Arquivo da categoria: artigos

Escândalo do INSS e aposentadoria compulsória de Lula

Sobre esse novo escândalo de corrupção federal, dessa vez no âmbito do INSS, uma das manchetes que corre na cobertura televisiva é esta: “Tirando de quem mais precisa”.

A eficácia antigovernamental dessa manchete vem, claro, do fato muito conhecido de que em todos os governos petistas uma das retóricas mais usadas é que tais governos trazem benefícios, especialmente, “para os que mais precisam”.

O escândalo do roubo de aposentados e pensionistas escancara a hipocrisia petista. Roubar velhinhos é o fim da picada.

O marqueteiro Sidônio Palmeira não conseguiu ainda engendrar uma narrativa verossímil capaz de limpar a barra do governo.

A forma como o governo Lula busca se afastar do escândalo é frágil. De modo geral, apresenta-se, com apoio da mídia chapa branca, como agente desarticulador de um esquema de corrupção que teria começado no governo Bolsonaro.

Ocorre que a averiguação dos anos em que foram celebrados os convênios fraudulentos com INSS mostra que alguns são de antes do governo Bolsonaro e outros realizados já neste atual governo.

Além disso, do montante de pouco mais de RS$ 6 bilhões subtraídos dos aposentados e pensionistas, nada menos que 63,75% se deram entre 2023 e 2024; ou seja, na alvorada do governo Lula.

Durante mais de dois anos do governo Lula, os aposentados e pensionistas continuaram a ser roubados descaradamente por associações de classe conveniadas com o INSS com o alegado propósito de lhes prestar serviços.

Dentre os sindicatos e associações envolvidas no escândalo, contam-se velhas aliadas do lulopetismo; uma delas dirigida por Frei Chico, irmão do presidente Lula.

Lula mandou demitir o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, mas não teve coragem de demitir o titular do Ministério da Previdência Social, órgão ao qual o INSS está subordinado.

Esse poderoso ministro é Carlos Lupi (PDT), que, em entrevista ao lado do ministro da Justiça Lewandowski, assumiu total responsabilidade pela nomeação de Stefanutto, a quem elogiou como sendo pessoa “exemplar”.

Tem muita gente exigindo a cabeça de Lupi, inclusive alguns lulistas tarimbados. Diante da dimensão do escândalo, sua permanência seria uma desmoralização para o governo Lula.

Ocorre que, para um governo que conseguiu se eleger mesmo depois de ter protagonizado o escândalo de corrupção da Petrobrás, aparentar moralidade pública pode ser menos importante do que manter alianças partidárias.

Até o momento em que escrevo, Lupi declara que fica, e Lula não declara nada.

Luiz Inácio Lula da Silva é um político resiliente; porém, tudo tem limite e tudo chega ao fim, inclusive a passividade dos brasileiros diante de tais descalabros.

Lula chegou ao seu outono; na idade e na política. É imprescindível que o Brasil prepare sua aposentadoria política compulsória para 2026.

Sua aposentadoria, claro, não vai ser como a de milhões de brasileiros: um salário mínimo com desconto de algumas dezenas de reais surrupiados por convênios de fachada. Será algo mais nababesco.

Que volte, pois, para casa com sua Janja, usufruindo do que milhares de outros idosos não têm condições de usufruir, mas que liberte a vida política brasileira da sua danosa presença.

Legado de Francisco

Desde sua eleição em 2013 como o primeiro papa jesuíta e latino-americano, o pontificado de Francisco foi marcado por um estilo pastoral inovador e um compromisso com a transformação institucional da Igreja Católica. Com ênfase na misericórdia, justiça social e reforma da Cúria Romana, seu papado buscou equilibrar tradição e modernidade, promovendo uma Igreja mais inclusiva e voltada para as “periferias existenciais”. No entanto, sua condução também enfrentou críticas de setores conservadores e desafios persistentes, como os escândalos de abuso sexual e polarização dentro da Igreja. Analisar seu legado exige considerar tanto seus avanços simbólicos quanto tensões entre reforma e continuidade no catolicismo.

Sua ênfase renovada na justiça social e pastoral ficou refletida em suas encíclicas e ações. Documentos como Laudato Si’ (2015) e Fratelli Tutti (2020) reposicionaram a Igreja Católica como voz ativa em debates globais, desde a crise ambiental até a desigualdade econômica. Internacionalmente, Francisco redefiniu o papel diplomático do Vaticano, mediando conflitos, contudo, sua abordagem a regimes autoritários (China, Rússia) foi considerada excessivamente conciliatória em momentos cruciais. Seu legado, em síntese, é o de um reformista político pragmático.

Ele também promoveu mudanças internas significativas, como a constituição Praedicate Evangelium (2022), que reestruturou a Cúria Romana e ampliou a participação de leigos, incluindo mulheres, em cargos de decisão. Seu foco na descentralização buscou equilibrar poder entre o Vaticano e conferências episcopais locais. A criação de mecanismos de transparência financeira, como a Secretaria para a Economia (2014), respondeu a escândalos de corrupção, apesar de ainda vista como incompleta. 

No campo da moral e doutrina, adotou postura pastoral mais flexível, especialmente em questões familiares (Amoris Laetitia, 2016), permitindo maior integração de divorciados recasados. Seus gestos, como a abertura a uniões civis e sua ênfase na misericórdia sobre o rigor doutrinal, geraram esperanças de reformas, mas também tensões com tradicionalistas. Apesar de manter a proibição do sacerdócio feminino, nomeou mulheres para posições de liderança inéditas no Vaticano, como a francesa Nathalie Becquart no Sínodo dos Bispos (2021).

A resposta aos escândalos de abuso sexual revela tanto avanços quanto limitações. Francisco estabeleceu normas mais rígidas para responsabilizar bispos (Vos estis lux mundi, 2019) e revogou o sigilo pontifício em casos de abuso. No entanto, é possível ver falhas na aplicação dessas medidas, como a lentidão em processos canônicos e a falta de transparência em casos envolvendo cardeais influentes. Seu legado nessa área permanece ambíguo: reconhecido por ações sem precedentes, mas ainda questionado por vítimas e reformistas.

Ao fim e ao cabo, o Papa que se despede deixa um legado importante para o catolicismo, tendo conseguido mover suas estruturas parcialmente, porém, em pontos basilares. Aquele que virá encontrará um ambiente muito diferente daquele com que Francisco se deparou e podemos considerar isso um sinal positivo, algo que aproximou os católicos da Igreja de Pedro.

Um programa para o centro democrático

Uma coisa é certa. O centro democrático definirá o resultado da próxima eleição. Tenha ou não candidato.

Mas se o centro democrático não tiver candidato em 2026 será obrigado a votar em um dos polos populistas para evitar a vitória do outro polo populista. Ou a se abster, votar branco ou nulo.

Se o centro democrático apresentar um candidato em 2026 e ele não for ao segundo turno, deverá ser alguém com um programa democrático, articulado com partidos ou setores políticos de centro e com extensas camadas da sociedade, disposto a continuar construindo a alternativa não-populista para 2030. Se esse candidato não passar ao segundo turno, não deve aderir a um governo populista vencedor, seja ele qual for, por medo de perder holofotes.

Em todo caso, 2030 passa por 2026. Se uma alternativa não-populista não se apresentar em 2026, o horizonte estratégico dos democratas vai se deslocar para 2034. Pois se já não estiver ativo um movimento democrático em 2026, não dará tempo para articular uma alternativa para 2030. Na boca da urna de 2030 é que isso não ocorrerá.

Todavia, 2026 é para valer. Está longe de ser certo que Lula (ou alguém indicado por ele) vá vencer as próximas eleições. As tendências estão agora mais claras. Essa é a posição da maioria dos brasileiros hoje: nem Bolsonaro, nem qualquer bolsonarista-raiz; nem Lula, nem qualquer lulopetista-raiz. Quem duvidar disso deve analisar as pesquisas. Essa realidade estatística, entretanto, ainda não foi transformada em uma realidade política.

Repetindo. Se Bolsonaro não será eleito (está inelegível, não será anistiado e sim, provavelmente, preso), um bolsonarista raiz também não deve ser eleito. Da mesma forma, Lula não deve ser reeleito ou um lulopetista indicado por ele também não deve ser eleito. Essa é a única maneira de escapar dos populismos que parasitam a nossa democracia e acabar com a polarização.

Não adianta instrumentalizar a justiça para desmoralizar politica e moralmente Bolsonaro e o bolsonarismo. Ao que tudo indica Lula, se perder, não perderá a eleição de 2026 para o bolsonarismo. Perderá para o antilulismo e para o antipetismo, que são hoje muito mais amplos.

