O recente anúncio de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras aos Estados Unidos — o chamado tarifaço de Trump — acendeu o alerta vermelho sobre a fragilidade de nossa inserção econômica internacional. A medida, justificada pelo ex-presidente norte-americano como resposta à perseguição judicial contra Jair Bolsonaro e a práticas comerciais consideradas desleais, pode representar uma perda de até 9 bilhões de dólares ao PIB brasileiro, segundo a FGV Agro. Mas o que mais preocupa é que, diante do abalo nas relações com os EUA, o Brasil possa escorregar para uma dependência ainda mais perigosa: o imperialismo econômico da China.
Ao contrário do que muitos imaginam, a China não é apenas um parceiro comercial “alternativo” ao Ocidente. É, cada vez mais, um ator central em um modelo moderno de imperialismo, baseado em endividamento, opacidade contratual e captura de ativos estratégicos. Financiamentos bilaterais por meio do Exim Bank chinês, geralmente com cláusulas pouco transparentes, já resultaram em países como o Sri Lanka na perda de portos e infraestrutura para empresas controladas por Pequim.
No setor mineral, o cenário é ainda mais alarmante. A China domina mais de 85% do refino global de terras raras e cerca de 60% do lítio, segundo dados da Goldman Sachs. Enquanto isso, o Brasil, dono de 90% da produção mundial de nióbio e da terceira maior reserva de terras raras do planeta, continua exportando quase toda sua produção em estado bruto — como ocorre no projeto Serra Verde, em Goiás, cuja produção vai majoritariamente para a China.
Esse modelo primário-exportador, herdado do passado colonial, não apenas nos afasta da industrialização e da inovação, como também nos coloca em uma posição de subordinação. A dependência excessiva da China é particularmente sensível na mineração: 60% das nossas exportações de minério e nióbio vão para lá. Além disso, com uma dívida pública de 78,2% do PIB (dados de 2024), empréstimos para infraestrutura — como ferrovias e portos — podem comprometer ainda mais a soberania nacional.
Na Amazônia, onde se concentram 30% das reservas de minerais críticos brasileiros, a presença chinesa não é neutra: já houve casos documentados de desmatamento e conflitos com comunidades indígenas, especialmente no Pará. Com frequência, projetos de extração não seguem padrões rigorosos de proteção ambiental, e tampouco contribuem de forma efetiva para o desenvolvimento local.
Diante disso, o tarifaço imposto por Trump, longe de ser apenas uma provocação eleitoral ou diplomática, escancara a urgência de uma estratégia nacional de diversificação de parcerias. O Brasil precisa olhar para além do binarismo EUA-China. Países como o Canadá demonstram que é possível manter relações comerciais com múltiplos mercados, priorizando o interesse nacional, a agregação de valor e a sustentabilidade.
Nesse sentido, um acordo de minerais críticos (Critical Minerals Agreement – CMA) com os Estados Unidos surge como alternativa concreta. Diferente dos moldes chineses, os EUA oferecem financiamentos via DFC (Development Finance Corporation), apoiam projetos com refino local, como o da Sigma Lithium, e ainda qualificam minerais brasileiros para os incentivos da Lei de Redução da Inflação (IRA), exigindo padrões ambientais e sociais mais elevados.
Importante frisar: não há exclusividade com a China. O Brasil tem reservas suficientes — 21 milhões de toneladas de terras raras — para atender múltiplos parceiros. Retaliações chinesas são pouco prováveis, dado que o país depende da soja, da carne e de outras commodities brasileiras. O que falta, portanto, é vontade política e estratégia nacional de longo prazo.
Para isso, é preciso garantir transparência nos contratos com empresas chinesas, investir em parques de refino mineral em território nacional com apoio ocidental, exigir normas ESG rigorosas — sobretudo na Amazônia — e manter autonomia geopolítica no âmbito dos BRICS.
Mais do que resistir ao tarifaço de Trump, o desafio é resistir à submissão estrutural à China, que ameaça transformar o Brasil em um vassalo econômico: dependente de dívidas, de exportações brutas e da boa vontade de um parceiro que atua com interesses próprios e, muitas vezes, opacos.
Temos os recursos. Temos a geopolítica ao nosso favor. O que nos falta é coragem para colocar a soberania nacional acima das conveniências momentâneas. É hora de fazer das nossas riquezas minerais um instrumento de desenvolvimento sustentável, e não uma âncora de dependência externa.