criticarem o BRICS 

É inacreditável – e inaceitável – que não haja uma oposição democrática no Brasil criticando o governo Lula por participar e querer até liderar o BRICS.

O BRICS, originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China em 2009 (com a adesão da África do Sul em 2010), expandiu-se significativamente em 2024 e 2025. Deixou de lado o disfarce de bloco econômico e assumiu seu objetivo político de aumentar a influência do Sul Global (uma espécie de terceiro-mundismo requentado) no combate ao imperialismo norte-americano e o neocolonialismo europeu, quer dizer, em oposição à ordem internacional liberal e às democracias liberais.

QUEM SÃO OS PAÍSES BRICS

Em 2025, o BRICS é composto por membros plenos e países parceiros, conforme detalhado abaixo, com base em informações recentes e confiáveis:

Membros Plenos do BRICS

Os países que atualmente são membros plenos do BRICS, com direito a participar de todas as reuniões e tomar decisões por consenso, são:

Brasil – Democracia eleitoral (não-liberal), flawed, parasitada por governo neopopulista.

Rússia – Autocracia eleitoral.

Índia – Autocracia eleitoral.

China – Autocracia fechada.

África do Sul – Democracia eleitoral (não-liberal), flawed, parasitada por governo neopopulista. (Por erro ou vezo ideológico o V-Dem promoveu a África do Sul à democracia liberal no seu relatório de 2025, mas é melhor ignorar esse percalço).

Egito (aderiu em 2024) – Autocracia eleitoral.

Etiópia (aderiu em 2024) – Autocracia eleitoral.

Irã (aderiu em 2024) – Autocracia fechada.

Emirados Árabes Unidos (aderiu em 2024) – Autocracia fechada.

Indonésia (aderiu em janeiro de 2025) – Autocracia eleitoral.

Nota: A Arábia Saudita (Autocracia fechada) foi convidada a se tornar membro pleno em 2023, mas sua adesão ainda não foi oficialmente confirmada, embora algumas fontes indiquem que ela já participa como membro.

Não há nenhuma democracia liberal (V-Dem) no BRICS. Não há nenhuma democracia plena (The Economist Intelligence Unit) no BRICS.

Entre os 10 membros plenos do BRICS, 8 (80%) são ditaduras.

Países Parceiros do BRICS

Os países parceiros são uma categoria criada em 2024, durante a Cúpula de Kazan, na Rússia, para integrar nações em um estágio preliminar antes da possível adesão como membros plenos. Esses países participam de cúpulas e reuniões temáticas, mas não têm direito a voto ou aprovação de documentos. Os atuais países parceiros, confirmados a partir de janeiro de 2025, são:

Belarus – Autocracia eleitoral.

Bolívia – Democracia eleitoral (não-liberal), flawed, parasitada por governo neopopulista.

Cazaquistão – Autocracia eleitoral.

Cuba – Autocracia fechada.

Malásia – Democracia eleitoral, flawed.

Nigéria (confirmada como parceira em 17 de janeiro de 2025) – Autocracia eleitoral.

Tailândia – Autocracia eleitoral.

Uganda – Autocracia eleitoral.

Uzbequistão – Autocracia fechada.

Entre os 9 membros parceiros do BRICS, 7 (78%) são ditaduras.

Nota sobre outros países convidados

Durante a Cúpula de Kazan, em outubro de 2024, 13 países foram convidados a se tornarem parceiros, mas apenas os nove listados acima confirmaram sua participação até janeiro de 2025. Os outros quatro países convidados — Argélia (Autocracia eleitoral), Turquia (Autocracia Eleitoral), Vietnã (Autocracia fechada) e Nigéria (antes de sua confirmação em janeiro) — não haviam respondido formalmente até o final de 2024, e Argélia, Turquia e Vietnã ainda não confirmaram sua adesão como parceiros até abril de 2025.

Nenhuma democracia liberal, nenhuma democracia plena

Mais de 30 países expressaram interesse em participar do BRICS, seja como membros ou parceiros. Nenhuma democracia liberal (V-Dem) se interessou. Nenhuma democracia plena (The Economist Intelligence Unit) se interessou.

