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A toga não pode ser trincheira

A possível indicação de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal representa muito mais do que uma escolha técnica — é um movimento político com potencial de alterar o equilíbrio entre os Poderes e abalar a confiança do cidadão na Justiça.

Como advogado-geral da União, Messias ultrapassou os limites do cargo e assumiu um papel político, ao criar, por iniciativa própria, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia — um órgão que se propôs a combater a desinformação, mas que na prática se transformou em instrumento de controle narrativo, mirando quase exclusivamente opositores do governo. Nenhuma ação foi dirigida a atores da esquerda, embora a desinformação exista em todos os campos políticos. Quando o Estado escolhe a quem punir por falar, a democracia começa a perder a voz.

A transição de Messias da Advocacia-Geral da União para o STF agrava o problema. O papel de um ministro do Supremo exige distanciamento político, independência e neutralidade. No entanto, sua trajetória recente mostra identificação clara com a agenda do Executivo e uma atuação que beira o ativismo ideológico. Um juiz que já escolheu um lado não pode ser o guardião de todos. Levar ao Supremo alguém com esse perfil significa aproximar perigosamente o tribunal do governo, transformando o guardião da Constituição em parte interessada nos rumos da política.

Há ainda uma contradição evidente na tentativa de apresentar Jorge Messias como um nome “evangélico”, numa estratégia de aproximação do governo com um segmento de valores morais conservadores. Messias pode ser um homem de fé, mas sua atuação institucional e o campo político que representa colidem com princípios caros à maioria dos evangélicos, como a defesa da vida, da família e da liberdade religiosa. Não basta citar a Bíblia; é preciso honrar seus valores. Vender essa imagem é uma tentativa de usar a identidade religiosa como escudo simbólico para legitimar uma escolha essencialmente política.

O Supremo Tribunal Federal precisa de ministros que ajam com isenção, respeito à pluralidade e compromisso com o equilíbrio entre os Poderes — não de intérpretes de governo travestidos de juízes constitucionais. A Constituição não precisa de defensores de narrativa, mas de guardiões da lei. A toga é símbolo de justiça, não de militância. A eventual ida de Jorge Messias ao STF seria mais um passo na politização da Justiça e na perda de confiança do cidadão comum nas instituições que deveriam proteger a liberdade e o Estado de Direito.

Derrubar Maduro é justo e necessário. Não há soberania sem legitimidade

O tema da queda de Nicolás Maduro voltou ao noticiário após dois recentes episódios: o prêmio Nobel da Paz concedido à venezuelana opositora Maria Corina Machado e a autorização formal, dada por Donald Trump, à CIA (Agência Central de Inteligência) para executar operações secretas e potencialmente letais dentro da Venezuela, visando a deposição do ditador.

Sobre as insinuações americanas, o deputado Guilherme Boulos (Psol) escreveu o seguinte: “A ameaça de Donald Trump de atacar a Venezuela é o maior ataque à soberania de países da América Latina desde o fim da Guerra Fria. Deve ser respondida com firmeza. Quem é latino-americano e compactua com isso ou é canalha ou submisso aos interesses dos EUA”.

O Partido dos Trabalhadores (PT), por sua vez, escreveu em nota oficial que “as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em que autoriza operações secretas da CIA no território da Venezuela, são uma afronta à soberania do país sul-americano e uma violação do Direito Internacional.”

Em resposta à postagem de Boulos, cumpre retorquir que canalha mesmo é quem defende o regime de Nicolás Maduro. Quem defende que o poder na Venezuela seja entregue a Edmundo González Urrutia – que foi quem, de fato, venceu as últimas eleições – não é submisso a interesses dos Estados Unidos coisa nenhuma, apenas defende a libertação de um povo das garras de um maldito tirano.

É importante destacar esse ponto. Em entrevista recente à BBC, quando questionada se, em última instância, apoiaria uma “invasão” na Venezuela, Maria Corina Machado respondeu: “Quem está falando aqui sobre invasão? A invasão já existe. O que precisamos é de uma libertação”,respondeu a vencedora do Nobel da paz.

