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A formação do Ocidente

Guerras no Oriente Médio, invasão da Ucrânia, a ameaça do fundamentalismo islâmico, o imperialismo russo e a estupidez woke/identitária.

Esses foram alguns temas que abordei nos artigos que escrevi ao longo de 2024.

Neste novo texto, gostaria de focar mais no significado do Ocidente, a fim de salientar o que está em jogo com tais ameaças.

Passo a expor, portanto, de forma resumida, o conteúdo do livro O que é o Ocidente, do filósofo político francês, Philippe Nemo.

A tese central desse livro é que, no Ocidente, “foram alcançadas certas figuras do universal cujo desaparecimento ou enfraquecimento afetaria a humanidade como um todo.”

Segundo o autor, a civilização ocidental pode se definir “pelo Estado de Direito, pela democracia, pelas liberdades intelectuais, pela racionalidade crítica, pela ciência e por uma economia de liberdade baseada na propriedade privada”.

Tais valores e instituições foram o fruto de uma longa luta de construção histórica e de determinados acontecimentos essenciais.

Grécia e Roma

O princípio do governo da lei e o princípio da liberdade individual, por exemplo, foram uma inovação grega, herdada pelos romanos e posteriormente reformulada pelos filósofos políticos ingleses na forma do rule of law, um governo de leis e não de homens, cerne do ideal liberal moderno.

Os gregos inventaram o governo de lei, mas foram os magistrados e jurisconsultos romanos que o aperfeiçoaram no período da República Romana.

Os filósofos estoicos já haviam elaborado a teoria do cosmopolitismo, estabelecendo que a humanidade constitui uma comunidade única partilhando uma natureza humana idêntica.

As relações sociais no seio da comunidade deveriam, portanto, ser regradas tendo por referência uma lei natural, racional, da qual as leis positivas de cada cidade seriam uma aproximação.

O arcabouço conceitual trabalhado pelo direito romano procurou definir a propriedade privada, delimitando juridicamente o “meu” e o “teu” nas diversas situações possíveis.

Ao definir assim o domínio próprio de cada um, assegurando os seus direitos, o conceito de indivíduo ganhou relevância.

O Direito Romano foi não apenas uma das colunas principais sobre as quais se estruturaram os sistemas jurídicos modernos, mas também uma das fontes do humanismo ocidental.

Junto ao civismo grego, o progresso feito por Roma no Direito imprimiu na cultura ocidental o valor do Eu, fornecendo as bases sobre as quais o cristianismo se apoiou para afirmar o valor absoluto da pessoas humana, livre, moralmente responsável, criada e amada por Deus, dotada de uma dignidade intrínseca a despeito de quaisquer fatores contingentes como raça, condição social, gênero, etc.

A moral cristã

Embora se apoie na tradição moral e jurídica herdada da antiguidade pagã, a moral evangélica a supera e transforma por meio do sublime sentimento da compaixão, da caridade.

À exigência de justiça já presente no profetismo judaico, Jesus junta a misericórdia e uma elevada exigência de ação em direção ao outro, ao sofredor, ao próximo.

Trata-se de uma ética da superabundância, que não se esgota no dar a cada um o que é devido, mas alarga-se como doação de si no dever do amor.

“Ama o teu próximo como a ti mesmo”, eis a máxima.

Porque Jesus realizou na Terra o supremo sacrifício, o apelo cristão tornou-se um móbil para a própria sociedade que, insuflada e impulsionada pelos imitadores do Cristo, progrediu gradativamente no caminho da fraternidade universal.

A César o que é de César

Embora tenha havido momentos de confusão entre o poder religioso e o poder temporal, é possível defender a tese de que a dessacralização do poder na Europa foi fruto da religião judaica e da religião cristã, sendo a noção de laicidade depreendida do próprio texto bíblico.

No judaísmo e no cristianismo, o poder espiritual não se curva ao poder temporal; a salvação depende da conversão interior dos homens, nas quais trabalhavam os profetas e os santos.

A missão do Estado, por sua vez, era garantir a ordem social. A frase de Jesus “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, sanciona essa separação de papéis.

Essa cisão ou irredutibilidade entre os dois mundos, que será uma das fontes de nascimento das democracias modernas, também se expressa quando, ao ser confrontado por Pilatos acerca da sua realeza (Tu és rei?), Jesus responde: “Meu reino não é deste mundo”.

A mensagem bíblica, portanto, é uma mensagem de dessacralização do Estado. O Ocidente acostumou-se com essa mensagem e por ela se deixou moldar.

Não obstante, houve diversas tentativas de “ressacralização do Estado, seja sob uma forma autoritária ou absolutista (Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Hegel…seja sob uma forma totalitária”.

À esquerda ou à direita, encontram-se inimigos da sociedade aberta, que é a sociedade de direito e de livre mercado, a sociedade que preza a ordem espontânea.

Democracias liberais

Segundo Philippe Nemo, “a democracia é o nome especial dado ao liberalismo político e ao pluralismo nos procedimentos de nomeação de governantes e da tomada de decisões políticas.”

Ela não se desenvolveu, porém, de modo contínuo, mas foi um ideal lançado que precisou contornar inúmeros obstáculos e desvios a fim de reencontrar seu elã inicial e continuar o processo de abertura da sociedade.

Apesar de ter se configurado no Ocidente, a sociedade aberta concerne direta ou indiretamente a toda a espécie humana. Houve um avanço real na organização social e abrir mão desse avanço é uma escolha clara pelo retrocesso.