Conclusão

O BRICS é uma articulação política (inicialmente disfarçada de bloco econômico) composta majoritariamente por ditaduras (79%). O BRICS é hoje um instrumento do eixo autocrático contra as democracias liberais.

Apagão de Soberania

Nesta semana, um colapso energético sem precedentes deixou milhões de pessoas no escuro em pelo menos 12 países europeus, em especial Portugal e Espanha. O apagão, considerado o maior da última década, paralisou transportes, hospitais e redes de comunicação, além de causar prejuízos econômicos estimados em bilhões de euros.

As causas apontadas até o momento falam de um incêndio em uma subestação crítica na Alemanha, passando por um ataque cibernético e até um fenômeno atmosférico raro devido a variações extremas de temperatura no interior da Espanha. Em suma, ninguém até o momento consegue apontar com exatidão o que pode ter acontecido.

Isto nos leva a um ponto que começa a ser discutido em várias nações e recentemente chegou até o Brasil. Por necessidade de investimento, muitos países estão entregando partes significativas de suas infraestruturas para investidores internacionais, inclusive para países que confundem o conceito empresarial com uma espécie de capitalismo de Estado. O resultado é que a infraestrutura de diversas nações hoje repousa sob domínio de países que possuem interesses e agenda próprios.

Em Portugal, a REN (Redes Energéticas Nacionais) é a empresa responsável pela gestão das redes de transporte de eletricidade e gás natural. Funciona como operadora do sistema energético nacional, garantindo a segurança e eficiência do abastecimento de energia no país. Desde 2012, a China State Grid detém 25% de suas ações. Na Espanha, epicentro do apagão, a Red Eléctrica de España, operadora do sistema elétrico nacional espanhol, tem 24,36% de suas ações repousando nas mãos da mesma China State Grid, que desde 2017 tornou-se a maior acionista privada da empresa.

Tanto em um caso como no outro, foram intensos os debates sobre a influência estrangeira em setores estratégicos. O dinheiro chinês, entretanto, falou mais alto. Foram pagos 2,1 bilhões de euros pela Red Eléctrica de España em 2017 e 387 milhões de euros pela participação na Redes Energéticas Nacionais portuguesas em 2012. Isto sem falar na EDP, que gera e distribui eletricidade (com forte presença da China Three Gorges) e na participação acionária chinesa na espanhola Iberdrola S.A.

No Brasil, a China State Grid controla cerca de 14% da rede de transmissão nacional, com o domínio de linhas no Norte e Nordeste e projetos no Centro-Oeste e Sudeste, sem contar com linhas de 1.500 km no Pará e Maranhão e parcerias com Furnas. Desde 2017 também controla 54,64% da CPFL Energia, adquirida por R$ 25,8 bilhões, atuando em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná.

No intuito de evitar a sobrecarga de um país ou companhia em setores sensíveis, o parlamento começou a se mobilizar com a proposta de criação do criação do Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos, um órgão responsável por avaliar e monitorar aportes estrangeiros em setores estratégicos da economia nacional, como já acontece nos Estados Unidos, Alemanha e China em áreas como energia, defesa e tecnologia. A proposta poderá equilibrar abertura econômica e segurança nacional, posicionando o Brasil como um destino atrativo e responsável para investimentos internacionais. Ao diminuir nossa vulnerabilidade, é possível que possamos nos proteger dos riscos enfrentados pela Europa nesta semana. Mais do que ficar sem energia, tudo indica que estes países vivem um apagão em suas soberanias.

O que Lula fará com Lupi e Frei Chico?

Sabe o que o Lula vai fazer com Carlos Lupi, ministro da Previdência, e com o Frei Chico, irmão dele, depois do escândalo dos descontos ilegais em aposentadorias? Nada. E sabe por quê? Porque ele não precisa. Pode até trocar o ministro, mas a aliança política permanece. Não vai faltar espaço no governo para os envolvidos.

