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Extrema direita ou extrema esquerda? Qual ameaça mais o Brasil?

Ao participar de um café da manhã com jornalistas, em 23 de abril, o presidente da República antecipou uma possível pergunta sobre a última manifestação de apoiadores de Bolsonaro, realizada em Copacabana, e afirmou que não viu o ato, porque não lhe importava “o ato dos fascistas”.

De minha parte, tenho pouco apreço e até mesmo um pouco de repulsa com relação a manifestações bolsonaristas, mas é preciso convir que chamar os manifestantes de fascistas é uma generalização despropositada que não ajuda em nada o Brasil e que escamoteia o fato de que Bolsonaro só consegue mobilizar ainda tanta gente porque há uma insatisfação generalizada com o atual governo petista, com o ativismo político do Supremo Tribunal Federal e com o sistema político brasileiro como um todo.

Acredito que, do ponto de vista da pesquisa acadêmica, é até razoável investigar quão próximo o bolsonarismo estaria ou não de uma tendência fascista. Há artigos sobre o assunto pululando por aí, embora sejam, na maioria, análises desonestas, rasgadamente parciais e ideologicamente apaixonadas. De todo modo, analisar características fascistas do bolsonarismo enquanto fenômeno político é diferente de xingar todos os manifestantes de fascistas.

O uso aleatório e irresponsável desse conceito no debate público é perigoso. Já faz tempo que “fascismo” não significa nada mais do que um xingamento verbalizado contra pessoas à direita no espectro político ou um rótulo colado por políticos de extrema esquerda em seus adversários.

Eu mesma já processei a universidade estadual na qual lecionava, em 2018, por ter sofrido perseguição ideológica e assédio moral. Segundo alguns colegas professores e alunos, eu precisava de uma resposta à altura por ser alegadamente apoiadora de uma “corja fascista.”

Relembro esse caso pessoal por julgá-lo sintomático dos nossos dias e porque, tanto no Brasil, quanto no restante do mundo, a intolerância da extrema esquerda, fantasiada com a sua retórica de falsas virtudes, tem se tornado cada vez mais ostensiva e agressiva, saindo do assédio, da perseguição tácita e da agressão verbal, para o incitamento da violência física, quando não para a violência física propriamente dita.

Aniquilamento de liberais e apoio ao Hamas

No dia 17 de abril, um integrante de um movimento político liberal (MBL) foi expulso da Câmara Federal aos empurrões e pontapés por um deputado do Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Após a agressão, o deputado discursou em uma audiência pública sobre a greve nas universidades e defendeu uma mobilização contínua contra os “fascistas”; mobilização essa que deveria ser, em suas palavras, “traduzida no aniquilamento daqueles que querem destruir os institutos federais e as universidades públicas brasileiras: os liberais e fascistasde plantão.

No dia 24 de abril, esse mesmo deputado, Glauber Braga (Psol), presidiu a audiência pública “Crise humanitária na faixa de Gaza”, por ocasião da qual um homem vestido com uma camisa do grupo terrorista islâmico Hamas distribuiu panfletos tranquilamente, sem ser sequer admoestado, como se fosse a coisa mais natural do mundo alguém ostentar, dentro de um Parlamento, o slogan de um grupo que prega o extermínio do povo judeu e que cometeu recentemente um dos ataques mais bárbaros, cruéis e bestiais de que se tem notícia, assassinando covardemente, além de homens inocentes, mulheres, idosos, crianças e bebês.

A hipocrisia do ódio do bem

Por mais que haja hoje, no Brasil, uma extrema direita radicalizada, fanatizada, reacionária e agressiva, há de se convir que ela é muito mais confrontada e menos tolerada do que a extrema esquerda radicalizada, fanatizada, revolucionária e agressiva.

Jornalistas de grandes emissoras e seus especialistas convidados costumam tomar ares de muita seriedade, expressando grande preocupação ao analisarem a movimentação da direita brasileira no âmbito internacional, mas pouco analisam – e muitas vezes sequer noticiam – a articulação cada vez maior do Brasil com Rússia, China, Irã e ditaduras menores, que vem transformando o nosso país em uma espécie de satélite que orbita em torno do novo Eixo do mal.

No mesmo café da manhã para jornalistas, no qual chamou os manifestantes de Copacabana de fascistas, o presidente Lula defendeu uma estratégia internacional para enfrentar o crescimento de movimentos de extrema-direita no mundo. Lula citou casos de violência e intolerância no Brasil e disse que há um ódio estabelecido que não existia no país e agora virou uma coisa corriqueira. Na sua retórica, esse ódio só existe na direita.

Para ficarmos só em um caso, suficiente para desmascarar a hipocrisia da sua fala, relembremos, à guisa de exemplo, o caso do empresário Carlos Alberto Bettoni, que foi agredido anos atrás em frente ao Instituto Lula por Maninho do PT e teve traumatismo craniano.

O fato por si só já sugere até onde pode ir a violência de um militante de extrema esquerda, mas a fala de Lula sobre o caso, em 2022, mostra que não se trata da violência isolada de um militante maluco, mas de uma violência respaldada pelo maior líder da esquerda no Brasil.

Lula simplesmente agradeceu ao petista que empurrou contra um caminhão o homem que o criticava: “Esse companheiro Maninho, por me defender, ficou preso sete meses, porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto”, discursou Lula.

Tempos extremos e sombrios

A ideia de uma esquerda pacífica, defensora dos direitos humanos, tolerante, moderada e humanista é normalmente uma falácia. Essa esquerda até existe e precisa ser valorizada e distinguida da extrema esquerda. Mas ela é minoritária no Brasil e definitivamente não é representada pelo presidente Lula e seu partido.

Vivemos tempos extremos e sombrios. A tolerância, princípio liberal por excelência, tem sido negligenciada até mesmo por aqueles que se dizem liberais. Há uma tentativa contínua, à direita e à esquerda, de manipular a linguagem para estabelecer um discurso único, homogêneo e hegemônico.

O que defendemos, porém, é uma democracia real, com pluralismo enriquecedor e debates honestos. Em uma democracia, os adversários políticos não são inimigos a serem “aniquilados”; em um Estado democrático de direito, o juiz não pode ser um tirano.

Está tudo fora de ordem no Brasil. E, em meio ao caos, há quem queira vencer pela força ou pela perfídia.

Verdade e liberdade: John Milton ou Alexandre de Moraes?

Há dois tipos de leitores: aqueles que querem ler o que ainda não sabem, confrontar suas ideias prévias e ampliar sua compreensão das coisas e aqueles que querem ler o que já sabem para ter mais certeza de que estão certos e confrontarem com mais confiança os que pensam diferente.

O debate público no Brasil é majoritariamente protagonizado por esse tipo que quer impôr sua verdade. São pessoas que adotam determinado ponto de vista sobre questões complexas e, em vez de ponderarem sua análise e refinarem sua opinião, apressam-se para encontrar e reproduzir interpretações reducionistas que corroborem a sua estreita visão.

O debate atual em torno de fake news, tentativa de golpe de estado, defesa da democracia, discurso de ódio, liberdade de expressão e seu alegado cerceamento suscita questões para as quais não há resposta rápida, fácil, única e definitiva.

A despeito disso, quando nuances do debate são apresentadas, o analista que ousou não aderir prontamente às narrativas em voga é execrado pela militância com o neologismo de “isentão”, criado pelos radicais que querem evitar a dissidência e homogeneizar o discurso.

Muitos dos que hoje se arrogam defensores da liberdade de expressão são reacionários autoritários que demonizam os seus adversários e que tentariam calá-los se tivessem poder para isso; muitos dos que tiveram suas contas nas redes sociais suspensas usaram-na, de fato, para pregar uma ruptura institucional.

Eles não querem que isso seja dito. Bolsonaristas ficam incomodados quando esses detalhes são trazidos ao debate. Eles querem ir ao exterior denunciar cerceamento da liberdade de expressão no Brasil sem tocar no mérito do tipo de expressão que está sendo cerceada; querem denunciar ao mundo que a democracia brasileira está sob ataque do Judiciário sem fazer menção ao ataque contra a democracia intentado pelo Executivo.

Por outro lado, aqueles que retoricamente se pintam como mais afeitos à democracia também incorrem em fake news, discursos de ódio e manifestações violentas sem que, no entanto, sofram a mesma retaliação jurídica. Se a força da lei só incide sobre o lado A e faz vista grossa para o lado B, quem assim instrumentaliza a lei é quem mais descaracteriza a democracia que diz querer preservar.

O ministro Alexandre de Moraes tomou para si a prerrogativa de vigiar e punir toda e qualquer suposta ameaça à democracia, mas, como bem resumiu Felipe Moura Brasil, ao usar “decisões obscuras em inquéritos viciados para censurar e pôr no mesmo saco publicações legítimas (fato incômodo, crítica, opinião) e criminosas (calúnia, ameaça etc.)” ele “permite que delinquentes virtuais se limpem na sujeira dele, em nome da liberdade de expressão”.

