Arquivo da tag: Desenvolvimento Econômico

Democracia e Investimento

O investimento direto estrangeiro se tornou importante diante de um mundo cada vez mais conectado e com economias interdependentes. Além de financiar ações seminais em áreas como inovação e desenvolvimento, é responsável por impulsionar setores essenciais da economia na construção de comunidades com enorme diferencial competitivo. Isto se torna ainda mais importante em países como o Brasil, que possuem forte déficit de poupança interna e se tornaram dependentes de capital externo para realização de investimentos

Ao mesmo tempo, com um Estado que direciona 92% dos recursos do setor público para custeio, fica claro que o governo brasileiro possui capacidade estatal de investimento limitada e muito menor do que as necessidades de nossa economia. Isto explica por que mais de 65% das obras do PAC são realizadas com dinheiro da iniciativa privada. 

Esta é a razão pela qual o governo brasileiro trabalha constantemente para atração de investimento direto estrangeiro para a ampliação de nossa economia. Nesta disputa externa em busca por recursos internacionais, diversos fatores surgem como elementos essenciais que atraem capital de qualidade. Entre eles podemos citar um ambiente regulatório confiável, judiciário independente, contas públicas equilibradas, moeda e regras estáveis, liberdades individuais asseguradas e democracia consolidada, ou seja, uma trilha virtuosa que assegure o retorno dos investimentos.

Ao mesmo tempo que existem recursos de qualidade que exigem este arcabouço de virtudes, também existem investimentos predatórios, de mais fácil atração e que não exigem este ambiente de estabilidade. São perigosos porque trafegam em modelos corruptos, exigem contrapartidas e carregam armadilhas de dependência política, financeira, econômica e social.

Com base neste risco, muitos países desenvolvidos vêm trabalhando modelos de defesa contra investimentos predatórios. Como consequência, a União Europeia viu uma diminuição muito significativa do investimento predatório a partir de 2022. Ali existem iniciativas de adoção e atualização de mecanismos de análise de investimentos diretos estrangeiros existentes. A Itália, por exemplo, retirou-se das iniciativas chinesas da Nova Rota da Seda por considerar o modelo perigoso para seu interesse nacional. 

Em Portugal, desde 2014, se estabelece o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir segurança da defesa nacional e do aprovisionamento do país em serviços fundamentais. O governo pode opor-se a qualquer transação da qual resulte, direta ou indiretamente, a aquisição de controle de terceiros à UE sobre ativos estratégicos nos setores de energia, transportes e comunicações.

O Brasil deveria seguir o mesmo caminho, especialmente por se alinhar atualmente com países que optaram pelo investimento predatório, como os membros do BRICS. Nosso país deveria optar pelos investimentos de qualidade, com recursos de origem conhecida e limpa, ao mesmo tempo que realiza reformas que tornem o país receptivo àquelas democracias que visam parcerias longas, sadias e focadas na construção de um país forte e próspero. Devemos trabalhar na atração de investimentos diretos estrangeiros de qualidade, sob pena de nos tornarmos reféns de um modelo que pode aprisionar nossa economia e nossa sociedade.

Perigoso Dragão Vermelho

A grande expansão chinesa pelo mundo possui rumo nítido e objetivos que estão muito além da economia, com claros desdobramentos políticos por onde passa. Esta iniciativa tomou forma muito bem definida pela estratégia da “Nova Rota da Seda” implementada pelo governo de Xi Jinping. O investimento chinês que roda o mundo, entretanto, vem se adequando aos objetivos políticos de Pequim e estes desdobramentos chegaram até a América Latina.

Fato é que o líder chinês possui um tipo de liderança e visão da China diferente de seus antecessores, Hu Jintao e Jiang Zemin, mais cautelosos e menos audazes que Xi Jinping. Em seu governo, o país vem exercendo um imperialismo ativo e contundente, usando a economia como arma de dependência e pressão política no médio e longo prazo. Os países que fizeram a opção pela aliança com Pequim têm agora uma fatura a pagar.

