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Lulo-madurismo ou bolso-trumpismo: a encruzilhada do atraso

A polarização entre lulismo e bolsonarismo é uma praga que há tempos vem corroendo a política e apodrecendo o cérebro da sociedade brasileira, reduzindo o debate político-eleitoral ao nível fanatizado da lacração e do insulto.

É lugar comum da análise das ideologias a consideração de que a esquerda e a direita se unem em seus extremos. 

No caso em tela, temos que o extremo-esquerdismo lulopetista se une ao extremo-direitismo bolsonarista por modos que vão além da indigência do discurso; um desses modos é a adoção de ídolos.

No caso do lulopetismo a idolatria ideológica é vasta, destacando-se, porém, a paixão de que foi objeto o ditador cubano Fidel Castro. Hoje, destaca-se a fixação adulatória no ditador venezuelano Nicolás Maduro.

No caso do bolsonarismo, a idolatria ideológica resgatou durante algum tempo a figura de Brilhante Ustra, comandante do (DOI-CODI) e um dos principais símbolos da repressão durante a ditadura militar brasileira. Hoje, destaca-se a fixação adulatória no presidente norte-americano, Donald Trump.

Historicamente, obsessões ideológicas costumam desnortear os políticos e levá-los a decisões desastrosas. 

Considerando-se o tenso contexto da atual geopolítica, deixar o Brasil a mercê das idiossincrasias ideológicas do lulopetismo ou do bolsonarismo pode levar a desastres maiores do que aqueles que já foram por eles produzidos.

Lula, Maduro e o “exército de Stédile”

Após a escandalosa fraude na última eleição presidencial da Venezuela, Lula tinha controlado um pouco sua incontinência adulatória em relação ao ditador Maduro, mas terminou sendo arrastado pela incontrolável paixão do extremo petismo e está recompondo a velha amizade; isto no quadro nebuloso de uma composição fundiária e militar.

Paralelamente a um acordo de cooperação técnica em agricultura celebrado por Maduro e Lula, o ditador venezuelano cedeu 180 mil hectares de terra para ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o conhecido movimento invasor de terras liderado por João Pedro Stédile.

Que uma composição com o MST seja também militar é algo que emerge da própria fala do presidente Lula que, em 2015, no contexto de forte pressão política após denúncias, pela operação Lava Jato, do esquema de corrupção petista, exclamou, durante discurso: “também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o Exército dele nas ruas”.

No artigo “MST é a tropa de choque de Maduro”, Duda Teixeira denuncia, com razão, a doação de terras de Maduro para o MST como uma “caso clássico de ingerência externa, em que um ditador estrangeiro financia um grupo armado que gera instabilidade no Brasil, violando as leis brasileiras”.

O jornalista também nos lembra, em seu artigo, as vezes em que o MST já atuou como a tropa de choque de Maduro além das suas fronteiras, a exemplo do que ocorreu em 2019, quando o movimento ocupou a embaixada da Venezuela em Brasília para expulsar diplomatas do presidente interino Juan Guaidó.

Nesse contexto, deve-se atentar ainda para o – temporariamente suspenso – projeto de Maduro de invadir a Guiana. 

Estando agora parte do MST em terras cedidas pelo governo da Venezuela, se o ditador Maduro decidir fazer avançar o plano postergado, poderá certamente contar, mais uma vez, com o leal “exército de Stédile.”

I love you, Trump”

Consta no anedotário político brasileiro que, por ocasião da Assembleia Geral da ONU, em 2019, diplomatas presentes na sala que abrigava presidentes antes e depois dos discursos, presenciaram o momento em que o então presidente Jair Bolsonaro disparou para Donald Trump um “I love you” e recebeu um “nice to see you again”.

De lá pra cá a paixão só aumentou. A paixão, porém, quando invade a cena política, pode colocar os atores e a plateia em risco.

Desde o início do seu novo mandato na Casa Branca o objeto da paixão do ex-presidente brasileiro tem governado com imprevisibilidade e desrespeito ao próprio legado histórico-político dos Estados Unidos. 

Sob Trump, o outrora farol do mundo livre, traiu os melhores ideais da América, entrincheirando-se em um nacionalismo-populista tosco e boçal, deixando atônitos seus antigos aliados europeus.

