Arquivo da categoria: artigos

Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke

O wokismo como cultura dominante progressista chegou ao fim com a contrarrevolução de Trump, é o que escreve Benedict Neff, analista político suíço, em seu artigo no Neue Zürcher Zeitung (NZZ).

Ao analisar a chamada “revolução do senso comum”, proclamada pelo presidente americano em seu discurso inaugural, o jornalista explica: “o que ele quer dizer com isso é que existem apenas dois gêneros e que as pessoas devem falar como quiserem — “liberdade de expressão“. Parece simples. E é. O senso comum não é muito exigente.

Por uma feliz coincidência, acabo de ler um divertido e interessante texto “entrevista com o senso comum”, escrito por Luiz Felipe Pondé.

Ao ser questionado por Pondé sobre o que considerava mais importante na sua vida, o senso comum respondeu: “minha família, que meus filhos não usem drogas e Deus”. Eis a chave do imbróglio político da atualidade e o motor que impulsiona a tal polarização.

Se a esquerda raiz já atacava a família – Marx e Engels a veem apenas como uma instituição burguesa voltada para a manutenção da propriedade privada – e Deus – A religião é ópio do povo – a nova esquerda pós-moderna e pós-marxista, conceitualmente nutrida por Marcuse, Foucault, Judith Butler, etc escancara essa guerra contra os valores morais de maneira chocante para o senso comum.

Um ponto importante, abordado também por Pondé em artigo anterior ao supracitado, é que essa esquerda nutella woke pretende “criar um novo senso comum”, o que é obviamente absurdo uma vez que “o senso comum não é algo que a engenharia social, paradigma da esquerda, consegue fazer acontecer”.

Esse anseio paradoxal e impossível de criar um novo senso comum explica parcialmente o alto grau de autoritarismo da militância woke.

Aceitar que um indivíduo adulto opte por tomar hormônios e fazer uma cirurgia para mudar de sexo sem se intrometer na sua vida nem condená-lo por viver assim não é mais suficiente. Você deve acreditar que esse indivíduo realmente mudou de sexo; pensar o contrário seria indicativo de intolerância e transfobia; expressar o que você pensa e acredita acerca disso pode lhe render processo e até cadeia.

Educar as crianças para esse novo mundo onde há mais gêneros do que cores do arco-íris é fundamental nesse processo de engenharia social; se você não acha que seus filhos devem ser educados nesse fantástico mundo de Bobby, prepare-se, seu reacionário homofóbico transfóbico de extrema direita, para ter problemas com o Estado e com seus amigos mais despertos (wokes).

Foi por se contrapor duramente a essa situação distópica que Trump assegurou, mais uma vez, a sua vitória, o que é um forte indicativo, segundo o jornalista suíço do NZZ, de que o Woke como cultura ocidental dominante chegou ao fim.

Benedict Neff lembra que “o antecessor de Trump, Joe Biden, assumiu o cargo em 2021 para formar o gabinete mais diverso da história americana e seu primeiro decreto foi sobre justiça social e equidade em relação às minorias. A ideia de que a sociedade deveria se tornar mais inclusiva, diversa e sensível parecia imparável no Ocidente. Isto foi considerado um progresso por excelência”.

Pesquisas mostravam, porém, que a maioria da população (o tal senso comum) ficava cada vez mais desconfortável com as proibições de pensar e falar que inevitavelmente acompanhavam o avanço das políticas afirmativas. Mesmo assim, os democratas continuaram enfiando goela abaixo da sociedade os valores DEI (diversidade, equidade e inclusão).

Um número cada vez maior de pessoas foi entendendo que essas políticas, que retoricamente afirmavam buscar a libertação das minorias, “na verdade as limitava à sua identidade, a categorias como origem, cor da pele e gênero”.

Donald Trump está acabando com as políticas DEI. É a revolução do senso comum. O problema é que a direita populista, nacionalista, iliberal, representada por Trump não é propriamente uma direita dotada de bom senso, mas uma direita que tende, também ela, a se contrapor a algo muito comum, genuíno e espontâneo: a compaixão, por exemplo.