Em entrevista também recente à Folha de São Paulo, Corina explicou que o governo de Nicolás Maduro é um “regime criminoso de narcoterroristas” e que o país vinha sendo invadido desde os tempos de Hugo Chaves por agentes “inimigos do Ocidente” (Cuba, Rússia, Irã, Hamas…). Isso ela já tinha dito à BBC, mas acrescenta novidades, entre as quais uma recomendação para o presidente do Brasil:

Seria muito útil que o presidente Lula, assim como os demais chefes de Estado do continente, enviassem uma mensagem clara a Maduro: chegou a hora de ir embora. Acabou. Vá, para o seu próprio bem Maduro. Aceite isso”.

Lula, sabemos, não vai dizer nada disso para Maduro. Pelo contrário, tentará dissuadir Trump de ajudar o povo da Venezuela a se livrar do tirano.

Pelo menos é o que se depreende de matéria da Folha, assinada por Patrícia Campos Mello e Ricardo Della Coletta, onde se lê que Lula “pretende argumentar, em uma eventual reunião presencial com o americano Donald Trump, que ações militares dos EUA na Venezuela levariam à desestabilização de governos de diversos países e teriam consequências graves para toda a região”.

A referida matéria nos informa ainda que “embora a oposicionista venezuelana Maria Corina Machado tenha saído fortalecida ao ser laureada com o Prêmio Nobel da Paz, o governo brasileiro acredita que ela não tem representatividade no país. Na percepção do Brasil, não existe movimento político na Venezuela forte o suficiente para substituir o chavismo-madurismo”.

Tal percepção do governo brasileiro sobre a Venezuela seria incompreensivelmente distorcida se não soubéssemos que, na verdade, ele é ideológica e cínica. 

O Governo do Brasil obviamente sabe que, em outubro de 2023, Maria Corina foi vencedora absoluta da eleição realizada pela Comissão Nacional de Primárias para selecionar um candidato unitário para as eleições presidenciais de 2024.

Na ocasião, Corina recebeu aproximadamente 93% dos votos válidos, o que representou mais de 2,2 milhões de votos a seu favor. A participação total superou os 2,4 milhões de eleitores, tanto na Venezuela quanto no exterior, superando as expectativas e ocorrendo em meio a enormes desafios.

Esse resultado foi notável, com eleitores enfrentando longas filas sob condições climáticas adversas em bairros tradicionalmente pró-governo, demonstrando um desejo amplo por mudança. 

A vitória de Machado foi descrita como “esmagadora” e unificadora para a oposição, e, por isso mesmo, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), subserviente a Maduro, suspendeu os resultados dias depois, alegando fraude, e ratificado uma inabilitação política contra ela, impedindo sua candidatura oficial.

Sua liderança e popularidade são tais que, mesmo em meio a toda sorte de repressão, ardil, ameaça e perseguição do regime, Edmundo González Urrutia, o candidato por ela apoiado, obteve 7.443.584 votos nas eleições presidenciais de 28 de Julho de 2024, sendo ele, portanto, o verdadeiro e legítimo presidente da Venezuela com 67% dos votos válidos.

É, portanto, uma gritante hipocrisia e uma vil covardia para com os nossos irmãos venezuelanos que líderes de esquerda fiquem repetindo a ladainha de “soberania” para impedir que Maduro seja merecidamente deposto do lugar que ele simplesmente usurpou e que de modo algum é seu por direito.

Não há soberania se não há legitimidade

A esquerda autoritária – admiradora de tiranias e bajuladora de autocratas – tem sempre na manga a carta da “defesa da soberania” ou da “política de não intervenção” quando se trata de garantir que os companheiros ditadores se perpetuem no poder.

A soberania nacional é frequentemente citada como princípio que impede intervenções estrangeiras em assuntos internos de um país. Essa noção é, de fato, uma das bases do sistema internacional contemporâneo, segundo o qual o Estado possui o direito exclusivo de governar seu território sem ingerência externa. No entanto, esse direito é verdadeiramente ilimitado?

Quando o Estado se torna uma máquina de opressão, subjugando seu próprio povo e traindo o contrato social que justifica sua existência, sua soberania perde fundamento moral e político.

Na tradição contratualista (em especial John Locke), a legitimidade do Estado repousa na proteção dos direitos dos governados. Quando o poder se torna tirânico — isto é, quando é exercido além do direito e passa a perseguir ou subjugar o povo — o Estado viola a obrigação fundamental do contrato e perde sua legitimidade.

Dessa perspectiva, a invocação da soberania do tirano como proteção contra intervenção externa é incoerente: um poder que não cumpre as funções essenciais não pode reclamar soberania plena.