Dificilmente Lula vencerá as eleições no Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste do país. Se vencer no Norte e no Nordeste será por uma margem muito menor do que nas eleições passadas. Logo, nas condições normais de temperatura e pressão, Lula tende a perder as próximas eleições. O problema é que elas podem ocorrer em condições anormais. Neste momento, há uma clara interferência política – proveniente do judiciário e de parte da imprensa (chapa-branca) atuando como partidos políticos – para antecipar a campanha eleitoral, tentando tornar inimigo da democracia qualquer um que venha a herdar os votos de Bolsonaro, mesmo que não seja bolsonarista raiz e não tenha cometido qualquer crime. Querem vender a ideia de que se Lula (ou alguém do PT) não for eleito será um golpe dos fascistas. Sem essa interferência indevida, o mais provável é que Lula não seja reeleito.

Todavia, as chances são enormes de interferência indevida do judiciário e dos meios de comunicação alinhados ao governo no processo eleitoral (nas TVs amigas a campanha antecipada Lula 2026 já está em curso há tempos, diariamente). Por isso não se pode cravar que Lula (ou alguém indicado por ele) vai perder a eleição de 2026.

O centro democrático é contra a anistia aos golpistas bolsonaristas do final de 2022. Mas não tem a covardia de não lembrar que, na prática, o STF concedeu recentemente anistia a Lula, Dirceu e a outros petistas envolvidos no mensalão ou no petrolão. Seus processos foram anulados. Para todos os efeitos, isso equivale a esquecer os crimes que cometeram. Anistia geral e irrestrita. Nem o Emílio Odebrecht ficou preso.

De qualquer modo, só há uma solução democrática para o Brasil. Impedir que populistas ocupem novamente o governo para continuar parasitando nosso regime. Isso vale para os populistas de direita (bolsonaristas) e para os populistas de esquerda (lulopetistas).

Sim, nós – respaldados pela vontade política de mais metade dos brasileiros e brasileiras – apostamos nessa solução e vamos trabalhar para concretizá-la.

Para começar sugerimos os seguintes pontos programáticos que devem ser discutidos, aperfeiçoados e desenvolvidos a partir do diálogo com os partidos e setores políticos do centro democrático e com a sociedade.

• O parlamentarismo e o voto distrital misto

• O voto facultativo e as candidaturas independentes (ou avulsas)

• O municipalismo, baseado no localismo cosmopolita e o aumento do protagonismo das cidades (por meio da promoção do desenvolvimento local sustentável)

• A democratização da política e das suas instituições, sobretudo dos partidos (com o fim da partidocracia)

• Mudanças das regras eleitorais, inclusive para evitar a captura das eleições pelos populismos e o seu hackeamento pelos extremismos (com a introdução de inovações como, por exemplo, o voto em mais de um candidato, o voto ranqueado ou o voto negativo)

• A construção de novos mecanismos de interação democrática dos cidadãos (não-plebiscitários e não-assembleísticos) para influir no Estado

• A sustentabilidade como grande referencial para o desenvolvimento

• Uma economia de mercado, competitiva, que não queira impor à sociedade a sua racionalidade (ou seja, que parta da ideia de que a economia é que deve ser de mercado e competitiva, não a sociedade, que deve ser cada vez mais colaborativa)

• A redução das desigualdades socioeconômicas e o enfrentamento da pobreza pela via da promoção do desenvolvimento social e, emergencialmente, pela adoção de uma renda mínima cidadã, mas sobretudo por meio de outros mecanismos de inclusão baseados no investimento em capital humano e em capital social

• A defesa intransigente da ciência diante do ressurgimento de crenças que querem desacreditá-la e o investimento prioritário em ciência básica e aplicada e em tecnologia

• Uma nova educação para o século 21, que não pode ser repetição ou mero aperfeiçoamento da educação praticada nos séculos passados, baseada no desenvolvimento de uma inteligência tipicamente humana (que não será substituída pela inteligência artificial, mas a ela se somará)

• A saúde focada em prevenção e na criação de ambientes físicos e sociais saudáveis e o fortalecimento e expansão do sistemas públicos de saúde

• A promoção dos direitos humanos tendo como referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos e seus necessários aperfeiçoamentos

• A segurança pública como ação social e policial, não como guerra contra o crime

• Uma política externa orientada para paz e pela defesa da democracia e não por visões ideológicas, que vise buscar um novo lugar para o Brasil no mundo: o lugar de grande parceiro dos povos que se articulam para alcançar o bem comum para a humanidade em todas as áreas (científicas, tecnológicas, comerciais, de defesa dos direitos humanos em escala global e de preparação para o enfrentamento das mudanças globais que afetam a vida e a convivência social das populações do planeta, como as pandemias e epidemias, as doenças endêmicas e as catástrofes provocadas pelas mudanças climáticas, pelo aquecimento global ou pela predação do meio ambiente).

O truco das tarifas de Trump: coloque seus filhos para estudar Mandarim

Trump chamou de Liberation Day, mas o tarifaço que ele propôs contra a China pode muito bem ser chamado de Make China Great Again. Ainda não está claro para ninguém o que exatamente vai sair disso. Eu recomendo matricular os filhos em aulas de Mandarim.

Quem está dizendo que já entendeu tudo são os doidinhos de sempre, os fugitivos do CAPS da política. Aquela turma que não estuda o tema, não trabalha com o tema, não trabalha com política mas acha que sabe tudo. Estão no mesmo nível de quem assiste futebol e se acha técnico.

Quem realmente acompanha política com seriedade ainda está tentando entender as motivações e, principalmente, as consequências das tarifas. As bolsas do mundo inteiro estão em pânico. Isso porque ninguém conseguiu calcular ainda o prejuízo, nem as maiores empresas americanas.

Hoje, para fazer um lápis, o grafite vem de um lugar, a madeira de outro, a tinta de outro, a montagem de outro. A cadeia produtiva é mundial. Serviços também. Tem empresa americana com atendimento ao consumidor feito por call centers na Índia. Isso vai ser tributado como? Vai ser tarifado como Índia ou como Estados Unidos? A conta está sendo refeita. E ninguém sabe ainda o tamanho do estrago.

Aqui no Brasil, como sempre, temos políticos sem o menor respeito pela população. E o brasileiro aceita. Vive num relacionamento abusivo com a classe política. Sabe aquela situação em que a pessoa te maltrata, você vai cobrar, e no final é você que sai pedindo desculpa? É assim.

Tem político que finge que nada está acontecendo. E tem os que dizem: “Vamos retaliar!”. É risível. É como se, numa briga de rua, um brutamontes de 1,90 m sacasse um estilete, e você entregasse um estilete para sua filha de 3 anos dizendo: “Vai lá, enfrenta ele!”. Essa é a ideia do Brasil “retaliar” os EUA. Mesmo instrumento, nenhuma chance.

E, no meio disso tudo, o Lula aparece com aquele tom de sempre: “tá tudo certo, tá tudo bem”. Vi um pronunciamento do primeiro-ministro de Singapura. Ele disse, com serenidade: “Ainda não sabemos o tamanho do impacto. Mas a ordem mundial está mudando. Aquela estabilidade criada após a Segunda Guerra está ruindo”. Mesmo que revogue todas as tarifas, Donald Trump já queimou um ativo valioso dos Estados Unidos: previsibilidade.

Em Singapura explicaram com calma e transparência ao povo, dizendo que os impactos negativos e também positivos acontecerão e ainda não podem ser previstos. Aqui? Nada. Não teremos esse tipo de esclarecimento. E, pior, ninguém vai cobrar. Porque o brasileiro já aceita tanto absurdo de político que nem exige mais que eles se comportem feito gente grande.

Lobby e Democracia

Ao ler as notícias do dia, me deparei com a seguinte manchete: “Lobista cobrou 20% para liberar emendas de empresários investigados, diz PF”. Ao abrir a matéria pude perceber que não se tratava de um lobista, mas alguém que exercia, sem cerimônias, a prática de tráfico de influência. Me senti aliviado, afinal de contas, nada mais longe do exercício diário da vida de um lobista do que a ação denunciada pela matéria.

Antes de qualquer coisa é preciso deixar algo muito claro: lobby não é tráfico de influência. Pelo contrário, são conceitos antagônicos. Mais do que isso, lobby somente existe onde há um sistema democrático e transparente, enquanto tráfico de influência é uma prática comum em regimes autocráticos e autoritários, onde existe concentração arbitrária de poder. Nosso país, uma jovem democracia, somente foi apresentada ao lobby em tempos recentes e ainda possui dificuldade em entender sua legitimidade. 

O lobby é uma prática tão antiga quanto a democracia, pois se estamos diante de um regime com plenas liberdades, talvez a mais importante delas seja aquela que garante à sociedade o direito de ser ouvida pelos seus representantes. Ao isolar-se e rejeitar a necessidade de ouvir, um governo torna-se autoritário. Ao fechar as portas para os pleitos dos eleitores, um parlamento perde legitimidade. Ao deixar de ouvir as partes, um juiz se torna despótico. Limitar o direito ao lobby é limitar o direito ao exercício mais básico de cidadania em uma democracia.