A direita brasileira sabuja mostra-se, porém, incapaz de fazer uma crítica a Trump, mesmo diante da sequência estonteante de ditos e feitos deploráveis do presidente americano.

Da direita brasileira não vem nenhuma crítica à infame postura pró-Rússia, nenhuma crítica à cruel política de deportação de imigrantes, nenhuma crítica à insana guerra comercial contra a Europa, nenhuma crítica aos arroubos expansionistas que ameaçam a Groenlândia, o Panamá e o Canadá.

A reação do bolsonarismo a qualquer medida do governo dos EUA será sempre acrítica. Quaisquer que sejam elas, serão recebidas com entusiasmo, louvor e integral apoio.

Já era assim antes, ainda mais agora que Eduardo Bolsonaro se licenciou do cargo de deputado federal no Brasil para permanecer nos EUA prestando serviço em tempo integral à família Trump na esperança de angariar apoio para livrar o seu pai da cadeia.

Encruzilhada do atraso

A polarização entre lulistas e bolsonaristas dará novamente o tom na disputa eleitoral de 2026?

O lulopetismo tem ao mesmo tempo vantagem e desvantagem por estar no poder. A desvantagem vem do desgaste de um governo ruim; a vantagem vem do fato de o presidente Lula já ter contratado um marqueteiro a preço de ministério e não estar economizando nos gastos de campanha.

O bolsonarismo tem a desvantagem de, não estando no poder, não poder usar a máquina pública a seu favor, como fez em 2022, quando perdeu por pouco. Mas tem a vantagem de que o ex-presidente Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE, não pode ser candidato.

Se pudesse ser candidato em 2026, Bolsonaro perderia por muito, mas um seu substituto (ou substituta) pode ter melhor sorte.

Azar mesmo é o da população brasileira se continuar paralisada nessa encruzilhada do atraso.

Uma enorme falsificação está em curso

O conceito de extrema-direita está sendo usado para promover uma enorme falsificação. Quem for contra Lula, o PT e seu governo, é logo classificado como extrema-direita. Pior, quem for a favor da resistência ucraniana à invasão do ditador Putin e contra o terrorismo do Hamas é suspeito de ser de extrema-direita. Quem for contra o eixo autocrático (a articulação das ditaduras de Rússia, China, Irã e seus braços terroristas, Coréia do Norte, Síria, Cuba, Venezuela e Nicarágua) é olhado como extrema-direita. Quem for contra o BRICS e o “sul global” é acusado de ser de extrema-direita.

A extrema-direita está sendo construída como o inimigo universal e único, às vezes chamado de “internacional fascista”. Com isso se esconde as ameaças do eixo autocrático às democracias liberais e as alianças espúrias de quem promove essa falsificação com as maiores ditaduras do planeta.

Mas são duas – e não apenas uma – as principais ameaças globais contemporâneas à democracia liberal.

Sim, existe de fato uma ameaça de extrema-direita às democracias, juntando ditadores e populistas-autoritários que se articulavam ou se articulam no The Movement e no CPAC e em outras iniciativas. Dela participam ou participaram Putin, Grillo e Casalégio (5 Stelle), Salvini e Meloni, Le Pen, Orbán, Trump e Steve Bannon, o pessoal do Brexit, Wilders, Chrupalla, Weidel e Gauland, Abascal, Ventura, Bukele e Bolsonaro.

Mas ela não é a única ameaça, nem a mais forte, às democracias. Ditadores e neopopulistas de esquerda, articulados no BRICS e no “sul global”, são uma ameaça muito mais premente. Ela reúne ditadores como Putin (novamente), Xi Jinping, Kim Jong-un, Khamenei e a Guarda Revolucionária Iraniana, pelo menos treze grupos terroristas do Oriente Médio (com destaque para o Hamas e o Hezbollah), da Ásia, da África e da América Latina (Canel, Maduro, Ortega). Mas o mais grave é que a esse bloco se alinharam ou estão se alinhando neopopulistas como Kirchner, Funes, Zelaya, Lourenço, Obrador, Petro, Evo e Arce, Correa, Lula, Widodo e Subianto, e Ramaphosa. Esse eixo autocrático em ascensão é, objetivamente, o grande interessado na falsificação de dizer que a extrema-direita é o (único) inimigo universal.