Em termos mais contemporâneos, pode-se afirmar que agentes externos — Estados e instituições — têm deveres morais de não permitir ou de corrigir grandes violações de direitos humanos, especialmente quando existe capacidade de agir sem prejudicar terceiros inocentes. 

A responsabilidade moral não termina na fronteira; há deveres positivos de evitar danos massivos a pessoas. Isso sustenta a obrigação moral de intervir em casos extremos de opressão.

Se um regime oprime sua população a ponto de negar liberdades fundamentais, a obrigação de justiça pode justificar ações externas destinadas a restabelecer direitos fundamentais — sobretudo quando outras vias (sanções, apoio à resistência civil, boicotes) falharam.

A teoria política moderna defende, portanto, que a soberania não é um direito absoluto, mas condicional à legitimidade do governo.

O governo de Nicolás Maduro não tem nenhuma legitimidade. Trata-se de um regime repressor, torturador e assassino que recentemente tentou enganar o mundo com uma gigantesca fraude eleitoral, e que, ao ser desmascarado, promoveu mais um autogolpe.

Politicamente criminoso, tal regime é também um desastre econômico de tal monta que tem levado milhões de venezuelanos, forçados pela pobreza extrema, pela fome, pela perseguição política, pelo desespero, a deixarem seu país.

A grande objeção contra apelos simplistas à intervenção é o risco de arbitrariedade, imperialismo, interesses ocultos e danos colaterais. Para mitigar isso, a literatura moral/política costuma exigir condições estritas — semelhantes às clássicas da teoria da guerra justa — que justificam uma intervenção legítima.

Para que uma intervenção seja legítima é preciso causa justa, intenção correta, último recurso, proporcionalidade, perspectivas razoáveis de sucesso e responsabilidade pós-intervenção. Esses critérios trabalham como salvaguardas filosóficas: se aprovados, transformam a ideia de intervenção num instrumento regulado por princípios morais, não num pretexto para agressão.

Não defendo, portanto, que Donald Trump, sozinho, autorize uma invasão à Venezuela. Não se trata disso, absolutamente. Mas a ajuda da CIA ou de qualquer agente estrangeiro para depor Maduro do poder e entregar a presidência a quem a detém por direito só pode ser bem-vinda. Buscar tal ajuda, como o faz Maria Corina Machado, não é trair seu povo. É lutar para libertá-lo.

A Paz de Abraão

O recente cessar-fogo em Gaza, acompanhado pela libertação dos reféns israelenses, representa um ponto de inflexão na dinâmica do Oriente Médio. Depois de anos de instabilidade, abre-se uma rara oportunidade para a reconstrução política e humanitária da região. Nesse processo, o retorno de Donald Trump ao centro das negociações internacionais recoloca os Estados Unidos como principal mediador e garante uma possível paz duradoura — agora ancorada no pragmatismo dos Acordos de Abraão.

Durante seu primeiro mandato, Trump foi o catalisador de uma guinada diplomática que alterou profundamente o mapa das alianças regionais. Ao viabilizar a normalização das relações entre Israel e vários países árabes, como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, inaugurou uma lógica baseada em benefícios concretos: comércio, tecnologia e segurança. Esse modelo, que substitui a retórica ideológica pela cooperação estratégica, mostrou-se resiliente e serve hoje de base para uma nova rodada de aproximações — possivelmente incluindo a Arábia Saudita.

O fim do conflito em Gaza não se explica apenas pela fadiga das partes, mas pela combinação de pressão diplomática e realismo político. Washington, sob liderança republicana, vem articulando uma frente de países árabes moderados que compartilham o interesse em conter o avanço de grupos extremistas e isolar o Hamas. A devolução dos reféns israelenses, eixo moral das conversas, consolidou o entendimento de que não há estabilidade possível sem responsabilização pelos atos terroristas que desencadearam o conflito.

O contexto regional também favorece essa inflexão. O Irã, peça central no tabuleiro de instabilidade regional, atravessa um momento de enfraquecimento interno e perda de tração internacional. As sanções econômicas, o conflito com Israel, a contestação popular e as divisões dentro do regime dos aiatolás corroem sua capacidade de sustentar uma rede de milícias e grupos por procuração. O impacto combinado da pressão econômica e crescente cooperação árabe-israelense tem reduzido o espaço de manobra dessas organizações, que há décadas atuam como braços desestabilizadores de Teerã. A retomada do protagonismo americano, portanto, não é apenas diplomática: ela redefine o equilíbrio estratégico, limitando a influência iraniana e reforçando a posição de Israel como âncora de segurança regional.