O termo lobby nasceu nos Estados Unidos, país que moldou o conceito moderno de democracia como conhecemos. No início de sua república, os parlamentares passavam longos períodos em Washington, hospedados no hotel Willard, localizado entre o Congresso e a Casa Branca. No lobby do hotel era comum encontrar representantes do setor privado à espera dos parlamentares para que estes pudessem ouvir sobre o impacto das leis que estavam por analisar. Desta atividade surgiu o termo lobby.

Os lobistas tornaram-se elemento central do processo legislativo e pilar essencial da democracia, uma vez que se tornou essencial ouvir os setores da sociedade afetados pelas leis que eram debatidas no Capitólio. A prática cresceu em importância e relevância na medida que aperfeiçoava diplomas legais mediante diálogo direto com a sociedade. As leis passaram a ser debatidas ouvindo a realidade do cidadão, contribuindo para que a legislação ajudasse o país a prosperar.

No Brasil, o termo passou a fazer parte de nosso cotidiano durante o mais recente período autoritário, quando não havia eleições e o parlamento permanecia fechado. Mais do que isso, passou a designar aqueles que conseguiam arrancar favores e políticas favoráveis do regime militar, uma clara situação que configurava tráfico de influência. 

Com a redemocratização e o nascimento da prática de lobby como instrumento legítimo da sociedade, o termo, usado de forma equivocada para designar tráfico de influência, foi internalizado erroneamente em nossa língua. Para remediar esta confusão, o primeiro grande passo seria ver nosso Congresso Nacional aprovar a lei que regulamenta esta atividade. Uma ação tardia, com mais de dois séculos de atraso, porém relevante e necessária para introdução de mecanismos éticos e transparentes para esta atividade que é um dos pilares da democracia.

Onde a democracia não funciona bem

Versão preliminar. Sem revisão, sem notas, sem referências e ainda sem conclusão.

RESUMO

Este estudo pretende mostrar que não conformam ambientes favoráveis à democracia: 1 – países que têm sistemas de governo presidencialistas plenos; 2 – países muito grandes (com mais de 100 milhões de habitantes); 3 – países cujas populações são majoritariamente fundamentalistas religiosas; 4 – países em guerra; e 5 – países com regimes parasitados por governos populistas.

Temos hoje no mundo 65 países com sistemas de governo presidencialistas plenos. Desses, só temos dois países com democracia plena (The Economist Intelligence Unit), ou seja, 3%; e cinco países com democracia liberal (V-Dem), ou seja, 7,7%. A maioria dos países com sistemas de governo presidencialistas plenos é composta por autocracias.

Temos hoje no mundo 16 países muito grandes, com mais de 100 milhões de habitantes. Na lista de todos os (dezesseis) países com mais de 100 milhões de habitantes só temos uma democracia plena (segundo a EIU): o Japão (o que dá 6%). E só temos duas democracias liberais (segundo o V-Dem): os EUA e o Japão (ou seja, 12,5%). Da lista toda temos 11 autocracias, ou seja, quase 70% (68,75%).

Temos hoje no mundo 48 países cuja população é majoritariamente muçulmana e 1 país (Myanmar) cuja maioria da população é budista (theravada) com traços significativos de intolerância às demais religiões. Se usarmos a classificação do V-Dem, de 48 países de maioria islâmica só escapam quatro que não têm regimes autocráticos: Albânia, Gâmbia, Nigéria, Senegal (sendo que na Nigéria a população muçulmana é pouco mais de 50%). Claro que não há nenhuma democracia liberal ou plena. Mais de 90% (91,6%) são ditaduras (autocracias eleitorais ou autocracias fechadas). Myanmar, por sua vez, também é uma autocracia fechada.

Temos hoje no mundo 51 países em guerra (considerando conflitos armados com mais de mil mortes anuais ou crises humanitárias graves) ou estado de guerra persistente. Desses, 41 são autocracias (ou seja, mais de 80%). Só há uma democracia liberal (V-Dem). Não há nenhuma democracia plena (EIU).

Temos hoje no mundo, pelo menos, cerca de 21 países com regimes eleitorais parasitados por governos populistas, sejam neopopulistas (ditos de esquerda), sejam populistas-autoritários ou nacional-populistas (ditos de direita ou extrema-direita). São 10 governos neopopulistas e 10 governos populistas-autoritários, sendo que 1 ainda não se enquadra bem nas duas categorias (o governo da Argentina). Da lista inteira a metade é de ditaduras e só há 1 democracia liberal (EUA), sendo que o V-Dem, no seu relatório de 2025, incluiu também a África do Sul (que não vamos considerar aqui, pois deve ter sido um erro – na interpretação mais benévola). Segundo a The Economist Intelligence Unit, não há nenhuma democracia plena na lista.

INTRODUÇÃO

Por óbvio, a democracia não se aplica a regimes não-eleitorais e a regimes eleitorais autocráticos (pois seria uma contradição em termos: democracia é o oposto de autocracia).

Tomamos como referência para o presente estudo as classificações de regimes políticos das três mais conceituadas instituições que monitoram os regimes políticos no mundo: a The Economist Intelligence Unit (EIU), o Varieties of Democracy (V-Dem) e a Freedom House (FH).

O V-Dem classifica os regimes em quatro tipos: Liberal Democracy (Democracia Liberal), Electoral Democracy (Democracia Eleitoral), Electoral Autocracy (Autocracia Eleitoral) e Closed Autocracy (Autocracia Fechada). O regime brasileiro é classificado como Electoral Democracy. O V-Dem adota seis índices: Democracia Liberal (uma espécie de síntese, chamado LDI), Democracia Eleitoral, Componente Liberal, Componente Igualitário, Componente Participatório, Componente Deliberativo. Isso significa que, para o V-Dem, existem democracias não-liberais (que ele chama de democracias eleitorais), posto que, se fossem liberais, estariam na primeira categoria.

The Economist Intelligence Unit classifica os regimes em quatro tipos: Full Democracy (Democracia Plena), Flawed Democracy (Democracia Defeituosa), Hybrid Regime (Regime Híbrido) e Authoritarian Regime (Regime Autoritário). O regime brasileiro é classificado como Flawed Democracy. A EIU adota cinco índices: Processo Eleitoral e Pluralismo, Funcionamento do Governo, Participação Política, Cultura Política e Liberdades Civis.

A Freedom House classifica os regimes em três tipo: Free (Livres), Partly Free (Parcialmente Livres) e Not Free (Não Livres). Basicamente a FH adota dois índices: Direitos Políticos e Liberdades Civis.

Para começar seria interessante dizer onde, inequivocamente, a democracia funciona bem (como regime político instalado em Estados-nações, pois não vamos tratar aqui da democracia como modo-de-vida em não-países).

Vamos tomar como referência o cruzamento das democracias plenas (full democracies) da The Economist Intelligence Unit (EIU), segundo o relatório Democracy Index 2024 (intitulado “What’s wrong with representative democracy?”), com as democracias liberais (liberal democracies) do V-Dem, segundo o relatório V-Dem 2025 (intitulado “25 Years of Autocratization – Democracy Trumped?”). Obviamente, todos os países resultantes desse cruzamento, segundo o relatório Freedom in the World 2025 (intitulado “The uphill battle to safeguard rights”), da Freedom House (FH), são considerados livres (free countries). A lista resultante desse cruzamento, de 19 países, é a seguinte (em ordem alfabética):

  1. Alemanha
  2. Austrália
  3. Chequia
  4. Costa Rica
  5. Dinamarca
  6. Espanha
  7. Estônia
  8. Finlândia
  9. Holanda
  10. Irlanda
  11. Islândia
  12. Japão
  13. Luxemburgo
  14. Noruega
  15. Nova Zelândia
  16. Suécia
  17. Suíça
  18. Taiwan
  19. Uruguai

Consideramos, portanto, como países com regimes inequivocamente democráticos, onde a democracia funciona bem, os 19 países que são, simultaneamente, democracias plenas (EIU), democracias liberais (V-Dem) e livres (FH).

Isso não significa, entretanto, que apenas esses 19 países têm regimes que possam ser considerados democráticos. Se, em vez da interseção, considerarmos a conjunção das 25 democracias plenas (da EIU), com as 29 democracias liberais (do V-Dem), a lista resultante, de 34 países (excluída a África do Sul), seria mais abrangente:

  1. África do Sul
  2. Alemanha
  3. Australia
  4. Austria
  5. Barbados
  6. Bélgica
  7. Canadá
  8. Chequia
  9. Chile
  10. Costa Rica
  11. Dinamarca
  12. Espanha
  13. Estônia
  14. EUA
  15. Finlândia
  16. França
  17. Grécia
  18. Holanda
  19. Irlanda
  20. Islândia
  21. Itália
  22. Jamaica
  23. Japão
  24. Letônia
  25. Luxemburgo
  26. Maurício
  27. Noruega
  28. Nova Zelândia
  29. Portugal
  30. Reino Unido
  31. Seicheles
  32. Suécia
  33. Suíça
  34. Taiwan
  35. Uruguai

Claro que se incluirmos os 85 regimes livres (da FH), a lista ficaria imensa, mas os critérios da Freedom House são muito mais lassos, chegando a incluir, como livres, regimes híbridos (EIU), como a Romênia e democracias claramente não-liberais (V-Dem), talvez tendentes a virarem autocracias, como a Eslováquia. Então é melhor não.

