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A Imprensa em uma Democracia

Democratas liberais não atacam a imprensa. Porque sabem que a imprensa é uma instituição fundamental para que o princípio liberal da democracia possa se efetivar, qual seja, fornecer aos cidadãos as informações necessárias para que a sociedade possa controlar o governo. Por isso o guru do Méier dizia que “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.

Quem sempre ataca a imprensa são os não-liberais: por um lado, os petistas (“PIG – Partido da Imprensa Golpista”, “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”) e, por outro lado, os bolsonaristas (“Extrema-imprensa”, “Globo Lixo”). Lembram?

Isso não significa, entretanto, que a imprensa não possa ser criticada do ponto de vista da democracia. Quando veículos de comunicação viram chapa-branca, quase assessorias de imprensa de governos, e seus profissionais passam a ser militantes ou passapanistas, contribuindo para que o governo possa se impor à sociedade (e não o contrário), eles devem, sim, ser criticados.

O fato é que com o desastre que foi o governo Bolsonaro, uma disfunção importante se manifestou na chamada imprensa. Tentando evitar a repetição desse tipo de experiência desastrosa (que foi a de um governo populista-autoritário), alguns veículos de comunicação passaram, a pretexto de exorcizar o bolsonarismo, a ocupar o noticiário constantemente com uma espécie de “malhação do Judas”, estendendo aqueles “2 minutos de ódio” (do 1984 de Orwell) pelo tempo quase inteiro da sua programação.

Bolsonaro perdeu a eleição. Está fora do governo e inelegível. Muitos bolsonaristas estão sendo processados pela justiça. Não há risco de golpe de Estado. Ausência de crítica, leniência ou conivência com posições e medidas antidemocráticas do atual governo não são justificáveis.

Sim, parar de criticar o governo que existe realmente para ficar só criticando o governo que não existe mais, não se justifica. Ou, o que é pior, alimentar uma espécie de revanche onde, não raro, a justiça se confunde com vingança, não é aceitável. Ao se comportar dessa maneira, esses veículos e seus profissionais deixaram de cumprir sua função precípua em uma democracia.

O caso da Globo News

Segundo pesquisas, como a do Felipe Nunes (Quaest de dezembro de 2023), os militantes petistas se informam principalmente pela TV, ao contrário dos bolsonaristas, que preferem as mídias sociais e os programas de mensagens.

Os petistas nunca abandonaram o sonho de ter um canal próprio de TV (tipo assim uma TV Pravda). Não deu certo com a antiga TV Lula, nem com as tentativas mais recentes de ter um canal partidário. Agora eles acham que deu certo com a Globo News e adotaram esse canal como se fosse deles. Por isso ficam tão indignados e intolerantes quando surge alguém na Globo News que, destoando da média dos comentaristas, ousa criticar o governo e suas políticas nacionais e internacionais.

Então, quando aparece um Sardenberg (que, aliás, já saiu do canal), um Merval, um Pontual ou um Demétrio, emitindo opiniões destoantes daquelas legitimações chapa-branca proferidas por outros comentaristas alinhados ao governo Lula, os militantes iniciam imediatamente uma campanha de cancelamento dos primeiros chamando-os de fascistas para baixo (e aqui vêm os palavrões e as ofensas de todo tipo).

Quem examinasse, em meados de dezembro de 2023, os TT do X (Twitter) veria os militantes petistas chamando o Demétrio Magnoli de “fascista”, “canalha”, “verme insuportável”, “falador de merda”, “cara de chapisco”, “debochado”, “babaca”, “ridículo”, “asqueroso”.

Infelizmente isso é reforçado por alguns dos próprios colegas de bancada de Demétrio, sobretudo no programa Em Pauta, que – para criticá-lo – lançam mão de falácias ad hominem, jamais refutando seus argumentos substantivos. Demétrio seria um provocador, alguém que discorda de seus pares para fazer seu próprio show, um mentiroso. Parece uma coisa menor, mas não é. Devemos sempre olhar os sinais, os sinais fortes e os sinais fracos. Começa sempre assim, ceifando uma flor singular num canto do jardim…

Se a emissora se deixar capturar por essa patrulha do abafa, que visa a espancar a pluralidade, virando uma espécie de Jovem Pan antiga com o sinal trocado, estará prestando um desserviço ao jornalismo e à democracia.

A imprensa é uma instituição fundamental do regime democrático. Pode até, eventualmente, ser favorável a um governo, mas jamais pode aceitar ser parte orgânica do seu sistema de governança.

O caso da rede suja do PT

Tentar anexar veículos profissionais de comunicação é uma das linhas de ação atuais do PT. Isso não significa que o partido tenha abandonado a sua linha anterior: a rede suja de sites e blogs a serviço da causa de falsificar o processo de formação de uma opinião pública democrática.

Veículos como Brasil 247, Revista Forum, Opera Mundi (do celerado Breno Altman), Diário do Centro do Mundo, Outras Palavras, Carta Capital, Brasil de Fato, Rede Brasil Atual, continuam em funcionamento neste momento. O papel desses veículos da rede suja é municiar a militância para a guerra e ampliar o número de simpatizantes do partido. Tem muita gente que ainda só se des-informa nesses sites. E a maioria deles está desempenhando esse papel sujo há cerca de uma década.