Dentre as suas inúmeras medidas duríssimas contra imigrantes, destaca-se como particularmente desumana o ter encerrado o status de proteção temporária (TPS, na sigla em inglês), para mais de 300 mil venezuelanos nos Estados Unidos, que devem ser deportados para voltar a sofrer os horrores da ditadura de Maduro nos próximos meses.

Ao comprar a briga contra a cultura woke, Trump conseguiu votos e apoio daqueles que já estavam exasperados com o avanço da agenda delirante e intolerante da esquerda progressista. Sob esse aspecto, Trump parece ter sido um mal necessário para frear as pretensões de uma esquerda que levou seus erros longe demais.

Considerá-lo um mal necessário para o momento, porém, é diferente de fazer dele um ícone, um ídolo, um grande símbolo da liberdade, tal como o faz a direita brasileira, que o adora como novo mito.

Foi vexatória e patética a excursão de parlamentares brasileiros de direita para os Estados Unidos, primeiro no dia da eleição, depois no dia da posse.

Mas também foi e é vergonhosa, pelo motivo oposto, a cobertura da imprensa progressista sobre qualquer coisa que diga respeito a Trump. A imprensa não preciso idolatrá-lo nem demonizá-lo, mas acompanhar com atenção e senso crítico suas decisões.

Para voltar a citar o já referido artigo do NZZ, parece que “o momento está com Trump.”

Lembra Benedict Neff que, “Para Goethe, o zeitgeist era a predominância de um lado que assumia o controle da multidão e fazia o que tinha que fazer por um tempo, enquanto o outro lado tinha que se esconder. Mas em algum momento o zeitgeist muda novamente…”

A cultura woke tende a cair em ruína sob o peso do seu próprio absurdo. Resta saber que outro erro absurdo tomará o seu lugar a fim de resistirmos também a ele.

As deportações de Trump podem minar os interesses maiores dos EUA na América Latina

À medida que o governo Trump prepara o terreno para deportar migrantes indocumentados em uma escala sem precedentes, vale a pena considerar como isso pode involuntariamente minar os interesses dos EUA nas Américas.

As deportações são uma ferramenta fundamental da política de imigração dos EUA, e os Estados Unidos removeram 271.000 migrantes indocumentados no ano fiscal de 2024, a maior alta em 10 anos. Dada a estimativa de 660.000 migrantes com antecedentes criminais ou acusações pendentes, o esforço do governo Trump para aumentar as deportações tem mérito. No entanto, a escala de deportações em consideração traz riscos substanciais.

A dura realidade é que a migração é um sintoma de uma região desestabilizada pela insegurança, e as deportações em massa podem inadvertidamente fortalecer grupos criminosos, minando os esforços dos EUA para combater o crime transnacional, conter a influência da China e pressionar regimes autoritários na região.

A migração se tornou um negócio cada vez mais lucrativo para grupos do crime organizado na América Latina, que caçam e lucram com migrantes por meio de contrabando, extorsão, tráfico sexual e recrutamento. O crescimento dramático da gangue Tren de Aragua oferece um dos exemplos mais claros de como o crime organizado se expandiu por conta da migração e como as deportações podem acelerar seu crescimento novamente.

A reportagem da InSight Crime documentou como a Tren de Aragua explorou a migração em massa de venezuelanos para a Colômbia, Peru e Chile, que começou em 2018, para se transformar de uma gangue local baseada em prisões venezuelanas em uma organização criminosa transnacional. A Tren de Aragua desenvolveu um ecossistema predatório abrangente: estabelecendo controle sobre travessias de fronteira, coordenando operações de contrabando de pessoas e forçando migrantes a atividades criminosas por meio de sequestro e coerção.

Depois de estabelecer o controle territorial por meio da exploração de migrantes, a Tren de Aragua se diversificou em outros empreendimentos criminosos, criando um ciclo auto-reforçado de criminalidade e instabilidade.