A democracia brasileira é ainda precária, frágil e disfuncional. Sua engrenagem atual retroalimenta um Estado corrupto que mantém um sistema de privilégios. O que havia de melhor nela era a liberdade que tínhamos para denunciar, criticar e, assim, manter a esperança de reformá-la gradualmente. Agora, porém, sob o pretexto de preservar o regime que torna a liberdade possível, a liberdade possível de criticar o regime está sendo minada.

Há intolerantes de ambos os lados, esquerda e direita, que querem homogeneizar o discurso, calar a oposição e, para piorar, há juízes censores que querem o poder de editar esse debate extremamente polarizado e caótico.

Política e verdade

Apesar da impaciência que talvez o estimado leitor possa ter com a filosofia e a literatura, tendo em vista a urgência política, teimarei em finalizar esse texto trazendo para a conversa uma filósofa e um poeta.

Para Hannah Arendt, a pretensão de verdade absoluta no âmbito político é uma pretensão tirânica porque política é lugar de doxa (opinião) e não de episteme (conhecimento teórico absoluto e rígido). Não deve haver verdade dogmática no âmbito político, mas há um outro tipo de verdade que a política não pode negligenciar: a verdade factual.

O fato é a matéria bruta da opinião e a opinião é a matéria-prima da política. Não se deve confundi-los. Quando uma opinião é considerada fato e um fato é considerado mera opinião, o pensamento político representativo e plural perde a sua base de apoio.

A opinião, diz Arendt, requer a verdade factual como suporte e a própria “liberdade de opinião é uma farsa, a não ser que a informação factual seja garantida.

A mentira ou, em linguagem mais atual, a disseminação de fake-news é, pois, um problema ou um desafio a ser enfrentado pela democracia. Ocorre, porém, que a censura não resolve e ainda piora o problema.

Como já foi dito, as controversas decisões censórias do ministro Alexandre de Moraes incorreram no grave erro de não fazer as devidas distinções entre fato, opinião, fake news e incitação ao crime.

Analisar é separar, distinguir. Diante da dificuldade de assim proceder, optou-se pela via fácil da repetição, generalização e ausência de fundamentação das decisões. Para não deixar passar nada, o ministro censurou tudo. Ao fazê-lo, violou direitos e garantias fundamentais de alguns cidadãos.

Milton contra Moraes

As redes sociais trazem novos desafios às sociedades democráticas, que são, antes de tudo, sociedades plurais e abertas, nas quais há heterogeneidade, profusão de discursos, conflito de ideias, oposição e dissenso. A polêmica atual em torno da regulamentação das redes favorece uma rápida digressão final, na forma de retorno a um clássico liberal.

Em 1644, John Milton publicava Areopagítica, um opúsculo contra a pretensão do parlamento inglês de reestabelecer a censura. Nessa obra, Milton tentou mostrar que a determinação do verdadeiro e do falso, do que deve ser publicado ou suprimido, não pode estar nas mãos de poucos homens que são, em geral, de juízo vulgar. Sua argumentação mais forte, porém, aponta para o valor intrínseco da liberdade.

A censura é ruim não apenas porque é ineficaz no combate ao erro e ao vício, mas porque viola a liberdade, que é um valor positivo e necessário para o progresso do conhecimento. A censura impede que, no confronto com o erro, a verdade possa emergir, uma vez que a verdade e a falsidade precisam lutar para que a primeira venha a se estabelecer, ainda que provisoriamente. Milton já apontava, portanto, a necessidade do pluralismo para o progresso da coletividade e registrava sua rejeição à autoridade dos censores.

Optar pela censura é o mesmo que dizer que as pessoas devem ser tratadas como crianças necessitadas de tutela. “Serão elas levianas, imorais, sem formação sólida, doentes, debilitadas, num estado de tão pouca fé e fraco discernimento que não seriam capazes de engolir nada que não passasse pelo filtro de um censor?”, pergunta John Milton, em 1644.

Seremos os brasileiros tão ingênuos, infantilizados, manipuláveis e ignorantes que não somos capazes de julgar por nós mesmos uma postagem em rede social sem precisar do filtro do censor Alexandre de Moraes? Perguntamos nós, em 2024.

Ocidente livre condena o Irã. O Brasil torna-se cúmplice

Israel está sob ataque. Isso significa que a sociedade livre, configurada dentro dos parâmetros civilizacionais, norteada pelos direitos humanos e defensora das liberdades individuais está sendo, mais uma vez, atacada.

Cada lado nesse conflito precisa ser avaliado não apenas pelo que expressa em seu governo atual, mas também pelo que sua trajetória política e jurídica expõe enquanto organização social.

O Estado de Israel configurou-se como uma democracia plena, tanto quanto é possível sê-lo dentro das limitações e imperfeições humanas.

O modelo democrático do Ocidente não é apenas um regime político ocidental, mas um regime político adequado ao processo de amadurecimento político de qualquer civilização.

O que entendemos por democracia, porém, não é um mero conceito que pode ser instrumentalizado na retórica populista de líderes atrasados e obtusos.

O espírito democrático de um povo é seu anseio por liberdade e justiça, pela igualdade através de normas e pelo livre comércio entre as nações que, em assim se relacionando, optam pelo diálogo e pelas trocas, em detrimento da beligerância e do expansionismo que leva à destruição e ao sofrimento.

A posição do mundo livre e a posição do Brasil

O Ocidente assentou o seu projeto político nas boas ideias de equidade e liberdade. Ainda que não sejam totalmente cumpridas, as metas e os ideais que norteiam as civilizações livres sinalizam aquilo que vai no íntimo de seus cidadãos, como um germe em maturação de uma sociedade mais justa.

Ao nos transpormos para o lado da barbárie, perdemos o prumo e o norte adequado de conduta; ao compactuarmos com regimes tirânicos e despóticos, abrimos mão das conquistas civilizacionais que já deveríamos ter internalizado.

A posição do Brasil frente a um conflito bélico dessa magnitude deveria ser nem tanto a neutralidade, mas a aceitação do óbvio comprometimento da nossa nação com aquelas outras cujas bandeiras se erguem em defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Não é esse o caso do Irã, não é o caso da China, não é o caso da Rússia, não é o caso da Venezuela, para citarmos apenas alguns dos países em relação aos quais a diplomacia brasileira tem não apenas contemporizado, mas também se acumpliciado.

Após o ataque do Irã a Israel, o mundo livre respondeu em uníssono condenando o Irã e respaldando Israel:

Condeno os ataques do Irã nos termos mais fortes possíveis e reafirmo o firme compromisso da América com a segurança de Israel”, escreveu o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Condeno nos termos mais veementes o ataque imprudente do regime iraniano contra Israel. Estes ataques correm o risco de inflamar tensões e desestabilizar a região. O Irã demonstrou mais uma vez que pretende semear o caos no seu próprio quintal”, escreveu primeiro ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.

O ataque ao território israelense que o Irã lançou esta noite é injustificável e altamente irresponsável. O Irã arrisca uma nova escalada na região. A Alemanha apoia Israel”, escreveu o Chancelar da Alemanhã, Olaf Scholz

Condeno nos termos mais veementes o ataque sem precedentes lançado pelo Irã, que ameaça desestabilizar a região. Expresso minha solidariedade ao povo israelense e o empenho da França na segurança de Israel”, escreveu o presidente Francês, Emmanuel Macron.

A Austrália condena os ataques do Irã a Israel esta manhã. O Irã ignorou o nosso apelo, e o de muitos outros países, para não prosseguir com estes ataques imprudentes. Qualquer pessoa que se preocupe com a proteção de vidas inocentes deve ser contra estes ataques”, escreveu o primeiro-ministro da Austrália.

O Gabinete do presidente Javier Milei expressa sua solidariedade e compromisso inabalável só o Estado de Israel, frente aos ataques iniciados pela República Islâmica do Irã. A República argentina […] respalda enfaticamente Israel na defesa de sua soberania, em especial contra regimes que promovem o terror e buscam a destruição da civilização ocidental”, escreveu o presidente argentino.

Agora vejam a diferença de tom da nota pífia do nosso Itamaraty:

O Governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria. Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã”.

A nota usa o eufemismo “envio de drones e mísseis” para substituir ataque e, logo em seguida, justifica retoricamente o ataque ao sugerir que se trata de uma resposta a um suposta alastramento de hostilidades provocado por Israel. Para um bom leitor fica claro que a nota culpa Israel por ter sido atacado.

O que esperamos do Brasil não é uma participação bélica decisiva, mas uma postura equilibrada, condizente com a nação livre que ainda somos e que almejamos continuar a ser.

Não podemos, portanto, naturalizar a diplomacia irresponsável do atual governo brasileiro que se coloca em linha de sintonia com as teocracias e ditaduras do oriente, com o expansionismo do tirano russo e com os grupos terroristas islâmicos.

Israel é um escudo contra o terrorismo islâmico

O islamismo, por mais que tentemos escusá-lo enquanto religião, é uma filosofia de vida opressora, que visa não à emancipação do ser humano, mas à sua subjugação. Ao justificá-lo reiteradamente, chegamos ao ponto de renegar nossos valores que lhes são incompatíveis.