Os desafios, contudo, permanecem significativos. A reconstrução de Gaza exigirá coordenação internacional e a ampliação dos Acordos de Abraão depende da capacidade de conciliar interesses divergentes. A chave está em combinar garantias de segurança para Israel com incentivos econômicos para os vizinhos árabes — uma “paz pragmática”, sustentada por investimentos e integração tecnológica.

Mais do que exaltar lideranças individuais, o momento exige visão de longo prazo. Se a reaproximação entre Israel e o mundo árabe for consolidada, e se o Irã continuar a perder sua capacidade de projetar poder pela via da violência, o Oriente Médio poderá enfim ingressar em uma fase de estabilidade relativa — rara, mas possível.

Estamos diante de um possível equilíbrio regional baseado não em ilusões ideológicas, mas em interesses comuns, segurança compartilhada e cooperação concreta.

O valor e a humildade de Maria Corina Machado

Pela primeira vez, fiquei emocionada após a divulgação de um prêmio Nobel da paz. A honraria, algo sempre tão distante, pareceu-me, dessa vez, ter sido concedida a alguém que me era próximo. Não estranhei minha reação. Sou mesmo emotiva; meus olhos marejam facilmente.

A razão logo acorreu, justificando-me: claro que se tratava de alguém próximo. A pessoa laureada era alguém cuja luta observo há mais de uma década, alguém cuja coragem me inspira e com cujos ideais me identifico. Ademais, é uma mulher. E é latina. Chama-se Maria, esse nome simples e familiar.

Maria Corina Machado receceu o Prêmio Nobel da Paz, 2025, “por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”, conforme as palavras do Comitê Nobel norueguês.

Ela “é um dos mais extraordinários exemplos de coragem civil na América Latina nos últimos tempos”, acrescentou o comitê.

Assisti ao vídeo em que o diretor do Instituto Nobel Norueguês, Kristian Berg Harpviken, compartilhou com Corina, por ligação telefônica, a notícia de sua premiação, antes que fosse anunciada ao mundo. Foi bem tocante. Não apenas ela, mas o próprio representante do Instituto estavam emocionados.

Ah! A emoção genuína e nobre! Não a emoção confusa, patética e febril advinda de impulsos irracionais e primitivos, mas a emoção suave, espécie de abalo sutil e desabafo da alma que se sente movida por e impulsada para valores altos, universais e eternos.

Ambos, Corina e Harpviken se emocionaram, naquele momento, porque estavam provavelmente envolvidos pelo mesmo sentimento moral.

Segundo o filósofo Max Scheler (1874-1928), há um universo de valores hierarquicamente organizados, que são percebidos pela visão emocional ou intuição sentimental. 

Há basicamente quatro níveis nessa hierarquia. No terceiro nível, abaixo apenas dos valores religiosos (sagrado-profano), estão os valores culturais ou espirituais, dentre os quais os valores ético-jurídicos (justo-injusto).

Nem todos são capazes de perceber a manifestação no mundo dos valores espirituais. Isso porque estão ainda embotados, ora seduzidos por valores hierarquicamente inferiores, ora emocionalmente conturbados por ideologias.

Para aqueles, porém, dotados de certa sensibilidade, a premiação de Maria Corina foi um tributo à coragem, à liberdade e à justiça, valores objetivos que a sua luta política representa. 

O prêmio emociona porque, ao reconhecer valores morais onde eles realmente existem, o mundo se mostra um pouco menos doente.

Foi feliz o editorial do Estadão ao escrever que, ao premiar Corina, “o Comitê Norueguês do Nobel lembrou a todos que a luta pelo regime das liberdades ainda exige firmeza de caráter e sacrifício pessoal

Sim! Sacrifício. Isso se dá porque a percepção dos valores espirituais leva à clara evidência de que os valores inferiores devem ser sacrificados perante eles. 

O colega Duda Teixeira foi igualmente feliz quando destacou, no programa Papo Antagonista, transmitido no mesmo dia da divulgação do prêmio Nobel, que, de forma alguma, Corina é movida por um projeto pessoal de poder:

Ela está realmente se doando para a causa da democracia na Venezuela. E, de fato, a vida dela toda, está em função disso. A Maria Corina tem três filhos e um marido. Os filhos estão em diferentes países por questão de segurança. O marido também já não vive com ela, pois ela vive praticamente na clandestinidade devido a ameaças constantes e reais da ditadura. Então, essa é uma mulher que não tem momento de ócio, de lazer com a família, de descontração. A vida dela é vinte e quatro horas por dia fugir da ditadura e lutar por democracia”.