Uma dinâmica semelhante está em jogo no México, que deve receber muitos deportados de países terceiros cujos governos provavelmente não facilitarão os retornos. Os cartéis mexicanos estabeleceram controle de fato sobre a fronteira Guatemala-México, onde o tráfico de pessoas se tornou mais lucrativo do que o contrabando tradicional de drogas e armas. Os cartéis exploram migrantes por meio de extorsão, sequestro e recrutamento forçado para atividades criminosas. Além disso, os cartéis buscarão recrutar deportados — de acordo com uma estimativa, os cartéis empregam coletivamente cerca de 175.000 pessoas no México e devem recrutar de 350 a 370 novos membros por semana para compensar o desgaste devido a prisões e mortes, de acordo com um estudo do centro de pesquisa austríaco Complexity Science Hub.

O afluxo de grandes grupos de deportados, muitos deles jovens e separados de suas famílias, seria um presente para os mesmos cartéis responsáveis ​​pela crise do fentanil nos Estados Unidos.

O crime organizado já representa um dos desafios mais significativos para a América Latina. Grupos criminosos trabalham para corromper autoridades e instituições em todos os níveis de governo e, em alguns lugares, assumiram muitas funções governamentais. O crime organizado se expandiu muito além das atividades tradicionais e até mesmo tentou dominar economias legais.

A insegurança resultante é um dos principais impulsionadores da migração e estima-se que esteja reduzindo o PIB da região em 3,5% ao ano, de acordo com uma análise do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Mas os grupos criminosos podem se expandir ainda mais se conseguirem explorar as novas oportunidades trazidas pelos deportados. Por exemplo, o Departamento de Estado atualmente inclui apenas seis dos 32 estados do México em sua designação mais severa de Nível 4 “não viajar” devido à insegurança generalizada nesses estados. Com um influxo de deportados, os cartéis provavelmente seguirão rapidamente as populações deportadas para novas áreas, criando novos vetores para atividades ilícitas e espalhando níveis semelhantes de insegurança para outros estados mexicanos.

As consequências podem se estender além das preocupações com a segurança. Deportações em massa podem prejudicar relacionamentos até mesmo com governos amigos na região, minando a frente unida necessária para exercer pressão sobre o regime de Maduro na Venezuela e dificultando as parcerias que poderiam ajudar a conter a influência chinesa. A chegada de milhões de deportados corre o risco de acelerar a quebra da ordem nos países receptores, potencialmente desencadeando novas ondas de migração externa e exacerbando a instabilidade e a tensão na região.

O governo Trump tem uma oportunidade histórica de reformular as relações EUA-América Latina e abordar desafios regionais persistentes. Embora as deportações devam desempenhar um papel na restauração da segurança da fronteira, o governo deve considerar as consequências não intencionais que as deportações em larga escala podem trazer. Um foco nos objetivos estratégicos mais amplos de construir uma região mais livre, segura e próspera pode, em última análise, provar ser mais eficaz na redução dos fluxos de migração irregular.

Oportunismo Político

A ascensão de Donald Trump e a adoção de suas políticas, especialmente no âmbito migratório, tem funcionado como combustível para governos impopulares tentarem um regaste de prestígio diante de sua população. Vimos isso acontecer com a deportação de imigrantes ilegais colombianos e brasileiros dos EUA, algo que movimentou o cenário externo nos últimos dias.

Petro, presidente da Colômbia, mergulhado em uma desaprovação que ultrapassa 60%, busca incansavelmente caminhos que recuperem sua popularidade. Achou uma brecha com a repatriação de imigrantes ilegais colombianos dos Estados Unidos. Havia aceitado receber os deportados. Fez um post celebrando a chegada de seus compatriotas com “bandeiras e flores” e depois deletou. Mudou de ideia para criar um fato político. Trump considerou sua mudança de atitude como ato de hostilidade e desonestidade. Retaliou. Petro recuou e acatou integralmente os termos dos EUA.

O Brasil seguiu pelo mesmo caminho. A polêmica por aqui se estabeleceu sobre o transporte dos imigrantes ilegais devolvidos em voo fretado pelos EUA. Há reclamação de que o grupo voltou algemado. O procedimento utilizado tem sido padrão desde 1980, usado também para transporte de presos nacionais dentro do seu próprio território. O padrão é adotado por dois motivos. Protege aquele que está sob custódia do Estado, que pode nesse tipo de situação se machucar ou até cometer algum ato extremo contra si próprio. O outro é a proteção dos agentes de segurança. Além disso, os voos são parte de um acordo firmado em 2018, durante o governo Temer.

