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O Caminho para a Paz: Reconhecimento Mútuo e Coexistência entre Israel e Palestina

Por décadas, o conflito entre Israel e os palestinos tem sido um dos mais persistentes e emocionalmente carregados do cenário internacional. A narrativa dominante frequentemente responsabiliza Israel pela ausência de um Estado palestino, mas uma análise histórica mais equilibrada mostra que a realidade é mais complexa e exige, acima de tudo, responsabilidade e vontade política de ambos os lados.

Israel já ofereceu aos palestinos a criação de um Estado independente em cinco ocasiões distintas: em 1937 (Comissão Peel), 1947 (Plano de Partilha da ONU), 1967 (com discussões pós-Guerra dos Seis Dias), 2000 (Cúpula de Camp David) e 2008 (negociações com Olmert). Em todas essas oportunidades, os líderes palestinos rejeitaram as propostas, algumas delas extremamente generosas, como o plano que previa 94% da Cisjordânia e Gaza com Jerusalém Oriental como capital.

Essas recusas, frequentemente acompanhadas de episódios violentos, mostram que o entrave não foi a falta de propostas israelenses, mas a insistência em uma narrativa que não reconhece o direito de existência do Estado de Israel. Em 1967, a Liga Árabe declarou os infames “Três Nãos”: não à paz com Israel, não ao reconhecimento de Israel e não às negociações com Israel. É impossível construir qualquer solução viável sob esse tipo de intransigência.

Isso não significa, porém, que os palestinos não tenham direitos legítimos. Eles têm. O sofrimento, a ocupação prolongada e a dificuldade de construir uma identidade nacional plena merecem reconhecimento e resposta internacional. Mas esse reconhecimento não pode ignorar o outro lado da equação: Israel também tem o direito de existir, de se defender e de buscar paz com segurança.

A coexistência não só é possível, como é necessária. Nenhum povo deve ser condenado a viver eternamente em guerra, sob bombardeios ou em guetos geopolíticos. O reconhecimento mútuo – de que os dois povos têm direito a uma pátria – é o primeiro passo essencial. Nenhuma solução duradoura será construída sem que os palestinos reconheçam o direito de Israel à existência como Estado judeu, assim como Israel deve continuar trabalhando por condições dignas e justas para a população palestina.

O caminho para a paz está, portanto, menos em novas ofertas territoriais e mais em um compromisso sincero com a realidade, a responsabilidade histórica e o futuro compartilhado. Paz verdadeira não se constrói apenas com diplomacia, mas com coragem moral e política para reconhecer que coexistir é não só possível, mas urgente.

Em Defesa de Israel

No fatídico dia 7 de outubro de 2023, Israel foi vítima de um ataque terrorista premeditado, coordenado e de uma brutalidade chocante, perpetrado pelas mãos do Hamas e da Jihad Islâmica. Terroristas invadiram deliberadamente comunidades israelenses ao longo da fronteira com Gaza, aldeias pacíficas e até um festival de música. Seu objetivo declarado era o máximo de morte e destruição. Os terroristas cometeram atrocidades indescritíveis: massacraram civis indefesos em suas casas, executaram famílias inteiras, queimaram pessoas vivas e sequestraram mais de 240 reféns.

Por trás dessa onda de terror está a República Islâmica do Irã. O país persa é o principal patrocinador estatal do terrorismo na região, fornecendo centenas de milhões de dólares anualmente, além de armas, treinamento militar, tecnologia de mísseis e foguetes e apoio logístico. Os principais beneficiários são os Houthis no Iêmen, Hamas em Gaza, Hezbollah no Líbano e Jihad Islâmica com base na Síria. Líderes iranianos, incluindo altos comandantes da Guarda Revolucionária, têm proclamado publicamente seu apoio e orientação a esses grupos, incitando-os constantemente à destruição de Israel. O ataque de 7 de outubro não foi um ato isolado, sendo o ápice de anos de investimento iraniano e doutrinação ideológica, projetado para infligir o máximo de sofrimento a Israel e desestabilizar toda a região.

O Irã, sob o regime dos aiatolás, ainda avançou agressivamente em seu programa nuclear ilegal, enriquecendo urânio a níveis perigosamente próximos do necessário para uma bomba atômica. Relatórios da AIEA e inteligência ocidental confirmam que o país possui urânio suficiente para múltiplas ogivas nucleares e poderia produzir material bélico em questão de semanas usando tecnologia avançada instaladas em locais clandestinos. Diante das reiteradas ameaças genocidas de líderes iranianos é evidente que este arsenal nuclear seria direcionado prioritariamente contra o Estado judeu. Israel entende que a bomba iraniana não é instrumento de dissuasão, mas uma arma de aniquilação, portanto, permitir que o regime dos aiatolás adquira tal poder seria uma condenação à existência de Israel e uma catástrofe para a segurança global.

Diante das esmagadoras evidências de que o Irã não apenas financia, arma e coordena grupos terroristas, responsáveis por décadas de derramamento de sangue israelense — mas também avança a passos acelerados rumo à bomba atômica, ignorando inspeções internacionais, o direito de autodefesa preventiva de Israel não é apenas legítimo: é um imperativo moral e estratégico. Permitir que o regime de Teerã concretize suas ambições nucleares seria assinar a sentença de morte do Estado judeu, transformando uma máquina genocida em potência atômica. Assim, neutralizar as instalações nucleares iranianas e decapitar sua estrutura terrorista não é uma opção, mas uma necessidade de sobrevivência — um ato de coragem para proteger não apenas civis israelenses sob constante ameaça, mas a estabilidade global, interrompendo o epicentro do terror que alimenta o ódio e a destruição em todo o Oriente Médio. Israel, como nação que carrega o fardo de defender sua existência diante de inimigos que desejam aniquilar seu povo, tem o direito inalienável de agir antes que a calamidade se torne irreversível.