Este movimento está muito claro quando olhamos para a América Latina, que assiste o redirecionamento dos interesses chineses na região. A perda de relevância dos projetos de infraestrutura ocorreu à medida que o foco se modificou para aquilo que é chamada de “nova infraestrutura”, resultando na diminuição dos aportes. Estamos falando de uma mudança profunda de foco e valor no investimento direto estrangeiro chinês.

Esta nova frente, que necessita de menor investimento, engloba setores como fintechs, telecomunicações e transição energética. Se o investimento anterior supria os gargalos da demanda de commodities para oriente, agora o objetivo é contribuir em canais críticos para a estratégia de crescimento econômico da China. Uma reprodução pura e simples de um pacto colonial com vistas a fortalecer as musculaturas da metrópole.

Os números deixam isso muito claro. Depois de um financiamento inicial e a criação de uma lógica de dependência política e econômica, o aporte entra em declínio. O investimento direto estrangeiro (IDE) da China na América Latina saiu de US$ 14,2 bilhões por ano entre 2010 e 2019, caiu para uma média de US$ 7,7 bilhões de 2020 a 2021 e depois para US$ 6,4 bilhões em 2022.

A China possui método e vem moldando as economias por onde passa seu investimento com o objetivo de atender suas demandas. Os próximos passos para a América Latina passam pelos investimentos da BYD e GWM focadas na eletrificação da frota brasileira, compra de linhas de transmissão de energia (já vencida pela chinesa State Grid), aquisição de ativos de lítio pela Tianqi Lithium no Chile e expansão da Huawei e outras empresas chinesas na região em data centers, computação em nuvem e tecnologia 5G. Enquanto isso, o México, tornou-se base doméstica de empresas chinesas com objetivo de obter acesso privilegiado ao mercado norte-americano.

O grande dragão vermelho mostrou suas garras e a ressaca econômica proporcionada pela festa de seus investimentos tem sido duríssima para muitas nações. Altas taxas de dívida, vulnerabilidade e dependência. Um sino-fenômeno que ocorreu da Grécia ao Paquistão, passando por Malásia e Gana, chegando até a América Latina. Uma reedição de um perigoso sistema colonial que visa tão somente atender a estratégia de desenvolvimento da China e a visão de mundo autocrática desenhada por Xi Jinping.

O dilema de uma só China

Semicondutores controlam o mundo moderno, os chips de computador que permitem processamento de grandes quantidades de dados, comunicações instantâneas globalmente e funcionamento de nossos computadores e celulares são feitos usando semicondutores. A importância econômica e estratégica dessa tecnologia é autoevidente. Quase nada hoje funciona sem um chip de computador.

Estimativas do mercado colocam que em torno de 56% de toda a produção mundial de semicondutores está concentrada nas fundições da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, mais conhecida pela sigla TSMC. Não é exagero dizer que a qualquer instabilidade na ilha de Taiwan prejudica em grande proporção a economia mundial, ainda mais se levarmos em conta que as placas gráficas de alto poder computacional tão necessárias para pesquisa e desenvolvimento no campo da Inteligência Artificial, dependem das fábricas da TSMC para serem produzidos.

O governo chinês continental tem uma visão imutável de que todos os lados do estreito de Taiwan fazem parte de uma só China, logo a ilha seria uma província rebelde, que Pequim estaria disposta a permitir um regime especial, similar ao de Hong Kong (que nos últimos anos tem visto a sua lista de liberdades democráticas serem erodidas).

Taiwan também comunga da visão de que há uma só China, a ilha nunca declarou sua independência e essa questão é ponto de debate interno, embora o campo pró-independência seja minoritário. Em Taiwan se diz que há uma só China com várias interpretações.  Esse status ambíguo de Taiwan resulta em certo isolamento da ilha em termos internacionais, não sendo aceita como membro da Organização das Nações Unidas e seu sistema de agências, por pressão direta da China, que entende como inadmissível manter relações diplomáticas com Pequim e Taipei simultaneamente.

Os Estados Unidos mantêm o que chamam de política de ambiguidade com Taiwan, ou seja, a um só tempo não possuem laços diplomáticos oficiais, mas vendem armas e fazem exercícios militares regulares, além de administrarem uma embaixada de facto em Taipei e diversos outros laços culturais e econômicos. Asseguram a defesa da ilha em caso de invasão ao mesmo tempo sem um arranjo institucional adensado para tanto.

