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Assassinato de Charlie Kirk: o poder da bala contra o poder do logos

O jovem ativista conservador Charlie Kirk foi covardemente assassinado com um tiro no pescoço enquanto palestrava calmamente, sentado em uma tenda armada na Universidade de Utah, Estados Unidos.

Assisti ao vídeo por um ângulo tal que me causou forte impressão. O rapaz conclui sua fala, leva o microfone um pouco abaixo da boca para uma pequena pausa, ao mesmo tempo em que respira levemente, retomando fôlego para usar a “arma” que Deus lhe deu e que o seu esforço desenvolveu: o talento retórico, a eloquência, a rapidez de raciocínio necessária para uma argumentação eficaz.

Subitamente, ouve-se um disparo, seu corpo oscila, o sangue esguicha do seu pescoço, ele faz um gesto quase imperceptível de tentar levar a mão ao local atingido. Não consegue. Seu corpo tomba. Uma bala silenciou sua voz. O poder do projétil contra o poder do logos.

Eu não o acompanhava nas redes. Para ser sincera, sequer o conhecia. E, se me restringisse a apenas alguns veículos de imprensa, seria apresentada não a um ser humano concreto, pai de uma menininha de 3 anos e um bebezinho de 1 ano e quatro meses; não a um esposo amoroso e um jovem talentoso de 31 anos, tão aberto ao diálogo que costumava sentar com um microfone à mão e outro à sua frente para quem quisesse debater até provar que ele estava errado; não o saberia um homem de fé que escreveu em suas redes sociais, poucos dias antes de morrer, que “Jesus derrotou a morte para que você possa viver”.

Se eu me informasse apenas por meia dúzia de jornais e portais progressistas não saberia nada disso. Saberia apenas que morreu um “influenciador de extrema de direita”, apoiador de Trump, que defendia tais e tais posições supostamente homofóbicas, islamofóbicas ou racistas e que defendia o porte de armas.

A ênfase dada às posições políticas de Kirk julgadas mais controversas, muitas vezes distorcendo-as ou descrevendo-as com uma maledicência indisfarçável, justamente ao noticiar o seu assassinato ou ao apresentá-lo após o trágico atentado, soa quase como uma justificativa. É uma atitude vil e imoral essa da imprensa, que precisaria urgentemente rever seus preconceitos, seu jornalismo parcial, ideologicamente enviesado.

Embora a Folha de S.Paulo tenha reproduzido um editorial do New York Times que afirma ser o assassinato de Charlie Kirk uma tragédia, o título do editorial veio imediatamente acompanhado, na home do portal, por links que levam a artigos deploráveis cujos títulos são: “Aliado de Trump, Charlie Kirk construiu carreira com ataques a LGBTs e negros” e “Charlie Kirk, influenciador morto nos EUA, já defendeu ‘custo de algumas mortes’ pelo direito de ter armas”.

O artigo, assinado por um tal de Gabriel Barnabé, é não apenas tosco, mas moralmente reprovável porque discorre em tom crítico e maledicente sobre uma série de posicionamentos políticos de Charlie Kirk, pintando-o como um extremista, no dia seguinte ao seu assassinato sem fazer uma única crítica ao ato monstruoso que lhe tirou a vida. 

Pelo contexto e pelo conteúdo, o artigo pode ser interpretado como uma justificativa do assassinato, que o jornalista provavelmente considera um um ato heroico de resistência.

O desconhecido jornalista, formado pela Faap, a quem a Folha achou por bem deixar a incumbência de apresentar o perfil de Chalie Kirk enquanto seu corpo ainda está sendo velado, descreveu-o como “influenciador de extrema direita” que propagava “discursos extremistas contra o que afirmava ser marxismo e ideologia de gênero”.

Segundo ele “críticos de Kirk apontaram repetidamente um caráter homofóbico e racista em suas falas públicas”, mas o repórter sequer se deu ao trabalho de apontar quais seriam essas falas, contentando-se com a acusação vaga, acrescentando ainda que “Kirk atacou abertamente o que afirmava ser uma agenda LGBTQ” e destacando que, nos últimos anos ele adotou uma “visão cristã ultraconservadora.

Se cito o jovem desconhecido jornalista da Folha e seu artigo, não é por questão pessoal, pois sequer o conheço. É porque o seu perfil de jornalista ativista é uma espécie de “tipo”, de “arquétipo” que ilustra muito bem o problema geral do jornalismo transformado em militância. 

É preciso denunciar a falácia que é chamar de “extremista de direita” todo indivíduo cujas posições políticas são marcadamente conservadoras.

Em seu pronunciamento sobre o caso, Donald Trump criticou a “demonização da dissidência”. Ele tem razão em criticar, mas não tem moral para fazê-lo, porque também costuma fazer o mesmo quando se refere ao campo político adversário.

De todo modo, é importante notar que se, por um lado, há na direita populista uma retórica violenta, na esquerda mais radical a violência é filosoficamente justificada, ela é aceita como método político e se torna praxis.

Pudemos ver até onde vai a delinquência dessa visão de mundo quando vimos pessoas comemorem o massacre perpetrado pelos terroristas do Hamas contra mulheres, idosos, jovens e bebês israelenses como um ato de resistência pela causa palestina. E também agora, quando o brutal assassinato de Charlie Kirk foi comemorado porque, afinal, ele era um “extremista de direita.”

De um lado e do outro do espectro político os ânimos se exaltam, as posições recrudescem, as pessoas se fanatizam, e, em vez de troca de ideias, vemos troca de ameaças. 

Isso deve acabar. A razão humana precisa honrar a si mesma e voltar a reconhecer sua dignidade, sua capacidade de resolver divergências por meio do diálogo, da ponderação, do debate respeitoso, da tolerância e do bom senso.

O ser humano já caminhou muito além da barbárie, mas parece querer voltar pra ela, esquecendo da necessidade inadiável de nos reconciliarmos conosco mesmo e com a criação, reconhecendo o outro como nosso próximo, como nosso irmão.

Um irmão dotado do direito sagrado e inalienável de viver e de expressar seu modo particular de ver as coisas e de compreender o mundo, mesmo que suas ideias não nos pareçam as melhores.

A política deveria ser justamente o uso da razão para resolução dos conflitos sem o uso da força. Todas as ideias devem poder ser proferidas. Sem liberdade de expressão, não há luz para o entendimento, só as trevas do fanatismo e da ignorância.

Como disse Charlie Kirk, o jovem conservador americano brutalmente silenciado enquanto fazia o uso público da razão – e a quem honro com esse artigo não necessariamente pelas suas ideias, mas pela coragem em proclamá-las – “Quando as pessoas param de falar é que a violência acontece”.

Taiwan na ONU

Criada em 1945, a Assembleia Geral é o principal órgão deliberativo da ONU, reunindo todos os Estados-membros sem distinção. Ao longo de oito décadas, tem sido fórum essencial para discutir temas relevantes para o equilíbrio internacional. Sua legitimidade deriva justamente do caráter universal, princípio que não pode ser comprometido por exclusões políticas arbitrárias.

A 80ª sessão abrirá formalmente em 9 de setembro de 2025, em Nova York. Entretanto, o tema da Assembleia Geral deste ano, “Juntos somos melhores: Oito décadas de compromisso com a paz, o desenvolvimento e os direitos humanos”, ecoa uma contradição gritante: enquanto defende universalidade, continua a falhar no sentido de fornecer vez e voz para nações que têm o direito de serem ouvidas, como é o caso da mais vibrante e aberta democracia da Ásia, Taiwan. 

Esta incômoda situação se baseia na Resolução 2758, aprovada em 1971, que se tornou objeto de distorções que comprometem a credibilidade do sistema multilateral. Embora trate exclusivamente da representação da China na ONU, a resolução tem sido utilizada por Pequim como argumento para excluir Taiwan da participação na organização e em suas agências. Uma interpretação que carece de fundamento político ou jurídico, uma vez que o diploma legal não reconhece Taiwan como parte da China e tampouco que o governo de Pequim deve representar o povo taiwanês no sistema das Nações Unidas.

A exclusão de Taiwan tem consequências práticas graves, uma vez que é capaz de fomentar tensões militares que colocam em risco a segurança de toda a Ásia-Pacífico e a estabilidade global. A ilha desempenha papel central na economia mundial — produzindo mais de 90% dos semicondutores avançados — e está localizada em uma rota marítima vital para o comércio internacional, onde transita cerca de metade da frota mundial de navios de carga. Sua exclusão não só debilita o multilateralismo, como expõe o sistema internacional a riscos desnecessários em um contexto de crescente rivalidade geopolítica.

Para além disso, em 2025, com apenas cinco anos para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, a ausência de Taiwan nos debates das Nações Unidas mina a capacidade coletiva global de alcançar resultados. Taiwan tem um histórico robusto em áreas como saúde pública, igualdade de gênero, inovação tecnológica e combate às mudanças climáticas. Seu know-how e sua participação ativa poderiam acelerar avanços essenciais para o desenvolvimento global inclusivo e sustentável. Negar esse espaço é contrariar o próprio espírito da agenda multilateral.