Estamos em guerra

Nesta terceira década do século 21 o mundo está imerso numa terceira grande guerra. E não é possível escapar dela.

A guerra mundial atual é uma guerra fria. Guerra fria é guerra. Estamos numa segunda guerra fria movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais – e não apenas uma guerra EUA x China, como se fosse um repeteco da primeira guerra fria EUA (e Ocidente) x URSS.

A guerra atual é uma netwar: não apenas uma ciberguerra, mas uma guerra social, que atravessa todas as fronteiras e divide as sociedades nacionais.

A netwar já é a terceira guerra mundial – que também não é um repeteco da primeira e da segunda guerras quentes mundiais.

Teremos ainda muitos episódios de guerras quentes regionais, mas o evento mais importante é a guerra global que já se instalou. É por isso, por exemplo, que a guerra de Gaza não é em Gaza, mas no mundo todo. Em Gaza, Israel vai vencendo. No mundo, o Hamas já venceu.

As guerras quentes regionais cumprem um papel alimentador e detonador da netwar global. Assim ocorre com a guerra do Irã (integrante do eixo autocrático) contra Israel (que era uma democracia liberal), seja via uma dúzia de grupos terroristas (Hamas, Jihad Islâmica, Hezbollah, Houthis etc.), seja, agora, diretamente. Em todas as sociedades ditaduras e democracias parasitadas por governos populistas se levantam contra Israel (e, mais do que isso, espalham o antissemitismo).

Assim ocorre com a guerra da Rússia (integrante do eixo autocrático e na vanguarda da netwar) contra a Ucrânia, na verdade, contra as democracias europeias, ameaçando imediatamente a Moldávia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Finlândia, a Geórgia e até a Suécia e a Polônia. Novamente, se colocam a favor da Rússia as ditaduras e setores das democracias parasitadas por governos populistas.

Assim também ocorrerá, em breve, na guerra da China (integrante do eixo autocrático) contra Taiwan (uma democracia liberal).

A polarização e a consequente divisão que a netwar instala nas sociedades de todos os países é parte da netwar global que, para todos os efeitos práticos, é uma campanha de exterminação das cerca de três dezenas de democracias liberais que ainda restam no mundo. Além disso, uma vez entrando em guerra quente regional, atacadas por algum integrante do eixo autocrático, as democracias liberais decaem. Segundo o V-Dem, depois do ataque terrorista e do início da guerra contra o Hamas, Israel deixou de ser uma democracia liberal e passou a ser uma democracia apenas eleitoral (um regime não-liberal). A Ucrânia deixou de ser uma democracia eleitoral e passou a ser uma autocracia eleitoral. O mesmo ocorrerá com Taiwan, quando a China começar a invadí-la.

Países com regimes democráticos não entram em guerra entre si. Mas uma vez atacados por países com regimes autocráticos, os países com regimes democráticos decaem: ou deixam de ser liberais ou, pior, passam a ser autocracias. Tudo isso acontece porque não é que países autocráticos façam guerra (entre si e contra países democráticos) e sim porque a guerra é a autocracia.

A guerra é o modo de ser da autocracia. Em outras palavras: o que chamamos de autocracia é um modo guerreiro de regulação de conflitos. Em geral há dificuldade de entender isso porque as pessoas acham que guerra é apenas guerra quente (com derramamento de sangue) e não veem que guerra fria também é guerra e que a política praticada como continuação da guerra por outros meios (na base do “nós contra eles”, como fazem todos os populismos, ditos de direita ou de esquerda) também é guerra. Não veem que guerra não é destruição violenta de inimigos e sim construção de inimigos, o que pode acontecer, inclusive, de forma não violenta.

As pessoas não veem que toda guerra é interna. Que o objetivo da guerra é instalar um estado de guerra que justifique a reorganização dos cosmos sociais para erigir padrões hierárquicos de organização regidos por modos autocráticos de regulação.

Como disse Larry Diamond (2020), ventos malignos (Ill Winds) estão soprando. E podem soprar ainda por muito tempo nesta terceira onda de autocratização que nos assola. Não há como se esconder deles.

Os brasileiros progressistas que defendem os aiatolás do Irã

Não existe justificativa possível para uma pessoa que se diz democrata apoiar o regime iraniano. Nenhuma. O que se vê por aí é uma mistura de ignorância e irresponsabilidade. No debate público, opiniões sobre conflitos armados, alianças geopolíticas e regimes autoritários estão sendo tratadas como se fossem brigas de torcida. E isso diz muito sobre o nível a que chegamos.

As pessoas que mais opinam são, em geral, as que menos entendem. Nunca viveram uma guerra, nunca estiveram em áreas de conflito, nunca estudaram geopolítica ou sequer buscaram entender as forças em jogo.

No Brasil, o horror à guerra é compreensível. Nossa experiência com ela é distante. Quando vemos uma imagem de bombardeio, de criança ferida, entramos automaticamente no modo emocional. Mas isso, por si só, não dá a ninguém autoridade para tomar partido sem compreender as implicações.

Quem se dispõe a discutir esse tipo de tema precisa, no mínimo, saber reconhecer seus próprios limites. O problema é que o senso de limite desapareceu. Tem gente desmentindo voluntário de ajuda humanitária no campo de Gaza, como se quem lê manchete soubesse mais do que quem está na linha de frente. É uma idiotização coletiva. E uma que silencia os que realmente sabem  porque os ignorantes são barulhentos.