A antítese do islamismo não é o judaísmo, mas é qualquer religião que aponte para uma verdade mais alta do que o tribalismo que ainda mobiliza seus fervorosos adeptos. O islamismo é uma religião tribal; enquanto não passar por uma reforma, continuará sendo incompatível com os valores fundamentais de uma sociedade aberta.

Se hoje o Islã se choca contra os judeus, amanhã ele se chocará contra toda a civilização cristã porque o projeto de dominação apregoado é o da dominação total e não o da pacificação inter-religiosa.

O Estado de Israel é ainda um anteparo contra esse choque de civilizações. É ele que recebe a carga de ódio dos que querem servir ao profeta derramando o sangue dos infiéis. Se Israel cair, o mundo estará mais vulnerável ao extremismo bárbaro do fundamentalismo islâmico.

É irresponsável compactuarmos ideologicamente com pensamentos liberticidas como estamos fazendo nos dias atuais. As críticas, muitas vezes pertinentes, a processos históricos injuriosos contra povos marginais não pode ser pretexto para uma denegação absoluta dos nossos próprios valores.

O Ocidente precisa se reencontrar em seu equilíbrio humanitário, sem ceder às ideologias que negam a história espiritual do próprio Ocidente. O niilismo moderno foi um terreno fértil para a colonização de mentes por religiões políticas. Lutamos não apenas por segurança. Lutamos pelos princípios eternos de justiça e liberdade.

Contra os direitos humanos: Brasil em defesa da Rússia e do Irã

A diplomacia brasileira cometeu mais duas ignomínias: na última quinta-feira, 4 de abril, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Brasil absteve-se na votação sobre a extensão do inquérito sobre crimes de guerra na Ucrânia e sobre a violação de direitos das mulheres no Irã.

Apesar das covardes e indecentes abstenções do Brasil, felizmente ambas as resoluções foram aprovadas. Não podemos, porém, deixar que o nosso país se preste a ser o anteparo diplomático dos regimes mais opressores do mundo sem expor e criticar tal hipocrisia.

Diplomacia lulista em defesa da Rússia

Em seu perfil do X, o diplomata, doutor em ciências sociais e escritor Paulo R. de Almeida adjetivou de “escabrosa” e “um acinte completo”, a justificativa apresentada pela delegação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos para não apoiar as investigações sobre violações cometidas pela Rússia na Ucrânia.

O representante do Itamaraty admitiu o deslocamento forçado de crianças ucranianas e o ataque a civis, mas julgou a resolução “desequilibrada.”

Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, declarou que o país manifesta “profunda preocupação” com a situação na Ucrânia, “particularmente com as alegadas violações envolvendo crianças deslocadas e deportadas, ataques a civis e o crescente número de mortes. No entanto, permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região.

O que se pode inferir da mal formulada crítica do representante brasileiro à resolução do Conselho da ONU é que o Brasil estaria descontente porque o texto não condena também a Ucrânia por ter sido invadida, por ter seus civis assassinados, suas mulheres estupradas e suas crianças sequestradas.

Como se não bastasse, o embaixador brasileiro também criticou o texto da resolução por mencionar as iniciativas jurídicas contra a Rússia no Tribunal Penal Internacional e na Corte Internacional de Justiça. Segundo o embaixador de Lula, as menções seriam “prejudiciais” ao diálogo.

O governo de Lula, como bem explicou Carlos Graieb, está se esmerando em uma diplomacia assassina, desmontando os mecanismos de dissuasão de que o mundo dispõe contra perpetradores dos piores crimes: “Lula transformou o Itamaraty em escritório de advocacia de todos os tiranos que atropelaram os direitos humanos nas duas últimas décadas. Pôs a diplomacia brasileira a serviço de açougueiros que planejam e executam as piores atrocidades mundo afora”, escreveu Graieb, aqui em O Antagonista.

Enquanto o mundo livre se alarma com as irresponsáveis ameaças nucleares de Putin e se prepara para as consequências de uma vitória russa sobre a Ucrânia e de um possível ataque russo contra a Otan, Lula se prepara para receber o ditador megalomaníaco no Brasil com tapete vermelho, por ocasião da reunião de cúpula do G20, que ocorrerá em novembro.

Diplomacia lulista em defesa do Irã

No que concerne à resolução que estende as atividades do relator especial da ONU no Irã na investigação da violação de direitos contra mulheres, crianças e minorias étnicas, o embaixador brasileiro, Tovar da Silva Nunes, justificou a abstenção do Brasil alegando que o governo iraniano estaria cooperando com as investigações iniciadas em 2022.

Em 2022, como se sabe, a jovem iraniana, Mahsa Amini, de 22 anos, foi detida e espancada pela polícia moral do Irã por usar de forma inadequada o hijab, véu para cobrir a cabeça, de uso obrigatório, segundo a lei islâmica. Ela morreu sob custódia policial, ou seja, foi assassinada pelo regime teocrático que o Brasil acaba de defender na ONU.

Sua morte desencadeou uma onda de protestos em todo o Irã e sua imagem tornou-se um símbolo de resistência feminina contra a opressão. Parte da população, desafiando o regime teocrático do aiatolá Ali Khamenei, saiu às ruas entoando o slogan “mulheres, vida e liberdade”.

Como reação aos protestos, “todo o aparelho do Estado foi mobilizado com as forças de segurança utilizando armas de fogo, resultando em feridos e mortes”, disse Sara Hossain, presidente da Missão Internacional de Apuração de Fatos sobre o Irã, dirigindo-se ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.

A Missão Internacional concluiu que ocorreram, na ocasião, cerca de 551 mortes, sendo pelo menos 49 mulheres e 68 crianças.

Sara Hossain disse também que muitos manifestantes “removiam o seu hijab em locais públicos como um ato de desafio contra leis e práticas discriminatórias de longa data” e que “as forças de segurança dispararam contra os manifestantes e também contra os transeuntes a distâncias muito curtas e de forma direcionada, causando ferimentos nas cabeças, pescoços, troncos, áreas genitais, mas particularmente nos olhos” e acrescentou: “descobrimos que centenas de manifestantes sofreram ferimentos que mudaram suas vidas, com muitos deles agora cegos.

Contrariamente ao que alegou o embaixador brasileiro, a Missão afirmou que não houve cooperação alguma por parte do governo iraniano, mas que, apesar disso, conseguiu recolher mais de 27.000 elementos de prova.

O Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos no Irã também apresentou o seu relatório. Dentre as violações mais graves registradas, Javaid Rehman destacou o aumento nas penas de morte e execuções, incluindo crianças, além de repressão contínua aos direitos das mulheres.

O Brasil admitiu a existência de pena de morte contra crianças no Irã e até esboçou alguma preocupação com isso, mas, em nome do diálogo construtivo com os infanticidas e feminicidas, resolveu se abster:

O Brasil continua muito preocupado com a aplicação da pena de morte no país, inclusive contra crianças”, declarou o embaixador brasileiro, mas acrescentou: “Ao entender que o Irã se esforçará para melhorar a situação dos direitos humanos e baseado no espírito construtivo, o Brasil se abstém.

Não há indício algum de que o Irã passará a se preocupar com direitos humanos, simplesmente porque essa noção não faz parte da sua visão de mundo fundamentalista. O Irã é uma teocracia que aplica a lei islâmica contra indivíduos sob acusações vagas. Não há direitos individuais, logo não há direitos humanos. No Irã é crime insultar o profeta, ter relações homossexuais, cometer adultério, consumir álcool ou deixar de usar um maldito véu. E o Estado pode te matar por causa disso.

A única coisa da qual o Irã deu indício nos últimos dias é que está disposto a entrar em guerra contra Israel. Após um ataque ao consulado iraniano na Síria, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, ameaçou: O perverso regime sionista será punido pelos nossos homens corajosos.”

Se a terceira guerra mundial se iniciar, o Brasil – graças aos esforços de Lula e seus assessores internacionais – já estará devidamente alinhado com eixo do mal.

As duas caras de Lula e o jornalismo servil

A última semana foi marcada por dois eventos sintomáticos que, a meu ver, ilustram o dom camaleônico de Lula: a recepção um tanto quanto afetada do presidente francês Emmanuel Macron — com direito a foto de mãos dadas na floresta — e a fingida indignação com a proibição, na Venezuela, da candidatura de Corina Yoris, substituta da injustamente inelegível Corina Machado.

Tenho chamado atenção, em alguns de meus artigos, para o aspecto propriamente maquiavélico da ação política de Lula. Como se sabe, Maquiavel, em O Príncipe, reclama para o governante uma adaptabilidade às circunstâncias, sob a forma de esperteza e ardil. O príncipe não pode ter sua conduta balizada por princípios morais, mas pode ocasionalmente fingir levá-los em consideração quando isso se fizer necessário. A política, assim concebida e vivenciada, é o jogo retórico do poder no qual impera a hipocrisia.

O leitor poderá dizer que 90% dos políticos se movem dentro dessa perspectiva amoral e pragmática, no que tendo a concordar. Nem por isso é ocioso o ofício de denunciar as contradições entre o discurso e a ação dos nossos representantes.