1 – Democracia em sistemas de governo fortemente presidencialistas

O chamado “presidencialismo imperial” é um obstáculo ao bom funcionamento da democracia. É o que estamos vendo agora nos Estados Unidos sob um presidente que segue um plano de exacerbação da sua autoridade monocrática: Donald Trump.

Vejamos a lista de países com sistemas presidencialistas plenos (que exclui sistemas semipresidencialistas, como França e Portugal, onde há um primeiro-ministo com poderes significativos ao lado do presidente). A classificação dos regimes na lista abaixo é a do V-Dem 2025.

  1. Afeganistão – Sob o atual regime talibã, o sistema é presidencialista em estrutura, embora autoritário. Autocracia Fechada.
  2. Angola – Presidente eleito lidera o executivo. Autocracia Eleitoral.
  3. Argentina – Eleição direta do presidente desde 1853, com poderes executivos fortes. Democracia Eleitoral.
  4. Benim – Sistema presidencialista desde a transição democrática em 1991. Autocracia Eleitoral.
  5. Bolívia – Presidente eleito diretamente com amplo controle executivo. Democracia Eleitoral.
  6. Brasil – Presidencialismo adotado desde 1889, com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  7. Burundi – Presidente como chefe de Estado e governo, eleito diretamente. Autocracia Eleitoral.
  8. Camarões – Sistema presidencialista com forte centralização no presidente. Autocracia Eleitoral.
  9. Chade – Presidente domina o executivo, eleito por voto popular. Autocracia Eleitoral.
  10. Chile – Presidencialismo com eleição direta desde o século XIX. Democracia Liberal.
  11. Colômbia – Sistema presidencialista consolidado desde 1886. Democracia Eleitoral.
  12. Comores – Presidente eleito diretamente como líder do executivo. Autocracia Eleitoral.
  13. Congo, República do – Sistema presidencialista com eleição direta. Autocracia
  14. Congo, República Democrática do – Presidente como chefe de Estado e governo. Autocracia Eleitoral.
  15. Coreia do Sul – Presidencialismo desde 1948, com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  16. Costa Rica – Um dos presidencialismos mais antigos e estáveis das Américas. Democracia Liberal.
  17. Costa do Marfim – Presidente eleito diretamente com poderes executivos. Autocracia Eleitoral.
  18. Chipre – Sistema presidencialista pleno, sem primeiro-ministro. Democracia Eleitoral.
  19. Djibouti – Presidente domina o governo, eleito pelo povo. Autocracia Fechada.
  20. Dominicana, República – Presidencialismo com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  21. El Salvador – Presidente como chefe de Estado e governo. Autocracia Eleitoral.
  22. Equador – Sistema presidencialista com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  23. Estados Unidos – Modelo clássico de presidencialismo desde 1787. Democracia Liberal.
  24. Filipinas – Inspirado no modelo americano, com eleição direta. Autocracia Eleitoral.
  25. Gabão – Presidente eleito com forte controle executivo. Autocracia Fechada.
  26. Gâmbia – Sistema presidencialista desde a independência. Democracia Eleitoral.
  27. Gana – Presidencialismo adotado na transição democrática dos anos 1990. Democracia Eleitoral.
  28. Guatemala – Presidente eleito diretamente como líder do executivo. Democracia Eleitoral.
  29. Guiné – Sistema presidencialista, embora com instabilidade política. Autocracia Fechada.
  30. Guiné-Bissau – Presidente como chefe de Estado e governo. Autocracia Eleitoral.
  31. Guiné Equatorial – Presidencialismo autoritário com eleição formal. Autocracia Eleitoral.
  32. Haiti – Sistema presidencialista, apesar de crises frequentes. Autocracia Fechada.
  33. Honduras – Presidente eleito diretamente com poderes executivos. Democracia Eleitoral.
  34. Indonésia – Presidencialismo pleno desde reformas pós-1998. Autocracia Eleitoral.
  35. Irã – Presidencialismo combinado com teocracia; presidente eleito diretamente. Autocracia Eleitoral.
  36. Quênia – Sistema presidencialista consolidado desde 2010. Democracia Eleitoral.
  37. Libéria – Presidencialismo inspirado no modelo americano. Democracia Eleitoral.
  38. Malawi – Presidente eleito como chefe de Estado e governo. Democracia Eleitoral.
  39. Maldivas – Sistema presidencialista com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  40. México – Presidencialismo desde o século XIX, com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  41. Moçambique – Presidente como líder do executivo, eleito diretamente. Autocracia Eleitoral.
  42. Namíbia – Sistema presidencialista desde a independência em 1990. Democracia Eleitoral.
  43. Nicarágua – Presidente eleito com forte controle executivo. Autocracia
  44. Nigéria – Presidencialismo federal com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  45. Palau – Sistema presidencialista inspirado nos EUA.
  46. Panamá – Presidente como chefe de Estado e governo. Democracia Eleitoral.
  47. Paraguai – Presidencialismo com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  48. Peru – Sistema presidencialista com histórico de instabilidade. Democracia Eleitoral.
  49. Ruanda – Presidente domina o executivo, eleito pelo povo. Autocracia Eleitoral.
  50. Seichelles – Presidencialismo com eleição direta. Democracia Liberal.
  51. Serra Leoa – Sistema presidencialista desde a independência. Autocracia Eleitoral.
  52. Sri Lanka – Presidencialismo pleno desde a constituição de 1978. Democracia Eleitoral.
  53. Sudão – Sistema presidencialista, embora com forte influência militar. Autocracia Fechada.
  54. Sudão do Sul – Presidente como chefe de Estado e governo. Autocracia Fechada.
  55. Suriname – Presidencialismo com eleição indireta pelo legislativo. Democracia Eleitoral.
  56. Tajiquistão – Sistema presidencialista com características autoritárias. Autocracia Eleitoral.
  57. Tanzânia – Presidente eleito diretamente como líder do executivo. Autocracia Eleitoral.
  58. Togo – Presidencialismo com eleição direta, mas autoritário. Autocracia Eleitoral.
  59. Turcomenistão – Presidencialismo fortemente centralizado. Autocracia Fechada.
  60. Uganda – Presidente como chefe de Estado e governo. Autocracia Eleitoral.
  61. Uruguai – Sistema presidencialista com eleição direta. Democracia Liberal.
  62. Uzbequistão – Presidencialismo autoritário com eleição formal. Autocracia Fechada.
  63. Venezuela – Presidencialismo com eleição direta, mas contestado. Autocracia Eleitoral.
  64. Zâmbia – Sistema presidencialista com eleição direta. Democracia Eleitoral.
  65. Zimbábue – Presidente como chefe de Estado e governo. Autocracia Eleitoral.

A primeira evidência é que a maioria dos países com sistemas de governo presidencialistas plenos é composta por autocracias. A segunda evidência da lista acima é que nela só há duas democracias plenas (EIU): Costa Rica e Uruguai (o que corresponde a 3%); e só há cinco regimes considerados (pelo V-Dem) democracias liberais: Chile, Costa Rica, EUA, Seicheles e Uruguai (o que dá 7,7%).

2 – Democracia em países muito grandes

Países muito grandes, com mais de 100 milhões de habitantes, não constituem bons ambientes para o funcionamento de regimes democráticos.

Na lista de todos (os dezesseis) países com mais de 100 milhões de habitantes só temos uma democracia plena (segundo a EIU): o Japão. Nessa lista só temos duas democracias liberais (segundo o V-Dem): os EUA e o Japão. A maioria esmagadora é de ditaduras.

Examinemos os regimes políticos desses países grandes (considerando as classificações do V-Dem e da The Economist Intelligence Unit):

  1. India 1,450,935,791 – Autocracia Eleitoral | Democracia Defeituosa.
  2. China 1,419,321,278 – Autocracia Fechada | Regime Autoritário.
  3. Estados Unidos 345,426,571 – Democracia Liberal | Democracia Defeituosa.
  4. Indonésia 283,487,931 – Autocracia Eleitoral | Democracia Defeituosa.
  5. Paquistão 251,269,164 – Autocracia Eleitoral | Regime Autoritário.
  6. Nigéria 232,679,478 – Autocracia Eleitoral | Regime Híbrido.
  7. Brasil 211,998,573 – Democracia Eleitoral | Democracia Defeituosa.
  8. Bangladesh 173,562,364 – Autocracia Eleitoral | Regime Híbrido.
  9. Russia 144,820,423 – Autocracia Eleitoral | Regime Autoritário.
  10. Etiópia 132,059,767 – Autocracia Eleitoral | Regime Autoritário.
  11. México 130,861,007 – Democracia Eleitoral | Regime Híbrido.
  12. Japão 123,753,041 – Democracia Liberal | Democracia Plena.
  13. Egito 116,538,258 – Autocracia Eleitoral | Regime Autoritário.
  14. Filipinas 115,843,670 – Autocracia Eleitoral | Democracia Defeituosa.
  15. DR Congo 109,276,265 – Autocracia Eleitoral | Regime Autoritário.
  16. Vietnam 100,987,686 – Autocracia Fechada | Regime Autoritário.