Aliados ao eixo autocrático – sobretudo no Brasil, o PT, mas no plano global todos os que se denominam antifascistas – estão fazendo um carnaval com essa história do bicho-papão da “internacional fascista” de extrema-direita. Caberia perguntar-lhes: quer dizer que Kim Jong-un não é de extrema-direita? E Xi Jinping? E Vladimir Putin? E o aiatolá Khamenei? E o genocida Assad? E o Yahya Sinwar (Hamas)? E o Nasrallah (Hezbollah)? E o Canel, o Maduro e o Ortega? Não são, eles responderão. Afinal, todo esse pessoal é antifascista. Então tudo bem?

E que tal examinarmos os antifascistas presentes no BRICS? Ali não figura nenhuma democracia plena (segundo a The Economist Intelligence Unit 2023). Nenhuma democracia liberal (segundo o V-Dem 2024). Quais os regimes que comparecem nesse arranjo autoritário? Segundo o V-Dem 2024: Brasil – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismos; Rússia – autocracia eleitoral; Índia – autocracia eleitoral; China – autocracia fechada; África do Sul – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismo; Egito – autocracia eleitoral; Etiópia – autocracia eleitoral; Irã – autocracia eleitoral; Arábia Saudita – autocracia fechada; Emirados Árabes Unidos – autocracia fechada. E ainda querem colocar no bolo mais três ditaduras: Venezuela, Nicarágua e Síria.

Todo esse contingente, por ser antifascista, supostamente não ameaça a democracia? Ora, isso é uma falsificação grosseira. Se ditaduras não ameaçam a democracia, seremos obrigados a intercambiar os conceitos de ditadura e democracia. Quem sabe teremos de colocar os trinta regimes piores colocados no ranking do V-Dem 2024, classificados pelo Índice de Democracia Liberal (LDI), no topo da lista.

Quais são esses países? Em ordem de autocratização crescente são: Guiné, Catar, Irã, Uzbequistão, Emirados Árabes Unidos, Gaza, Haiti, Sudão do Sul, Azerbaijão, Rússia, Burundi, Cuba, Guiné Equatorial, Cambodja, Venezuela, Bareim, Síria, Iemem, Chade, Arábia Saudita, Sudão, Tadjiquistão, China, Belarus, Turcomenistão, Afeganistão, Nicarágua, Mianmar, Coréia do Norte, Eritreia. Vários desses, note-se, são países do eixo autocrático atualmente em guerra contra as democracias liberais.

E teremos de colocar no final da lista as cerca de trinta democracias liberais que restaram; a saber, em ordem de democratização decrescente: Dinamarca, Suécia, Estônia, Suíça, Noruega, Irlanda, Nova Zelândia, Finlândia, Costa Rica, Bélgica, Alemanha, França, República Checa, Austrália, Holanda, Luxemburgo, Chile, Reino Unido, EUA, Uruguai, Letônia, Espanha, Itália, Canadá, Islândia, Japão, Taiwan, Barbados, Butão, Coréia do Sul, Seicheles, Suriname.

Assim inverte-se tudo. Basta, para tanto, uma revisão dos conceitos. Tal revisionismo pode ser operado com quatro medidas:

Em primeiro lugar, reduzir democracia à cidadania ou à oferta estatal de bem-estar para o povo pobre (“casa, comida e roupa lavada” dispensadas por um governo popular) ou à luta pela redução das desigualdades socioeconômicas.

Em segundo lugar, avaliar que as mais avançadas democracias do planeta, as democracias plenas, as democracias liberais, são falsas democracias (“democracias burguesas” ou governos do “macho branco no comando”), regimes impostos pelas elites (classistas dominantes ou neocolonialistas) para estabilizar sua forma de dominação e continuar explorando o “terceiro mundo”; ou, agora, o “sul global”.

Em terceiro lugar estabelecer que a democracia não é um valor universal, mas ocidental e que, portanto, tanto faz uma ditadura ou uma democracia: a Rússia ou a Ucrânia, a China ou Taiwan, o Irã ou Israel.

Em quarto lugar, assumir que as autocracias são preferíves às democracias quando se colocam ao lado das grandes massas despossuídas do mundo contra o imperialismo norte-americano e o colonialismo europeu, que supostamente seriam as fontes de todo mal que assola a humanidade.