Jornalismo

Até ontem eu pensava, inclusive, que essa vigilância crítica era quase sinônimo de jornalismo, mas entendi melhor a crise de credibilidade da imprensa brasileira quando vi o constrangedor vídeo da Globo News no qual a jornalista Daniela Lima se vangloria, de forma patética, por ter passado seu telefone pra Janja, que o passou para Lula e Macron para que vissem alguns memes. O Macron, segundo Lima “se divertiu horrores” e o Lula “ficou meio meu deus do céu”.

A cobertura de uma agenda política entre dois chefes de Estado, feita por tietes risonhas foi devidamente ridicularizada nas redes sociais. Mas apontar o ridículo da vassalagem de parte da imprensa a Lula não é suficiente. É preciso retomar o fio das questões importantes com a seriedade que o momento requer.

O que o Brasil ganhou com a visita de Macron?

Macron desembarcou no Brasil com uma comitiva de 140 empresários franceses, com o propósito bem definido de atrair investidores brasileiros, a maioria ligados à bioeconomia. O marketing em torno da visita trabalhou principalmente para projetar os dois presidentes como líderes ambientais. Macron conseguiu tudo que queria, a começar pela foto com os indígenas, que muito lhe interessava.

Foi anunciada uma coalizão de recursos em projetos de pesquisa sobre bioeconomia e sustentabilidade no valor de 5,4 bilhões de reais, em uma parceria entre bancos públicos brasileiros e franceses. O Brasil não conseguiu, portanto, um investimento unilateral. A expectativa de uma doação direita da França para o fundo da Amazônia foi frustrada.

O outro balde de água fria para o Brasil foi a rejeição categórica, por parte do presidente francês, do acordo UE-Mercosul, que Lula finge querer avançar. Macron disse que os termos do acordo eram péssimos e que seria uma loucura assiná-lo.

Usinas

Outra frustração foi a recusa francesa em assinar o empréstimo bilionário para o desenvolvimento das usinas nucleares de Angra 1 e Angra 3. No lugar do esperado recurso financeiro para desenvolvimento das usinas brasileiras, firmou-se um Memorando de Entendimento entre o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) e o Serviço Geológico Francês (BRGM) para a exploração de minerais estratégicos, principalmente o Urânio.

Cerca de 70% da eletricidade francesa é de origem nuclear e um de seus principais fornecedores africanos, o Niger, passa por fortes instabilidades políticas. Poder explorar o Urânio brasileiro é realmente motivo para Macron “se divertir horrores”, tirar fotos saltitantes de mãos dadas com Lula e vender para o mundo a falsa ideia de que Lula “restaurou o equilíbrio institucional”, como escreveu em suas redes sociais.

A visita de Macron não serviu propriamente ao Brasil, mas a Lula, que tenta reverter uma queda de popularidade, provocada principalmente pela sua política externa bizarra, que vai desde a cumplicidade com as ditaduras de Putin e Maduro até as comparações infames de Israel com o nazismo.

Hipocrisia sobre guerra na Ucrânia

É justamente na política internacional que o cinismo de Lula fica mais patente. É lamentável que Emmanuel Macron, que tem engrossado a voz para liderar o esforço europeu em favor da Ucrânia e contra a Rússia, não tenha confrontado com firmeza a postura pró-Putin de Lula.

Em entrevista coletiva, os dois presidentes foram submetidos a uma pertinente questão (feita por um jornalista francês porque, se depender do jornalismo brasileiro, como diria a Daniela Lima “é só love”):

Presidente Lula, o que o senhor pensa do fato de o presidente Macron não descartar o envio de tropas para a Ucrânia? E senhor presidente Macron, o que o senhor pensa de o presidente Lula convidar Vladimir Putin para o G20?”, questionou o jornalista estrangeiro.

O primeiro a responder foi Macron, que disse que Lula era responsável pelo seu convite, mas que deveria submetê-lo a todos os membros do G20, devendo respeito a todos. 

Grosseria

A resposta de Lula, por sua vez, foi grosseira, abusada e cínica. Ele começou criticando a pergunta: “Seria tão bom se a gente tivesse pergunta pra falar da relação Brasil e França”. Depois, ele veio com essa pérola: “Veja, estou a tantos mil quilômetros de distância da Ucrânia que eu não sou obrigado a ter o mesmo nervosismo que o povo francês que está mais próximo, o povo alemão, o povo europeu”.

A hipocrisia foi logo apontada nas redes sociais. Usuários do X reagiram à fala de Lula em tom jocoso “ao contrário da Faixa de Gaza, que está aqui do lado e por isso o presidente se preocupa tanto”, lê-se em um irônico perfil.

Mas a coisa não ficou só aí. Lula mentiu ao afirmar que a postura do Brasil em relação à guerra da Ucrânia sempre foi bastante clara. Não é verdade. Sempre foi uma postura ambígua e cínica que tenta equiparar o país invasor com o país invadido. Ao final da sua resposta à pergunta do jornalista francês, Lula volta a isso afirmando que “os dois bicudos vão ter que se entender em algum momento.” Traduzindo: Lula considera Zelensky um “bicudo” por não se render ao poderio de Putin e negar-se a entregar a Ucrânia e seu povo à mãe Rússia.

Ao dizer, ainda na resposta à mesma pergunta, que conheceu Putin em reuniões de organizações internacionais nas quais há encontros com “muita gente que você não concorda”, Lula faz Macron de besta que, por sua vez, se finge de besta para melhor passar. Afinal, é difícil imaginar que o presidente francês não tenha conhecimento das inúmeras provas de simpatia, amizade e apoio que Lula, seus assessores diretos e seu partido já deram ao ditador russo.

Estamos, portanto, diante de um político maquiavélico, cujo método é a dissimulação. O PT, como já foi noticiado, parabenizou Putin pela vitória em uma eleição de fachada, considerando um “feito histórico” o espetáculo eleitoral marcado pela repressão, prisão e assassinato de opositores.

Uma política externa esquizofrênica

O cientista político Sergio Fausto, no artigo A infame nota do PT sobre a reeleição de Putin, publicado no Estadão, apontou a contradição entre o que o PT prega no Brasil e o que pratica e defende no âmbito internacional, chamando essa contradição de “esquizofrenia.”

O referido artigo alerta ainda que, se o PT fosse irrelevante, essa esquizofrenia seria um problema interno do partido, mas, como se trata do partido que tem a presidência da República, o tema é de interesse nacional.

Uma nação democrática deve defender princípios e valores democráticos internamente e externamente. É inadmissível que continuemos a apoiar ditaduras na América Latina e ao redor do mundo. 

Essa política externa — que Sergio Fausto chama de esquizofrênica e eu chamo de maquiavélica, hipócrita, cínica e infame — está custando a Lula a sua popularidade e só por isso ele condescendeu que o Ministério de Relações Exteriores fizesse recentemente uma nota alegando preocupação com o “processo eleitoral” da Venezuela.

Hipocrisia sobre eleição da Venezuela

A nota do Itamaraty é uma peça retórica de dissimulação e má-fé. Como Duda Teixeira explicou didaticamente em sua nota na Crusoé, o texto, na verdade, chancela Maduro e repete a narrativa oficial do ditador.

A nota afirma que onze candidatos de oposição lograram se candidatar, o que é uma mentira; a nota fala em fortalecer a democracia, onde democracia não há; a nota critica as sanções americanas que visam restabelecer a democracia e, finalmente, a nota normaliza o impedimento de Maria Corina Machado, expressando preocupação apenas com o veto à sua substituta.

A fala de Lula sobre assunto, por ocasião ainda da coletiva de imprensa ao lado de Emmanuel Macron, repete os mesmos subterfúgios da nota do Itamaraty.

O impedimento da candidatura de Maria Corina Machado por um Suprema Corte controlado por Maduro já tinha deixado claro que os Acordos de Barbados não seriam cumpridos. Mesmo assim, Lula disse o seguinte na coletiva: “Eu disse pro Maduro: garanta que as eleições sejam a mais democrática.´”

Sem pronunciar o nome da líder da oposição, Corina Machado, a quem se refere apenas como “aquela que foi proibida de ser candidata pela justiça”, Lula disse considerar grave que a sua substituta não tenha conseguido se registrar, dando por algo de somenos importância o impedimento anterior da principal adversária de Maduro.

Lula quer que Maduro mantenha a sua ditadura, mas que tenha ardil suficiente para fazer isso aparentando ter havido eleições livres. Não nos esqueçamos do conselho do astuto Lula ao companheiro chavista: “Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e autoritarismo”, disse Lula, em maio de 2023, dirigindo-se a Maduro, e acrescentou que cabia à Venezuela “mostrar a sua narrativa para que as pessoas possam mudar de opinião”.

Pouco importa a Lula, portanto, se a Venezuela é uma democracia ou não, desde que aparente ser e a sua popularidade deixe de cair por apoiar tal regime. 

Assim como reconheceu a farsa eleitoral russa e parabenizou Putin pela sua expressiva vitória, Lula estava totalmente disposto a fazer o mesmo com uma futura eleição de Maduro na qual a sua maior opositora estaria eliminada do jogo. 