Mas há ainda os países que crescem mais. Todos eles são ambientes desfavoráveis à democracia (e também ao desenvolvimento humano e social). Vejamos, na imagem abaixo, as previsões de crescimento para 2050 e 2100.

A chart of the country's number

AI-generated content may be incorrect.

Share

Entre os países cuja população vai crescer mais até 2100, temos Paquistão, Nigéria, Congo, Etiópia, Tanzania, Angola e Sudão – uma clara predominância de autocracias.

3 – Democracia em países cujas populações são majoritariamente fundamentalistas religiosas

Eis a lista dos 48 países cuja população é majoritariamente muçulmana e 1 país (Myanmar) cuja maioria da população é budista (theravada) com traços significativos de intolerância às demais religiões. Advirta-se que ser muçulmano não significa necessariamente ser fundamentalista ou intolerante com outras crenças: por exemplo, na Malásia há mais pluralismo do que na Mauritânia. A Índia não foi incluída na lista, mas o crescimento do hinduísmo Hindutva e de grupos como o RSS e BJP, sob o governo nacional-populista de Narendra Modi – que tenta emplacar seu projeto mítico e autocrático Bharat -, tem fortes traços fundamentalistas.

  1. Afeganistão: Quase 99,7% da população é muçulmana, majoritariamente sunita, com uma minoria xiita. Autocracia Fechada.
  2. Albânia: Aproximadamente 58-60% são muçulmanos, predominantemente sunitas, com uma minoria bektashi. Democracia Eleitoral.
  3. Arábia Saudita: Cerca de 97-99% da população é muçulmana, majoritariamente sunita (wahhabita), com uma minoria xiita. Autocracia Fechada.
  4. Argélia: Cerca de 99% são muçulmanos sunitas, com pequenas minorias xiitas e ibaditas. Autocracia Eleitoral.
  5. Azerbaijão: Cerca de 96% são muçulmanos, majoritariamente xiitas, com uma minoria sunita. Autocracia Eleitoral.
  6. Bahrein: Aproximadamente 70-75% são muçulmanos, com uma maioria xiita e uma minoria sunita. Autocracia Fechada.
  7. Bangladesh: Cerca de 90% são muçulmanos, predominantemente sunitas. Autocracia Eleitoral.
  8. Brunei: Aproximadamente 80-82% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  9. Burkina Faso: Cerca de 60-62% são muçulmanos, majoritariamente sunitas. Autocracia Fechada.
  10. Cazaquistão: Aproximadamente 70% são muçulmanos, predominantemente sunitas. Autocracia Eleitoral.
  11. Chade: Cerca de 55-58% são muçulmanos, majoritariamente sunitas, com minorias xiitas. Autocracia Eleitoral.
  12. Comores: Quase 98% são muçulmanos sunitas. Autocracia Eleitoral.
  13. Djibouti: Aproximadamente 97% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  14. Egito: Cerca de 90% são muçulmanos, majoritariamente sunitas, com uma minoria copta cristã. Autocracia Eleitoral.
  15. Emirados Árabes Unidos: Cerca de 76% são muçulmanos, predominantemente sunitas, com uma minoria xiita. Autocracia Fechada.
  16. Gâmbia: Aproximadamente 95% são muçulmanos sunitas. Democracia Eleitoral.
  17. Guiné: Cerca de 85% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  18. Guiné-Bissau: Aproximadamente 50-55% são muçulmanos sunitas, com uma população religiosa diversa. Autocracia Eleitoral.
  19. Indonésia: Cerca de 87% são muçulmanos, majoritariamente sunitas, o maior país muçulmano em população. Autocracia Eleitoral.
  20. Irã: Quase 99% são muçulmanos, com cerca de 90-95% xiitas e 5-10% sunitas. Autocracia Eleitoral.
  21. Iraque: Aproximadamente 97% são muçulmanos, com cerca de 60-65% xiitas e 32-37% sunitas. Autocracia Eleitoral.
  22. Jordânia: Cerca de 97% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  23. Kuwait: Aproximadamente 75% são muçulmanos, com uma divisão entre sunitas (maioria) e xiitas. Autocracia Fechada.
  24. Líbano: Cerca de 60% são muçulkanos, divididos quase igualmente entre sunitas e xiitas. Autocracia Fechada.
  25. Líbia: Quase 97% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  26. Malásia: Cerca de 61% são muçulmanos sunitas. Democracia Eleitoral.
  27. Maldivas: Praticamente 100% são muçulmanos sunitas, com a cidadania restrita a muçulmanos. Democracia Eleitoral.
  28. Mali: Aproximadamente 94% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  29. Marrocos: Cerca de 99% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  30. Mauritânia: Quase 100% são muçulmanos sunitas. Autocracia Eleitoral.
  31. Níger: Cerca de 99% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  32. Myanmar: Mais de 80% da população é budista. Autocracia Fechada.
  33. Nigéria: Aproximadamente 50-53% são muçulmanos, majoritariamente sunitas, com minorias xiitas (estimativas variam devido à população dividida com cristãos). Democracia Eleitoral.
  34. Omã: Cerca de 86% são muçulmanos, com uma maioria ibadita, além de sunitas e xiitas. Autocracia Fechada.
  35. Paquistão: Aproximadamente 96-97% são muçulmanos, com cerca de 80% sunitas e 15-20% xiitas. Autocracia Eleitoral.
  36. Palestina (Cisjordânia e Gaza): Cerca de 98% são muçulmanos sunitas. Autocracia Eleitoral e Autocracia Fechada.
  37. Qatar: Aproximadamente 68-70% são muçulmanos, majoritariamente sunitas, com uma minoria xiita. Autocracia Fechada.
  38. Quirguistão: Cerca de 88% são muçulmanos sunitas. Autocracia Eleitoral.
  39. Senegal: Aproximadamente 96% são muçulmanos sunitas. Democracia Eleitoral.
  40. Serra Leoa: Cerca de 78% são muçulmanos sunitas. Autocracia Eleitoral.
  41. Somália: Quase 99% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  42. Sudão: Cerca de 97% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  43. Síria: Aproximadamente 87% são muçulmanos, com cerca de 74% sunitas e 13% alauitas/xiitas. Autocracia Fechada.
  44. Tadjiquistão: Cerca de 96% são muçulmanos, majoritariamente sunitas, com uma minoria ismaelita. Autocracia Eleitoral.
  45. Tunísia: Quase 99% são muçulmanos sunitas. Autocracia Eleitoral.
  46. Turcomenistão: Aproximadamente 93% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  47. Turquia: Cerca de 98% são muçulmanos, predominantemente sunitas, com uma minoria alevita. Autocracia Eleitoral.
  48. Uzbequistão: Aproximadamente 88% são muçulmanos sunitas. Autocracia Fechada.
  49. Iêmen: Quase 99% são muçulmanos, com cerca de 65% sunitas e 35% xiitas (principalmente zaiditas). Autocracia Fechada.

Se usarmos a classificação do V-Dem, de 48 países de maioria islâmica só escapam quatro que não têm regimes autocráticos: Albânia, Gâmbia, Nigéria, Senegal (sendo que na Nigéria a população muçulmana é pouco mais de 50%). Claro que não há nenhuma democracia liberal ou plena. Mais de 90% (91,6%) são ditaduras (autocracias eleitorais ou autocracias fechadas). Myanmar, por sua vez, também é uma autocracia fechada.

4 – Democracia em países em guerra

Países em guerra (ou estado de guerra prolongado, mesmo que sem derramamento de sangue) não são bons ambientes para a democracia. Os dois exemplos mais recentes são a Ucrânia (que depois de ter sido invadida pela Rússia decaiu de democracia eleitoral para autocracia eleitoral) e Israel (que era democracia liberal antes da guerra em Gaza e agora virou democracia apenas eleitoral) – tudo segundo o V-Dem.

Eis a lista dos 51 países em guerra (considerando conflitos armados com mais de mil mortes anuais ou crises humanitárias graves) ou estado de guerra persistente. Desses, 41 são autocracias (ou seja, mais de 80%). Só há uma democracia liberal (V-Dem): os Estados Unidos. Não há nenhuma democracia plena (EIU).