A questão central é simples: o Irã é uma ditadura brutal. Apoiá-lo não é ter posição política. É renunciar à noção mais básica de direitos humanos. O regime iraniano persegue mulheres, homossexuais e opositores. Impõe um apartheid de gênero. Promove linchamentos morais e físicos em nome da religião. A população iraniana vive sob um terror cotidiano. São pessoas comuns, como nós, que até os anos 70 viviam em cidades abertas. Hoje, qualquer coisa considerada deslize de costumes pode ser punida com prisão ou morte.

É esse regime que parte da esquerda ocidental resolveu apoiar, por puro antiamericanismo. Como são contra os Estados Unidos, são contra Israel. E, como são contra Israel, são a favor de tudo que combate Israel,  mesmo que seja um governo teocrático que assassina mulheres por causa de um véu mal colocado. Isso não é política. Isso é moralmente indefensável.

O debate sobre guerra, armamentos e geopolítica é complexo. Mas há questões que não são. Apoiar um regime que mata mulheres por não se cobrirem o suficiente não exige complexidade para ser condenado. Exige apenas caráter. E o que falta, nesse caso, não é informação. É decência.

Brasil: a ordem dos privilégios e o império do crime

O debate sobre a democracia é permanente, estando particularmente aceso no momento, quando são detectadas graves crises em alguns países e apontada a baixa qualidade crônica das democracias de outros. No Brasil, a qualidade democrática está péssima.

A igualdade é um princípio democrático, mas, enquanto os melhores regimes democráticos estruturam modelos que possibilitam um crescimento contínuo da igualdade ao mesmo tempo em que preservam a liberdade, de modo contrário, os regimes totalitários, a pretexto de construírem a igualdade absoluta, destroem a liberdade absolutamente.

O avanço contra a liberdade de expressão, venha de onde vier, nada mais é que a pavimentação para a construção de um regime totalitário. 

Deixaremos, porém, o complexo debate sobre os ataques à liberdade de expressão no Brasil para outra oportunidade e nos ateremos, por ora, na descrição da estranha democracia que os autoritários disfarçados de democratas se arrogam defender. 

Podendo ainda apenas formalmente ser considerada uma democracia, o Brasil constitui, na prática, um modelo disfuncional, uma espécie de “ordem dos privilégios”.

Dentro desta “ordem dos privilégios”, os três poderes da República Federativa do Brasil estão exemplarmente equilibrados.

É fato notório que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário arengam-se mutuamente, estranham-se, chamam nomes feios uns com os outros; mas tudo isso por coisas de somenos, sempre superadas em nome da causa maior dos privilégios.

Privilégios do Executivo

Dos vastos e muito conhecidos privilégios do Executivo, avanço apenas dois exemplos periféricos: o cartão corporativo e os jetons pagos a ministros de governo para atuarem em Conselhos de empresas estatais.

Pelo menos quatro ministros recebem jetons do Sistema S (como Sesc, Senac). Em 2024, Alexandre Padilha (Relações Institucionais) somou R$ 257 mil em jetons por apenas duas reuniões e Camilo Santana (Educação) R$ 129 mil por sete encontros. Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência), por sua vez, somou jetons de R$ 129 mil por sete reuniões em 2024; já Luiz Marinho (Trabalho e Emprego), também conselheiro no Sesc, tem recebimento previsto, mas sem valores divulgados no Portal da Transparência.

Quanto ao cartão corporativo, sabe-se que, entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, só em gastos sigilosos, a Presidência da República gastou um pouco mais de R$ 38 milhões, informação amplamente divulgada pela imprensa. Porém, não se deve perder a paciência, pois daqui a 100 anos o sigilo desses gastos será quebrado.

É bem verdade que as referidas gastanças estão dentro da legalidade. Mas nem tudo que é legal é moral. Um governo que se diz tão preocupado com as desigualdades sociais, que se diz em favor dos pobres, deveria ser o primeiro a cortar na carne os privilégios.

Em vez disso, aos já aberrantes privilégios, acrescenta-se rotineiramente a ostentação, como no caso das viagens internacionais do Presidente Lula e da Primeira-Dama, Janja, já popularmente conhecida como “Esbanja”, devido às suas notórias extravagâncias em viagens internacionais.

Privilégios do Legislativo

Dos privilégios do Legislativo, basta citar as já sobejamente conhecidas emendas parlamentares que, secretas ou não, são bilionárias.

Em tese, tais emendas deveriam servir ao atendimento de populações que só os parlamentares conheceriam suficientemente bem para lhes saber as necessidades. Seria razoável se os números fossem razoáveis.

Porém, R$ 52 bilhões, que foi o orçamento de 2024 para as emendas parlamentares, não é razoável; é um sequestro de dinheiro público para fins eleitoreiros (em alguns casos já comprovados ou em investigação, descambando para a corrupção pura e simples).

Na melhor das hipóteses, trata-se de um privilégio que visa garantir ao privilegiado a perpetuação da sua condição de casta superior.

Privilégios do Judiciário

Na plêiade de privilégios do Judiciário resplandecem penduricalhos que se elevam em forma de super-salários estelares.

O teto constitucional de salários para 2025 –que serve de limite máximo para a remuneração de servidores públicos federais – foi fixado em R$ 46.366,19 mensais, mas muito se engana quem pensa que os juízes cumprirão esse teto. Deveriam ser os mais ciosos em cumpri-lo, mas o desprezam majestaticamente.

Em 2024, em média, cada juiz recebeu aproximadamente R$ 270 mil extras. Entre novembro de 2023 e outubro de 2024, 125 magistrados receberam rendimentos líquidos superiores a R$ 500 mil em um único mês. A maior parte desses pagamentos ocorreu no Tribunal de Justiça de Rondônia, onde 114 juízes receberam até R$ 1,2 milhão líquidos em fevereiro de 2024.

Será ocioso dizer que todas essas enormidades estão revestidas de engenhosas camadas de legalidade.