Mas Maduro é aloprado demais. Sem saber como aplicar a lição do companheiro mais astuto e mostrando-se inábil na construção de uma narrativa verossímil de democracia na Venezuela, o ditador vizinho está se tornando um estorvo para Lula.

Duas caras

Lula tem duas caras. Ele quer ser o líder das autocracias do sul global sem deixar de ser bajulado por líderes progressistas e globalistas do Ocidente, a exemplo de Emmanuel Macron. 

Parte da imprensa que ainda respira no Brasil tem apontado essas contradições, dando a conhecer o presidente do Brasil por aquilo que ele realmente é e não por aquilo que ele quer aparentar ser. 

Ao cidadão, cabe, cada vez mais, a responsabilidade de buscar um jornalismo comprometido e vigilante e repudiar um certo tipo de jornalismo servil, feito por mentes infantilizadas, que não conseguem conter o embevecimento juvenil com a proximidade do poder.

PCO celebra com Hamas “operação heroica de esfaqueamento”

PCO, partido nanico de extrema esquerda do Brasil que – sob o silêncio conivente das nossas autoridades, tornou-se o porta-voz do grupo terrorista islâmico Hamas – fez uma postagem em sua conta no X com nada menos do que a reprodução de uma nota oficial do conhecido grupo que estuprou mulheres e meninas, matou crianças, incinerou famílias, metralhou jovens e sequestrou bebês.

É um acinte que um partido político, abrigado sob o guarda-chuva democrático brasileiro, não seja cancelado nem receba sequer alguma retaliação ao fazer apologia e incitar o terrorismo dessa forma.

Convém lembrar que, de junho de 2022 a fevereiro de 2023, o PCO teve seu perfil bloqueado por decisão no ministro do STF, após o partido referir-se a Moraes como “skinhead de toga” e acusá-lo de ter “sanha de ditadura”.

Será que uma ofensa ao excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes é mais grave do que a defesa do terrorismo como método de luta e o enaltecimento público dos crimes mais bestiais?

Na nota oficial do Hamas, reproduzida nessa quarta, 13 de março, pelo PCO, lê-se, dentre outras barbaridades:

“Ao parabenizarmos a operação heroica de esfaqueamento no Posto de Controle do Túnel em Belém, e lamentarmos o mártir…”

“Mobilizemos nossos combatentes heroicos e nosso povo na Cisjordânia, para sustentar o confronto com a ocupação, detonar as bombas da fúria em seus rostos…”

O Partido da Causa Operária, felizmente, é um partido nanico, insignificante. Mas está tentando crescer dando palanque a um grupo terrorista, o que não pode ser tolerado.

Em mundo cada vez mais complexo, confuso, fanatizado, radical e beligerante, é uma enorme irresponsabilidade das nossas autoridades fazerem vista grossa para essa situação. Isso deixa patente a parcialidade da Justiça brasileira, que mira o que considera extremismo de direita enquanto deixa grassar o escancarado extremismo de esquerda.

O novo antissemitismo, resenha do texto de Noah Feldman

A revista americana Time publicou, em 27 de fevereiro, um importante ensaio intitulado O novo antissemitismo, assinada por Noah Feldman, professor da Harvard Law School e o autor do livro To Be a Jew Today: A New Guide to God, Israel, and the Jewish People (Ser Judeu Hoje: Um Novo Guia para Deus, Israel e o Povo Judeu).

O alarmante aumento de casos de antissemitismo em todo o mundo tem dado ensejo a inflamados debates e renovadas reflexões. Um dos pontos para o qual as análises atuais têm chamado mais atenção é a emergência de novas formas de antissemitismo. Já abordamos essa questão em artigos anteriores e, mais detalhadamente, no artigo intitulado “islamo-esquerdismo: a nova face do ódio ao judeu.”

No referido artigo, citamos a constatação do filósofo francês Luc Ferry de que o antissemitismo católico, baseado na antiga acusação de deicídio e o antissemitismo nazista, baseado na teoria dos judeus como raça inferior estavam em vias de extinção, mas que, pelo contrário, o antissemitismo islâmico da Irmandade Muçulmana que, na década de 1930, reforçou o antissemitismo nazista, encontra hoje ressonância nas ideologias contemporâneas de esquerda, especialmente no chamado wokismo, que reduz tudo ao simplismo da lógica opressor-oprimido e em cuja perspectiva ideológica “o sionismo é o mais recente avatar do colonialismo ocidental e racista apoiado pelo neoliberalismo americano.”

A análise de Noah Feldman, publicada na Times, corrobora essa abordagem, reconhecendo também que o antissemitismo hoje não é impulsionado primariamente nem pela religião cristã nem pela teoria nazista da raça superior. O antissemitismo, pra ele, não é “um conjunto imutável de ideias derivadas de crenças antigas”, mas “uma força criativa, mutável e multiforme” que “reflete as preocupações ideológicas do momento” e que “conseguiu reinventar-se múltiplas vezes ao longo da história, mantendo sempre alguns dos antigos tropos, ao mesmo tempo que criava novos, adaptados às circunstâncias atuais”.

O ponto fundamental do discurso antissemita é que, nele, “os judeus são sempre levados a exemplificar o que um determinado grupo de pessoas considera ser a pior característica da ordem social em que vivem”. Assim sendo, “o seu conteúdo pode ser alterado e mudado à medida que as preocupações e os julgamentos morais de uma sociedade mudam.

O antissemitismo do século XIX já marca uma reinvenção do antissemitismo clássico. O aspecto do preconceito religioso vai cedendo lugar a teorias da conspiração como a de que os judeus controlavam secretamente o mundo. 

No século XX, sob ângulos diferentes, tanto o nazismo como o marxismo identificaram os judeus como um inimigo que mereciam ser expurgados.

Hoje, constata Feldman, “a pseudociência racial é uma vergonha e a luta entre o capitalismo e o comunismo tornou-se ultrapassada. O populismo antielitista ainda pode basear-se em velhas mentiras sobre o poder judaico, e essas ainda repercutem em certos públicos, especialmente na extrema direita. Mas é mais provável que a corrente mais perniciosamente criativa no pensamento antissemita contemporâneo venha da esquerda”.

Assim como Luc Ferry, no artigo intitulado “Judeofobia: compreendendo a nova situação”, tenta nos alertar da urgência de se reconhecer as diferentes faces do ódio ao judeu, sob risco de não nos darmos conta do que realmente nos ameaça hoje, também o artigo de Noah Feldman faz soar o alarme de que “o antissemitismo está se transformando novamente, neste momento, diante dos nossos olhos”.

A nova situação, alertada por Ferry, é que, aos olhos do wokismo e do islamo-esquerdismo, o muçulmano substituiu o proletário no papel dos oprimidos e a retórica do “Ocidente colonizador” como o lado opressor uniu ao wokismo e ao islamismo o tal “Sul global”, fazendo com que aproximadamente dois terços do planeta esteja sendo movida pelo ódio galvanizado por essa narrativa ideológica.

Noah Feldman, por sua vez, acrescenta a esse diagnóstico a análise de que “o cerne do novo antissemitismo reside na ideia de que os judeus não são um povo historicamente oprimido que procura a autopreservação, mas sim opressores: imperialistas, colonialistas e até supremacistas brancos. Esta visão preserva vestígios do tropo de que os judeus exercem um vasto poder. Atualiza criativamente essa narrativa às circunstâncias contemporâneas e às preocupações culturais atuais com a natureza do poder e da injustiça”.

Embora as preocupações com o abuso do poder e com as injustiças sejam perfeitamente legítimas, explica Feldman, é importante distinguir as críticas idôneas das formas antissemitas como elas podem ser utilizadas. Essa cautela é importante porque “Israel, o primeiro Estado judeu a existir em dois milênios, desempenha um papel central na narrativa do novo antissemitismo.”

Israel e o novo antissemitismo

Não é inerentemente antissemita criticar Israel. O seu poder, como qualquer poder nacional, pode estar sujeito a críticas legítimas e justas”, pondera Feldman. Porém, na crítica a Israel, categorias como o imperialismosupremacia branca colonialismo têm sido manipuladas sem nenhum rigor para fazer julgamentos morais e tentar deslegitimar a sua existência.

Segundo o professor, essas categorias não se enquadram muito bem na especificidade de Israel.

O conceito de imperialismo, por exemplo, foi desenvolvido para descrever potências europeias que conquistaram, controlaram e exploraram vastos territórios no Sul e no Leste globais, enquanto “Israel é uma potência regional do Oriente Médio com uma presença minúscula, e não um império global ou continental concebido para extrair recursos e mão-de-obra” e foi criado para abrigar judeus deslocados depois de 6 milhões deles terem sido mortos no Holocausto.

O paradigma da supremacia branca tampouco corresponde facilmente aos judeus. Conforme explica o professor da Harvard Law School, aproximadamente metade dos judeus de Israel “não são etnicamente europeus em nenhum sentido, muito menos racialmente brancos, um número significativo de judeus israelenses é de origem etíope e a pequena comunidade de israelenses hebreus negros em Israel é etnicamente afro-americana”.