  1. Afeganistão: Guerra civil e insurgência terrorista | Autocracia Fechada.
  2. Argélia: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  3. Bangladesh: Crise de governança e conflitos civis. | Autocracia Eleitoral.
  4. Benim: Insurgência terrorista. | Autocracia (sem classificação V-Dem).
  5. Burkina Faso: Insurgência terrorista. | Autocracia Fechada.
  6. Camarões: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  7. Chade: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  8. China: Preparação para invasão e anexação de Taiwan e disputas no Mar do Sul da China. | Autocracia Fechada.
  9. Colômbia: Guerra civil e guerra contra o narcotráfico. | Democracia Eleitoral.
  10. Coreia do Norte: Tensões com os EUA e testes de armas. | Autocracia Fechada.
  11. Costa do Marfim: Insurgência terrorista. | Autocracia Fechada.
  12. Equador: Conflito civil e guerra contra gangues. | Democracia Eleitoral.
  13. Estados Unidos: Ameaças de violação da soberania territorial da Groelândia (Dinamarca) e do Panamá (Canal). Ameaça de bombardeio ao Irã. Ameaça de expulsão da população palestina de Gaza e de anexação (ou apropriação) da Faixa. Guerra direta contra o Iêmem (Houthis). Guerra comercial global contra o mundo exterior, em especial contra as nações democráticas e contra algumas ditaduras, sobretudo a da China (mas não contra as ditaduras da Rússia, Bielorrússia, Coreia do Norte, Cuba). | Democracia Liberal.
  14. Etiópia: Conflitos étnicos e políticos. | Autocracia Eleitoral.
  15. Filipinas: Disputas no Mar do Sul da China. | Autocracia Eleitoral.
  16. Gana: Insurgência terrorista. | Democracia Eleitoral.
  17. Haiti: Guerra civil e violência de gangues. | Autocracia Fechada.
  18. Iêmen: Guerra civil. Guerra contra Israel e EUA (Houthis) | Autocracia Fechada.
  19. Índia: Conflito em Kashmir. | Autocracia Eleitoral.
  20. Irã: Guerra contra Israel por meio de uma dúzia de organizações terroristas coordenadas pela IRGC. Netwar contra o mundo democrático, sobretudo os EUA. | Autocracia Eleitoral
  21. Iraque: Insurgência terrorista e instabilidade política. | Autocracia Eleitoral.
  22. Israel: Guerra contra o Irã e seus braços terroristas na Palestina (Hamas e Jihad Islâmica), no Líbano (Hezbollah), no Iraque, na Síria, no Iêmem (Houthis). Guerra aberta contra Gaza e estado de guerra com Cisjordânia.
  23. Líbano: Conflitos com Israel e instabilidade interna. | Democracia eleitoral (Decaiu de democracia liberal após o início da guerra em Gaza).
  24. Líbia: Insurgência terrorista e conflitos entre facções. | Autocracia Fechada.
  25. Mali: Insurgência terrorista. | Autocracia Fechada.
  26. Marrocos: Insurgência terrorista. | Autocracia Fechada.
  27. Mauritânia: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  28. México: Guerra contra o narcotráfico. | Democracia Eleitoral.
  29. Moçambique: Guerra civil. | Autocracia Eleitoral.
  30. Moldávia: Tensões com a Rússia. | Democracia Eleitoral.
  31. Myanmar: Guerra civil. | Autocracia Fechada.
  32. Níger: Insurgência terrorista. | Autocracia Fechada.
  33. Nigéria: Insurgência terrorista. | Democracia Eleitoral.
  34. Palestina (Gaza): Guerra aberta contra Israel | Autocracia Fechada.
  35. Palestina (Cisjordânia): Estado de guerra com Israel. | Autocracia Eleitoral.
  36. Paquistão: Conflitos com o Afeganistão e instabilidade interna. | Autocracia Eleitoral
  37. República Centro-Africana: Guerra civil. | Autocracia Fechada.
  38. República Democrática do Congo: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  39. Rússia: Guerra contra a Ucrânia. Ameaça de invasão da Polônia, da Estônia, da Letônia, da Lituânia, da Moldávia, da Georgia, da Finlândia e até da Suécia. Liderança da netwar global contra o mundo democrático. | Autocracia Eleitoral.
  40. Sérvia: Tensões com o Kosovo. | Autocracia Eleitoral.
  41. Síria: Guerra civil e intervenções externas. | Autocracia Fechada.
  42. Somália: Guerra contra o Al-Shabaab. | Autocracia Fechada.
  43. Sudão do Sul: Violência étnica e conflitos políticos. | Autocracia Fechada.
  44. Sudão: Guerra civil. | Autocracia Fechada.
  45. Tanzânia: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  46. Togo: Insurgência terrorista.| Autocracia Eleitoral.
  47. Tunísia: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  48. Turquia: Conflitos com grupos curdos e vizinhos. | Autocracia Eleitoral.
  49. Ucrânia: Guerra com a Rússia. | Autocracia Eleitoral (decaiu de Democracia Eleitoral após o início da guerra).
  50. Uganda: Insurgência terrorista. | Autocracia Eleitoral.
  51. Venezuela: Instabilidade política e crise de refugiados. Ameaça de violação da soberania territorial da Guiana (Essequibo). | Autocracia Eleitoral.

Aqui há um conhecimento importante corroborado pela presente investigação: o de que autocracia é guerra (ou vice-versa). Dos 51 países hoje em guerra fria ou quente (considerando conflitos armados com mais de mil mortes anuais ou crises humanitárias graves), 41 são autocracias (ou seja, mais de 80%).

5 – Democracia em regimes eleitorais parasitados por governos populistas

Não há nenhuma base de dados onde seja possível identificar regimes eleitorais parasitados por populismos (inclusive porque não há consenso entre os pesquisadores sobre o que significa populismo e sobre quais os seus tipos). Eis uma lista (parcial) de 21 países com regimes eleitorais parasitados por governos populistas, sejam neopopulistas (ditos de esquerda), sejam populistas-autoritários ou nacional-populistas (ditos de direita ou extrema-direita) com os nomes de seus respectivos governantes atuais. A classificação dos regimes é a do V-Dem.

  1. África do Sul | Democracia Liberal? | Governo neopopulista (Ramaphosa).
  2. Angola | Autocracia Eleitoral | Governo neopopulista (Lourenço).
  3. Argentina | Democracia Eleitoral | Governo populista (Milei).
  4. Bielorrússia | Autocracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Lukashenko).
  5. Bolívia | Democracia Eleitoral | Governo neopopulista (Evo e Arce).
  6. Brasil | Democracia Eleitoral | Governo neopopulista (Lula).
  7. Colômbia | Democracia Eleitoral | Governo neopopulista (Petro).
  8. El Salvador | Autocracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Bukele).
  9. Eslováquia | Democracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Fico).
  10. Estados Unidos | Democracia Liberal | Governo populista-autoritário (Trump).
  11. Honduras | Democracia Eleitoral | Governo neopopulista (Manuel e Xiomara Zelaya).
  12. Hungria | Autocracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Orbán).
  13. Índia | Autocracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Modi).
  14. Indonésia | Autocracia Eleitoral | Governo neopopulista (Subianto).
  15. Itália | Democracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Salvini e Meloni).
  16. Israel | Democracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Netanyahu).
  17. México | Democracia Eleitoral | Governo neopopulista (Obrador e Sheinbaum).
  18. Nicarágua | Autocracia Eleitoral | Governo neopopulista (Ortega e Murillo).
  19. Rússia | Autocracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Putin).
  20. Turquia | Autocracia Eleitoral | Governo populista-autoritário (Erdogan).
  21. Venezuela | Autocracia Eleitoral | Governo neopopulista (Maduro).

Na lista acima temos 10 governos neopopulistas e 10 governos populistas-autoritários, sendo que 1 ainda não se enquadra bem nas duas categorias (o governo da Argentina). Da lista inteira a metade é de ditaduras e só há 1 democracia liberal (EUA), sendo que o V-Dem, no seu relatório de 2025, incluiu também a África do Sul (o que deve ser um erro). Segundo a The Economist Intelligence Unit, não há nenhuma democracia plena na lista.

Mas há ainda, pelo menos, 9 países com oposições populistas mais relevantes: 1 com oposição neopopulista e 8 com oposições populistas-autoritárias (ou nacional-populistas). Eis uma lista (parcial) com os nomes de seus principais líderes oposicionistas:

  1. Alemanha | Oposição populista-autoritária (Chrupalla e Weidel).
  2. Brasil | Oposição populista-autoritária (Bolsonaro).
  3. Equador | Oposição neopopulista (Luísa González e Rafael Correa).
  4. Espanha | Oposição populista-autoritária (Abascal).
  5. Finlândia | Oposição populista-autoritária (Purra).
  6. França | Oposição populista-autoritária (Le Pen e Bardella).
  7. Holanda | Oposição populista-autoritária (Wilders).
  8. Portugal | Oposição populista-autoritária (Ventura).
  9. Reino Unido | Oposição populista-autoritária (Farage).

CONCLUSÃO

Em breve. Aguardando reações dos leitores.

Agora eles roubaram as manifestações do povo

Político brasileiro rouba tanto que agora roubou até a manifestação do povo. Quem lembra das passeatas de 2013 a 2016 sabe do que estou falando. Aquelas sim eram do povo. Político tentava entrar e era escorraçado. Teve até cena famosa: Aécio Neves sendo expulso da passeata pelo impeachment da Dilma. Era espontâneo, era indignação real. E teve efeito.