Olhando por esse ângulo, enfatizado por Duda Teixeira, a concessão do Nobel da Paz a Maria Corina torna-se ainda mais importante. Ele dá a quem enfrentou e enfrenta, de peito aberto, uma brutal ditadura, um enorme respaldo internacional que lhe servirá também como forma de proteção. 

A inveja de Lula e Trump

A inesperada premiação de Maria Corina recebeu, naturalmente, atenção internacional. As reações foram de fortes elogios a críticas histéricas. Tanto se fala sobre esse assunto que o silêncio de quem cala se torna eloquente.

Tem quem faça pior e não fale nem silencie, mas apenas enrole; foi o caso do governo brasileiro, que se escondeu na omissão, mas mandou o secretário Celso Amorim falar qualquer coisa.

Amorim, contumaz adulador do ditador Nicolás Maduro, tentou desmerecer Maria Corina dizendo que, em detrimento da paz, o Prêmio Nobel havia priorizado a política. Ele estava apenas repetindo o que a Casa Branca – revelando a mágoa do presidente Donald Trump por não ter sido o premiado – havia exposto horas antes.

Ora, o Prêmio Nobel da Paz é geralmente considerado a mais importante honraria política do mundo; isto porque um dos principais instrumentos para a construção da paz é justamente a política. Mas o prêmio costuma honrar a boa política, aquela que a baixa envergadura moral do atual governo brasileiro não permite reconhecer.

María Corina e Donald Trump, no entanto, logo se acertaram. Pessoas humildes não têm muita dificuldade em lidar com pessoas vaidosas, pois não disputam com elas. Sabem do próprio valor e não precisam ostentá-lo, mas tentam até diminuí-lo para que outros brilhem em seu lugar.

A líder venezuelana dedicou seu prêmio primeiramente ao povo venezuelano, mas também ao vaidoso presidente norte-americano, a fim de mitigar-lhe a mágoa de ter sido preterido. Em seguida, conversaram por telefone. Trump referiu-se à conversa nos seguintes termos:

A pessoa que recebeu o Prêmio Nobel hoje me ligou e me disse: ‘Estou aceitando isso em sua homenagem, porque realmente você merecia’. Foi algo muito amável da parte dela. Eu não disse ‘então me dê’, embora eu ache que ela poderia ter feito isso. Ela foi muito legal“, disse o presidente americano.

Chega a ser cômico o contraste entre um perfil e outro. Corina é comunicada do prêmio e afirma, emocionada ao diretor do Instituto Nobel: “Esta é uma conquista de toda uma sociedade. Eu sou apenas, sabe, uma pessoa. Eu certamente não mereço isso”. Trump, por sua vez, clama aos quatro ventos que o merece.

É como diz canção de Vinícius: “O homem que diz sou (não é); porque quem é mesmo é (não sou)”. 

A verdadeira virtude é silenciosa, não se afirma; é descoberta, revelada. E, algumas vezes, merecidamente premiada.

O assassinato de Charlie Kirk e a intolerância sádica da extrema esquerda identitária

Escrevi um artigo sobre o assassinato do ativista conservador americano, Charles Kirk, logo após o ocorrido; antes, portanto, de constatar a extensão do esgoto moral no qual habita a alma de uma parcela barulhenta da militância radicalizada de extrema esquerda, aqui mesmo, no Brasil.

Há algum tempo uso a expressão “extrema esquerda” em meus textos. Utilizo-a para me referir a esquerdistas que apoiam terroristas e ditadores e que relativizam a vida humana em defesa da sua causa.

Refiro-me a pessoas como Mauro Iase que, em 2015, discursou para centenas de pessoas defendendo o fuzilamento de adversários políticos; pessoas como Marcos Dantas Loureiro que, mais recentemente, sugeriu guilhotina para a família de Roberto Justos porque sua filhinha ostentava uma bolsa de grife; pessoas como meu ex-professor de filosofia da Universidade Estadual do Ceará, Emiliano Aquino, cujo passatempo favorito é fazer postagens descaradamente antissemitas e de apologia ao Hamas, em seu perfil do Instagram.