Percebemos, na verdade, que o imbróglio possui fundo político, uma vez que estamos diante do mesmo rito e mecanismos usados há pelo menos 45 anos. Foram 22 ministros de Lula que mostraram indignação sobre brasileiros deportados no primeiro voo durante o governo Trump. Durante o terceiro mandato de Lula já foram 32 voos trazendo deportados da mesma forma. O governo jamais havia tecido qualquer crítica.

Todos sabem que o Brasil possui um governo antiamericano, algo inegável. Por questões políticas e ideológicas, Lula nunca escondeu sua visão sobre os Estados Unidos. Seu círculo mais íntimo de assessores, especialmente na área internacional, ainda carrega uma visão ultrapassada e obsoleta de mundo, responsáveis por equívocos como este.

Assim como Petro, o governo brasileiro tem usado o oportunismo político como arma para alavancar sua popularidade. Atualmente, Lula possui taxa de reprovação que supera a aprovação. Assim como Petro, enxerga sua popularidade derreter, colocando em xeque as chances de reeleição. Ambos procuram usar este fato como combustível político para resgatar o apoio popular perdido em meio aos erros de seus governos.

O número de ilegais deportados vem caindo sistematicamente desde o governo Clinton – aquele que mais deportou (com folga) nas últimas décadas e o número de deportados que havia caído com Obama e Trump, voltou a subir com Biden. Estes são fatos. Os EUA seguirão sendo um país de imigrantes, mas sobretudo de leis. Aqueles que migram de acordo com as regras, serão muito bem recebidos, porém, aqueles que infringirem as normas, estarão em risco de serem devolvidos aos seus países. Enquanto isso, não faltarão líderes populistas para lucrar nas costas dos deportados, algo que no dicionário de Brasília se chama de oportunismo político.

Não há dois lados

Os “progressistas” contra os fascistas

As narrativas de dois lados em eterno confronto fabricam guerras. Foi assim que se constituiu a ideia de esquerda e, simetricamente, de direita. Como tomam como sentido da política a ordem (e não a liberdade), para ambas trata-se, em política, de lutar contra o outro lado para implantar a ordem que acham que condiz, no caso da esquerda, com o sentido (ou as leis) da história e, no caso da direita, com a ordem que acham que é designada por deus (quer dizer, pela religião) ou determinada pela natureza.

Atualmente o mesmo esquema é traduzido, pela esquerda, como uma luta dos “progressistas” contra a extrema-direita fascista.

É curioso porque, no lado dos “progressistas”, cabem os ditadores de esquerda. Os que divergem dessa narrativa são então colocados no lado dos fascistas.

Xi Jinping (China), Kim Jong-un (Coreia do Norte), Khamenei e seus braços terroristas (Irã), Bouphavanh (Laos), Chính (Vietnam), Lourenço (Angola), Maduro (Venezuela), Ortega (Nicarágua) e Canel (Cuba) são todos contra a extrema-direita. Putin (Rússia) é explicitamente antifascista (invadiu a Ucrânia para, supostamente, barrar os nazifascistas). Aliás, o muro de Berlim se chamava (na época em que Putin morava na Alemanha Oriental) Antifaschistischer Schutzwall (Muro de Proteção Antifascista). A não ser que queiramos enganar os outros, não faz o menor sentido classificar todos esses ditadores de esquerda (ou admirados pela esquerda) como “progressistas”

A única distinção honesta não é entre lados em eterno confronto entre si e sim entre regimes políticos: existem democracias e autocracias (ditaduras). Mas como existem ditaduras de esquerda e de direita, revela-se impotente (como categoria de análise) a distinção entre esquerda e direita ou (como diretiva política) a distinção entre “progressistas” e fascistas. Os regimes de esquerda de Maduro, Ortega e Canel são tão autocráticos quanto os regimes de direita de Orbán (Hungria), Erdogan (Turquia) e Bukele (El Salvador).