Adversários externos e internos

Na medida em que o Islã é uma das religiões do livro, há algum aspecto de proximidade do mundo árabe-muçulmano com o Ocidente.

Mas o Islã transformou e descaracterizou profundamente a ética recebida do judaísmo e do cristianismo.

Além disso, o mundo islâmico não assimilou os princípios do civismo grego e do direito romano.

Durante séculos, a educação do Ocidente formou a juventude com seus valores, ideais e normas.

As escolas e universidade formaram mentalidades ocidentais que, por sua vez, asseguravam a perpetuação dessas mesmas instituições.

Esse movimento circular foi rompido.

Tal rompimento, porém, não configurou progresso, mas retrocesso.

A cultura de cada geração é, de modo geral, o resultado da forma como foi educada a geração anterior.

O que hoje se convencionou chamar “cultura woke” é a consequência de décadas de uma educação ocidental marcada pelo desprezo dos seus próprios valores.

Nesse contexto, a excêntrica e perigosa aliança entre a esquerda woke (identitária) e o islamismo faz com que a atual disputa política deixe de ser um debate interno saudável e legítimo dentro do contexto de uma democracia para se tornar uma clivagem civilizacional que ameaça o próprio Ocidente.

É preciso ouvir com atenção os cineastas que se manifestaram contra a cultura woke

Chegou a hora de botar o pé na porta da cultura woke, que vem tentando calar quem ousa discordar de seus preceitos. Sim, eles vão te acusar de racista, homofóbico, transfóbico, fascista, extrema-direita e vão tentar te cancelar. Vão querer que você perca seu emprego, seu espaço. Mas a verdade é que esse movimento identitário já foi longe demais. É um movimento de mercado, de publicidade, que não atende aos interesses do povo brasileiro. Na verdade, quando essa galera woke entra pela porta, os direitos das minorias saem pela janela.

Os cineastas Newton Cannito e Josias Teófilo, que escreve na Crusoé, lançaram um manifesto sobre o tema. É preciso ler, compreender e tomar posição.

A contaminação é visível: a universidade já foi tomada, o meio artístico também. E o que temos como resultado? Uma cultura brasileira afetada, enfraquecida, e desprezada por aqueles que dizem defendê-la. Para essa turma, tudo o que o povo gosta é cafona. Eles se colocam como defensores das minorias, mas a realidade é que suas causas são desconectadas das necessidades reais do brasileiro. Enquanto eles tentam impor uma visão idealizada e elitista, o verdadeiro Brasil é desprezado.

E os judeus?

Veja o exemplo que trouxe no Narrativas Antagonista, contado por Patty Silva. Ela fala de uma professora negra, responsável por organizar um calendário de datas comemorativas inclusivas em seu departamento. Ela fez questão de incluir todos os grupos étnicos, religiosos e sociais, garantindo representatividade. Mas quando colocou um feriado judaico na lista, a turminha woke, que já mostrou sua face antissemita, a acusou de supremacismo branco. Conseguiram demitir a professora. E esse é o ponto crucial: o movimento identitário não busca inclusão, busca dominação. Quem discorda é eliminado.

O problema é que as pessoas estão levando esse discurso a sério. O exemplo que dou aqui do calendário de datas é só um entre tantos. Vejam o que aconteceu hoje: a Advocacia-Geral da União organizou um seminário sobre religiosidade africana, mas deixou de fora o cristianismo e o islamismo, seguidos por quase 90% do continente africano. Preferiram focar no que o imaginário de uma elite branca, urbana, acha que é a África. Essa versão idealizada e racista de África, que só existe na cabeça dessa gente.

Muita gente acredita que basta ignorar esses militantes woke, e que, se não dermos atenção, eles vão desaparecer. Mas isso é ingenuidade. Eles já tomaram conta da máquina pública, dos editais de cultura, das decisões políticas que afetam nosso cotidiano. E estão mudando tudo para um sistema autoritário.

E os cristãos?

Os editais de filmes, por exemplo, já não são mais decididos com base no mérito do roteiro ou na conexão com a cultura brasileira. Como Newton Cannito bem apontou, não há chance de um filme com temática cristã passar nesses editais, apesar de a maioria da população brasileira ser cristã. Mas se o filme for sobre religiões de matriz africana – ou pelo menos o que essa elite acha que é matriz africana – ele passa com louvor. Não estamos em um estado laico? Não deveríamos dar espaço para todas as religiões? Pois é. Mas a regra parece não valer para todos.

Isso já contaminou o teatro, o cinema, a música. A qualidade da arte despenca, porque o foco deixou de ser a arte pela arte. O que vemos agora são seminários disfarçados de arte, com um discurso panfletário que só interessa a uma elite que prega inclusão da maneira que só serve a eles mesmos.

O movimento woke não é militância. Ele é uma estratégia de marketing, um produto da publicidade que tomou o lugar da verdadeira luta por direitos. Em vez de incluir, esse movimento busca aniquilar todos que discordam de suas ideias que, convenhamos, são baseadas em uma visão elitista e descolada da realidade do brasileiro comum.

Passou da hora de começarmos a nos posicionar. Se você trabalha em uma empresa que tem um desses programas de diversidade, você já sabe do que estou falando. A verdadeira inclusão não passa por seguir cegamente uma agenda ditada por uma elite, mas por respeitar a pluralidade real do povo brasileiro.