Os valores elevados são atribuídos ao pagamento retroativo do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), também conhecido como quinquênio, benefício extinto em 2006, mas restabelecido em 2022 para juízes federais.

Essa decisão gerou um efeito cascata, levando tribunais estaduais a reimplantá-lo, resultando no pagamento de valores retroativos desde 2006.

Não se vê, infelizmente, nenhuma efetiva organização da sociedade civil para se contrapor a esse estado de coisas. No Brasil, o potencial de uma valorosa reação política está adormecido.

A massa mobiliza-se muito mais para defender políticos do que para confrontar tais disfuncionalidades e prefere eleger demagogos em detrimento dos poucos que efetivamente se contrapõem a essa espúria ordem de privilégios.

O crime se organiza

Paralelamente a isso, assistimos ao crescimento assustador da violência. Vê-se e amplamente se comenta que, em algumas regiões do país, o chamado “crime organizado” atua já como governo paralelo, às vezes mais organizado que os próprios poderes legais.

No Brasil, o crime organizado está altamente estruturado e em expansão. Antes mais restrito a pequenos espaços densamente povoados nas favelas do Rio de Janeiro, agora avança por todo o país; e até pelo continente sul-americano.

Matérias jornalísticas dão conta de que o PCC já utiliza um “censo do crime” e coordena presença estadual e nacional de forma estratégica.

Com força até aqui incontrolável, o crime organizado já domina vastas áreas da Amazônia. Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 260 dos 772 municípios da Amazônia Legal tinham atuação de facções em 2024 — um aumento de 46% em relação a 2023.

As maiores organizações — PCC, Comando Vermelho (CV) e a Família do Norte (FDN) — disputam rotas de tráfico e controle territorial, muitas vezes em áreas estratégicas de mineração e fronteiras.

No Ceará, a facção Guardiões do Estado (GDE), responsável pelos grandes atentados de 2019, ampliou sua presença nos últimos anos.

Assim, enquanto os poderes legalmente constituídos ocupam-se de seus próprios interesses e de seus sempre crescentes privilégios, os poderes ilegais vão constituindo no Brasil o seu império do Crime.

Invasão Silenciosa

A recente descoberta, por técnicos do governo dos EUA, de que controladores fabricados por empresas chinesas e usados em painéis solares em território americano possuem canais secretos de comunicação, acende um alerta global sobre os riscos da dependência tecnológica estrangeira, especialmente de países com regimes autoritários e estratégias geopolíticas expansionistas, como a China. O fato de esses equipamentos conterem funções não documentadas, capazes de permitir acesso remoto fora dos sistemas de segurança, levanta sérias preocupações de cibersegurança e soberania nacional. Isso revela como a infraestrutura crítica de um país pode ser comprometida por vulnerabilidades inseridas deliberadamente por fornecedores estrangeiros.

Esse episódio norte-americano é apenas um exemplo de um problema muito mais amplo: o uso do investimento chinês como ferramenta de influência estratégica. A China, por meio de seu ambicioso projeto de expansão econômica global — incluindo a Nova Rota da Seda — tem investido maciçamente em setores essenciais de diversos países, como energia, mineração, telecomunicações e transporte. Em muitos casos, esses investimentos vêm acompanhados de cláusulas contratuais e exigências que comprometem a autonomia regulatória dos países receptores. A dependência excessiva de capital chinês pode tornar essas nações vulneráveis a pressões políticas e econômicas incompatíveis com seus interesses soberanos.

O Brasil, embora em um cenário distinto dos EUA, não está imune a esses riscos. Empresas chinesas já têm participação relevante em áreas estratégicas como energia elétrica (caso da State Grid), telecomunicações (Huawei) e mineração (MMG, CMOC). A ausência de mecanismos de triagem e análise de segurança nacional em investimentos estrangeiros diretos expõe o país a riscos latentes. A longo prazo, a concentração de ativos críticos nas mãos de atores estrangeiros pode limitar a capacidade de reação do Estado brasileiro frente a eventuais conflitos de interesse ou crises geopolíticas.

Nesse contexto, ganha relevância o Projeto de Lei nº 1051 de 2025, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly, que propõe a criação do Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos (CTIE). Inspirado em modelos já implementados em países como Estados Unidos (CFIUS), Alemanha e Austrália, o comitê teria a responsabilidade de avaliar, condicionar ou até vetar investimentos que possam afetar a segurança nacional, a ordem pública ou setores estratégicos da economia. Adotar esse tipo de mecanismo não significa fechar as portas ao capital estrangeiro, mas garantir que investimentos recebidos estejam alinhados aos interesses de longo prazo do Brasil.

A institucionalização de um sistema de triagem de investimentos estrangeiros é uma medida preventiva necessária diante do cenário internacional. É uma forma de proteger a soberania nacional, garantir a resiliência das cadeias produtivas estratégicas e manter a capacidade de autodeterminação do país em temas sensíveis. O caso americano com os painéis solares evidencia que vulnerabilidades ocultas podem se transformar em poderosos instrumentos de coerção. A aprovação do PL 1051/2025 colocaria o Brasil em sintonia com as melhores práticas internacionais, inclusive recomendadas pela OCDE, e fortaleceria nossa segurança nacional em tempos de crescente competição geopolítica.

Trump2 quer uma ‘Guerra nas Estrelas’ para chamar de sua

Em 1983, nos estertores da Guerra Fria, quando o presidente Ronald Reagan lançou a Iniciativa de Defesa Estratégica (logo popularizada pela imprensa como “Guerra nas Estrelas”), o estágio de desenvolvimento da tecnologia armamentista da época  ainda estava aquém da aspiração do estadista que passou para a História como o “Grande Comunicador”. Além disso, os custos estimados ultrapassavam as disponibilidades orçamentárias. Hoje, porém, no contexto do recrudescimento da rivalidade entre as grandes potências, Donald Trump retoma essa proposta e promete instalar até o fim do seu mandato uma rede de interceptação de ataques nucleares inimigos, com satélites baseados no espaço e estações terrestres, capaz de proteger o território dos Estados Unidos de mísseis chineses, russos e norte-coreanos.