Político tem medo de povo na rua. E povo só bota medo se não tiver político liderando. Passeata com político na frente não mete medo em ninguém. A manifestação do Boulos não bota medo na direita. E a do Bolsonaro, mesmo cheia, também não bota medo na esquerda. Por quê? Porque político não tem medo de outro político. Medo eles têm é do povo sozinho. O povo que não aceita ser comandado, que não aceita ser paquita de político.

O que a gente vê hoje é que o brasileiro cansou. As ruas agora são das torcidas organizadas de político. É gente que sempre quis ser cadelinha de alguém. Que sempre precisou de um dono. Porque, se não fosse assim, o Brasil não estava na lama em que está. A verdade é essa.

Muita gente fala que é pelos presos do 8 de janeiro. Porque as penas foram desproporcionais, porque aquilo foi um absurdo. E eu digo: se você acreditou nisso, te fizeram de otária. A manifestação é para salvar a pele dos políticos, que estão virando réus agora. Passaram dois anos e ninguém foi pra rua pedir anistia. Justo agora que os políticos estão no alvo é que virou urgência? Coincidência não é.

E ainda tem outra: anistia não é para pessoa. Não existe anistia para os presos do 8 de janeiro. O que existe é anistiar a conduta. Ou seja, dizer que tudo aquilo pelo que foram condenados não é mais crime. E por que agora? Porque agora os políticos vão ser julgados pelas mesmas coisas. Eles não estão nem aí para o povo que foi preso. Estão se protegendo.

Se quisessem justiça para o povo do 8 de janeiro, fariam outra coisa. Lembrariam que esses processos têm que ser julgados na primeira instância. Que cada um deve responder pelo que fez. Que o STF não é o foro adequado pra julgar esses casos. Isso seria o certo. Isso seria o que o cidadão de bem quer. Mas isso não atende aos interesses dos políticos.

E é por isso que eu digo: manifestação puxada por político é perda de tempo. Reivindicação se faz com povo organizado e demandas claras, sem tutela política. Estão confundindo isso com micareta de homenagem a populista.

Tarifas e Oportunidades

“Tarifas podem funcionar por um curto período, entretanto o que invariavelmente ocorre é que as indústrias nacionais começam a depender desta proteção do governo. Ao mesmo tempo, param de competir e investir em inovação e gestão tecnológicas. Além disso, a adoção de tarifas leva inevitavelmente à retaliação de países estrangeiros e ao desencadeamento de guerras comerciais. O resultado é devastador: cada vez menos concorrência e barreiras comerciais cada vez maiores. Tarifas subsidiam a ineficiência e a má gestão e as pessoas param de comprar por causa dos preços artificialmente altos. Então o pior acontece: os mercados encolhem e entram em colapso, empresas e indústrias fecham e milhões de pessoas perdem seus empregos”.

A passagem acima é o trecho de um discurso do Presidente Ronald Reagan sobre tarifas, suas consequências e a lógica econômica deste tipo de decisão. Sua adoção afeta de forma direta a liberdade econômica e o livre mercado, tornando as nações reféns de ajuda governamental, inibindo a inovação e modernização da gestão, criando reservas de mercado, menos concorrência, e ao final, uma crescente onda de desemprego. 

Este é o caminho que o Brasil optou ao longo dos anos, aquele responsável por financiar a ineficiência e o atraso, jogando o país em uma espiral de altos custos, qualidade baixa, produtos ineficientes, mão-de-obra pouco qualificada e uma nação com economia decadente. Ainda lembramos com clareza da famigerada reserva de mercado na área de informática, uma decisão que impõe até os dias de hoje suas consequências em nosso cotidiano. Como disse à época o economista Roberto Campos em tom profético, “o Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma oportunidade”. Ele estava certo.

Ao adotar uma política de alta de tarifas, o governo Trump surge trilhando um caminho antagônico daquele percorrido pelo seu país ao longo do último século. Ao defender os mecanismos do livre-comércio, os americanos foram responsáveis por liderar o século mais importante em termos de prosperidade baseado na abertura dos mercados e suas relações comerciais como o sustentáculo de democracias capazes de prover estabilidade alicerçada em um mercado livre e cadeias globais de valor interdependentes. 

Surpreende, entretanto, que países como o Brasil, que optaram pelo triste caminho do protecionismo ao longo da história, façam agora, de forma conveniente, a defesa de uma política de livre-comércio que jamais adotaram em relação a sua própria economia. Mais do que isso, ao aprovar no parlamento a chamada “Lei da Reciprocidade”, que autoriza o governo a retaliar com aumento de tarifas esta guerra comercial, percebemos que pouco aprendemos sobre os mecanismos da economia global.

O movimento mais inteligente, entretanto, seria fazer o oposto. Ao invés de dobrar a aposta, o Brasil deveria derrubar suas tarifas, abrindo o país para um mundo de oportunidades e concorrência, algo que faria um bem enorme para nossas empresas e nossa população. Taiwan, um exemplo de inteligência comercial, optou por este caminho, começando a negociação por ‘tarifas zero’ bilaterais, aumentando inclusive as importações dos EUA. A expressão usada por seu Presidente, William Lai, é inspiradora: “prosperidade compartilhada”.

Toda crise oferece oportunidades. O Brasil tem diante de si mais uma chance de provar que a famosa frase do economista Roberto Campos faz parte de nosso passado.

Irã & Hezbollah: Uma ‘dobradinha’ patrono/cliente que ameaça a América Latina

Sempre preferi deixar a colegas deste portal mais experientes e bem-informados do que eu as análises sobre o Oriente Médio. Hoje, porém, vou abrir uma exceção para compartilhar com o distinto público do Instituto Monitor da Democracia minha angústia com informações que deveriam traduzir um alerta: o grupo terrorista libanês Hezbollah, cliente da teocracia iraniana, está transformando nossos países numa retaguarda logística, financeira e, por vezes, ‘operacional’ de sua guerra permanente contra Israel e os Estados Unidos….

A Rand Corporation, prestigioso think tank sediado em Santa Monica, Califórnia, publicou estudo inteiramente baseado em fontes públicas (noticiário de imprensa, artigos acadêmicos, transcrições de notas taquigráficas de audiências do Congresso americano etc) que comprova essa afirmação (**).

Nos anos 90 do século passado, as operações ‘militares’ do Hezbollah deixaram um rastro sangrento na região. Em 1992, num ataque à embaixada israelense em Buenos Aires, 20 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas. Dois anos depois, também na capital Argentina, o Hezbollah explodiu a sede da Amia-Asociación Mutual Israelita, matando 85 pessoas e ferindo mais de 200 — o mais devastador ataque terrorista nas Américas até o 11 de Setembro de 2001. Também em 1994, a organização bombardeou jato comercial panamenho: todos os passageiros morreram.

Mais recentemente, percalços enfrentados pelo próprio grupo e por seu patrono iraniano no Oriente Médio — queda do regime do aliado Bashar al-Assad na Síria; eliminação do secretário-geral do Hezbollah Hassan Nasrallah e do seu herdeiro presuntivo Hashem Safieddine; e o fortalecimento do apoio dos Estados Unidos a Israel — têm estimulado o Hezbollah a intensificar suas atividades na América Latina (redes de financiamento e apoio logístico, além de operações ‘militares’).

O recrudescimento dessas atividades levaram a Argentina, a Colômbia, Honduras e Paraguai a classificar formalmente o Hezbollah como organização terrorista — atitude infelizmente não acompanhada pelo Brasil, apesar da intensa movimentação de militantes e simpatizantes do Hezbollah na região da Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai) e também na Venezuela, país que compartilha uma extensa fronteira com o Brasil na Amazônia.

Com o desenvolvimento de redes de apoio ‘ativo’ e ‘passivo’ na diáspora libanesa e palestina, a organização estreitou seus laços com o contrabando, o narcotráfico, o comércio ilegal de armas, o tráfico de pessoas, o roubo de identidades, o garimpo ilegal e esquemas de lavagem de dinheiro.

A Rand calcula que de 20 a 30% dos recursos financeiros do Hezbollah provenham dessas atividades ilegais ao redor do mundo, inclusive da América Latina; os outros 70 a 80% provêm diretamente do Irã.

As evidências são abundantes. Em 2008, as atividades colombianas prenderam Chekri Harb, que operava uma rede de distribuição de cocaína, pagando ao Hezbollah uma ‘comissão’ de 12%. Dois anos antes disso, a Colômbia, por meio da Operação “Camel”, já havia descoberto outras operações de narcotráfico vinculadas à organização. Notório é a participação do Hezbollah no mercado venezuelano do ouro. Em 2020, os Estados Unidos conseguiram impedir carregamentos de gasolina iraniana em troca de ouro da Venezuela. 

Testemunhos prestados a comissões e subcomissões do Congresso americano apontam o ativo envolvimento do Hezbollah em operações de fraude documental: falsificação de passaportes, certidões de nascimento, cédulas de identidade e carteiras de habilitação, com a finalidade de facilitar a travessia de fronteiras.