Nos últimos anos o governo de Pequim tem aumentado a presença militar no estreito de Taiwan. Muitos especialistas em segurança internacional apontam que o esforço de modernização do Exército Chinês é motivado pela necessidade operacional advinda dos planos para a tomada do que eles enxergam ser uma província rebelde. A ameaça que paira sobre Taiwan por conta da política de reintegração da ilha ao território chinês por qualquer método possível, não é como diz a expressão popular “da boca pra fora”. É uma possibilidade relevante, que muitos analisam ser uma questão de quando e não de se irá ocorrer.

As Forças Armadas chinesas demonstram seu poderio conduzido vôos de reconhecimento, bombardeios simulados, além de movimentarem porta-aviões e outros meios navais com constância pela região. Os gastos militares de Taiwan embora em tendência de aumento de seu volume comparado ao PIB taiwanês, ainda estão muito abaixo das capacidades do gigante comunista.

Pequim também se vale de outros recursos, como campanhas de desinformação para tentar a um só tempo influenciar os resultados de eleições em Taiwan e enfraquecer a democracia local contribuindo para a erosão da confiança nas instituições e atores políticos.

Taiwan é uma democracia jovem a ilha pela maior parte de sua história de 1949 a 1987 viveu sobre o regime Lei Marcial que se seguiu a vitória comunista nos estertores da Segunda Guerra Mundial, tendo realizado em 1992 sua primeira eleição presidencial. Ainda assim, as instituições e a própria democracia da ilha têm se mostrado resilientes diante dos ataques chineses, mas quanto tempo poderão resistir, ainda mais se levarmos em conta que Pequim está observando e aprendendo com erros e acertos russos na Ucrânia?

Muito do nosso mundo moderno e do crescimento e desenvolvimento econômico mundial dependem das fundições da TSMC e não é factível no curto e médio prazo mitigar os riscos criando novos fabricantes de semicondutores, a literatura econômica nos mostra que muito do poder fabril se constrói a partir de pesquisa e desenvolvimento, pessoal altamente capacitado e inovador e conhecimentos tácitos internos as firmas. , o que aumenta ainda mais os riscos envolvidos nessa região. Como os governos do mundo vão reagir aos riscos intrínsecos desse dilema chinês?

Brasil : vantagens e vulnerabilidades na Política Externa

O atual cenário internacional, complexo e em rápida transformação, caminha para a bipolaridade, com duas superpotências, os Estados Unidos e a China, já em postura de rivalidade crescente. Essa bipolaridade que se vislumbra é mitigada por grandes potências, as vencedoras da Segunda Guerra Mundial, como o Reino Unido, a França e a Rússia. Ademais, temos as potências regionais ou médias, como a Índia, a Indonésia, o Egito, o Irã e o Brasil. A Alemanha e o Japão, com economias extremamente importantes e tecnologicamente sofisticadas, estão se rearmando pela primeira vez desde sua derrota na Segunda Guerra Mundial e se grandes potências novamente. Essa transformação verifica-se na esteira da invasão russa na Ucrânia e da escalada chinesa. A Alemanha deve ter papel importante na contenção da Rússia, no âmbito da OTAN, e o Japão será essencial no estabelecimento de um “cordon sanitaire” cercando a China, de que fazem parte também a Austrália, a Coreia do Sul e a Índia. Quad diálogo quadrilateral, embora busque equilibrar-se entre suas relações com a China e a Rússia e seus laços ocidentais. Em outra vertente, deve-se registrar que o “pivot” da economia, do comércio e da tecnologia mundial tem se movido para a Ásia.

Nesse cenário que se delineia o planejamento da política externa brasileira deve, necessariamente levar em conta, racional e realisticamente, as vantagens e vulnerabilidades na busca dos objetivos básicos de segurança internacional e desenvolvimento econômico.