A tecnologia balística hipersônica que os adversários da América estão desenvolvendo torna as atuais defesas, baseadas no Alasca e na Califórnia e que visam prevenir ataques oriundos da Coreia do Norte, claramente insuficientes. Os Estados Unidos tampouco dispõem de defesa suficientemente eficaz contra drones e mísseis de cruzeiro, que voam a baixas altitudes fora do alcance dos radares.

Para superar essas limitações, Trump assinou, logo no início desse seu segundo mandato, em 27 de janeiro último, uma ordem executiva orientando o establishment de defesa para, entre outras providências, a construção de um ‘escudo’, que, numa referência ao  sistema israelense do “Domo de Ferro”, já é conhecido como “Domo de Ouro” (ou “Domo Dourado”). Custo anunciado: 175 bilhões de dólares.

Recentemente, Ucrânia e Israel provaram, na prática, sua capacidade de neutralizar ofensivas balísticas da Rússia e do Irã, respectivamente.

Breve retrospectiva — Na segunda metade do século passado, os sistemas de defesa antimísseis davam seus primeiros passos, mas já atemorizavam os líderes das duas superpotências de então, Estados Unidos e União Soviética, com a perspectiva de uma descontrolada corrida armamentista em busca de mísseis mais modernos e potentes a fim de neutralizar aqueles sistemas. No início da década de 1970, essa preocupação recíproca possibilitou a assinatura dos acordos Start (Strategic Arms Limitation Talks) e ABM (Anti-Ballistic Missiles). Em 1991, esse compromisso foi renovado pelos presidentes Mikhail Gorbachev e George H. W. Bush, com a assinatura do Start (Strategic Arms Reduction Treaty). Este tem prazo de validade até o próximo ano.

De lá para cá, a República Popular da China aumentou seu arsenal nuclear em ritmo acelerado. Segundo estimativas do Pentágono, até 2035, Pequim disporá de 1.500 ogivas nucleares, em comparação com apenas 200 há cinco anos. A Rússia, que tinha 30 mil ogivas nucleares durante a Guerra Fria, deve hoje possuir cerca de 6 mil.

O anúncio do Domo Dourado provocou duras respostas dos adversários da América: russos, chineses e norte-coreanos temem a desestabilização do atual paradigma estratégico, baseado na deterrência (dissuasão) e consagrado na sigla MAD-Destruição Mútua Assegurada, o equilíbrio do terror.

Armas hipersônicas — Chineses e russos estão na dianteira do desenvolvimento de vetores balísticos, capazes de voar a uma velocidade bem superior a cinco vezes a velocidade do som e que podem desviar-se de obstáculos até atingirem seus alvos. Em 2021, a China testou um desses novos mísseis, o qual voou a mais de 15 mil milhas por hora e orbitou em volta do planeta antes de explodir seu alvo em território chinês. Em 2018, o presidente Vladimir Putin já havia revelado ao mundo o programa russo de armas hipersônicas, proclamando orgulhoso que os Estados Unidos não teriam possibilidade de proteger sua costa Oeste desse tipo de ataque. Os hipersônicos da Rússia viam a uma velocidade relativamente mais baixa quando são lançados, e isso facilita a sua interceptação. Já no caso dos ICBMs (mísseis balísticos intercontinentais), a dificuldade para interceptá-los é maior porque seus propulsores o elevam rapidamente à estratosfera. Isso significa que, para detê-los, os Estados Unidos teriam que colocar em órbita satélites cobrindo cada um dos 11 fusos horários porque se estende o vasto território russo.

Quanto à Coreia do Norte, a inteligência militar norte-americana já descobriu que o regime de Pyongyang já possui mísseis de alcance suficiente para atingir o território dos Estados Unidos. O ditador da hora, Kim Jong Un, quer construir vetores que voem cada vez mais longe, carreguem ogivas cada vez maiores e possam ser lançados cada vez mais rapidamente. Em fase ainda experimental estão os drones submarinos portadores de cargas nucleares.

Os Estados Unidos, além das já mencionadas estações no Alasca e na Califórnia, operacionais desde o início deste século, já realizaram testes de interceptação através do sistema Aegis (escudo, em grego) contra mísseis intercontinentais. O sistema também foi usado pelos destroieres da Marinha norte-americana contra mísseis do Irã lançados sobre o território de Israel no ano passado. Versões terrestres do Aegis estão instaladas nos territórios de dois membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan): Romênia e Polônia. De alcance mais curto, mísseis da classe “Patriot” e o sistema Thaad-“Territorial High Altitude Area Defense se acham instalados na Coreia do Sul e em Guam.

Custos — Parcialmente graças às inovações introduzidas pela firma SpaceX, de Elon Musk, os custos de lançamento dos satélites interceptadores caíram hoje dramaticamente (de 30% a 40% em comparação com estimativas de 2004 e 2012, para o desenvolvimento de uma constelação de armas espaciais em condições de derrubar um ou dois ICBMs). De acordo com a American Physical Society, a derrubada de 10 ICBMs necessitaria de 36 mil unidades de interceptação, número que deveria ser multiplicado de várias vezes no cenário de um ataque maciço chinês ou russo. A modernização integral das forças nucleares ofensivas norte-americanas, até 2035, não ficará por menos de 946 bilhões de dólares.