São veículos perigosos para a democracia não porque tenham uma posição de esquerda. E sim porque se alinham ao eixo autocrático que está neste momento em guerra (a segunda grande guerra fria) contra as democracias liberais. Para citar alguns exemplos: defendem a invasão da Ucrânia pelo ditador Putin e chamam Zelensky de nazista; defendem (ou desculpam) os bárbaros atos terroristas do Hamas e acusam Israel de terrorismo de Estado e genocídio; defendem até as pretensões do ditador Maduro de roubar um pedaço do território da Guiana e apoiam suas tentativas de fraudar as próximas eleições venezuelanas para se eternizar no poder; são simpáticos à teocracia iraniana e ao governo genocida sírio. Enfim…

A desinformação de guerra dominou o debate público do Brasil

A palavra desinformação já é daquelas que o pessoal chama de “gatilho”. Foi tão solapada e usada de forma partidária que cada um dá a ela um significado diferente. Ela tem, no entanto, um significado formal. São operações de manipulação e distorção da realidade.

Muita gente, devido ao debate atual, imagina que isso seja natural da política ou das redes sociais. Não é, trata-se de estratégia militar tão antiga quanto os próprios exércitos.

Estamos no meio de duas guerras, a invasão da Ucrânia e a iniciada com o atentado terrorista em Israel. Narrativas de desinformação criadas por países que apóiam essas guerras já começam a aparecer de forma sutil em todo o debate público.

A guerra da Ucrânia já foi útil para que o mundo fizesse uma linha divisória entre civilização e barbárie. Os líderes do mundo civilizado condenaram a invasão para tomada de território com amplo massacre de civis. Vladimir Putin já foi condenado por genocídio por sequestrar crianças ucranianas e levar à Rússia.

Há líderes que simplesmente apóiam a Rússia e pronto. Outros, no entanto, apóiam mas não podem falar. Aí é que entra a desinformação. O discurso deles é o mesmo, parece feito pela mesma pessoa. Eles repetem essas ideias em qualquer lugar que possam encaixar.

A tática para ficar a favor da Rússia sem dizer isso começa por minimizar a invasão e atribuir igual culpa aos dois lados. “Quando um não quer, dois não brigam”, já dizia o povo que justificava espancamento de mulher. A outra tática é equiparar a reação de defesa militar Ucraniana ao massacre de civis promovido por Putin.

Na guerra de Israel, as coisas não são muito diferentes. O discurso para apoiar o Hamas sem pagar o preço de compactuar com terrorismo é o mesmo. A forma mais esperta de fazer é condenar os ataques do Hamas sem falar o nome do grupo e sem dizer explicitamente que é terrorismo. Depois, se houver muita pressão popular, dizer que o ataque foi terrorismo mas jamais chamar o Hamas de terrorista.

No caso de Israel, parece se consolidar a nova divisão do mundo em blocos. Falamos de um ataque à única democracia liberal da região, circundada por diversas ditaduras, algumas delas teocráticas.

As democracias liberais já se colocaram ao lado de Israel, já que essa é a visão de mundo que defendem. Outro bloco, no entanto, se colocou contra Israel, seja abertamente ou de forma velada.

Já sabemos em que bloco estamos agora.

Um fato curioso do discurso de desinformação ocorreu esta semana, em um tema que nada tem com a guerra, o levantamento de bloqueios comerciais norte-americanos contra a Venezuela.

O presidente Lula fez o seguinte tuíte: “Recebi com satisfação a notícia de que o governo dos EUA retirou sanções contra a Venezuela, depois que o governo e a oposição venezuelanos assinaram um acordo para eleições justas no ano que vem. Sanções unilaterais prejudicam a população dos países afetados e dificultam processos de mediação e resolução de conflitos. O levantamento total e permanente de sanções contribui para normalizar a política venezuelana e estabilizar a região” (grifo meu).

Por que eu selecionei essa frase? Porque ela é uma ideia que tem sido pisada e repisada pelo bloco que apóia a Rússia na invasão da Ucrânia. As sanções europeias não são mais polêmica e temos outra guerra, então o tema parece que sumiu do noticiário. Só que ele continua muito vivo.

Esta semana houve um encontro dos países da Road and Belt Initiative, a nova Rota da Seda, um projeto de mais de US$ 1 trilhão para estabelecer liderança chinesa internacional. Vladimir Putin foi o destaque entre os convidados de Xi Jinping para o evento em Pequim.

A tônica da fala do líder chinês foi uma condenação aos esforços de países do ocidente para depender menos da economia chinesa. Muitos países temem ficar nas mãos da China porque suas cadeias de fornecimento dependem demais do país.

Outra reclamação foi sobre embargos como o que sofre a Rússia depois que invadiu a Ucrânia. Isso acontece também com a China, mais pontualmente. Um exemplo concreto é a indústria de painéis solares, que evita os produtos feitos por campos de concentração da minoria Uigur. Eram os suprimentos que dominavam o mercado.

No dia em que Joe Biden pisou em Israel, Xi Jinping fazia seu discurso e chamava Putin de querido amigo. “Nós nos opomos a sanções unilaterais, coerção econômica, desvinculação e interrupção das cadeias de suprimentos”, disse o líder chinês. Dias depois, o presidente Lula repete a mesma ideia.

Seria algo natural caso fosse um raciocínio lógico. Não é, é uma narrativa. Lula mente quando diz que é contra embargos unilaterais. Em agosto, por exemplo, o Brasil vetou venda até de ambulâncias para a Ucrânia. O discurso é repetido apenas para alinhar posições. Cada vez veremos esse método ser repetido com mais maestria.