A Assembleia Geral de 2025 oferece uma oportunidade histórica para corrigir esse descompasso. Garantir a participação de Taiwan e seus cidadãos, inclusive jornalistas, é fortalecer a democracia, proteger o direito internacional e assegurar que o sistema das Nações Unidas se mantenha fiel à sua missão de universalidade. O passaporte taiwanês é amplamente aceito no mundo, e sua rejeição em Nova York ou Genebra carece de fundamento jurídico, refletindo unicamente uma leitura política restritiva. Não se trata apenas de reconhecer Taiwan, mas de reconhecer que os princípios norteadores das Nações Unidas seguem como pilares essenciais da ordem internacional. A inclusão de Taiwan não é um favor, mas um imperativo moral e estratégico da estabilidade global.

O tribunal que descondenou Lula tem moral para condenar Bolsonaro?

A Justiça, enquanto valor, não se confunde com a legalidade. O cumprimento das normas jurídicas é apenas um dos aspectos da experiência do justo, mas não esgota sua essência, podendo mesmo contrariá-la. Embora idealmente o objetivo da lei seja a concretização da justiça, sabe-se que, no mundo real, leis podem ser mal formuladas ou servir a fins injustos.

É nesse sentido que a crise política brasileira atual se mostra especialmente complexa. O Supremo Tribunal Federal, instância máxima do Judiciário, é chamado a julgar o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, ao mesmo tempo em que carrega sobre si o peso de decisões que fragilizaram sua autoridade moral perante parte expressiva da população.

Não há dúvida de que houve, no fim do mandato de Bolsonaro, uma tentativa de golpe de Estado a fim de mantê-lo no poder. Sendo ele uma das principais partes envolvidas em todo o processo, assim como o principal beneficiado caso a tentativa lograsse êxito, é justo que vá a julgamento. Isso é diferente de afirmar que todo o processo foi conduzido de modo justo.

Já escrevi, mais de uma vez, que considero escandalosamente desproporcionais, logo injustas, as penas aplicadas às pessoas que foram instrumentalizadas para a invasão e depredação dos Três Poderes, no 8 de janeiro de 2023. Tais penas foram aplicadas, para além da exigência técnico-jurídica, com ânimo político e viés de vingança.

Não é de hoje, porém, que decisões do STF se dão sob pressão de interesses políticos e de outros interesses ainda mais escusos.

Em 2018, o atual presidente Lula da Silva foi preso após condenação em segunda instância. A sentença inicial, proferida pelo Juiz Sergio Moro, em 2017 condenara Lula a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O presidente petista fora acusado de receber um apartamento triplex como propina da construtora OAS em troca de favorecimentos em contratos com a Petrobrás. A sentença foi confirmada pelo STJ e ajustada para 8 anos e 10 meses.

Acionado pela defesa de Lula, o STF manteve a prisão; primeiro em uma decisão da segunda turma e, em seguida, em decisão do plenário. Em novembro de 2019, porém, mudou sua jurisprudência e mandou libertar Lula.

Ao livramento de Lula, seguiram-se outras escandalosas decisões do STF – monocráticas ou colegiadas – com perdão de réus confessos que, inclusive, haviam já devolvido aos cofres públicos quantias vultosas antes denunciadas como oriundas de práticas de corrupção.

Os desastres do governo Bolsonaro, seu esgarçamento autoritário, com tentativas de controlar a PF e de evitar o avanço de investigações contra seu filho, mas principalmente sua estúpida condução da crise sanitária durante a pandemia, possibilitaram rápida recuperação do prestígio do ex-presidente Lula da Silva, que começou a despontar nas pesquisas como capaz de derrotar Bolsonaro.

Para travar esse embate previsto para outubro de 2022, Lula precisaria estar livre e elegível; providência que o STF tratou de agilizar. 

Em 2021, o ministro Edson Fachin anulou as condenações de Lula relacionadas à Lava Jato (triplex, sítio de Atibaia e Instituto Lula) por tecnicismo vão e a segunda turma do STF declarou parcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos processos, reforçando a nulidade das condenações.

Livre e elegível, Lula concorreu a um terceiro mandato e derrotou o então presidente Bolsonaro, candidato à reeleição. Entretanto, a vitória de Lula ocorreu por margem muito estreita de votos; permanecendo o derrotado com potencial eleitoral ameaçador. Logo, porém, o TSE trataria de eliminar tal ameaça, tornando Jair Bolsonaro inelegível.

Aqui, todavia, convém notar: se é possível observar o viés de animosidade política do TSE, é também verdade que a decisão da Corte Eleitoral lastreou-se em uma atitude totalmente descabida de Bolsonaro que, em julho de 2022, resolveu chamar uma reunião com embaixadores de vários países para fazer denúncias sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro.

O fato é que as inúmeras decisões polêmicas e parciais dos tribunais superiores tiveram como efeito a corrosão da confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.

Esse desgaste não é apenas uma questão de percepção subjetiva. A própria rebelião do 8 de janeiro de 2023 pode ser compreendida, em parte, como resultado desse processo. Foi nessa lacuna de confiança que a narrativa populista de direita radical encontrou terreno fértil, transformando o ressentimento de parte da população em ação política.

Brasileiros sem uma formação cívica consistente para valorizar in abstracto instituições que in concreto se mostram falhas e corrompidas, lançaram-se indignados contra os poderes que, a seus olhos, haviam se tornado cúmplices da impunidade que levou um sujeito condenado e preso por corrupção de volta à presidência da República.

Diante desse quadro mais amplo, percebe-se que o julgamento de Lula e o julgamento de Bolsonaro são duas faces de uma mesma moeda cunhada na forja das vaidades e dos caprichos dos ministros do supremo.

O STF, embora juridicamente habilitado para conduzir o julgamento da chamada, “trama golpista”, enfrenta um déficit de legitimidade moral. Sua responsabilidade na atual crise institucional não pode ser ignorada: ao relativizar a punição de corruptos e ao se colocar como ator político, o tribunal contribuiu para a erosão do tecido democrático.

É no mínimo irônico que a mesma corte que ajudou a minar a confiança dos brasileiros na justiça se autoproclame agora a defensora maior da ordem democrática.

O paradoxo só é minimamente aceitável porque os populistas reacionários de direita aproveitaram-se efetivamente do contexto delicado para tentarem se manter no poder por meio da ruptura da ordem institucional. 

Muito se tem falado sobre isso, ou seja, sobre a tentativa de golpe. Mas pouco se tem falado sobre a responsabilidade do STF e do PT pela revolta social que o tornou plausível.

Esse impasse nos convida à reflexão: uma instituição legalmente válida, mas moralmente desacreditada, é capaz de cumprir o papel de restaurar a ordem e assegurar a democracia? O STF tem legitimidade ética para o julgamento em curso ou seus desvios já fazem dele apenas o espetáculo de um exercício de poder formal, incapaz de reconciliar a sociedade com seus próprios fundamentos?

O relatório apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes no início do julgamento de Bolsonaro e mais sete réus do “núcleo crucial” da denunciada “trama golpista” foi antecedido por um discurso político no qual os ataques feitos ao Brasil pelo presidente norte-americano Donald Trump foram usados para ecoar o nacional-populismo que se tornou o novo farol da narrativa ideológica do presidente Lula e de seus aliados.

Constata-se, portanto, que, para além das suas obrigações jurídico-constitucionais, o STF tem agido objetivamente como aliado do governo Lula.

A quase unanimidade de leigos e especialistas dá como favas contadas a condenação de Jair Bolsonaro a uma dura pena de reclusão. Essas favas contadas contra Bolsonaro são, diga-se, em parte jurídicas e em parte políticas.

Julgando às vezes com erro e às vezes com acerto questões graves da vida brasileira, o STF tem gerado contínuos prejuízos ao país por maximizar a politização das suas decisões, que têm gerado muito mais convulsões perturbadoras do que soluções apaziguadoras; sendo que agora o próprio termo “apaziguamento” foi depreciado pelo ministro Alexandre de Moraes, que, na exposição do seu referido relatório, rebaixou tal termo ao significado de “covardia”.

Mesmo antes da conclusão do julgamento de Bolsonaro, o Congresso Nacional já está convulsionado, com a Câmara Federal tentando armar contra a sua previsível condenação uma anistia que seus defensores chamam espertamente de “ampla, geral e irrestrita”, mas que na verdade é ampla, geral e irrestritamente bolsonarista.

Minha irrestrita solidariedade, a anistia que defendo, é para a gente humilde e anônima que foi condenada e está pagando penas medonhas pelas invasões no 8 de janeiro. 

A “anistia alternativa” com a qual o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tem acenado parece caminhar nessa direção; se for esse o caso, a proposta conta com a minha simpatia e o modesto incentivo desse despretensioso artigo.

Eduardo Bolsonaro, porém, que segue tentando obter o que quer por meio de chantagem covarde, reagiu raivosamente à possibilidade de anistiar os brasileiros comuns e escreveu no X:

Qualquer anistia que não seja ampla e irrestrita não será aceita. Já irei conversar com a base parlamentar do PL sobre isso. A anistia será ampla ou irrestrita ou não contará com o apoio da direita e não terá efeito de diminuir sanções internacionais”

Traduzindo: os presos comuns pelos atos do 8 de janeiro só interessam aos Bolsonaro como arma retórica. A única coisa que realmente lhes interessa é que Jair Bolsonaro saia impune e elegível, que não arque minimamente pelas consequências de suas más ações.

Nosso senso moral costuma chamar de herói o indivíduo que sacrifica a si mesmo ou aos seus próprios interesses pelo bem das outras pessoas. Que nome damos a quem sacrifica centenas, milhares de pessoas, o próprio país, pelos seus interesses mesquinhos?