Essa é mais uma razão pela qual, a par das complicações tecnológicas, os experts não acreditam que o “Domo Dourado” possa estar pronto para ser instalado em menos de três anos, como promete Donald Trump. Um os observadores mais pessimistas é Pavel Podvig, pesquisador-sênior do Instituto das Nações Unidas para Pesquisas sobre Desarmamento. Ouvido pelo Wall Street Journal, ele considera que qualquer sistema de defesa antimísseis ofereceria proteção contra, no máximo, 85% dos foguetes lançados pelos inimigos da América, o que, na sua opinião, fomentaria um falso (e perigoso) sentimento de segurança.

Lula vai quebrar o Brasil por uma estratégia de campanha para 2026?

Esses dias li no X que o governo Lula 3 criou o novo tripé macroeconômico: imposto, censura e endividamento. O tripé macroeconômico clássico consiste  em metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Agora temos, na economia uma foi engenharia de desequilíbrio: mais carga tributária, menos controle da informação e mais crédito para quem menos tem como pagar, com juros de constranger agiota.

O exemplo mais recente é a fala de Lula sobre conceder linha de crédito para motoristas de aplicativo. A maioria está endividada, sem emprego fixo, sem poupança. Em vez de pensar em soluções estruturais, o governo prefere distribuir crédito como se não houvesse amanhã. O objetivo? Garantir votos, criar vínculos de dependência, montar o palanque de 2026. Isso não é política social. É estratégia eleitoral.

A oferta desenfreada de bolsas e auxílios pode parecer uma resposta emergencial. Mas a quantidade, o ritmo e a falta de planejamento mostram que o foco não é resolver problemas reais, e sim fabricar fidelidade. O gasto com essas políticas subiu mais de 10 vezes com relação aos primeiros governos de Lula.

O PT sempre teve uma ideia muito particular de democracia: gosta de eleições, desde que ganhe todas. Quando perde, grita golpe. Quando ganha, demoniza a oposição. Alternância de poder? Só se for dos outros.

O voto raramente vem pelo que o candidato promete. Vem pelo medo de perder o que já tem. O medo de perder a bolsa, o direito, a escola, o benefício. É com isso que o PT trabalha. O partido sabe que voto é emocional e o medo é um motor potente. Por isso, o discurso é sempre o mesmo: se o outro ganhar, você perde tudo. E, por enquanto, vai concedendo tudo o que puder.

O que está em jogo é maior. A estrutura que o governo está montando não se sustenta. O nível de gasto atual é muito superior até mesmo aos picos dos governos anteriores do próprio PT. Não há como manter isso nem no médio prazo. E quando a conta chegar, o mesmo governo que disse estar colocando o pobre no orçamento vai tirá-lo de lá à força.

A pergunta que fica é: a oposição vai enfrentar esse modelo ou vai continuar no debate raso, ideológico, periférico? A campanha de 2026 já começou. Ao que tudo indica, vai ser bem mais cara que as outras. Seria Lula capaz de quebrar o Brasil para se manter no poder?

Deslocamento de Poder

A última década testemunhou uma significativa transferência de poder no Brasil, especialmente no controle do orçamento federal, do Palácio do Planalto para o Congresso Nacional. Este processo, iniciado durante o governo Dilma, consolidou-se nos anos seguintes, gerando uma presidência com poderes drasticamente reduzidos. Isto explica as razões de Lula conduzir um governo de poderes altamente esvaziados. Em outras palavras, o Brasil já vive em um sistema semipresidencialista de fato.

O governo Dilma foi certamente o marco zero deste processo. Enfrentando uma grave crise política e econômica, com base parlamentar frágil e buscando evitar o impeachment, Dilma viu-se seduzida a ceder espaço sem precedentes ao Legislativo na definição de emendas e alocação de recursos orçamentários com o objetivo de salvar seu mandato. A barganha por sobrevivência política minou a capacidade do Executivo de planejar e executar o orçamento conforme suas prioridades, enfraquecendo sua autoridade presidencial. O resultado foi o inverso do esperado. Ao empoderar-se, o parlamento se livrou de sua presença na presidência da República.

Este processo acelerou-se e cristalizou-se após o impeachment. Temer, um político forjado nos bastidores do parlamento, aprofundou a prática, entregando efetivamente parte significativa do orçamento aos congressistas. Paralelamente, a Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95/2016) restringiu severamente a capacidade do Executivo de criar despesas, aumentando o valor político do espaço fiscal controlado pelo Congresso. Bolsonaro levou essa lógica ao ápice com a expansão exponencial do chamado “orçamento secreto” – emendas de relator com execução obrigatória e sigilo inicial. O Congresso tornou-se o gestor de fato das verbas mais relevantes, reduzindo o Executivo à condição de refém para aprovar sua agenda básica.

O terceiro governo Lula herdou essa nova realidade institucional. Apesar da vitória eleitoral, ele encontrou uma Presidência com sua capacidade orçamentária e de implementação de políticas severamente limitada. Porém, custou a entender que o Brasil que governava em 2023 era muito diferente daquele de 2003. Agora, o controle efetivo sobre os recursos e a agenda governamental cotidiana residia majoritariamente no Congresso, uma realidade muito distinta dos seus dois primeiros mandatos. A dificuldade do Presidente se adequar aos novos tempos, entretanto, tem cobrado um preço muito alto do país.

A percebida fraqueza do terceiro governo Lula está ligada ao cansaço de um Presidente já em idade avançada, aliada a um desinteresse em governar diante da perda estrutural e irreversível de poder orçamentário. Sem o controle efetivo da principal ferramenta de política e com a dependência de negociações exaustivas com uma base fragmentada, a Presidência vê-se reduzida a administrar concessões. Assim, Lula vestiu o traje de Chefe de Estado, abstendo-se de conduzir efetivamente o governo, que hoje surge sem comando, rumo ou liderança.