Em 2014, a polícia peruana prendeu militantes da organização por atividades de vigilância de ‘alvos’. Em 2016, na Bolívia, autoridades descobriram um depósito de explosivos do Hezbollah.

Em 2020, outra vez a Colômbia sofisticada rede de lavagem de dinheiro administrada por Ayman Joumaa, que reciclava, em média, o equivalente a 200 milhões de dólares por mês graças a venda de carros usados e ao tráfico de cocaína. 

No Brasil, em 2006, a Polícia Federal deteve elementos da facção criminosa PCC-Primeiro Comando da Capital que negociavam a compra de armas com o Hezbollah. E, no ano retrasado, a PF ‘estourou’ uma célula do grupo terrorista que planejava ataques contra alvos da comunidade judaica.

É bem provável que, à medida que as Forças de Defesa Israelenses escalam sua guerra ao terror no Oriente Médio, alvos das comunidades judaicas em outras regiões se tornem cada vez mais visados, a pretexto de retaliação. 

Dificuldades

A Rand Corporation reconhece que o uso frequente de variados intermediários, entre outras complicações, dificulta o mapeamento e a repressão dessas atividades ilegais. Outra grande dificuldade é colocada pela íntima simbiose entre a organização e o regime bolivariano da Venezuela. A DEA, agência de combate ao narcotráfico dos Estados Unidos há alguns anos identificou o apoio de políticos venezuelanos à emissão de passaportes para o Hezbollah. O Departamento do Tesouro americano descobriu que o empresário venezuelano Fawzi Kan’an e o diplomata Nasr al-Din (encarregado de negócios da embaixada da Venezuela em Damasco, Síria), mais que simples apoiadores, eram militantes do grupo, diretamente envolvidos no treinamento ideológico e militar e no tráfico de armas e narcóticos.

Nos últimos tempos, a parceria Venezuela-Irã/Hezbollah se tornou ainda mais íntima, com a assinatura de acordo de cooperação (2022) que alinhou definitivamente o governo ditatorial de Nicolás Maduro ao chamado “Eixo da Resistência”, formado pelo Irã, Rússia, Coreia do Norte e China. Na prática, essa aliança se concretiza em atividades como o transporte de militantes e itens ilegais nos aviões da estatal Conviasa e o fornecimento de combustível iraniano a navios/tanque da Venezuela.

A diplomacia do Irã também multiplica sua ofensiva de soft power na América do Sul e no Caribe.  Em 2023, as embaixadas iranianas patrocinaram a tradução ao espanhol  e a distribuição do livro de memórias do “líder supremo” Ali Khamenei, que propaga a doutrina do islamismo radical. Centros culturais iranianos hoje se espalham por Cuba, Venezuela, Peru é Argentina. O governo de Teerã também distribui bolsas e oportunidades de intercâmbio acadêmico aos estudantes desses países. Outro braço do soft power iraniano em nações de língua espanhola é a “Hispan-TV”, canal de notícias lançado em 2011, com programação voltada aos decendentes de iranianos e membros de minorias islâmicas.

Com uma infraestrutura de inteligência e segurança muito mais frágil que a dos Estados Unidos — obviamente o alvo prioritário do estudo da Rand e das suas recomendações —, o Brasil e os seus vizinhos estão despreparados para monitorar e, se necessário, reagir a essas atividades do Irã e do Hezbollah, uma série ameaça à nossa segurança e às nossas instituições.

O desafio está lançado: até quando?

————————————

( * ) Cientista político e fellow do Instituto Monitor da Democracia.

( * * ) O documento se intitula “Hezbollah’s networks in Latin America: potential implications for U. S. policy and research” (março de 2025) e foi coordenado pela pesquisadora da Rand Corporation Marzia Giambertoni.

Guerra tarifária

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tomaram iniciativas para consolidar sua situação hegemônica. Essa estratégia tinha duas vertentes básicas: de um lado, a construção de um sistema de segurança global; de outro, a montagem de um esquema financeiro e comercial abrangente. 

No campo da segurança, cabe destacar a formação de novos arranjos militares. Nesse sentido, as alianças do período de guerra foram revertidas, com a transformação dos antigos inimigos – a Alemanha, a Itália e o Japão – em aliados. Acrescente-se a formação da Aliança Atlântica como marco decisivo na nova estrutura estratégica internacional. 

No âmbito da reorganização comercial e financeira internacional, cuja gênese pode ser encontrada nos acordos firmados em Bretton Woods (1944), deve-se dar atenção à criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como Banco Mundial. Em que pese não ter havido consenso para a implementação da Organização Internacional do Comércio naquele momento, criou-se o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), sistema de regras tarifárias e comerciais adotadas multilateralmente por meio de rodadas de negociações e cujo adensamento resultou na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), nos anos 1990.

A implementação dessa macroestrutura institucional, tanto de segurança quanto econômica e comercial, enfrentava forte oposição da URSS, que competia com os EUA nos campos ideológico, militar e tecnológico. Apesar da resistência soviética, a estrutura montada pelos Estados Unidos foi duradoura e permaneceu forte durante todo o período da Guerra Fria. A derrocada da União Soviética, em 1991, fortaleceu ainda mais os Estados Unidos e as instituições internacionais em funcionamento desde a década de quarenta.

Os norte-americanos continuaram sua liderança tanto no campo da segurança internacional quanto na seara econômico-financeira até 2025, quando assumiu o poder o novo governo americano do presidente Donald Trump. O líder republicano, que já vinha tentando minar a credibilidade da OTAN com declarações contra o financiamento americano à defesa da Europa, passou a impor tarifas generalizadas e de forma unilateral. Se as referências à OTAN deixaram inseguros os europeus, que temem o expansionismo russo, a imposição de tarifas pelos norte-americanos representa uma ameaça à situação econômica dos cidadãos europeus, uma vez que pode resultar, no curto prazo, em escassez e aumento de preços de insumos básicos.

Ademais, a imposição de barreiras tarifárias pelo governo dos Estados Unidos representa a destruição do sistema construído no pós-guerra e que colocava relativa ordem no comércio e nos fluxos financeiros internacionais.

Embora a Organização Mundial do Comércio tenha sofrido, nos últimos anos, paulatina perda de credibilidade, devido ao desrespeito ou não adesão a suas regras por parte de alguns países, a instituição ainda mantinha certa relevância em sua atuação – suas normas e decisões ainda eram obedecidas na maior parte das vezes, pela maioria de seus membros. Com a imposição unilateral de tarifas elevadas a praticamente todos os países do mundo, contudo, os EUA acabam tornando obsoleto o sistema multilateral do comércio e esvaziando a legitimidade da OMC. 

As tarifas norte-americanas têm causado perplexidade nos mercados e entre os principais líderes mundiais, que ainda não sabem exatamente que medidas adotar para enfrentar uma ruptura de tamanha magnitude. Assim, assistimos a uma desmontagem dupla dos Estados Unidos: ruem, a um só tempo, o sistema atlântico de defesa estratégica, representado pela OTAN, e os arranjos de Bretton Woods, especialmente no que tange ao conjunto de regras que regulam o comércio mundial.

Algumas nações, como a China, já impuseram tarifas retaliatórias aos Estados Unidos. Trata-se de situação que, a perdurar, pode provocar uma recessão mundial de dimensões imprevisíveis, com consequências duradouras.

Apesar desse cenário global desafiador, o Brasil, atingido marginalmente pelas tarifas (alíquota-base de 10%) deve buscar negociar quotas com o governo estadunidense, por exemplo, mas não retaliar de forma imediata e recíproca, uma vez que os EUA têm dado sinais de flexibilização em alguns casos. 

Outrossim, a elevação de barreiras comerciais iniciada pelos Estados Unidos pode representar uma oportunidade para as exportações brasileiras, com o surgimento de novos parceiros comerciais em potencial que irão buscar suprir suas necessidades de consumo internas recorrendo a países com mercadorias a preços mais competitivos, como o Brasil. Como país produtor e exportador de commodities agrícolas e minerais, como café e soja, o Brasil poderá redirecionar produtos para a China, a Índia e o Japão, por exemplo. Isso aliviaria o peso das tarifas americanas. 

Acrescente-se que podem surgir oportunidades importantes no mercado europeu, uma vez que o aumento da tensão entre EUA e Europa, devido à tarifa-base mínima de 20%, imposta a todo o bloco europeu, pode acabar impulsionando as negociações do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. 

Por fim, é interessante notar que algumas mercadorias brasileiras podem ganhar mercado, inclusive, nos próprios EUA, já que, apesar da nova tarifa, produtos nacionais como o café podem ficar relativamente mais baratos ao consumidor norte-americano quando comparados aos de outras nações, cuja taxação foi bem maior. 

Cabe ao governo brasileiro atuar de forma estratégica em defesa dos interesses nacionais, protegendo-se diante de um cenário global adverso e instável, mas, também, aproveitando as oportunidades que surgem para a abertura de novos mercados à indústria nacional.