Pois é. Não há heróis nessa história. O enredo da política brasileira tem sido protagonizada por gente mesquinha, ambiciosa, corrupta e canalha. 

A democracia brasileira sempre esteve em risco, mas desconfie, desconfie de tudo e de todos: tanto de quem ataca a democracia frontalmente, quanto de quem se propõe salvá-la.

Por que Lula não é um democrata

O fato de Lula sempre ter se submetido ao resultado nas várias eleições que perdeu (uma para o governo de São Paulo e três para a Presidência da República) não o torna um democrata.

O fato dele jamais ter buscado fazer das Forças Armadas um instrumento para se perpetuar no poder não o torna um democrata.

O fato de que ele respeitou o limite de uma reeleição consecutiva, quando tinha apoio suficiente para emendar a Constituição e eleger-se pela terceira vez consecutiva, não o torna um democrata.

O fato de que nunca instigou potência estrangeira a prejudicar o Brasil para salvar a própria pele, não o torna um democrata.

Todas as alegações acima são feitas por contraposição ao que fez Bolsonaro, que também não é um democrata. Mas se opor a alguém que não é democrata não torna ninguém democrata. Stalin se opunha ao antidemocrático Hitler, mas isso não significa que fosse democrata. O autor deste artigo se opôs à ditadura militar brasileira e não era, na época, um democrata.

Quem não é golpista não faria nada disso que fez um golpista como Bolsonaro. Lula não é golpista. Por isso não faz essas coisas. Mas não querer dar golpe de Estado não torna ninguém democrata.

Repetindo. Tentar dar golpe de Estado torna qualquer um antidemocrático. Mas não querer dar golpe de Estado não torna ninguém democrático.

Quem adotar uma estratégia hegemonista não dará golpe de Estado, mas mesmo assim será antidemocrático. Para entender isso é preciso ver que existem dois caminhos principais para autocratizar um regime político: o golpe de Estado (à moda antiga) e a erosão democrática (que já é a via predominante no século 21).

Sim, as democracias no século 21 não caem mais, na maior parte dos casos, por golpes de Estado (à moda antiga, com protagonismo militar), como tentaram fazer os bolsonaristas no Brasil (sem sucesso) e os gorilas de Mianmar (com sucesso). Agora 70% dos processos de autocratização ocorrem por erosão democrática, na maioria das vezes lentamente, sem ruptura violenta e até sem rasgar as Constituições.

Tal ocorre quando uma força hegemonista, tendo chegado ao governo pelo voto, se dedica a ocupar as instituições, não para destruí-las e sim para fazer maioria em seu interior colocando-as a serviço do seu projeto de poder. Pois o que visam não é dar uma quartelada anacrônica e sim conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para nunca mais sair do governo, violando o princípio da rotatividade ou alternância democrática.

Mas então, o leitor pode perguntar, o que é necessário para qualificar um ator político como um democrata? Basicamente, o seguinte.

Em primeiro lugar, democratas se opõem e resistem a qualquer tirania (seja dita de direita ou de esquerda). Entendem que a democracia é um processo constante de desconstituição de autocracia, não uma utopia, um modelo perfeito de regime político ou de sociedade ideal.

Aqui neste primeiro critério Lula já não passa. Ele se opõe à ditaduras de direita, mas se alia à ditaduras de esquerda. Fez assim historicamente com Cuba e também com Angola, Venezuela e Nicarágua. Mais recentemente se alinhou à Rússia de Putin, foi simpático à teocracia do Irã (e nunca condenou claramente seus braços terroristas) e defendeu manter relações políticas (não apenas, nem principalmente comerciais – foi ele próprio que o disse, e isso foi antes de Trump 2) – com a China de Xi Jinping. Na sua primeira viagem à China depois de eleito pela terceira vez, no dia 14 de abril de 2023 (em pleno governo Biden nos EUA), Lula declarou: “A compreensão que o meu governo tem da China é a de que temos que trabalhar muito para que a relação Brasil-China não seja meramente de interesse comercial… Queremos que a relação Brasil-China transcenda a questão comercial… [para]elevar o patamar da parceria estratégica e, junto com a China, equilibrar a geopolítica mundial”.

Em segundo lugar, quando dirigindo governos, democratas podem estabelecer relações comerciais com quaisquer países, mas não entram em articulações políticas compostas majoritariamente por ditaduras, se alinhando a eixos autocráticos de países para combater as democracias liberais. Todavia, democratas chefiando governos não sabotam sanções dos países democráticos impostas a regimes que violam as leis internacionais e os direitos humanos.

Nesse segundo critério Lula também não passa. Uma prova disso é seu empenho em turbinar o BRICS, uma articulação política (disfarçada de bloco econômico) composta por 80% de ditaduras. Além disso, sabotou às sanções dos países democráticos ao regime de Putin, multiplicando o comércio com a ditadura russa (sobretudo com a compra de óleo em grande quantidade, financiando indiretamente a invasão da Ucrânia).

Em terceiro lugar, democratas não praticam a política como continuação da guerra por outros meios (e por isso recusam o majoritarismo, o hegemonismo e o “nós contra eles”); ou seja, para os democratas, a democracia não é uma luta para impor às sociedades uma ordem por eles concebida (nem mesmo se for uma ordem que avaliam ser a mais justa imaginável do mundo).

Lula também seria reprovado neste terceiro critério. Foi o seu partido – e todo mundo sabe, não é possível esconder – que introduziu o “nós contra eles” na política brasileira, gerando uma revolta de amplos setores da população com o petismo. Isso fez crescer o antipetismo, que só existe porque existe petismo. Acrescente-se que o PT é um partido hegemonista, que acha que a única maneira de implantar um projeto político é fazendo maioria em todo lugar (de um DCE universitário, passando por uma agência reguladora, até chegar a um tribunal superior de justiça) para impor a predominância de um modo de pensar e de se comportar politicamente.

Em quarto lugar, democratas protegem os direitos individuais e das minorias (sociais e políticas) contra a tirania do Estado e a tirania da maioria.

Aqui temos, igualmente, uma clara linha divisória que não pode ser ultrapassada por um democrata. Mas que Lula ultrapassa. Ele defende os direitos das minorias sociais, mas não os das minorias políticas, que – a seu ver e ao ver do PT – devem ser deslegitimadas quando se opõem aos projetos populares. Embora sendo estatista (ou tendo uma visão estadocêntrica do mundo) ele não é favorável (pelo menos até agora, antes de ter conquistado hegemonia) à tirania do Estado, mas acha “natural” que a maioria imponha sua vontade às minorias (políticas). Sua visão de democracia está alicerçada na crença de que democracia é a vontade da maioria e que uma maioria eleitoral confere a quem a recebeu legitimidade para realizar o seu projeto, não sendo necessário negociar com as minorias (a não ser quando isso for necessário para emplacar seus projetos). Isso, é claro, desde que tal maioria eleitoral seja conferida a quem está realmente “do lado do povo” ou “do lado certo da história”.

Em quinto lugar, democratas defendem que a sociedade deve controlar o governo e não o contrário, porque avaliam que a qualidade da democracia é medida pelos limites e condicionamentos impostos pela sociedade às instituições do Estado.

Bem… aqui temos o melhor exemplo de incompatibilidade total com o pensamento de Lula. Ele acha que um governo que está “do lado do povo” é o máximo da democracia (que confunde, porém, com cidadania ofertada pelo líder identificado com o povo, como veremos adiante). Estatista, como já se disse aqui, Lula encara a sociedade como dominium do Estado (quando esse Estado está “nas mãos certas”, ou seja, nas mãos dos legítimos representantes do povo). Sim, o PT acha que cabe ao governo popular controlar e comandar a sociedade, inclusive a economia. Por isso não aceita a independência do Banco Central e das Agências Reguladoras e tenta burlar a lei das estatais para nomear para suas diretorias seus militantes ou aliados políticos. O Estado é o grande ator, posto que só ele (quando “nas mãos certas”) pode combater os inimigos do povo e levar adiante à consumação dos interesses populares. Este quinto critério, no qual Lula também é reprovado, é a prova do seu caráter não-liberal (ou iliberal).

Em sexto lugar, democratas tomam a liberdade e não a ordem como sentido da política (e é nesse sentido originário do termo que podem se dizer liberais). Democratas acreditam que a liberdade de alguém começa justamente quando começa, e não quando termina, a liberdade do outro (ou seja, que ninguém pode ser livre sozinho).

Para Lula e o PT, entretanto, a política só tem sentido se for uma luta para implantar uma ordem mais justa (concebida por eles ex ante à interação das pessoas). Portanto, o sentido da política, para eles, é a ordem – não a liberdade. Quanto ao conceito democrático originário de liberdade, eles não fazem a menor ideia do que seja. Liberdade se reduz, na sua concepção, à libertação de um poder opressor (desde que esse poder seja inimigo do povo, estando do lado errado da história).

Em sétimo lugar, democratas não querem destruir nenhum ‘sistema’ supostamente responsável por todo mal que assola a humanidade. São reformistas inovadores, não reacionários disfarçados de conservadores, nem revolucionários travestidos de progressistas.