Lula não precisa punir ninguém porque, para o lulofetivo, ele pode tudo. O lulofetivo é assim: não precisa de argumento, só de uma desculpa. E a desculpa que encontraram já está circulando. Dizem que na época do Bolsonaro roubaram mais. Mentira. Metade do rombo de seis bilhões de reais aconteceu só no ano passado, no governo do PT. A fraude começou em 2016.

O escândalo é tão baixo que nem os petistas conseguem defender de forma direta. Estamos falando de dinheiro tirado de velhinhos, de aposentados, de pensionista. É o tipo de crime que mexe até com quem já se acostumou com escândalo. Os petistas saem correndo para achar alguma narrativa que possa funcionar, mas não cola porque este é um daqueles escândalos que atingem o fundo moral de qualquer sociedade.

E o mais revoltante é que quem comandava o INSS até a semana passada não era político indicado. Era funcionário de carreira, há mais de vinte anos no órgão. Ganhava bem. Tinha estabilidade. Era alguém que conhecia o sistema por dentro e mesmo assim se envolveu ou permitiu que o esquema acontecesse.

Isso já aconteceu antes. A geração dos anos 1990 lembra da Jorgina de Freitas, que deu o maior golpe da história do INSS até então. Foi presa, solta, e ainda teve a coragem de reclamar da cobertura do caso na imprensa. E mesmo com aquele escândalo enorme, ninguém aprendeu. Ou, pior: quem aprendeu entendeu que compensava delinquir.

É esse o país que a gente tem. Um país em que ser honesto parece coisa de trouxa. Em que funcionário concursado, com salário garantido, resolve roubar porque sabe que dificilmente será punido. E, mesmo se for, não terá a vida destruída como tem qualquer cidadão comum que comete um deslize.

Mas o mais revoltante deste caso é que agora querem que cada aposentado lesado entre sozinho na Justiça para tentar reaver o valor perdido. Não existe uma devolução automática. O aposentado vai ficar na fila. Vai morrer na fila. E o dinheiro não vai voltar.

Por que os sindicatos, muitos deles envolvidos na origem dos desvios, não se organizam para devolver esse dinheiro? Ganharam de volta o imposto sindical no governo do PT. Muitos se beneficiaram diretamente desse esquema. Se ainda existe algum sindicato sério no Brasil, agora é a hora de mostrar. Organizem a devolução. Criem um fundo. Corram atrás dos responsáveis. Se algum sindicato fizer isso, sou capaz de passar a defender sindicato.

Escândalo do INSS e aposentadoria compulsória de Lula

Sobre esse novo escândalo de corrupção federal, dessa vez no âmbito do INSS, uma das manchetes que corre na cobertura televisiva é esta: “Tirando de quem mais precisa”.

A eficácia antigovernamental dessa manchete vem, claro, do fato muito conhecido de que em todos os governos petistas uma das retóricas mais usadas é que tais governos trazem benefícios, especialmente, “para os que mais precisam”.

O escândalo do roubo de aposentados e pensionistas escancara a hipocrisia petista. Roubar velhinhos é o fim da picada.

O marqueteiro Sidônio Palmeira não conseguiu ainda engendrar uma narrativa verossímil capaz de limpar a barra do governo.

A forma como o governo Lula busca se afastar do escândalo é frágil. De modo geral, apresenta-se, com apoio da mídia chapa branca, como agente desarticulador de um esquema de corrupção que teria começado no governo Bolsonaro.

Ocorre que a averiguação dos anos em que foram celebrados os convênios fraudulentos com INSS mostra que alguns são de antes do governo Bolsonaro e outros realizados já neste atual governo.

Além disso, do montante de pouco mais de RS$ 6 bilhões subtraídos dos aposentados e pensionistas, nada menos que 63,75% se deram entre 2023 e 2024; ou seja, na alvorada do governo Lula.

Durante mais de dois anos do governo Lula, os aposentados e pensionistas continuaram a ser roubados descaradamente por associações de classe conveniadas com o INSS com o alegado propósito de lhes prestar serviços.