Governantes como Frederiksen (Dinamarca), Støre (Noruega) e Luxon (Nova Zelândia) não se definem por serem de esquerda ou de direita e sim por serem democratas liberais. Eles não são iguais a pretendentes autoritários de extrema-direita como Weidel (Alemanha), Ventura (Portugal) e Abascal (Espanha). O mesmo vale para Kristersson (Suécia), Schoof (Holanda) e Starmer (Reino Unido), que não são iguais a governantes autoritários de esquerda como Lourenço (Angola), Bouphavanh (Laos) e Chính (Vietnam).

Vai e volta e reaparece a ideia de uma “frente ampla contra o fascismo”. Por meio desse truque a esquerda quer que os democratas liberais se rendam, se diluam no condomínio dos “progressistas”, abram mão de apresentar à sociedade sua alternativa, em nome de derrotar a extrema-direita e, obviamente, colocar ou manter no poder a esquerda. O objetivo aqui é impedir a formação de um centro de gravidade democrático que não se defina por alinhamentos à esquerda ou à direita.

No Brasil dos dias que correm essa frente ampla para derrotar o bolsonarismo (de extrema-direita) quer manter o lulopetismo (de esquerda) no poder. Deve estar certo. Pois Zé Dirceu e seu fiel escudeiro Breno Altman são “progressistas”. Delúbio Soares e João Vaccari são “progressistas”. Ricardo Berzoini e Gleisi Hoffmann são “progressistas”. Frei Betto e seu pupilo Luiz Marinho são “progressistas”. O que importa é que todos são antifascistas!

Curioso que nessa já surrada “frente ampla contra o fascismo” dos populistas de esquerda não cabem os que são contra as ditaduras de Putin, Lukashenko, Xi Jinping, Kim Jong-un, Khamenei, Hamas e Hezbollah, Lourenço, Maduro, Ortega e Canel. Por quê? Ora, porque esses são de esquerda. E o objetivo de derrotar a direita é colocar no poder a esquerda, mesmo que seja autocrática. Alguém poderia dizer: viva Stalin (que matou cerca de 20 milhões de pessoas, mas era antifascista) contra Hitler.

Não há dois lados. Democracia e autocracia são regimes políticos, não lados. E, mesmo assim, existem democracias liberais (como Chile e Uruguai – cujo governo era dito de direita e agora é dito de esquerda) e democracias não-liberais (apenas eleitorais, algumas vezes com governos ditos de esquerda, como no México, em Honduras, na Colômbia, na Bolívia e no Brasil e, em outros casos, ditos de direita, como na Argentina e em Israel). E existem autocracias eleitorais (com governos ditos de direita, como na Índia ou ditos de esquerda, como na Bielorrússia) e autocracias não-eleitorais (com governos ditos de esquerda, como em Cuba ou ditos de direita, como no Haiti).

Querer reduzir tudo a dois lados em permanente confronto está no “DNA” da esquerda, que – desde sua pre-história jacobina e, em seguida, bolchevique – pratica a política como continuação da guerra por outros meios (o que, a rigor, do ponto de vista democrático, é antipolítica). É por isso que se diz que a esquerda inventou a esquerda e, pelo mesmo movimento, a direita.

Entre o ridículo e o inaceitável: teatro dos repatriados é cortina de fumaça para a falência do governo Lula

É inadmissível ver políticos e parte da imprensa tratando como novidade um processo de deportação que ocorre há mais de 40 anos. Sim, há mais de 40 anos, brasileiros deportados dos Estados Unidos chegam algemados nos voos de repatriação. Isso não é algo novo, mas foi transformado em espetáculo político, numa tentativa clara de criar uma cortina de fumaça para desviar a atenção dos problemas reais do governo Lula.

Antes de mais nada, a deportação de brasileiros ilegais segue acordos internacionais. Quem está em situação irregular nos Estados Unidos pode ser enviado de volta ao Brasil, e isso acontece de forma rotineira. Não importa se a pendência é judicial ou apenas documental, os acordos entre os dois países permitem esse retorno. E, na prática, muitos que atravessaram fronteiras ilegalmente, enfrentando riscos com jornadas perigosas, acabam até no lucro ao evitar prisões nos EUA.