Essa ideia de que há um grande inimigo responsável por todo mal que ocorre no mundo está entranhada no PT (e Lula, sim, o Lula, compartilha dela). O grande inimigo, claro, é o capitalismo e suas construções: as classes dominantes (os ricos), o imperialismo norte-americano (e, numa inclusão posterior, insuflada pelo identitarismo, o neocolonialismo eurocêntrico e heteronormatizador). Isso se explica porque o marxismo está na raiz da ideologia do PT (1). Ocorre que a democracia jamais nasceu de revoluções que destruíram um ‘sistema’ (ou modo de produção e suas construções sociais e políticas) ou substituíram no poder uma classe social por outra classe (tal como o marxismo define essa noção) e sim de reformas que introduziram inovações. Se, para inventar a democracia pela primeira vez, os atenienses tivessem que ter destruído o modo de produção escravista que vigorava na época, jamais teríamos ouvido a palavra democracia. Se os parlamentares que propuseram os Bill of Rights em oposição ao poder despótico de Carlos I, na Inglaterra do século 17, tivessem primeiro que ter desconstituído todo o sistema econômico, social e político, instalado naquele então na Europa e no mundo, a democracia jamais teria sido reinventada (2). No seu estrato intelectual, o PT foi organizado por militantes da primeira grande guerra fria, que continuaram se comportando como militantes da primeira grande guerra fria mesmo após a queda do muro de Berlim (que não caiu dentro de suas cabeças) e o colapso da União Soviética (que, in pectore, lamentaram). O seu anti-imperialismo norte-americano vem daí: não é um anti-imperialismo apenas quando republicanos conservadores como Reagan, Bush pai e filho e republicanos-MAGA, como Trump, estão no poder, mas também quando os democratas Clinton, Obama e Biden governaram. Não é um anti-imperialismo por princípio, pois transige com o imperialismo de Putin. É um vício. Lula adquiriu esse vício, que é antidemocrático.

Em oitavo lugar, democratas se dedicam a fermentar o processo de formação de uma opinião pública democrática. Não querem conduzir massas, nem ser uma massa cada vez mais volumosa para impor, pela força do seu número, sua vontade aos demais atores políticos e à sociedade. São o fermento, não a massa.

Lula é um condutor de massas, um líder que, segundo sua própria apreciação (muito favorável a si mesmo), já sintetiza o povo que pretende conduzir. Além disso é majoritarista, como foi mencionado anteriormente neste artigo.

Em nono lugar, democratas não são populistas, não acham que a sociedade está atravessada por uma única clivagem que opõe o povo (o “verdadeiro povo”, composto pelos que seguem os líderes populistas) às elites (ou ao ‘sistema’).

Lula é populista, um populista de esquerda ou neopopulista (uma das duas espécies principais de populismos do século 21, além do populismo-autoritário ou nacional-populismo, dito de direita) que surgiu no movimento de ascensão de Chávez (e depois Maduro) na Venezuela, Evo (e depois Arce) na Bolívia, Correa (e depois Moreno) no Equador, Lugo (sem sucessor) no Paraguai, Funes (e depois Cerén) em El Salvador, Obrador (e depois Claudia) no México, Zelaya (e depois Xiomara) em Honduras, Cristina (e depois Fernandez) na Argentina. O fato de ele não ser um neopopulista que tenha virado ditador – como Ortega e Maduro viraram – não altera a natureza iliberal do seu populismo (e dos demais neopopulismos que surgiram na mesma onda) (3).

Em décimo lugar, democratas não reduzem a democracia à eleições.

Bom, dizer o quê? O PT (e Lula, pois o PT é em tudo indistinguível de Lula, a não ser em potencial eleitoral) é eleitoralista. Pode-se dizer que, já nos seus primórdios, o PT abandonou a perspectiva revolucionário-rupturista de parte de seus fundadores para adotar a via eleitoral, mas não porque achou que é melhor para a democracia a alternância pacífica nos governos via eleições e sim porque avaliou que o caminho revolucionário anterior era inadequado (posto que com poucas chances de sucesso) nas novas condições do mundo após a derrocada do socialismo real. Uma prova disso é o conselho que Lula deu aos dirigentes das FARC, no sentido de que depusessem as armas, construíssem um partido (nos moldes do PT) e disputassem eleições (como fez Chávez, como fez ele próprio, como fez Evo, como fez Correa e como, depois do fracasso da revolução sandinista, como fez Ortega). O PT ama de paixão eleições, mas não aceita a rotatividade ou alternância democrática. As eleições, para o PT, não fazem parte do metabolismo normal dos regimes democráticos, mas são um meio (instrumental) para alcançar e reter o poder em suas mãos indefinidamente. As eleições, para Lula e para o PT, são o caminho tático possível para chegar ao governo e nele se delongar até ter condições de tomar o poder (não dando um golpe, mas conquistando hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido). O regime eleitoral (ao qual se reduz, segundo eles, para todos os efeitos práticos, a democracia) é um meio instrumental de travar a luta política como uma espécie de guerra (onde as armas passam a ser os votos), mas a dinâmica adversarial é a mesma. Outra prova disso é que o PT não faz aliados fora do campo de esquerda que hegemoniza, a não ser para ficar mais forte e, quando não precisar mais desses aliados tático-instrumentais, matá-los como agentes políticos ao final.

Em décimo-primeiro lugar, democratas respeitam o Estado democrático de direito, não violam as leis escritas e procuram se adequar às normas não escritas que garantem a vigência dos critérios da legitimidade democrática (a liberdade, a eletividade, a publicidade ou transparência, capaz de ensejar uma efetiva accountability, a rotatividade ou alternância, a legalidade e a institucionalidade).

Lula e o PT não aceitam vários desses critérios da legitimidade democrática. Quando estão no governo, não respeitam a publicidade ou transparência (e tanto é assim que decretam sigilos de até 100 anos em documentos que nada têm a ver com segurança nacional), têm horror da rotatividade ou alternância (pois ela não seria legítima quando os vencedores das eleições são inimigos do povo, ou seja, qualquer um que esteja fora do seu campo do esquerda ou a ele subordinado: e tanto é assim que pediram o impeachment de todos os presidentes não-petistas eleitos na Nova República – com exceção de Bolsonaro, pois queriam deixá-lo sangrando para batê-lo mais facilmente nas urnas e voltar ao governo), violam a legalidade (como demonstram os casos do mensalão e do petrolão, entre outros) e só reconhecem a validade da institucionalidade quando podem ocupar e controlar as instituições.

Em décimo-segundo lugar, democratas defendem instituições estáveis, equilíbrio entre os poderes, sistemas atuantes e efetivos de freios e contrapesos, judiciário independente e autocontido em suas atribuições.

Lula e o PT acham que tudo isso é conversa “para inglês ver”. Defendem, sim, instituições estáveis, desde que estejam no controle dessas instituições (por meio da sua ocupação ou aparelhamento e da formação de maiorias no seu interior). Defendem judiciário independente e autocontido em suas atribuições somente quando estão na oposição: se estão no governo querem um judiciário como aliado político e por isso indicam seus militantes ou simpatizantes para compor os tribunais (no caso da suprema corte Lula indicou um advogado do partido, o seu próprio advogado pessoal e um agente político do seu governo, ex-membro do Partido Comunista do Brasil).

Em décimo-terceiro lugar, democratas defendem que as oposições políticas democráticas devem ser reconhecidas e valorizadas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime democrático (que, avaliam, não pode existir em sua plenitude sem oposição).

Lula e o PT nunca reconheceram e valorizaram as oposições (mesmo as democráticas) como peças fundamentais para o bom funcionamento do regime democrático. Mesmo as oposições democráticas são encaradas como forças antipopulares, representantes das elites (ou dos ricos) contra o povo, quando não fascistas – e então deslegitimadas (como ocorreu com o PSDB após a primeira vitória de Lula em 2002). Eles não aceitam a evidência de que situação há em qualquer regime (inclusive nos regimes autocráticos), mas oposição (democrática) só nas democracias. Ou seja, de que não há democracia (no sentido liberal ou pleno do termo) sem oposição democrática (atuante). Ora, se um governo se diz democrático, mas não reconhece e valoriza a oposição democrática como fundamental para o bom funcionamento do regime, então esse governo não é, na verdade, democrático, ainda que o regime político possa ser considerado formalmente democrático, como foi o caso nos governos do PT. Em geral um governo que deslegitima as oposições – não apenas as antidemocráticas, mas também as democráticas – é um governo antipluralista (o que é uma característica iliberal do populismo).

Em décimo-quarto lugar, democratas trabalham para universalizar a cidadania, mas não confundem democracia com cidadania, não acham que a igualdade socioeconômica seja precondição para a liberdade política, defendem os direitos das minorias (e não só das minorias sociais, mas também das minorias políticas). Democratas são pluralistas, nos sentidos social e político do termo.

Lula e o PT confundem o conceito de democracia com o conceito de cidadania. Falam de cidadania para todos ofertada pelo Estado, quando “nas mãos certas”, quer dizer, comandado por forças políticas ditas progressistas. Pior, acreditam que a cidadania seria conferida ao povo pelo líder populista. Conquanto cidadania universalizada seja um bom propósito, portanto desejável, ela não é a mesma coisa que democracia. Isso pode ser ofertado por regimes não-democráticos, quer dizer, por autocracias (4). Para Lula e para o PT a igualdade socioeconômica é pré-condição para a liberdade política e por isso desqualificam todas as democracias liberais ou plenas que existem no mundo como democracias para as elites e não para o povo (5). Essa é uma posição claramente antidemocrática.