Dentre os sindicatos e associações envolvidas no escândalo, contam-se velhas aliadas do lulopetismo; uma delas dirigida por Frei Chico, irmão do presidente Lula.

Lula mandou demitir o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, mas não teve coragem de demitir o titular do Ministério da Previdência Social, órgão ao qual o INSS está subordinado.

Esse poderoso ministro é Carlos Lupi (PDT), que, em entrevista ao lado do ministro da Justiça Lewandowski, assumiu total responsabilidade pela nomeação de Stefanutto, a quem elogiou como sendo pessoa “exemplar”.

Tem muita gente exigindo a cabeça de Lupi, inclusive alguns lulistas tarimbados. Diante da dimensão do escândalo, sua permanência seria uma desmoralização para o governo Lula.

Ocorre que, para um governo que conseguiu se eleger mesmo depois de ter protagonizado o escândalo de corrupção da Petrobrás, aparentar moralidade pública pode ser menos importante do que manter alianças partidárias.

Até o momento em que escrevo, Lupi declara que fica, e Lula não declara nada.

Luiz Inácio Lula da Silva é um político resiliente; porém, tudo tem limite e tudo chega ao fim, inclusive a passividade dos brasileiros diante de tais descalabros.

Lula chegou ao seu outono; na idade e na política. É imprescindível que o Brasil prepare sua aposentadoria política compulsória para 2026.

Sua aposentadoria, claro, não vai ser como a de milhões de brasileiros: um salário mínimo com desconto de algumas dezenas de reais surrupiados por convênios de fachada. Será algo mais nababesco.

Que volte, pois, para casa com sua Janja, usufruindo do que milhares de outros idosos não têm condições de usufruir, mas que liberte a vida política brasileira da sua danosa presença.

Legado de Francisco

Desde sua eleição em 2013 como o primeiro papa jesuíta e latino-americano, o pontificado de Francisco foi marcado por um estilo pastoral inovador e um compromisso com a transformação institucional da Igreja Católica. Com ênfase na misericórdia, justiça social e reforma da Cúria Romana, seu papado buscou equilibrar tradição e modernidade, promovendo uma Igreja mais inclusiva e voltada para as “periferias existenciais”. No entanto, sua condução também enfrentou críticas de setores conservadores e desafios persistentes, como os escândalos de abuso sexual e polarização dentro da Igreja. Analisar seu legado exige considerar tanto seus avanços simbólicos quanto tensões entre reforma e continuidade no catolicismo.

Sua ênfase renovada na justiça social e pastoral ficou refletida em suas encíclicas e ações. Documentos como Laudato Si’ (2015) e Fratelli Tutti (2020) reposicionaram a Igreja Católica como voz ativa em debates globais, desde a crise ambiental até a desigualdade econômica. Internacionalmente, Francisco redefiniu o papel diplomático do Vaticano, mediando conflitos, contudo, sua abordagem a regimes autoritários (China, Rússia) foi considerada excessivamente conciliatória em momentos cruciais. Seu legado, em síntese, é o de um reformista político pragmático.

Ele também promoveu mudanças internas significativas, como a constituição Praedicate Evangelium (2022), que reestruturou a Cúria Romana e ampliou a participação de leigos, incluindo mulheres, em cargos de decisão. Seu foco na descentralização buscou equilibrar poder entre o Vaticano e conferências episcopais locais. A criação de mecanismos de transparência financeira, como a Secretaria para a Economia (2014), respondeu a escândalos de corrupção, apesar de ainda vista como incompleta. 

No campo da moral e doutrina, adotou postura pastoral mais flexível, especialmente em questões familiares (Amoris Laetitia, 2016), permitindo maior integração de divorciados recasados. Seus gestos, como a abertura a uniões civis e sua ênfase na misericórdia sobre o rigor doutrinal, geraram esperanças de reformas, mas também tensões com tradicionalistas. Apesar de manter a proibição do sacerdócio feminino, nomeou mulheres para posições de liderança inéditas no Vaticano, como a francesa Nathalie Becquart no Sínodo dos Bispos (2021).