O deslocamento de poder tornou-se fato concreto. O Brasil precisa de um Presidente com habilidade para lidar com esta nova dinâmica, sob pena de tornar-se apenas um “pato manco” na condução do governo, como ocorre com Lula. O semipresidencialismo já é uma realidade em Brasília.

Suicídio assistido: progresso ou regressão civilizatória?

A Assembleia Nacional Francesa aprovou, em 27 de maio de 2025, com 305 votos a favor e 199 contra, um projeto de lei sobre o direito à morte assistida.

Após a aprovação pela Assembleia Nacional, o projeto de lei seguirá para exame no Senado no final de setembro. A Ministra da Saúde, Catherine Vautrin, planeja a adoção final dos textos antes de 2027.

O referido projeto de lei estabelece como critérios de elegibilidade para a morte assistida ser maior de idade, cidadão francês, sofrer de doença grave e incurável em estágio avançado ou terminal, experimentar sofrimento físico ou psicológico constante e ser capaz de expressar sua vontade livremente.

A verificação da elegibilidade para o suicídio assistido passará por um procedimento burocrático que envolve um colegiado com, pelo menos, um especialista na patologia do paciente que decidiu se matar, um cuidador envolvido no tratamento e o próprio médico a quem foi solicitada a “ajuda”.

Via de regra, a administração da substância letal prescrita será feita pelo próprio doente, podendo, entretanto, ser feita por médico ou enfermeiro caso o doente não esteja em condições de fazê-lo.

Até aqui, a descrição objetiva de um projeto que avança na França, como já avançou e se tornou lei em outros países. A partir de agora, algumas reflexões que visam explicitar o absurdo que se disfarça de sensatez e o descaso que se fantasia de compaixão.

O esquecimento de Hipócrates e a perversão da medicina

O Juramento de Hipócrates, uma das tradições mais antigas da medicina, estabelece os fundamentos éticos que orientam a conduta dos médicos desde a Antiguidade. 

Embora reescrito em novas versões – que desvirtuam mais ou menos a força do texto original para fazê-lo palatável à lassidão moral pós-moderna – a essência permanece: o compromisso inabalável com a preservação da vida humana.

Em sua forma clássica, o juramento afirma: “A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte”.

A legalização da eutanásia, assim como a legalização do aborto, conduz, pois, à perversão da medicina, induzindo o médico a macular sua vida e sua arte.

O médico existe para cuidar da vida, aliviando o sofrimento sem jamais antecipar a morte como solução. Prescrever substância letal é inverter o princípio fundamental da medicina, transformando aquele que cura em agente de morte, o que contradiz diretamente o espírito do juramento que ele fez ao iniciar sua jornada.

Embora o projeto de lei que acaba de ser aprovado na Assembleia Francesa permita ao médico ou enfermeiro invocar uma “cláusula de consciência”, toda a comunidade médica se encontrará sob pressão, uma vez que o médico que se recusar à assistência terá por obrigação fornecer à pessoa que decidiu se matar os nomes dos profissionais dispostos a ajudá-la no infeliz intento.

Além disso, o texto do projeto prevê o crime de obstrução do acesso à morte assistida, punível com dois anos de prisão e uma multa de € 30.000, semelhante ao previsto para a obstrução à interrupção voluntária da gravidez (eufemismo usado pelos franceses para se referir ao aborto).

Lembremos de dois casos notórios no Reino Unido em que mulheres foram presas por rezar em silêncio em frente a clínicas de aborto:

Em 6 de dezembro de 2022, Isabel Vaughan-Spruce, diretora do grupo pró-vida March for Life UK, foi presa por rezar silenciosamente fora da clínica BPAS Robert, em Kings Norton, Birmingham. Em fevereiro de 2025, Rose Docherty, de 74 anos, foi presa por segurar um cartaz oferecendo conversa a mulheres em frente ao Queen Elizabeth University Hospital, em Glasgow.

Diante de tal contexto, não é inverossímil imaginar pessoas sendo presas por tentarem convencer doentes terminais a não se matarem.

Recusa coletiva em cuidar dos mais vulneráveis”

Em artigo publicado no jornal francês Le Figaro, o presidente da Ordem de Malta na França, Cédric Chalret du Rieu, argumenta que a aprovação da lei de ajuda para morrer é sintoma “não de progresso ético, mas de abandono, particularmente das pessoas mais isoladas e vulneráveis”.

O artigo denuncia que, em grande parte da França, os cuidados paliativos permanecem inacessíveis: “vinte departamentos carecem de unidades especializadas. O número de profissionais de saúde treinados para apoiar os cuidados paliativos é amplamente insuficiente. Muitos pacientes — e ainda mais aqueles que vivem na pobreza — morrem em condições indignas, sozinhos, com dor, sem apoio ou assistência”.

Diante desse quadro desolador ele coloca a questão: “como uma sociedade pode vir a considerar a morte um ato de compaixão quando não utilizou todos os meios possíveis para aliviar, apoiar e acompanhar”?

Sua crítica ao projeto de lei em vias de ser implementado na França sustenta-se também na constatação de que, em países como Canadá, Bélgica ou um estado como o Oregon, nos Estados Unidos, onde tais medidas já existem, “são os mais frágeis moral e materialmente que estão se autoexcluindo dessa forma radical e definitiva.”

Em um país em que o sistema de saúde não oferece adequado suporte para aqueles que carecem de cuidados paliativos, a possibilidade de morte assistida é muito mais uma política de Estado eugenista do que a opção consciente de um cidadão.