Em décimo-quinto lugar, democratas reconhecem a soberania como um valor nacional, mas não como um valor universal acima da democracia. A soberania de um país não pode se sobrepor ao valor universal da democracia, nem de suas dimensões correlatas: por exemplo, democratas reconhecem e apoiam a Declaração Universal de Direitos Humanos (o que não fariam em relação à quaisquer declarações nacionais de direitos humanos, que poderiam ser forjadas por autocracias). Democratas avaliam que a soberania é um conceito que se aplica a países (Estados-nações) e não aos governantes, aos seus partidos e a outras instituições, privadas ou públicas, por eles controladas.

Lula se travestiu de defensor da soberania por meio de uma narrativa (e de uma propaganda) soberanista (que toma a soberania dos Estados-nações como um valor absoluto). Mas todo soberanismo é incompatível com a democracia. Se a soberania fosse um valor absoluto não se poderia tomar medidas contra tiranias que invadem outros países para subjugá-los (como está fazendo a Rússia com a Ucrânia). Por isso o governo do PT, liderado por Lula, coloca-se “ativa e altivamente” contra as justas sanções dos países democráticos às tiranias de Cuba, Venezuela, Irã e Rússia, com a alegação de que isso estaria violando a soberania desses países. E, inclusive, sabota essas sanções. Além disso, por motivos eleitoreiros, Lula aproveitou as sanções impostas por Trump para estruturar e antecipar ilegalmente sua campanha de 2026 em torno da ideia-força de defesa da soberania nacional, o que o leva a encenar patriotadas diárias para tentar unir o povo em torno da sua candidatura. De “salvador da democracia” em 2022, Lula quer voltar como o “salvador da soberania” em 2026.

Para qualquer pessoa honesta as provas apresentadas acima bastam para mostrar que Lula e o PT não são democráticos.

O fato de termos tão poucos artigos como este na nossa grande imprensa e, inclusive, na imprensa alternativa, revela a extensão e a profundidade do analfabetismo democrático entre nós e a falta de programas de aprendizagem da democracia. Na verdade, revela o defict de agentes democráticos na sociedade brasileira. E como não existe democracia sem democratas, isso deve ser motivo de grande preocupação.

Notas

(1) Todos os primeiros dirigentes do partido, os fundadores que tinham condições de formulação teórica, eram revolucionários marxistas – ou ex-revolucionários marxistas que não conseguiram se desvencilhar das matrizes marxistas de interpretação do mundo. Uma das três correntes que constituíram o PT era formada pelos dirigentes e militantes de antigas organizações políticas, colocadas na clandestinidade pela ditadura militar, alguns recém liberados de prisões brasileiras e outros voltando do exílio, era composta por marxistas, em geral, por marxistas-leninistas. É obvio que muitos líderes fundadores do PT, sobretudo os sindicalistas que compõem uma das três correntes da sua constituição, não foram marxistas, mas acabaram concordando com a visão marxista de que há uma imanência histórica, de que a história vai para algum lugar e tem leis que podem ser conhecidas por quem conhece a teoria verdadeira e o método correto de interpretação da realidade, de que a luta de classes é o motor da história, de que o sentido da política é uma espécie de guerra (sem derramamento de sangue, se não for necessário) para implantar uma ordem mais justa, inspirada nos interesses da classe trabalhadora. A terceira corrente de constituição do PT, formada pelos militantes da igreja do povo, inspirados pela teologia da libertação, também estava sob forte influência dessas ideias. Tais concepções, entretanto, não eram (e continuam não sendo) democráticas. Eram ideias revolucionárias, ainda que os revolucionários que as carregavam tivessem adotado a via eleitoral de chegar inicialmente ao governo para então, só depois, tentar tomar o poder (embora não necessariamente por meios violentos).

(2) A democracia surge em Atenas, na passagem do século 6 para o século 5 a.C., por meio de reformas: a reforma de Clístenes (que, em 508 a.C. substituiu o genos, os clusters familiares da aristocracia fundiária, pelo demos, os distritos em que qualquer um podia participar), a reforma (de origem desconhecida) que introduziu o sorteio no lugar de eleições (pois os oligarcas, mais organizados e com mais recursos, ganharam quase todas as disputas nos primeiros cinquenta anos depois da reforma de Clístenes) e da reforma de Efialtes (que, em 461 a.C., retirou o poder político do Areópago, uma espécie de suprema corte da época).

(3) Aqui é preciso entender que os populismos do século 21 não podem ser definidos como foram os populismos do século 20 e, muito menos, como foram os populismos dos séculos anteriores. Não é propriamente demagogia, clientelismo, assistencialismo e irresponsabilidade fiscal (embora algumas dessas características tenham permanecido). Os populismos do século 21 são comportamentos políticos guerreiros(baseados na prática da política como continuação da guerra por outros meios, na fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin) que usam os regimes eleitorais (em geral os democráticos defeituosos, mas também os plenos) para impedir que esses regimes ascendam à condição de (ou se mantenham como) democracias liberais. Os populismos (de esquerda ou direita) são hoje, no mundo e no Brasil, os principais adversários da democracia liberal.

(4) Singapura, uma autocracia eleitoral (segundo o V-Dem 2025), está fazendo isso. A China, uma autocracia fechada, diz que está fazendo isso a partir do seu próprio conceito de democracia: a chamada “democracia popular de processo integral”. Mas essa “democracia” chinesa não atende aos critérios democráticos listados neste artigo. Cuba, outra autocracia fechada, segundo Lula, faz isso. Para ele “o único país [na América Latina] que conseguiu dar um salto foi Cuba… eles resolveram o problema da cidadania”.

(5) Populistas de esquerda e de direita escarnecem quando se fala do mundo democrático. Mas tomando os relatórios de duas das principais instituições que monitoram os regimes políticos no mundo – o V-Dem e a The Economist Intelligence Unit – é fácil fazer uma lista de quem compõe hoje o mundo democrático. São consideradas (em 2025) democracias liberais ou plenas (ou ambas) menos de 35 países: Alemanha, Austrália, Áustria, Barbados, Bélgica, Canadá, Chéquia, Chile, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Estónia, EUA, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Jamaica, Japão, Letônia, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Seicheles, Suécia, Suíça, Taiwan e Uruguai. Sim, os EUA ainda estão na lista, embora talvez por pouco tempo em razão dos ataques de Trump (que é um populista-autoritário), mas governo não é regime. De qualquer modo, esses não são os aliados preferenciais de Lula e do PT. Por que? Ora, porque eles não são democráticos.

A fadiga material das ruas: quando a militância troca o asfalto pelo feed, sem recuperar o fôlego

As ruas brasileiras, que nos últimos anos foram palco de mobilizações massivas, hoje revelam um esvaziamento visível. Não se trata de redução da polarização nem de perda de popularidade de Lula ou Bolsonaro, mas de uma fadiga material: o cansaço dos setores mais engajados, que percebem que protestos repetidos produzem efeitos cada vez mais escassos. Essa exaustão atinge tanto a direita quanto a esquerda e se expressa também no ambiente digital — não como revitalização, mas como outro sintoma do mesmo esgotamento.

As jornadas de junho de 2013 exemplificam esse processo. Não foram manifestações de direita; surgiram do Movimento Passe Livre, com pautas progressistas. Pesquisas do Datafolha mostravam apenas 10% de participantes identificados com a direita e 36% com a esquerda ou centro-esquerda. Mas o caráter plural — sindicatos, coletivos feministas, negros e LGBTQIA+, grupos autonomistas e patrióticos — abriu espaço para que a direita encontrasse ali um canal para disputar o debate público em pé de igualdade com a esquerda nos anos seguintes.

Hoje, porém, tanto a direita quanto a esquerda convivem com o desencanto. O “gigante” acordado em 2013 parece cada vez mais sonolento: atos pró-anistia em 2025 reuniram dezenas de milhares, muito menos que mobilizações anteriores. Já os protestos da esquerda tendem a ser seguidos por crescimento de rejeição, provocada pelos segmentos e atores que sustentam seu campo político. O resultado é ruidoso na forma, mas silencioso no efeito.

Essa fadiga não se limita ao espaço físico. No digital, o engajamento explode em números — a consultoria Bites registrou 1,48 bilhão de interações com políticos de direita entre janeiro e maio de 2025, mais que o dobro da esquerda e do centro juntos — mas esse volume não significa ação coletiva transformadora. Como aponta Raphael Castro no Ateliê de Humanidades, “a hiperatividade online pode mascarar a inanição cívica offline”. Em média, brasileiros passam 3h46 min por dia nas redes (acima da média global de 2h31 min), mas grande parte desse consumo político se traduz em curtidas, comentários e hashtags sem vínculo com estruturas permanentes de participação.

O risco é o mesmo que Durkheim descreveu como anomia social: perda de normas e objetivos coletivos. A pseudodemocracia pode seguir formalmente operante, mas sem engajamento real, com cidadãos dispersos e céticos.

Para evitar esse caminho, é preciso reconstruir o engajamento. Reativar redes de participação permanentes (digitais e presenciais) que liguem demandas locais a ações nacionais. Redefinir o papel dos atos: cada mobilização deve vir acompanhada de entregas concretas — campanhas, leis ou ações comunitárias. E reencantar o debate público com novas narrativas e rituais cívicos menos partidários e mais comunitários, capazes de unir cidadãos em torno de valores comuns.