A resposta aos escândalos de abuso sexual revela tanto avanços quanto limitações. Francisco estabeleceu normas mais rígidas para responsabilizar bispos (Vos estis lux mundi, 2019) e revogou o sigilo pontifício em casos de abuso. No entanto, é possível ver falhas na aplicação dessas medidas, como a lentidão em processos canônicos e a falta de transparência em casos envolvendo cardeais influentes. Seu legado nessa área permanece ambíguo: reconhecido por ações sem precedentes, mas ainda questionado por vítimas e reformistas.

Ao fim e ao cabo, o Papa que se despede deixa um legado importante para o catolicismo, tendo conseguido mover suas estruturas parcialmente, porém, em pontos basilares. Aquele que virá encontrará um ambiente muito diferente daquele com que Francisco se deparou e podemos considerar isso um sinal positivo, algo que aproximou os católicos da Igreja de Pedro.

Um programa para o centro democrático

Uma coisa é certa. O centro democrático definirá o resultado da próxima eleição. Tenha ou não candidato.

Mas se o centro democrático não tiver candidato em 2026 será obrigado a votar em um dos polos populistas para evitar a vitória do outro polo populista. Ou a se abster, votar branco ou nulo.

Se o centro democrático apresentar um candidato em 2026 e ele não for ao segundo turno, deverá ser alguém com um programa democrático, articulado com partidos ou setores políticos de centro e com extensas camadas da sociedade, disposto a continuar construindo a alternativa não-populista para 2030. Se esse candidato não passar ao segundo turno, não deve aderir a um governo populista vencedor, seja ele qual for, por medo de perder holofotes.

Em todo caso, 2030 passa por 2026. Se uma alternativa não-populista não se apresentar em 2026, o horizonte estratégico dos democratas vai se deslocar para 2034. Pois se já não estiver ativo um movimento democrático em 2026, não dará tempo para articular uma alternativa para 2030. Na boca da urna de 2030 é que isso não ocorrerá.

Todavia, 2026 é para valer. Está longe de ser certo que Lula (ou alguém indicado por ele) vá vencer as próximas eleições. As tendências estão agora mais claras. Essa é a posição da maioria dos brasileiros hoje: nem Bolsonaro, nem qualquer bolsonarista-raiz; nem Lula, nem qualquer lulopetista-raiz. Quem duvidar disso deve analisar as pesquisas. Essa realidade estatística, entretanto, ainda não foi transformada em uma realidade política.

Repetindo. Se Bolsonaro não será eleito (está inelegível, não será anistiado e sim, provavelmente, preso), um bolsonarista raiz também não deve ser eleito. Da mesma forma, Lula não deve ser reeleito ou um lulopetista indicado por ele também não deve ser eleito. Essa é a única maneira de escapar dos populismos que parasitam a nossa democracia e acabar com a polarização.

Não adianta instrumentalizar a justiça para desmoralizar politica e moralmente Bolsonaro e o bolsonarismo. Ao que tudo indica Lula, se perder, não perderá a eleição de 2026 para o bolsonarismo. Perderá para o antilulismo e para o antipetismo, que são hoje muito mais amplos.

Dificilmente Lula vencerá as eleições no Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste do país. Se vencer no Norte e no Nordeste será por uma margem muito menor do que nas eleições passadas. Logo, nas condições normais de temperatura e pressão, Lula tende a perder as próximas eleições. O problema é que elas podem ocorrer em condições anormais. Neste momento, há uma clara interferência política – proveniente do judiciário e de parte da imprensa (chapa-branca) atuando como partidos políticos – para antecipar a campanha eleitoral, tentando tornar inimigo da democracia qualquer um que venha a herdar os votos de Bolsonaro, mesmo que não seja bolsonarista raiz e não tenha cometido qualquer crime. Querem vender a ideia de que se Lula (ou alguém do PT) não for eleito será um golpe dos fascistas. Sem essa interferência indevida, o mais provável é que Lula não seja reeleito.