O que têm em comum esses três indivíduos além de serem fanáticos extremistas? São professores universitários, têm certa influência e estão profundamente empenhados em doutrinar seus jovens alunos com uma visão distorcida e imoral de mundo que justifica e glorifica a violência mais extremada sob pretexto de corrigir alguma injustiça social.

E eis que, após o cruel assassinato de Charles Kirk, outros vários indivíduos desse tipo saíram dos bueiros para disseminar sua torpeza moral comemorando o ocorrido, com um riso de deboche satânico, qual um coringa ensandecido.

Foi o caso do jornalista, escritor, e youtuber Eduardo Bueno, cujo vídeo, em que zomba do ocorrido, foi amplamente difundido na internet, gerando repúdio em todos aqueles, à esquerda e à direita, cujo sentimento moral não fora ainda totalmente embotado pela ideologia.

Houve também o caso de um neurocirurgião que chegou a ter seu visto para os EUA cancelado após as autoridades americanas tomarem conhecimento da postagem na qual o médico elogia o assassino de Kirk pela sua “pontaria impecável”, que teve “precisão cirúrgica na coluna cervical”.

Não se pode perder de vista o fato de que não estamos falando apenas de maníacos anônimos, que escrevem qualquer coisa nas redes. Estamos falando de profissionais qualificados: professores, médicos, jornalistas, etc. Pessoas consideradas normais, que têm importante papel social a cumprir e que influenciam inúmeras pessoas ao ser redor com suas opiniões e ações.

Isso é grave. Sabemos que o mal existe, que a criminalidade e o terror estão espalhados na sociedade, mas é sintomático constatar que pessoas ditas civilizadas, que não estão à margem, mas totalmente inseridas dentro do quadro social, justifiquem crimes bárbaros por conta de ideologias políticas.

A cisão social na qual estamos todos imersos é profunda, suas causas são complexas, donde a impossibilidade de investigar as variadas nuances nesse reduzido espaço de reflexão. Gostaria, mesmo assim, de avançar algumas considerações.

Uma mente perturbada pela ideologia

Um relatório preliminar afirmou que as cápsulas de bala recuperadas da arma do assassino de Charlie Kirk continham declarações “transgênero e antifascista”, o que já foi parcialmente confirmado.

No cartucho usado estava gravada a frase “notices bulges OwO what´s this” (literalmente, algo como “percebe um volume aí? O que é isso?). Trata-se de uma gíria usada para provocar pessoas na internet. 

No outro cartucho não utilizado havia a inscrição “Hey, fascist, cath!” (ei, fascista, pega!). Havia ainda três setas apontando para baixo, símbolo relacionado ao movimento “antifascista”. Um segundo cartucho tinha gravada a letra da música Bella Ciao, canção que homenageia a resistência italiana que combateu o fascismo e o nazismo durante a segunda guerra. 

Um outro cartulho trazia ainda a frase “if you read this, you are gay Imao” (“se você leu isso, você é gay kkk”), um tipo de humor de trollagem típico de internet.

Inegável, pois, que além de uma mente perturbada, trata-se de uma mente ideológica, ou ideologicamente perturbada. 

E tudo indica que a ideologia que perturba a mente do rapaz é aquela que tem sido aceita quase como uma nova religião. Uma religião secular, mas tão dogmática e fundamentalista quanto o foram as grandes religiões em suas épocas mais trevosas. 

Sim, estou falando do identitarismo, do wokismo, do transgenerismo, dessa visão de mundo radical, antiocidental, intolerante e anti-iluminista que exige ao mundo que se curve diante de seus dogmas.

Percebo que há entre pessoas públicas de bom senso certa autocensura que lhes impede tratar desses temas, mais especificamente do tema transgênero, pois há o receio de ser considerado intolerante, de se ver tachado de “fascista”, de “extremista de direita”.

Ao abrirmos mão de problematizar o tema, porém, deixamos os políticos e a militância mais radicalizada fazer da questão sua bandeira política, levando o pêndulo da intolerância para o lado oposto. Precisamos falar sobre a intolerância identitária a fim de buscar o mínimo de equilíbrio social.

Considero ruim a decisão do STF de criminalizar a homofobia e a transfobia por analogia com o crime de racismo. 