Sobre a consideração dos primeiros colonos sionistas como colonialistas, pode-se apontar que boa parte deles eram pessoas apátridas e oprimidas que procuravam refúgio na antiga terra prometida onde alguns judeus sempre viveram.

A conclusão de Noah Feldman é que, “a narrativa de Israel como um opressor colonizador igual ou pior do que os EUA, o Canadá e a Austrália é fundamentalmente enganadora. Aqueles que a promovem correm o risco de perpetuar o antissemitismo ao condenarem o Estado Judeu […] a única pátria de um povo historicamente oprimido que não tem outro lugar a que chamar de seu”.

Negação do holocausto à direita e à esquerda

O uso arbitrário das referidas categorias faz parte, portanto, da estratégica retórica do novo antissemitismo, que não para, porém, por aí: “para enfatizar a narrativa dos judeus como opressores, o novo antissemitismo deve também, de alguma forma, contornar não apenas dois milênios de opressão judaica, mas também o Holocausto, o maior assassinato organizado e institucionalizado de qualquer grupo étnico na história da humanidade.

Nesse aspecto os dois extremos ideológicos se tocam: “à direita, os antissemitas ou negam que o Holocausto tenha acontecido ou afirmam que o seu alcance foi exagerado. À esquerda, uma linha é que os judeus estão usando o Holocausto como arma para legitimar a opressão dos palestinos”.

Nesse ponto, gostaria de pedir ao leitor que refletisse sobre a argumentação que se segue tendo em mente as recentes palavras do presidente Luís Inácio Lula da Silva quando comparou a ação de Israel com o holocausto e acusou Israel de cometer genocídio, promovendo assim uma crise diplomática de grande dimensão.

Levando em conta a força e a clareza do restante do ensaio que me propus a comentar, despeço-me aqui deixando o próprio autor finalizar. 

Com a palavra, Noah Feldman

Transcrevo, a seguir, as longas, mas importantes citações do texto em pauta O novo antissemitismo, de Noah Feldman:

“Durante a Guerra de Gaza, alguns argumentaram que Israel, tendo sofrido o trauma do Holocausto, está agora perpetrando um genocídio contra o povo palestino. Tal como outras críticas a Israel, a acusação de genocídio não é inerentemente antissemita. No entanto, a acusação de genocídio é especialmente propensa a desviar-se para o antissemitismo porque o Holocausto é o exemplo arquetípico do crime de genocídio.

O genocídio foi reconhecido como crime pela comunidade internacional após o Holocausto. Acusar Israel de genocídio pode funcionar, intencionalmente ou não, como uma forma de apagar a memória do Holocausto e de transformar os judeus de vítimas em opressores. […]

Os esforços de Israel para se defender contra o Hamas, mesmo que envolvam a morte de um número desproporcional de civis, não transformam Israel num ator genocida comparável aos nazis ou ao genocídio em Ruanda. A acusação de genocídio depende da intenção. E Israel, como Estado, não está travando a Guerra de Gaza com a intenção de destruir o povo palestino.

Os objetivos de guerra declarados de Israel são responsabilizar o Hamas pelo ataque de 7 de Outubro a Israel e recuperar os seus cidadãos que ainda estão mantidos em cativeiro. Esses objetivos são legais em si mesmos.

Os meios que Israel utilizou estão sujeitos a críticas legítimas por terem matado demasiados civis como danos colaterais. Mas a campanha militar de Israel foi conduzida de acordo com a interpretação de Israel das leis internacionais da guerra. Não existe uma resposta única e definitiva de direito internacional à questão de saber até que ponto os danos colaterais tornam um ataque desproporcional ao seu objetivo militar concreto. A abordagem de Israel assemelha-se às campanhas travadas pelos EUA e pelos seus parceiros de coligação no Iraque, no Afeganistão, e pela coligação internacional na batalha contra o ISIS pelo controlo de Mossul. Mesmo que o número de mortes de civis provocadas pelo ar pareça ser mais elevado, é importante reconhecer que Israel também enfrenta quilômetros de túneis intencionalmente ligados a instalações civis pelo Hamas.

Para ser claro: por uma questão de valor humano, uma criança que morre às mãos de um assassino genocida não é diferente daquela que morre como dano colateral num ataque legal. A criança é igualmente inocente e a tristeza dos pais é igualmente profunda. No entanto, do ponto de vista do direito internacional, a diferença é decisiva. Durante o ataque do Hamas, os terroristas assassinaram intencionalmente crianças e violaram mulheres. A sua carta apela à destruição do Estado judeu. No entanto, a acusação de genocídio está senta feita contra Israel.

Estes fatos relevantes são importantes para colocar a acusação de genocídio no contexto de potencial antissemitismo. Nem a África do Sul nem outros estados apresentaram um caso de genocídio contra a China pela sua conduta no Tibete ou em Xinjiang, ou contra a Rússia pela sua invasão da Ucrânia. Há algo especificamente digno de nota em lançar a acusação contra o Estado Judeu – algo entrelaçado com a nova narrativa dos Judeus como opressores arquetípicos em vez de vítimas arquetípicas. Chame-o de prestidigitação do genocídio: se os Judeus forem retratados como genocidas – se Israel se tornar o próprio arquétipo de um Estado genocida – então os Judeus serão muito menos propensos a serem concebidos como um povo historicamente oprimido e empenhado em autodefesa.

A nova narrativa dos judeus como opressores está, no final, demasiado próxima da tradição antissemita de apontar os judeus como merecedores únicos de condenação e punição. Tal como aquelas formas anteriores de antissemitismo, o novo tipo não tem a ver, em última análise, com os judeus, mas com o impulso humano de apontar o dedo a alguém que pode ser obrigado a carregar o peso dos nossos males sociais.

A opressão é real. O poder pode ser exercido sem justiça. Israel não deveria estar imune a críticas quando age de forma errada. No entanto, a história horrível e a resiliência invicta do antissemitismo significam que os modos de ataque retórico a Israel e aos judeus devem ser sujeitos a um escrutínio cuidadoso”.

Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin

Um homem foi enterrado na Rússia. Chamava-se Alexei Navalny. Em circunstâncias adversas, sob frio intenso, sob ameaça de retaliações e prisões, uma multidão esteve presente nos rituais fúnebres para as derradeiras homenagens àquele que denunciou a corrupção e a tirania do Kremlin e que ousou desafiar o poder de Vladimir Putin, pagando o seu ato de coragem com a própria vida.

A morte do opositor era esperada. Putin já o havia mandado envenenar em 2020. O filme “Navalny”, produzido pela CNN e que, em 2023, ganhou o Oscar de melhor documentário, traz os detalhes dessa tentativa de assassinato, contextualizando o episódio do envenenamento e mostrando os bastidores da vida do político até a sua prisão.

Mesmo sabendo que certamente seria preso e que sua vida estaria novamente em risco, Navalny tomou a decisão de deixar a Alemanha e retornar à Rússia tão logo sua saúde foi reestabelecida. Ele foi detido assim que desembarcou em Moscou e, durante três anos, esteve submetido a frio, fome e a um confinamento opressivo na colônia “lobo polar”, uma remota e inacessível prisão, localizado na Sibéria, onde a temperatura se aproxima de -40°C no inverno.

A sua prisão provocou uma onda de protestos, seguida de dura repressão, com cerca de 1600 pessoas detidas. Os russos foram corajosos, naquela ocasião, e também neste 1 de março de 2024, quando cantaram, em frente à igreja onde seu corpo foi sepultado: “Você não teve medo e nós não temos medo”.

De que lado estamos?

O mundo livre está cada dia mais preocupado com Putin. O tirano já deu provas de que seu método é a crueldade, tanto na política externa quanto na política interna. A invasão da Ucrâniae o modo com Navalny e seus outros opositores sucumbiram, expõe o caráter reprovável do chefe do Kremlin e faz um chamamento à consciência daqueles que buscam se posicionar diante dos conflitos bélicos atuais e das ideologias.

É preciso reavaliar posicionamentos políticos a partir da recuperação de princípios básicos, mesmo que o evento em questão não nos toque particularmente enquanto brasileiros. Somos seres humanos, não somos? Precisamos, pois, repudiar a cumplicidade com ditadores que desprezam os direitos humanos e cujas ações dizem respeito mais à tentativa de manutenção de um poder do que à salvaguarda do indivíduo diante dele.

O mundo se posiciona hoje em torno de duas tendências díspares: uma tendência autoritária e autocrática e uma tendência democrática e liberal. Pela forma como os políticos se movimentam em torno das figuras proeminentes desse mundo em conflito podemos avaliar o teor de suas próprias tendências.

Por que o nosso país não se posiciona conforme as democracias consolidadas do Ocidente, mas apoia em discursos e em gestos as tiranias em voga e em vias de formação?

É vergonhoso e deplorável o alinhamento do Brasil com a Rússia e o cinismo com que o presidente Lula tratou a morte do principal opositor do autocrata russo, ao comentar que a morte estava sob suspeita e que era preciso fazer uma investigação para dizer que “o cara morreu disso ou daquilo”.