Sem esse esforço, tanto as ruas quanto as timelines continuarão a dar sinais de vida — mas sem fôlego real. E a democracia corre o risco de esvaziar-se não por confronto, mas por desilusão.

Nova Ordem Autoritária

A Organização para Cooperação de Xangai (OCS) se consolida como um bloco geopolítico marcado pelo antagonismo ao Ocidente e pela defesa de regimes autoritários. Sob a liderança de Xi Jinping, a entidade propõe uma “nova ordem mundial” que, na prática, significa a consolidação de um modelo de poder centralizador com supressão de direitos civis e enfraquecimento da democracia. Ao contrário de promover multilateralismo, a OCS funciona como um eixo de apoio mútuo entre autocracias que buscam reduzir a influência das instituições democráticas globais.

O encontro em Tianjin, que aprovou uma estratégia até 2035, mostra que o bloco pretende expandir sua influência. A criação de um Banco de Desenvolvimento próprio e iniciativas em energia e inovação reforçam a tentativa de construir um sistema paralelo ao ocidental, mas sem compromisso com direitos humanos, liberdade ou democracia. A Índia, tradicionalmente alinhada ao Ocidente, se aproxima de forma perigosa dos líderes da OCS e aprofunda o risco de legitimar práticas repressivas neste eixo autoritário, ampliando tensões regionais e globais, colocando em xeque sua imagem internacional.

Essa confluência de autocracias gera efeitos diretos no equilíbrio global agindo sobre a guerra na Ucrânia e a estabilidade da Europa. Ao se reunir em fóruns e desfiles que projetam poder militar, líderes como Xi Jinping demonstram apoio tácito e claro à invasão russa, enfraquecendo pressões internacionais por uma solução pacífica. A complacência desses regimes autoritários não apenas prolonga o conflito e a tragédia humanitária ucraniana, como também mina o sistema internacional baseado em regras e instituições democráticas. O recado é claro: ditadores unidos desafiam abertamente os valores do Ocidente, abrindo espaço para uma nova era de conflitos.

Esse movimento ganhou contornos ainda mais nítidos em Pequim, no desfile organizado como parte das comemorações dos 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial. Lá, Xi Jinping exibiu pela primeira vez a tríade nuclear chinesa, sinalizando poder bélico em vez de cooperação pacífica. Ao seu lado, estavam ditadores e líderes autoritários de diferentes continentes — de Putin a Lukashenko, passando por figuras ligadas a regimes terroristas, como Masoud Pezeshkian do Irã e outros que também perseguem opositores e sufocam liberdades, com Kim Jong-un e Miguel Díaz-Canel, ditadores da Coreia do Norte e de Cuba. Um convescote autocrático que sinaliza o esboço de uma nova ordem autoritária. 

O Brasil, ao se fazer presente nestes eventos e se aproximar desse grupo, compromete sua tradição diplomática de defesa do multilateralismo democrático. A imagem projetada não é de liderança equilibrada, mas de cumplicidade com regimes que desprezam liberdades individuais, manipulam eleições e governam pela intimidação. Ao invés de se orgulhar de ocupar esse espaço, o país deveria se envergonhar. Estar ao lado de autocratas em desfiles militares ou fóruns controlados por ditadores significa renunciar a valores históricos da nossa política externa, corroendo a credibilidade internacional do Brasil e manchando sua identidade democrática.

No mundo atual, já marcado por conflitos e polarizações, a associação com a OCS e com espetáculos autoritários em Pequim não fortalece o Brasil. Apenas o coloca no lado errado da História — aquele que celebra o poder dos ditadores ao invés da liberdade dos povos.

A “salvação da democracia”: Lula, STF e o novo contrato social do Brasil

Recentemente participei de um evento com a função de comentar um dado artigo acadêmico que tratava das diferenças entre liberalismo e conservadorismo. 

O artigo, de muito rigor metodológico, sugere que a divergência mais relevante entre as referidas vertentes políticas está na forma como definem, hierarquizam e justificam as noções de ordem e liberdade, sendo consequentemente simplistas as tentativas de estabelecer diferenças tomando por critério apenas agendas políticas e outros elementos contingentes.

Meu papel na conferência foi defender que ambas as tendências se inserem no fluxo natural de desenvolvimento saudável da tradição política ocidental da qual são vetores resultantes que se reequilibram mutuamente quando uma das duas tende a sair do campo mais abrangente de valores que lhes sãos comuns.

O liberalismo foi fundamental na reinterpretação moderna da noção de soberania. No final do século XVI, tal noção aparecia ligada à plenitude do poder estatal; com a teoria da separação dos poderes, desenvolvida no século XVIII, em pleno iluminismo, freios jurídicos lhe são impostos.

A ideia é antiga. Se, por um lado, seria um óbvio anacronismo referir-se, por exemplo, a Aristóteles como o primeiro liberal, não é sem relevância notar que há, em sua reflexão política, uma valorização do equilíbrio de poder, uma tipologia de governos, uma noção de lei como expressão da razão, além de uma defesa da propriedade: sementes de preocupações que podem ser lidas como tipicamente liberais. Além disso, alguns autores medievais e renascentistas também teorizaram acerca de tais questões.

O filósofo empirista inglês John Locke (1632-1704), constantemente referido como “pai do liberalismo”, retoma, portanto, uma tradição, embora reformule-a dentro de um paradigma moderno de ruptura com a cosmovisão clássica e medieval.

Diferentemente de Thomas Hobbes (1588-1679), autor de Leviatã, para quem o poder soberano não conhece limite jurídico nem limite ético, para Locke os direitos naturais do homem (vida, liberdade, propriedade) são o limite diante do qual a interferência do poder estatal haverá sempre de recuar. A razão de ser do próprio Estado é assegurar a não-violação de tais direitos. O direito inglês, na verdade, era centrado na common law e qualquer lei do parlamento que com ela contrastasse deveria ser considerada nula e sem efeito.

Os franceses Montesquieu (1689-1755) e Voltaire (1694-1778), dois grandes expoentes do iluminismo, foram ambos admiradores do sistema político britânico e, após estadia na ilha, confrontaram as liberdades ingleses ao absolutismo monárquico vivido na França.

Em suas Lettres philosophiques (também conhecida como cartas inglesas), Voltaire descreve e elogia os costumes e as instituições inglesas, destacando a limitação da soberania real pelo parlamento, assim como a liberdade de imprensa, de comércio e a tolerância religiosa como alicerces de um governo justo e eficaz.

Montesquieu expõe igualmente elevada opinião acerca das estruturas políticas da Inglaterra, cuja excelência estaria na divisão de poderes do Estado. Sua visão acerca disso ficou imortalizada na célebre obra O espírito das leis, na qual a divisão do poder é apresentada como condição da fruição da liberdade.

Montesquieu expõe a necessidade da moderação, da limitação do poder, da sua descentralização e distribuição institucional em diferentes órgãos. Tal disposição das coisas faz-se necessária “para que não se possa abusar do poder”, para que “o poder pare o poder.

Tal teoria, sabemos, é o cerne do Estado de direito e da democracia, se por democracia entendermos a exigência de distribuição de poder, modernamente realizada como democracia representativa e cuja ênfase recai menos no ideal da igualdade e mais no conjunto das regras que precisam ser obedecidas para que o poder político seja distribuído.

Essa concepção formal de democracia, como bem explica Norberto Bobbio, na obra “Liberalismo e Democracia”, é a que está historicamente ligada à formação do Estado liberal. 

Existe outro significado de democracia também historicamente legítimo: aquele que apela para uma democracia substancial e que está sempre buscando aprofundá-la.

Esse outro significado, porém, dificilmente é compatível com a tradição política que acabamos de descrever porque pressupõe a ruptura com valores essenciais que liberais e conservadores – modulando-se e corrigindo-se mutuamente – lutam para preservar.

O contrato social de Rousseau e a democracia totalitária

Qual seria, então, a referência teórica moderna dos “democratas” iliberais? Arrisco-me a dizer que a maioria dos que se arvoram defensores da democracia, no Brasil atual, são, consciente ou inconscientemente, herdeiros das ideias mais radicais de Jean-Jacques Rousseau, o genial, controverso, ambíguo e paradoxal genebrino, a quem o poeta Heinrich Heine referiu-se como sendo “a cabeça revolucionária da qual Robespierre não foi senão a mão executora.

Para uns, um iluminista, para outros, um anti-iluminista – a depender do que se entenda pelas luzes – Rousseau provocou uma inflexão na forma como a filosofia política ocidental vinha se desenvolvendo.

Em seu Discurso sobre a desigualdade, ele apresenta impactante e poética crítica à propriedade. Eis a célebre passagem, consagrada e reverenciada por todos que se identificam com tal visão de mundo:

“O primeiro que, após ter cercado um terreno, pensou dizer ´isto é meu´, e encontrou muito outros ingênuos que acreditaram, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, conflitos, homicídios, quantas desgraças e quantos horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando os marcos ou ultrapassando o fosso tivesse gritado aos seus semelhantes: ´cuidado para não dar ouvidos a esse impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos pertencem a todos e a terra não é de ninguém´”

A sociedade civil, a civilização, portanto, é uma desgraça. Com o pessimismo de Rousseau, a ótica interpretativa da história se inverte; o progresso festejado pelos iluministas é uma ilusão. A situação é de tal modo grave que não há possibilidade de curar a doença da sociedade apenas com reformas. É preciso um novo pacto social, fundado em novos pressupostos.