Entre as vantagens, estão o território continental e a diversidade de recursos energéticos, minerais e de terras agrícolas, que têm permitido o crescimento da produção de matérias primas industriais e de alimentos sem prejudicar o meio ambiente. No caso da agricultura desenvolvemos tecnologia avançada, que permite a expansão da produção sem alargamento da fronteira agrícola sem a necessidade de incorporação de novas terras, o que nos proporciona uma das maiores áreas preservadas do mundo. No entanto, essa tecnologia pode ser obtida por outros países produtores, futuros concorrentes, como temos exemplos históricos. Disso, a China, em busca de garantir suprimentos, tem investido em infraestrutura em países agrícolas e ricos em minerais africanos por meio de seu programa “Belt and Road”. Outra vulnerabilidade importante é a nossa dependência de fertilizantes, como ficou demonstrado pela guerra da Ucrânia. Também é preocupante a precariedade da estrutura de transporte e armazenamento de grãos, em um país das dimensões do Brasil, que depende maciçamente de transporte rodoviário, mais caro e ineficiente do que o ferroviário.

No que diz respeito à indústria, o Brasil não tem tido desenvolvimento tecnológico adequado e está ultrapassado em relação a países de economias muito menores como por exemplo Taiwan, maior produtor de semicondutores do mundo, e a Coreia do Sul. O atraso na tecnologia de ponta tem impedido a integração da nossa indústria às cadeias de produção internacionais e somos levados a constante dependência de exportação de ”commodities”, com menor valor agregado e mais sujeitas às instabilidades de preços. De a economia brasileira ser ainda relativamente fechada, a indústria reflete as graves deficiências do nosso ensino. Embora tenhamos áreas de excelência, existe no Brasil uma enorme massa de analfabetos funcionais.

Deve-se observar que embora a dimensão territorial do país e de sua costa marítima sejam vantagens em termos de produção agrícola, mineral e energética, representam vulnerabilidade em termos de segurança. As fronteiras brasileiras pela sua enorme dimensão são expostas ao tráfico de armas, drogas e contrabando de mercadorias. A entrada de armas e a circulação de drogas suprem o crime e o tráfico, cada vez mais organizado. Facções criminosas dominam áreas inteiras na periferia das grandes cidades, onde as forças de segurança têm entrada restrita e onde se digladiam facções rivais. Está se gerando uma situação de anomia, em que não se reconhecem regras sociais. O Estado perde controle de seu próprio território, de sua jurisdição, e o governo chega a ter partes de sua estrutura colonizadas pelo crime. Essa perda de controle do Estado tem se espraiado por regiões portuárias e áreas de fronteira como na Amazônia, no Sul e no Centro Oeste do país, facilitando  as conexões com grupos criminosos estrangeiros. As forças de segurança encontram crescente dificuldade em manter presença efetiva do governo.

Brasil não tem autossuficiência energética, principalmente no refino de petróleo, o que aumenta nossa dependência do mercado internacional de combustíveis.

A localização do país, distante dos atuais focos de tensão, representa inegável vantagem, embora tenhamos também como fator negativo a distância de centros atualmente mais dinâmicos da indústria, comércio e tecnologia mundiais, o que dificulta, junto com nosso atraso em tecnologia de ponta, o acesso a mercados e a integração nas cadeias produtivas.

A política externa multidirecional e ecumênica que o Brasil tem adotado tradicionalmente contribui para minorar algumas dessas vulnerabilidades, como demonstrou-se no período da pandemia de Covid19 e desde o início da guerra da Ucrânia. O Brasil deve persistir na abordagem pragmática que lhe tem permitido atenuar os efeitos de crises internacionais. A bipolaridade, embora ainda mitigada, que se parece avizinhar no cenário estratégico internacional deve aumentar pressões por lealdades e alinhamentos, “zero sum game”, ganhos e perdas de um núcleo de poder correspondem direta e simetricamente a perdas do outro. Quanto mais rígida for a bipolaridade, maiores serão as pressões.

Em outra vertente, o Brasil não tem problemas de relacionamento com seu entorno. A perigosa rivalidade com a Argentina terminou com a pragmática iniciativa da diplomacia brasileira nos anos 1980 e 1990, que possibilitou ações de integração como o Mercosul. É essencial para o Brasil ter uma presença forte e dinâmica na América do Sul, tanto para garantir nossa segurança estratégica e econômica, quanto para termos um peso específico mais adequado no cenário internacional. É imperativo, no entanto, que a política externa do Brasil não ceda às tentações de caráter populista e ideológico.