Todavia, as chances são enormes de interferência indevida do judiciário e dos meios de comunicação alinhados ao governo no processo eleitoral (nas TVs amigas a campanha antecipada Lula 2026 já está em curso há tempos, diariamente). Por isso não se pode cravar que Lula (ou alguém indicado por ele) vai perder a eleição de 2026.

O centro democrático é contra a anistia aos golpistas bolsonaristas do final de 2022. Mas não tem a covardia de não lembrar que, na prática, o STF concedeu recentemente anistia a Lula, Dirceu e a outros petistas envolvidos no mensalão ou no petrolão. Seus processos foram anulados. Para todos os efeitos, isso equivale a esquecer os crimes que cometeram. Anistia geral e irrestrita. Nem o Emílio Odebrecht ficou preso.

De qualquer modo, só há uma solução democrática para o Brasil. Impedir que populistas ocupem novamente o governo para continuar parasitando nosso regime. Isso vale para os populistas de direita (bolsonaristas) e para os populistas de esquerda (lulopetistas).

Sim, nós – respaldados pela vontade política de mais metade dos brasileiros e brasileiras – apostamos nessa solução e vamos trabalhar para concretizá-la.

Para começar sugerimos os seguintes pontos programáticos que devem ser discutidos, aperfeiçoados e desenvolvidos a partir do diálogo com os partidos e setores políticos do centro democrático e com a sociedade.

• O parlamentarismo e o voto distrital misto

• O voto facultativo e as candidaturas independentes (ou avulsas)

• O municipalismo, baseado no localismo cosmopolita e o aumento do protagonismo das cidades (por meio da promoção do desenvolvimento local sustentável)

• A democratização da política e das suas instituições, sobretudo dos partidos (com o fim da partidocracia)

• Mudanças das regras eleitorais, inclusive para evitar a captura das eleições pelos populismos e o seu hackeamento pelos extremismos (com a introdução de inovações como, por exemplo, o voto em mais de um candidato, o voto ranqueado ou o voto negativo)

• A construção de novos mecanismos de interação democrática dos cidadãos (não-plebiscitários e não-assembleísticos) para influir no Estado

• A sustentabilidade como grande referencial para o desenvolvimento

• Uma economia de mercado, competitiva, que não queira impor à sociedade a sua racionalidade (ou seja, que parta da ideia de que a economia é que deve ser de mercado e competitiva, não a sociedade, que deve ser cada vez mais colaborativa)

• A redução das desigualdades socioeconômicas e o enfrentamento da pobreza pela via da promoção do desenvolvimento social e, emergencialmente, pela adoção de uma renda mínima cidadã, mas sobretudo por meio de outros mecanismos de inclusão baseados no investimento em capital humano e em capital social

• A defesa intransigente da ciência diante do ressurgimento de crenças que querem desacreditá-la e o investimento prioritário em ciência básica e aplicada e em tecnologia

• Uma nova educação para o século 21, que não pode ser repetição ou mero aperfeiçoamento da educação praticada nos séculos passados, baseada no desenvolvimento de uma inteligência tipicamente humana (que não será substituída pela inteligência artificial, mas a ela se somará)

• A saúde focada em prevenção e na criação de ambientes físicos e sociais saudáveis e o fortalecimento e expansão do sistemas públicos de saúde

• A promoção dos direitos humanos tendo como referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos e seus necessários aperfeiçoamentos

• A segurança pública como ação social e policial, não como guerra contra o crime

• Uma política externa orientada para paz e pela defesa da democracia e não por visões ideológicas, que vise buscar um novo lugar para o Brasil no mundo: o lugar de grande parceiro dos povos que se articulam para alcançar o bem comum para a humanidade em todas as áreas (científicas, tecnológicas, comerciais, de defesa dos direitos humanos em escala global e de preparação para o enfrentamento das mudanças globais que afetam a vida e a convivência social das populações do planeta, como as pandemias e epidemias, as doenças endêmicas e as catástrofes provocadas pelas mudanças climáticas, pelo aquecimento global ou pela predação do meio ambiente).