Segundo du Rieu, por mais que se negue, o argumento econômico está subjacente e “abrir um caminho legal para a morte em tal contexto é oferecer uma fuga sem saída para aqueles a quem alegamos não ter mais nada a oferecer. É substituir o dever de sustentar pela facilidade de derrubar”.

Sobre a questão econômica, cito um inquietante parágrafo do artigo “A forma europeia de morrer: sobre eutanásia e suicídio assistido”, de Michel Houellebecq:

“A ficção científica americana escrita durante os anos 1950 e 1960 explorou com um poder impressionante e visionário uma série de questões que agora fazem parte, ou começaram a fazer parte, do nosso cotidiano: a internet, o transumanismo, a busca pela imortalidade e a criação de robôs inteligentes. Para esses escritores, a ideia da eutanásia, concebida como uma solução para os problemas econômicos impostos pelo envelhecimento da população, era um assunto óbvio — quase óbvio demais…”

“Ladeira infinitamente perigosa”

Bispos da Ilha de França, em carta aos parlamentares da sua região, denunciaram a “ladeira infinitamente perigosa” que era a aprovação do projeto de lei sobre a morte assistida.

Segundo eles, os mais vulneráveis ou os mais pobres provavelmente serão “os primeiros a serem persuadidos de que são desnecessários assim que envelhecerem ou adoecerem.”

Com razoabilidade e clareza moral os bispos questionam: “Se o objetivo é proteger os mais fracos entre nós de um sofrimento terrível, por que não recorrer resolutamente, primeiro, aos cuidados paliativos?”

Os referidos religiosos denunciaram também a dificuldade de frear uma estratégia que tenderia, a cada ano, a ampliar gradualmente o escopo da lei e a abrangência da permissão para a eutanásia ou o suicídio assistido.

Várias outras instituições, ONGS e associações profissionais também criticaram o projeto de lei de “ajuda a morrer”. 

O Conselho Nacional Profissional de Psiquiatria da França, por exemplo, alertou que isso causaria um curto-circuito nos sistemas de atendimento a pessoas com transtornos mentais.

O paradoxo é evidente: muitos desses profissionais estão envolvidos há décadas em projetos de prevenção ao suicídio. Com a nova lei, pacientes que sofrem de doenças psiquiátricas graves e persistentes (depressão grave, esquizofrenia, transtornos de personalidade, etc.) poderiam alegar atender aos critérios estabelecidos no texto da lei.

Em carta aberta, os profissionais de psiquiatria argumentaram que um pedido de assistência para morrer, mesmo racionalizado, pode ser uma forma de expressar uma intenção suicida, tornando a morte assistida uma resposta prematura e irreversível a sofrimento que poderia ser tratado. Isso poderia confundir profissionais e entes queridos e dificultar a prevenção do suicídio

Progresso ou regressão?

Para os herdeiros mais radicais do iluminismo francês mais radical, a legalização da morte assistida é o ápice da República, uma liberdade concedida aos cidadãos libertos da religião.

Trata-se, claro, de uma grande falácia. O homem sempre foi capaz de pôr fim à sua vida pelo suicídio, o que demonstra que sempre foi livre para fazer suas próprias escolhas. 

Como escreve Houllebecque, “um suicídio assistido — no qual um médico prescreve um coquetel letal que o paciente autoadministra em circunstâncias de sua própria escolha — ainda é um suicídio”.

A suposta nova liberdade ou novo direito pelo qual os defensores da referida lei militam é apenas a transferência para o Estado do poder sobre o momento derradeiro da vida, momento esse de suma importância que passará a ser planejado e burocratizado pela entidade que, no coração dos ideólogos, ocupou o lugar de Deus.

O que a lei de ajuda a morrer ou qualquer outra lei que normalize a eutanásia ou o suicídio assistido faz é tentar transferir o controle do momento da agonia. Escreve Houellebecq no artigo já citado:

“Em quase todos os países, eras históricas, religiões, civilizações e culturas, a agonia tem sido considerada um aspecto crucial da nossa existência. Quer você acredite ou não na existência de um criador que o chamará à responsabilidade, este é o momento da despedida — uma última chance de rever certas pessoas, de lhes dizer o que talvez nunca tenha dito antes e de ouvir o que elas possam ter a lhe dizer. Interromper esses estertores da morte é ímpio (para aqueles que creem) e imoral (para qualquer pessoa). Este é o consenso das civilizações, religiões e culturas que nos precederam, e é isso que o chamado progressismo está se preparando para destruir”.

O “progresso” buscado por certos progressistas parece não ser outra coisa mais que distanciar a lei civil da lei moral, afastar-se do natural e negar qualquer coisa que aponte para a transcendência de sentido e para o divino.

Sem modelo ideal, sem valor absoluto para o qual tenda ou no qual encontre o seu limite, as leis humanas vão se tornando o laboratório ideal das ideias extravagantes que surgem nas mentes cheias de convicção dos fanáticos das religiões políticas, que encontram no Estado a força necessária para implementá-las.

O Estado que, assim como o médico, deveria ter por função precípua a proteção e a preservação da vida, atribui a si a função de matar, seja um feto indefeso, seja um idoso com um câncer terminal.

Fala-se em liberdade individual ao mesmo tempo em que se pede ao Estado licença para morrer, dando a esse novo Deus mais e mais poder sobre a vida e a morte, desde a fase fetal até o último suspiro.

No entanto, já profetizou Dostoiévski: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. 

Se não há na vida humana nenhum sentido que a transcenda, nenhum valor absoluto que impeça a sua aniquilação deliberada por meio da legalização do aborto ou da legalização da eutanásia, não há nada que impeça o Estado de se tornar uma eficiente máquina de matar, levando adiante, sob diferentes pretextos, um projeto eugenista na forma de eutanásia generalizada e suicídio assistido em massa.