A liberdade criadora de Alexei Navalny

Em artigo publicado no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, Andreas Rüesch escreve que o destino de Alexei Navalny revela muito sobre a Rússia de hoje. Putin, escreve o ex-correspondente no NZZ em Moscou, “garantiu o seu lugar nos livros de história como o tirano que mergulhou a Rússia na ruína com a guerra megalomaníaca contra a Ucrânia. Inextricavelmente ligados a isto estão os crimes contra os adversários como Navalny. O seu caso cristaliza o mal que está corroendo a Rússia. O país está consumido pela corrupção e a sua elite está enriquecendo a um nível que teria sido impensável mesmo nos tempos soviéticos”.

O artigo segue explicando que o país está sufocado, perdendo os seus melhores talentos e afirma que “a Rússia precisa, como o ar para respirar, de uma capacidade de organização como a de Navalny.” O ar que Navalny respirava e que ele soprou na Rússia chama-se liberdade.

Todos os países deveriam orgulhar-se de um conjunto criativo de energia como Alexei Navalny”, escreveu Andreas Rüesch. “Ele não era um político comum; ele revolucionou o trabalho da oposição com sua originalidade, novos métodos de pesquisa, talento organizacional e uma refrescante dose de humor. Além disso, ele era acessível no contato pessoal, com graça e sem pedantismo. Navalny tinha carisma, uma qualidade que falta a toda a equipe do Kremlin. Pessoas como ele vão longe em países livres. Na Rússia eles estão morrendo”.

Testemunho x ideologia

Os que querem ver a Rússia como o império glorioso de outros tempos não entenderam ainda que a verdadeira grandeza é a do espírito e que a grandeza do espírito humano só se expressa na liberdade. A nação que a sufoca perece em vez de se engrandecer.

Milhares de russos afrontaram Putin e prestaram as últimas homenagens a Alexei Navalny, expressando deferência àquele que pereceu por um ideal e que fez ressurgir nos jovens a coragem de lutar para ser livre.

Nenhum tirano é capaz de sufocar o desejo humano por justiça e liberdade e nenhum poder temporal é capaz de arrefecer o ânimo de luta política daqueles que são movidos por verdadeiros valores.

Para aqueles que estiveram presentes no velório, Navalny não era apenas um corpo inerte e inanimado, ele representava a coragem e o vigor daqueles que compreendem que a justiça só se conquista com valor e testemunho.

Testemunhar é agir de acordo com a verdade apregoada; é fazer a vida dar sinal do discurso e modular o discurso em consonância com a vida. Testemunhar é assumir os riscos das escolhas e aceitar a dor das consequências; é elevar-se além do raciocínio pragmático do autointeresse e das contradições das ideologias.

Ideologias não induzem ao testemunho, mas ao fanatismo. A ideologia conduz a uma ação cega, obnubilada, obcecada e, por vezes, cruel, em nome de uma crença não refletida, mal assimilada e descolada da verdadeira natureza das coisas.

O testemunho, pelo contrário, conduz à superação do fanatismo e do egoísmo porque, estando em consonância com a verdade, abre espaços de reflexão mais profundos, mais espiritualizados, mais sublimes. O verdadeiro testemunho é aquele que se eleva aos verdadeiros valores. O ato heroico não se coaduna com a mediocridade nem com a vilania.

O verdadeiro homem e o falso líder

Não temos mais tempo para falsos heróis ou falsos profetas. Nossa época clama por homens reais, como Alexei Navalny, cuja autenticidade inseriu valor na ação política, reunindo, com o seu sopro de liberdade criadora, as vontades dispersas e difusas.

Homens reais e autênticos são mais veneráveis que falsos mitos que se autoproclamam líderes e conduzem as massas. A diferença é sutil. Mas aqueles que estiverem atentos haverão de reconhecer e separar o verdadeiro homem do falso líder. Os nossos falsos líderes estão hoje ao lado do tirano que assassinou um verdadeiro homem.

A força de Bolsonaro e a fraqueza do Brasil

Jair Bolsonaro, na mira do STF por articular decretação irregular de Estado de sítio e intervenção no TSE, convocou seus eleitores para defendê-lo no dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, e a massa de apoiadores compareceu.

No vídeo da convocação, Bolsonaro diz que se trata de um “ato pacífico em defesa do nosso Estado democrático de direito.” Sabe-se lá o que o Estado democrático de direito é na cabeça de um populista autoritário que faz reunião com todos os seus ministros para combinar a virada de mesa que iria mantê-lo no poder a despeito do resultado das eleições.

Bolsonaro queria um golpe de Estado, seu entorno planejou um golpe de Estado, que não aconteceu porque as Forças Armadas, como instituição, se negaram a implementá-lo, embora alguns militares, individualmente, tenham participado da “intentona bolsonarista.”

Em seu discurso, Bolsonaro falou da bíblia como uma “caixa de ferramenta”, dramatizou em torno do episódio da facada que sofreu em 2018, citou luta armada de 1970 e um tenente “executado pela esquerda”, lembrou sua “carreira das armas”, recordou os 28 anos como deputado “discursando para as paredes”, citou platitudes sobre seu governo até chegar ao momento “daquela coisa que aconteceu em outubro de 2022” e mostrou-se satisfeito por ter conseguido o que queria: “uma fotografia para o mundo.”

A instrumentalização do conservadorismo

Mas não faltou aquela carga ideológica caricata que, de fato, responde pela sua capacidade de aglomerar tão grande público: “Nós não queremos o socialismo para o nosso Brasil. Nós não podemos admitir o comunismo em nosso meio. Nós não queremos ideologia de gênero para os nossos filhos. Nós queremos respeito à propriedade privada. Nós queremos o direito à defesa à própria vida. Nós queremos o respeito à vida desde a sua concepção. Nós não queremos a liberação das drogas em nosso país.”

Eu e provavelmente mais da metade dos brasileiros concordamos com esse parágrafo. O que não concordamos é que o sujeito, por defender isso, não seja responsabilizado pelos desvios cometidos em outros aspectos fundamentais da ética, da moralidade, da civilidade. O problema é que o sentimento conservador do brasileiro comum foi manipulado, instrumentalizado por políticos desqualificados, ineptos e desonestos.

É uma cena burlesca ver os autoproclamados patriotas antipetistas aplaudirem com entusiasmo o discurso do presidente do PL, Valdemar da Costa, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, ocorrido no governo Lula.

Ainda mais constrangedor e decepcionante é ver um dos ícones da operação Lava-Jato, o ex-deputado Deltan Dallagnol, junto a outros expoentes do partido Novo, participar da manifestação bolsonarista, sob a justificativa de união da direita contra os abusos do STF.

Ora, todos sabem que a CPI da Lava-Toga, protocolada pelo senador Alessandro Vieira, em 2019, com o objetivo de investigar o judiciário, foi inviabilizada pelo bolsonarismo para livrar a pele de Flávio Bolsonaro das investigações do caso das rachadinhas. A foto do caloroso abraço de Bolsonaro aos ser recebido pelo ministro Dias Toffoli em sua casa, em 2020, diz tanto do Brasil quanto a foto da multidão bolsonarista na Paulista.

Lava-Jato e falta de coerência moral

Sérgio Moro, ao decidir apoiar Bolsonaro no segundo turno, após ter denunciado a intenção do ex-presidente de interferir na Polícia Federal e após ter feito uma espécie de pré-campanha para presidente na qual expôs em livro e em discursos o mal que Bolsonaro tinha feito ao combate à corrupção, acabou com a esperança política daqueles que acreditaram e defenderam a Lava Jato por princípio e por anelo de justiça e não por mero oportunismo.

Da mesma forma, Deltan Dallagnol, aderindo ao bolsonarismo, de certa forma despreza a parcela da direita antibolsonarista que viu nele alguém firme e inabalável no combate à corrupção. 

Conforme escreveu Felipe Moura Brasil no artigo O Novo parasita o bolsonarismo, os valores e princípios inegociáveis do combate à corrupção foram sabotados por Bolsonaro e colar na direita bolsonarista não é o melhor exemplo de coerência moral.

Eis a fraqueza do político brasileiro e do brasileiro comum: a falta de coerência moral. Não é porque o STF está cometendo abusos – de fato, está – que precisamos desconsiderar os crimes cometidos por aqueles que são alvos da investigação. E entre os crimes está a tentativa de golpe, infelizmente minimizada pela direita, que compromete assim o seu papel de firme, porém democrática oposição.

Duas pontas que se retroalimentam 

Em seu discurso, Bolsonaro também pediu uma anistia para “os pobres coitados que estão presos em Brasília”. Sim, eles merecem anistia. Foram massa de manobra de gente mais graúda. Eles estão presos na Papuda e o Brasil está preso a dois populistas grotescos e rasteiros que se retroalimentam, como escreveu a ex-deputada Janaina Paschoal, em postagem no seu perfil X, em momento de singular lucidez:

“Respeitando opiniões divergentes, eu vejo, com clareza, um novo teatro das tesouras. Duas pontas que se retroalimentam e, guardadas as particularidades, funcionam de forma muito parecida. Ambas têm seus fiéis, que veem crimes na outra ponta, ambas têm seus atos de dramatização e ‘despedida’. Uma ponta brinca de fazer calar a outra. Antes, eu tinha pena do povo, que acredita nesse teatro. Hoje, vejo que o povo gosta e também se alimenta disso. Pobre daquele que pensa que essa representação os aniquila mutuamente. Esse teatro os mantém vivos e eles sabem disso!”