Digo isso, obviamente, não porque tenha preconceito contra homossexuais ou transgêneros, mas por saber que essa lei acabaria sendo politicamente instrumentalizada para criminalizar qualquer pessoa publicamente contrária à visão de mundo trans, que impõe nada menos que aceitemos bovinamente negar com eles a realidade e fazer tábula rasa da natureza e da biologia para satisfazer as suas ilusões de gênero.

Charlie Kirk era acusado de transfóbico e sua morte foi amplamente comemorada nas comunidades trans da internet. Kirk incitou violência contra trans? Não. Ofendeu algum indivíduo trans pelo fato de ser trans? Não. Ele apenas expôs sua visão de mundo, que é incompatível com a ideologia de gênero.

E, por ironia do destino, era justamente sobre violência trans que Charlie Kirk estava debatendo quando foi abatido pela bala do “antifascista”.

Claro, ele não estava falando sobre a violência contra pessoas trans, mas sobre a violência cometida por pessoas trans. O que é um sacrilégio, uma blasfêmia, um pecado que merece condenação eterna, segundo a seita trans.

Para preservar-me e poupar trabalho aos meu advogado – pois sempre que escrevo um texto mais duro e realista, aparece alguém para me acusar do crime de transfobia – passo a tratar o tema apoiada em citações retiradas do artigo mais recente do editor-chefe de política da revista britânica Spiked, Brendan O’Neill, autor do excelente livro “After the pogrom. 7 october, Israel and the crisis of civilisation”, traduzido, no Brasil, por Andrea Kogan, pela editora contexto.

Segundo O´Neill, “o espectro trans projeta sua sombra sobre quase todos os elementos desse assassinato bárbaro, e devemos ter liberdade para falar sobre isso sem medo de cancelamento ou retaliação”.

Charlie Kirk e o narcisismo apocalíptico dos transgêneros

No artigo intitulado “Charlie Kirk e o narcisismo apocalíptico dos transgêneros”, O’Neill lembra a “ironia sombria” na qual o se deu o fatídico evento:

Kirk estava discutindo a violência trans nos segundos que antecederam sua morte. Ele estava reagindo a um de seus alunos interlocutores que parecia minimizar o fenômeno dos tiroteios em massa realizados por pessoas trans. O aluno insistiu para que Kirk dissesse quantos tiroteios desse tipo já ocorreram. ´Demais´, respondeu Kirk. Segundos depois, sua artéria carótida foi rompida e ele estava morto”.

Ocorre que Kirk estava certo ao denunciar o considerável aumento da violência trans, explica o autor do artigo:

Nos EUA, houve pelo menos cinco tiroteios em massa perpetrados por agitadores trans indignados. Houve o massacre na Escola Católica Annunciation, em Minneapolis, no mês passado, quando um sujeito trans atirou em crianças pequenas que oravam, matando duas e ferindo muitas outras. A provocação grosseira, ´Onde está seu Deus?´, estava escrita em uma de suas armas. Houve também o massacre em uma escola cristã em Nashville, em 2023, no qual seis pessoas foram massacradas. E o tiroteio em uma escola em Denver, em 2019. E um massacre em um armazém em Maryland, em 2018”.

Como explicar esse incremento de violência? A resposta é meio filosófica, meio psicanalítica. Tem a ver com pós-verdade e narcisismo:

A seita trans parece cada vez mais consumida por uma animosidade brutal contra qualquer um que discorde de suas ortodoxias pós-verdade; contra aqueles fóbicos, vadias e hereges que ousam negar sua validação a homens que se dizem mulheres ou jovens que se dizem não binários”, afirma Brenda O´Neill, valendo-se também do livro The Culture of narcissism, de Christopher Lash para esclarecer o fenômeno:

A questão é a seguinte: a pressão violenta sobre a identidade trans não é acidental. Não é um complemento infeliz a uma causa tipicamente ´progressista´. Não, essa militância implacável e sexista é uma função direta do narcisismo apocalíptico que sustenta a identidade trans em particular e as políticas identitárias de forma mais ampla”.

E continua:

O problema com o delírio trans é que ele se desfaz na ausência de consentimento público. No minuto em que alguém diz ´Isso não é real´, toda a farsa estremece. […] O narcisista exige validação constante e acrítica, o que significa que até mesmo uma expressão de dúvida é suficiente para fazê-lo se sentir encurralado, minado, em perigo. E sabemos como homens egocêntricos tendem a responder em tais situações: com ameaças, até mesmo violência”.