Se, na modernidade, Locke cultiva brotos nascidos das sementes liberais d´A Política de Aristóteles, Rousseau, rega, por sua vez, as sementes coletivistas d´A República de Platão.

A radical inflexão rousseauniana é decisiva para afastar a França da saudável influência de um iluminismo jurídico reformador e prudente, inspirado no modelo inglês, e encaminhar a nação para um iluminismo jurídico revolucionário que apregoa a necessidade de um novo contrato e de um novo homem.

Rousseau leva ao extremo a problemática identificação entre política e moral, fazendo do Estado um lugar de salvação individual e coletiva e propugnando a religião civil, em detrimento do cristianismo o qual, segundo ele, é totalmente contrário ao espírito social.

Por ser “uma religião totalmente espiritual que separa os homens da terra”, o cristianismo, segundo Rousseau, afasta os homens da vida cívica e enfraquece a República. Por não ter qualquer relação especial com o corpo político, “deixa às leis somente a força que tiram de si mesmas, sem acrescentarem nenhuma”.

A religião civil, por outro lado, teria por dogma a santidade do contrato e das leis, sustentando a coesão moral da República. Sob o pretexto da defesa do bem comum, o cidadão deve se deixar absorver no todo do corpo social, sacrificando sua individualidade no altar da “Vontade geral”

Estamos lidando aqui com uma concepção religiosa de política ou com uma das etapas da virada antiliberal que colocou a política no lugar da religião, exigindo que o cidadão deposite no Estado a mesma fé que um cristão deposita em Deus.

Não é incorreto dizer que o contrato social postulado por Rousseau dá origem a um estado democrático, na medida em que postula que o poder soberano deve estar nas mãos não de um príncipe ou de uma aristocracia, mas da coletividade. 

Por outro lado, ao eliminar as mediações institucionais que limitariam tal poder, o contrato enseja a tirania da maioria ou a democracia totalitária, tão temida por conservadores e liberais.

Revolução francesa e conservadorimo moderno

Solicitado pelo rei da Polônia, Estanislau II, a ajudá-lo a refletir sobre como salvar e reformar a Polônia, Rousseau chegou a escrever: “jamais se viu um povo corrompido voltar à virtude […]. Não há mais remédio, a não ser o de uma grande revolução quase tão terrível quanto o mal que poderia curar, e que é reprovável desejar e impossível prever”.

A revolução terrível em nome da virtude não aconteceu na Polônia, mas ocorreu na França, quando o “incorruptível” Robespierre, conduzindo com mãos de ferro o Comitê de Salvação Pública, endurecendo a revolução liberal até o terror, fez descer a guilhotina sobre todas as cabeças que supostamente conspiravam contra a República.

Antes mesmo de Robespierre adquirir poder relevante, quando a revolução estava ainda em seus primeiros estágios, após a queda da Bastilha, o irlandês Edmund Burke (1729-1797) publicou Reflections on the Revolution in France, obra considerada marco do conservadorismo moderno, na qual explica que a destruição das instituições históricas, iniciada pela revolução francesa, ameaçava o próprio tecido da civilização europeia.

A ambiguidade disso está no fato de que Burke era membro do partido Whig, ou seja, o partido liberal da Inglaterra do século XVIII, que defendia a limitação do poder real, a constituição e eram herdeiros da revolução gloriosa, em contraposição aos Tories, que compunham uma visão de mundo mais reacionária.

O conservadorismo moderno nasce, portanto, não de um reacionarismo anti-iluminista, mas de uma reflexão sobre os descaminhos que o ímpeto radical, transgressor e revolucionário poderia tomar. Não de uma defesa do absolutismo, mas sim de uma crítica à ruptura revolucionária.

E o Lula? E o STF?

A essa altura já deve estar impaciente o desprevenido leitor que, seduzido pelo título, deitou os olhos nesse artigo esperando considerações acerca da politicalha ordinária do Brasil atual.

Não julgue que ajo com má-fé ao sugerir reflexões e evitar, nesse quesito, verdades acabadas. A digressão político-filosófica aliada ao título sugestivo do artigo já dá por si só o que pensar. Mas sigamos juntos um pouco mais.

O que entendem por democracia aqueles que por aqui se arrogam seus defensores? Que tipo de democracia desejam? uma democracia liberal ou uma democracia totalitária? Lula já deixou claro, inúmeras vezes, seu desapreço pela democracia liberal.

“A democracia liberal demonstrou-se insuficiente e frustrou as expectativas de milhões”, discursou o presidente do Brasil, ano passado, no evento “Em defesa da democracia: lutando contra o extremismo”, organizado por ele e pelo presidente espanhol, o socialista Pedro Sanchez.

A democracia liberal não foi capaz de responder aos anseios e necessidades contemporâneas”, insistiu Lula em julho deste ano, no evento “Democracia sempre”, reunião realizada no Palácio de La Moneda, Chile, ao lado dos presidentes Boric, Pedro Sanchez, Petro e Yamandu.

Outro ponto que merece reflexão é a pública e notória defesa que o ministro Luís Roberto Barroso faz da função de “vanguarda iluminista” do STF. 

Ele próprio declara ser dever do tribunal “empurrar a história” para frente. Mas que tipo de iluminismo defendem os ministros do Supremo que se julgam iluminados? O iluminismo comedido de um Montesquieu, que pregava a divisão e harmonia dos três poderes, ou o iluminismo fanático de um Robespierre?

Robespierre também se considerava um iluminista e também esteve à frente de um Tribunal. No caso, o Tribunal Révoluttionaire, que julgava de forma rápida e sumária, condenando à morte os acusados de conspirar contra a República. 

Inspirado em Rousseau, Robespierre “iluminava” a sociedade de forma coercitiva, tomando medidas extremas para criar uma república virtuosa.

Claro, não temos mais guilhotinas. Está fora de moda. Mas temos leis. Leis pervertidas, como já prenunciava F. Bastiat (1801-1850), em seu opúsculo Le Loi. Não leis que servem à justiça ao protegerem a vida, a liberdade e a propriedade, mas leis distanciadas de sua própria finalidade, leis voltadas para a consecução de um objetivo inteiramente oposto: “A lei transformada em instrumento de qualquer tipo de ambição, em vez de ser usada como freio para reprimi-la! A lei servindo à iniquidade, em vez de, como deveria ser sua função, puni-la!

Dentre os ilustres togados, Barroso não é dos piores. Seu exemplo apenas veio a calhar devido à sua arrogante pretensão iluminista. Alexandre de Moraes, cuja retórica está centrada na “defesa da democracia”, tem sido mais eficaz em descaracterizá-la, minando seus alicerces ao combater seus mais atabalhoados adversários.

Em matéria de ataque à liberdade de expressão, Dias Toffoli disputa com Moraes o troféu de censor da República, mas, em matéria de perverter a lei, de transformá-la em “instrumento de qualquer tipo de ambição”, o criador do Fórum Jurídico de Lisboa é hors conscours. Mas não falemos dele. Bolsonaro não deixa. “Esqueça qualquer crítica ao Gilmar”, escreveu o ex-presidente em mensagem ao seu filho, divulgada no relatório da Polícia Federal.

Eis a situação caótica do Brasil: o Supremo Tribunal Federal que, revisando sua própria jurisprudência, possibilitou a saída do presidente Lula da prisão, vê-se hoje na iminência de condenar um ex-presidente que tentou dar um golpe de Estado.

Golpe que precisa de militar, que escancara o desejo de instaurar uma ditadura e é planejado por pessoas broncas, pouco ilustradas, abertamente reacionárias é coisa antiga e ineficaz. Mas serviu muito bem de pretexto para algo mais sutil: justificar o pacto entre Lula e o STF e o novo “contrato social” por meio do qual eles salvarão a “democracia” no Brasil.

Renascimento Nuclear na Era da Inteligência Artificial

A energia nuclear está ressurgindo como uma das mais promissoras respostas às demandas energéticas trazidas pelo advento da inteligência artificial. Data centers, redes neurais avançadas e a crescente infraestrutura digital consomem quantidades colossais de eletricidade, pressionando sistemas energéticos já fragilizados. Nesse contexto, o nuclear reaparece não apenas como tecnologia, mas como símbolo de um futuro possível: limpo, estável e capaz de sustentar a era da informação.

O que surpreende, porém, é que quem encabeça esse movimento não é uma autoridade política ou um magnata da energia, mas sim uma ativista e criadora de conteúdo: Isabelle Boemeke, conhecida mundialmente como Isodope. Em agosto de 2025, ela foi tema de reportagens internacionais após o lançamento de seu livro Rad Future: The Untold Story of Nuclear Electricity and How It Will Save the World. O título já revela a ambição da obra: recontar a história de uma tecnologia marcada pelo medo e transformá-la em promessa de futuro.

Do espectro da destruição à promessa de esperança

Por décadas, a energia nuclear esteve associada ao espectro da destruição. Hiroshima e Chernobyl cristalizaram a imagem de um poder humano desmedido, capaz de criar e ao mesmo tempo aniquilar. Essa herança moldou não apenas políticas públicas e movimentos sociais, mas também o silêncio coletivo sobre seus possíveis benefícios.