A manifestação na Avenida Paulista foi exitosa. Deixou clara a tragédia política brasileira: só Lula e Bolsonaro conseguem mobilizar as massas e encher as ruas; e as aberrações de um fazem as aberrações do outro parecerem menores. A força de Lula e Bolsonaro é a fraqueza da democracia do Brasil.

Hannah Arendt contra o antissemitismo de Lula, Janja e PT

Após ser detida, por alguns dias, pela Gestapo, por colaborar com envio de documentos para uma organização de resistência ao nazismo, a jovem judia alemã Hannah Arendt se refugiou na França. Entre 1934 e 1940, antes de ir parar em um campo de detenção na própria França, do qual conseguiu fugir, Arendt trabalhou em uma organização que conduzia judeus do leste europeu para a região do futuro Estado de Israel.

Em 1943, quando já morava nos Estados Unidos, Arendt tomou conhecimento da existência dos campos de extermínio nazistas espalhados pela Europa. Aquilo era tão absurdo que não parecia crível. Mas era real. A pavorosa perversidade do assassinato em massa, desprovido de qualquer critério utilitário, com o único objetivo de degenerar a natureza do ser humano e gerar uma pilha de cadáveres parecia-lhe algo sem sentido, sem motivo, sem fundamentação. Com os campos de concentração, o mal parecia atingir uma proporção inédita.

Esse empreendimento macabro, com toda a sua organização racional e técnica, que tinha por objetivo destruir por destruir, exterminar por exterminar, esse mal que se configurava até mesmo para além do interesse pessoal de quem o perpetrava é identificado inicialmente por Hannah Arendt como o mal absoluto: “Se é verdade que, nos estágios finais do totalitarismo, surge um mal absoluto (absoluto, porque já não pode ser atribuído a motivos humanamente compreensíveis), também é verdade que, sem ele, poderíamos nunca ter conhecido a natureza realmente radical do mal”, escreverá Arendt no prefácio da obra As origens do totalitarismo.

Hannah Arendt, como boa pensadora, era rigorosa com os termos. O regime que tornou possível os campos de concentração (nazistas e soviéticos) era diferente das tiranias e das ditaduras. Sendo o regime totalitário uma forma de “domínio total” e “a única forma de governo com a qual não é possível coexistir”, teríamos, segundo ela, “todos os motivos para usar a palavra ‘totalitarismo’ com cautela”.

À especificidade do regime totalitário relaciona-se também, para Arendt, a qualificação técnico-jurídica do genocídio como crime contra a humanidade.

Genocídio 

A base inicial da tipificação deste crime, em texto internacional, encontra-se no ato constitutivo do Tribunal de Nürenberg, de 8 de agosto de 1945. Esse tribunal, criado para julgar e punir os grandes crimes de guerra dos países do Eixo, tinha competência e jurisdição, nos termos do art. 6.° do seu estatuto, em relação aos crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade.

Enquanto crimes contra a paz e crimes de guerra já eram tidos como comportamentos ilícitos na perspectiva do Direito Internacional antes da II Guerra Mundial, “a concepção de crimes contra a humanidade, previstos no art. 6.° “c” do Estatuto do Tribunal de Nürenberg, procurava identificar algo novo, que não tinha precedente específico no passado; representava um primeiro esforço de tipificar, como ilícito penal, o ineditismo da dominação totalitária”, conforme explica Celso Lafer, no livro A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt.

Os princípios de Nürenberg foram oficialmente sistematizados pela Comissão de Direito Internacional da ONU, por solicitação da Assembleia Geral, em resolução de 1947. No que concerne ao genocídio, esses princípios converteram-se em norma internacional através da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, entrando em vigor em 12 de janeiro de 1951. Ali, a tipificação do crime de genocídio, no art. 2.°, estabelece nas letras “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, os aspectos objetivos do comportamento ilícito, e no seu caput o aspecto subjetivo, que é a “intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Para Hannah Arendt, explica ainda Celso Laffer, “o genocídio, como crime, só pode ocorrer com base na lei criminosa de um Estado criminoso”. Não se trata de um crime qualquer que pode ser cometido por indivíduos isoladamente, mas um crime “estruturalmente ligado à gestão totalitária”, um crime que depende de uma estrutura de poder posta a serviço da perversidade e na qual o mal se converte em legalidade.

O genocídio “assume o ser humano como supérfluo”; “não é uma discriminação em relação a uma minoria, não é um assassinato em massa, não é um crime de guerra nem um crime contra a paz. O genocídio é algo novo“, é, para usar as palavras da própria Arendt “um crime contra a humanidade perpetrado no corpo do povo judeu“.

O antissemitismo de Lula

Armados dessa compreensão, podemos agora dimensionar a gravidade da crise diplomática iniciada por Luís Inácio Lula da Silva ao discursar fazendo analogia entre o holocausto e a resposta de guerra de Israel contra um grupo terrorista que o atacou e acusando Israel de estar perpetrando um genocídio, o que equivale a considerar Israel como um Estado criminoso, negando-lhe, consequentemente, o direito à existência.

Se a rinha política hodierna nas redes sociais é marcada pela distorção de conceitos importantes, o mesmo uso ligeiro e irresponsável de palavras graves não deveria, de forma alguma, dar o tom do discurso de um presidente em uma coletiva internacional, em momento tão complexo como o atual.

O pior de tudo, porém, é que não foi apenas descuido e desleixo. Não foi uma gafe, um despropósito infeliz ou uma inadequação por simples ausência de bom senso. O Brasil já havia dado apoio à África do Sul na absurda acusação contra Israel (levada ao Tribunal Internacional de Justiça, em Haia), já havia prometido doações à UNRWA no momento mesmo em que outros países paralisaram as doações ao verem comprovadas as suspeitas de relações da agência com o Hamas.

Por fim, o Brasil não fez a menos questão de se retratar a fim de resolver a crise diplomática que Lula criou. Na verdade, a sua fala galvanizou o antissemitismo de esquerda, que, agora, mal sente a necessidade de se disfarçar.

Antissionismo como antissemitismo

Todas as tentativas de emenda do discurso de Lula saíram pior que o soneto. A sua esposa, Janja, defendeu o bom velhinho, que, segundo ela, defende a vida de mulheres e crianças e escreveu o seguinte: “a fala se referiu ao governo genocida e não ao povo judeu. Sejamos honestos nas análises.”

Para alcançar a sutileza necessária para uma análise honesta, recorro, mais uma vez, a Celso Lafer que, em artigo publicado no Estadão, escreveu: “Hoje muitas críticas à atuação de Israel em Gaza vão além do aceso das polêmicas sobre a aplicação das normas do direito humanitário ou da gravíssima situação humanitária em Gaza. Resvalam pela denegação de sua existência. Neste contexto, cabe a pergunta: de que maneira um antissionismo bastante presente na crítica a Israel é uma modalidade contemporânea de antissemitismo?”

O advogado, jurista, professor, ex-ministro das Relações Exteriores e também ex-aluno de Hannah Arendt socorre a ignorância petista lembrando que o sionismo “buscou a construção de um Estado como resposta às perseguições que os judeus padeceram como uma minoria discriminada”, conforme o princípio de autodeterminação dos povos e que essas aspirações se traduziram no reconhecimento de Israel.

A crescente negação do direito à existência de Israel, que se tem verificado desde o início da guerra em Gaza, apresenta, segundo Lafer, um caráter de seletividade, pois inexistem outras manifestações de denegação da existência de qualquer outro Estado reconhecido na vida internacional em consequência de críticas a suas políticas. Assim sendo “esta seletividade negacionista faz do antissionismo uma manifestação de antissemitismo. Comporta analogia com o negacionismo revisionista da denegação da verdade factual do Holocausto.”

O antissemitismo de Janja

O antissemitismo, Janja, tem várias facetas. A hostilidade em relação aos judeus pode vir um pouco disfarçada, como na sua postagem, que fala em um “governo genocida”, desconsiderando que a guerra em curso não é conduzida apenas por Benjamin Netanyahu, mas por uma coalizão que inclui, inclusive, a oposição. 

Referir-se a um “governo genocida” ou afirmar, como Lula o fez, que “na faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio”, é chamar Israel de Estado criminoso e negar-lhe, por conseguinte, o direito de existir.

Conforme explica Celso Lafer e outros autores, o antissemitismo moderno é distinto do tradicional, “por isso, pode-se falar com mais propriedade de antissemitismos, no plural. Uma das modalidades atuais do antissemitismo é o antissionismo”. 

É nessa modalidade de antissemitismo que a sua declaração e a de seu marido se encaixam.