[…] No culto ao narcisismo, seu concidadão é reduzido a seu mero objeto de desejo moral, sendo seu dever principal massagear sua identidade, por mais irreal que seja. […] A autoimagem do indivíduo não tem qualquer fundamento na realidade – é inventada do nada – o que o torna ainda mais dependente da disposição do público em suspender todas as suas faculdades críticas e dizer obsequiosamente: ´Sim, você é uma mulher´.

Se não o fizerem, se ousarem quebrar o espelho que esses homens arrogantemente esperam que o mundo seja, então a história ilusória que esses homens contam a si mesmos começa a ruir. Eles se sentem existencialmente ameaçados e atacam”.

Faço aqui um adendo a fim de esclarecer ainda melhor a firme exposição do analista político britânico. Não se trata de negar que haja no mundo e no Brasil o flagelo moral da violência contra pessoas trans.

É preciso condenar, combater, confrontar e punir pessoas que perpetram tais atos vis. O que não se pode é ter permissividade com a violência perpetrada por indivíduos de determinados grupos minoritários por pertencerem a um grupo de pessoas supostamente vitimadas e oprimidas pela sociedade.

Essa narrativa de que os indivíduos de grupos identitários são sempre os oprimidos se choca constantemente com a realidade. 

O vídeo da jovem refugiada ucraniana, Iryna Zarutska, sendo brutalmente esfaqueada em um metrô em Charlotte, Carolina do Norte, por um homem negro despedaça a narrativa identitária de que brancos são sempre opressores e negros são sempre oprimidos.

O que se pretende aqui é apenas lançar luz sobre o autoritarismo e a violência crescente dos que se julgam oprimidos ou que, pondo-se ao lado da causa dos que consideram oprimidos, passam a justificar a violência mais bárbara como se se tratasse de ação moral e legítima.

Vocês achavam que a revolução virá magicamente sem derramamento de sangue”, pergunta um conhecido ativista trans logo após o assassinato de Charlie Kirk, nas rede social Bluesky, frequentadas majoritariamente por pessoas de esquerda. A comemoração pelo assassinato foi intensa ali. Brenda O´Neill compilou uma enorme variedade desses comentários.

Destacou-se com novo alvo, nas comunidades trans, a autora de Harry Potter, J.K Rowling, conhecida pelas suas duras críticas à ideologia trans e cuja morte é febrilmente fantasiada.

“ ´Podemos ter J.K. Rowling em seguida?´, perguntou um canalha do Bluesky. Seria para ´o bem maior das pessoas trans´. Esta não é a primeira vez que um ato de violência deixa as pessoas salivando com a perspectiva de um destino semelhante para Rowling. Quando ela expressou horror à tentativa de assassinato de Salman Rushdie em 2022, um usuário do X respondeu: ´Não se preocupe, você é a próxima´.”

A conclusão do artigo de Brendan O´Neill, cuja leitura completa recomendo é a seguinte:

A violência, ou a ameaça implícita dela, gira em torno da ideologia trans. […] Você a vê em sua fantasia pervertida de livrar a Terra de J.K. Rowling para que os caras gordos de biquíni nunca mais tenham que ver um de seus tuítes concisos e provocativos. E você a vê na dança sobre o túmulo de Charlie Kirk antes mesmo que ele esteja nele”.

Precisamos falar sobre essa cultura de ameaça que permeia todos os aspectos da identidade trans. Seus processos de pensamento, suas bandeiras, suas ambições – tudo está impregnado da fantasia selvagemente antissocial de apagar ou pelo menos silenciar mulheres e homens, mas principalmente mulheres, que têm a audácia de se esquivar da insanidade ideológica da “mudança de sexo”.

Pergunto eu agora: levaremos adiante esse debate, ou nos calaremos com medo de processos, de cancelamentos e de tiros?

Pergunto ainda: conseguiremos debater esse tema nas universidades, uma vez que a intolerante militância trans, de modo particular, e identitária, de modo geral, está fortemente empoderada em tais instituições? 

Aceitaremos sem sequer problematizar o avanço cada vez maior de cotas para pessoas trans em concursos para universidades e órgãos públicos, sem que se vislumbre qualquer motivo plausível para que alguém ganhe uma vaga porque acredita que mudou de sexo?

Acovardarmo-nos agora não parece uma boa alternativa. A voz de Charlie Kirk foi precocemente calada. Não calemos a nossa por covardia.