É justamente esse legado que Isabelle confronta. Rad Future parte do paradoxo nuclear — destruição e criação, risco e promessa, ameaça e esperança — para propor uma nova narrativa. Seu gesto é ousado: unir ciência, ativismo e arte para mostrar que o nuclear não é apenas tecnologia, mas também imaginário social. Ao transformar essa história em estética e linguagem acessíveis, Isabelle abre o debate a jovens, artistas e ativistas climáticos, rompendo com décadas de tecnocracia e burocracia.

Cultura e política: uma convergência histórica

O impacto cultural de Rad Future não acontece no vácuo. Em agosto de 2025, quase simultaneamente ao lançamento do livro, a Federal Energy Regulatory Commission (FERC) autorizou a retomada da usina nuclear Duane Arnold, em Iowa (EUA). A decisão foi considerada histórica: após anos de desativação, uma planta nuclear voltou à rede elétrica para atender à crescente demanda por energia limpa e confiável (Howland, 2025).

Esse episódio sinaliza algo maior. Cultura e política, que tantas vezes caminharam em direções opostas no tema nuclear, começam a se alinhar. O nuclear deixa de ser apenas uma questão técnica e passa a ser também uma questão social e cultural, legitimada por símbolos, narrativas e vozes capazes de mobilizar a imaginação coletiva.

O Brasil diante do paradoxo

Há, nesse movimento, uma ironia poderosa. A principal voz cultural do nuclear no mundo é brasileira. Nascida em Passo Fundo (RS), Isabelle Boemeke tornou-se referência internacional ao redesenhar a imagem da energia nuclear, mas continua pouco reconhecida em seu país de origem.

O Brasil possui Angra 1 e 2, a promessa inconclusa de Angra 3, algumas das maiores reservas de urânio do planeta e um programa nuclear naval sofisticado, conduzido pela Marinha. Apesar desse potencial, o debate público segue paralisado, preso a estigmas e à memória de catástrofes passadas. O país hesita, enquanto sua voz mais criativa e ousada ecoa no exterior.

A energia do futuro é também narrativa

O mérito maior de Rad Future não está apenas em reabilitar a energia nuclear diante de argumentos técnicos, mas em revelar que o futuro energético será decidido também no campo da cultura. Energia, afinal, não é apenas um conjunto de reatores, turbinas ou painéis: é também símbolo, estética, imaginação coletiva.

Isabelle Boemeke compreendeu esse aspecto com clareza. Ao trazer moda, arte e comunicação digital para o debate nuclear, ela inaugura uma nova fase em que a energia deixa de ser monopólio dos engenheiros e se torna parte da cultura jovem global.

O desafio, portanto, não é apenas técnico: é simbólico. Rad Future nos lembra que escolher a energia do futuro é também escolher a narrativa que desejamos contar sobre nós mesmos. E talvez seja justamente aí que a inteligência artificial e o nuclear se encontrem: como expressões da ambivalência humana, capazes de ampliar tanto nossa capacidade de criar quanto nosso poder de destruir.

Referências

  • Boemeke, I. (2025). Rad Future: The Untold Story of Nuclear Electricity and How It Will Save the World. [Amazon Publishing].
  • Howland, E. (2025, August 26). FERC approves NextEra waiver needed for Duane Arnold nuclear plant restart. Utility Dive.
  • International Energy Agency. (2023). Electricity 2023: Analysis and forecast to 2025. Paris: IEA.
  • World Nuclear Association. (2024). World Nuclear Performance Report 2024. Londres: WNA

O Julgamento de Bolsonaro: Um Teste Crítico para o STF e a Democracia Brasileira

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, marcado para 2 de setembro de 2025 no Supremo Tribunal Federal (STF), vai além da figura de um político acusado de tentativa de golpe. Trata-se de um momento definidor para a democracia e, sobretudo, para a credibilidade do STF, que enfrenta crescente desgaste diante da opinião pública. Alegações de parcialidade, fragilidade de provas, cerceamento de defesa e medidas consideradas arbitrárias levantam dúvidas sobre a imparcialidade da Corte. O Supremo terá de escolher entre reforçar sua legitimidade como guardião da Constituição ou aprofundar a percepção de que se tornou um tribunal politizado.

Tradicionalmente visto como pilar democrático, o STF atravessa uma crise de imagem. A condução do processo por Alexandre de Moraes gera críticas que vão além dos círculos bolsonaristas. Sua atuação simultânea como relator e figura central do inquérito, somada a decisões como bloqueios de perfis, uso de tornozeleira eletrônica e prisão domiciliar de Bolsonaro em agosto de 2025, alimenta a narrativa de um Judiciário que extrapola seus limites. Entidades como a Human Rights Watch e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já alertaram para riscos de abuso de poder e enfraquecimento do devido processo legal.

A escolha de manter o julgamento na 1ª Turma do STF, composta por apenas 5 ministros, em vez do Plenário, é um erro grave. Casos de grande impacto — como o mensalão (2012) ou a prisão em segunda instância (2016) — foram julgados pelos 11 ministros em sessões públicas, o que fortaleceu a legitimidade das decisões. No caso Bolsonaro, limitar a decisão a uma turma reduzida reforça a percepção de falta de transparência.

O julgamento não diz respeito apenas a um ex-presidente, mas ao futuro da accountability política no Brasil. A sociedade, já polarizada, acompanha cada passo. Se o processo for visto como injusto, poderá inflamar tensões, legitimar narrativas de perseguição e minar a confiança em outras instituições. Por outro lado, um julgamento transparente e equilibrado pode reafirmar que ninguém está acima da lei.

As delações frágeis — como a de Mauro Cid, questionada por juristas pela ausência de provas materiais — e decisões céleres que sugerem presunção de culpa aumentam a desconfiança. A expectativa não é apenas por condenação ou absolvição, mas por um processo justo em forma e conteúdo.

O julgamento de 2 de setembro é um divisor de águas. O STF precisa demonstrar que é capaz de julgar com imparcialidade e sem aparência de perseguição política. Um processo opaco enfraquecerá a Corte e, com ela, a própria democracia. A sociedade brasileira merece um julgamento à altura da Constituição.

O Brasil é dos Chineses

A recente negociação envolvendo a venda das minas de níquel da Anglo American para a MMG, subsidiária da estatal China Minmetals, escancara a vulnerabilidade do Brasil diante de investimentos estrangeiros que não apenas movimentam cifras bilionárias, mas tocam o coração da soberania nacional: o controle sobre recursos estratégicos. O negócio, avaliado em US$ 500 milhões, foi concretizado em condições que levantam fortes suspeitas. Outra interessada, a Corex Holding, ofereceu quase o dobro do valor — US$ 900 milhões — e mesmo assim foi preterida, em uma decisão que reforça a percepção de que a Anglo American priorizou interesses políticos e comerciais ligados à China, ainda que em detrimento da transparência e da competitividade.

O caso se torna ainda mais grave quando se analisam seus impactos sobre o mercado. Se confirmada, a transação entregará à MMG o controle de mais de 50% do mercado brasileiro de níquel, praticamente 100% do mercado nacional de ferro-níquel e cerca de 60% do mercado global. Estamos falando de um insumo central para a economia do futuro, essencial na produção de baterias, veículos elétricos e aço inoxidável. Ou seja, o Brasil corre o risco de se tornar conscientemente refém de uma potência estrangeira justamente em um setor estratégico para a transição energética e a indústria de ponta.

Esse episódio ilustra porque o Projeto de Lei 1051/2025, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos (CTIE) não é apenas necessário, mas urgente. A ausência de uma estrutura robusta de avaliação de investimentos abre espaço para que decisões de curto prazo comprometam o futuro da economia nacional. O CTIE teria a missão de filtrar operações que afetam diretamente a segurança nacional e a autonomia estratégica do país. Trata-se de mecanismo de defesa que países desenvolvidos já utilizam para conter a expansão predatória em setores sensíveis, prática comum entre os membros da OCDE.

Não se trata de xenofobia econômica, mas de realismo geopolítico. A China, por meio de suas estatais, persegue deliberadamente o controle de cadeias globais de suprimento de minerais críticos. A lógica é clara: quem domina os insumos controla os preços, define os prazos e estabelece condições comerciais e controle econômico. O Brasil, dono de vastas reservas minerais, assiste passivamente à entrega de seu patrimônio estratégico.

É simbólico que até o Instituto Americano do Ferro e do Aço busque pressão diplomática contra o acordo, denunciando a crescente ação global da China pelo controle dos minerais críticos. O país domina hoje o refino de minerais como níquel, cobalto e terras raras, mas ainda depende de minas no exterior para alimentar suas fundições. Por isso, corre para adquirir ativos estratégicos em diferentes continentes. 

A soberania nacional está além de manter fronteiras, mas também resguardar a capacidade de decidir sobre nossos recursos. Portanto, a venda das minas de níquel não é apenas um negócio isolado: é um alerta. Sem instrumentos institucionais como o CTIE, o Brasil segue vulnerável a operações que comprometem seu futuro. O PL 1051/25 surge como uma salvaguarda indispensável, garantindo que decisões estratégicas sobre setores críticos não sejam tomadas sob a lógica do oportunismo financeiro, mas sob o imperativo maior da soberania nacional. O governo diz que o Brasil é dos brasileiros, porém, a verdade é que, até o momento, o Brasil caminha para ser propriedade dos chineses.