O grande destaque dessa discussão virou o uso das algemas. Para muitos brasileiros, a imagem de repatriados algemados nas mãos e nos pés é impactante e humilhante, mas isso ocorre porque estamos acostumados a uma realidade onde algemas são raramente usadas, mesmo em presídios de segurança máxima. Nos Estados Unidos, é diferente: algemas são protocolo em voos de deportação e têm como objetivo evitar brigas, tentativas de fuga ou autolesões. Ela faz parte de processos de repatriação dos EUA para todos os países.

O problema maior não é o uso das algemas, mas a forma como o governo Lula e a imprensa amiga tentaram transformar isso em um evento inédito. Jornalistas experientes já documentaram esse procedimento há décadas. Fernando Rodrigues, que foi correspondente da Folha em Nova Iorque, postou as reportagens que ele próprio fez nos anos 1980 sobre brasileiros repatriados dos Estados Unidos. Nada mudou de lá para cá. A deportação sempre foi feita dessa forma, sem grandes mudanças.

E é aqui que entra o teatro. O governo, que adora acusar os outros de espalhar fake news, criou sua própria fake news ao afirmar que o uso das algemas viola o tratado entre Brasil e Estados Unidos. Isso é falso. O tratado menciona condições dignas para os repatriados, mas não há qualquer menção específica ao uso de algemas. É uma questão cultural e protocolar, aceita pelo governo brasileiro em diversos mandatos, incluindo os 4 do PT e a metade do terceiro governo Lula, aquela em que os EUA eram governados por Biden.

Curiosamente, foi necessário surgir Donald Trump no cenário político para o PT demonstrar um súbito interesse pela dignidade dos repatriados brasileiros. Durante todos os outros governos, especialmente de democratas, não houve qualquer indignação pública do PT ou da imprensa amiga em relação ao tratamento dado a imigrantes ilegais. Chegam voos mensalmente, até dois por  mês. Pode-se até imaginar: se essas deportações estivessem ocorrendo em um governo democrata, o PT não diria uma palavra, e a esquerda que agora finge defender direitos humanos nem tocaria no assunto.

Arrisco dizer que, se Kamara Harris tivesse sido eleita, poderia até deportar os brasileiros algemados do lado de fora do avião. Lula, a imprensa amiga e os “todes” aplaudiriam.

A situação beira o ridículo. Fingir que algo corriqueiro é novidade para rivalizar com Trump revela a falta de coerência e seriedade do governo. Mais do que isso, reforça a percepção de que a indignação é seletiva e conveniente. No final, o que vemos é uma tentativa de criar um teatro político para esconder os reais problemas que o governo Lula enfrenta: crise econômica, falta de resultados e uma comunicação cada vez mais desconectada da realidade.

O teatro dos repatriados não passa de mais uma cortina de fumaça. Enquanto isso, o brasileiro segue pagando o preço pela falência de um governo que tenta transformar banalidades em escândalos para desviar o foco de suas próprias crises.

Direita e esquerda: os dois polos da estupidez

Direita e esquerda reduziram-se, no Brasil, a dois polos de estupidez. Isso chegou a um nível tal que não parece haver mais vida inteligente em nenhum dos lados dessa militância.

Cada um dos polos ideológicos, claro, vai se julgar superior; direitistas reacionários, principalmente aqueles que adquiriram seus conhecimentos políticos via Olavo de Carvalho e Brasil Paralelo medirão seu próprio conhecimento por contraposição à educação doutrinária e militante predominantemente de esquerda, a qual chamam depreciativamente (com uma dose de razão) de educação Paulo Freire.

Em ambos os lados, porém, há mero verniz intelectual encobrindo vasta ignorância. E aqui não faço apologia a um eruditismo vão e pedante. Pelo contrário, penso que faz falta nos dias de hoje a simplicidade da vida comum, o desprezo cético por teorias e discussões inócuas.

Temos vivenciado uma contínua subordinação das mais diversas esferas da vida às exigências políticas. Mas não há pensamento onde só há ideologia e, paradoxalmente, a politização de tudo equivale à própria destruição da política.

Isso tende a provocar nas pessoas mais sóbrias e ponderadas uma saturação, uma hostilidade e desprezo pela política e suas questões.

O debate público passa a padecer, com isso, de uma fuga de cérebros: aqueles que poderiam contribuir com alguma palavra sensata rendem-se ao cansaço e ao tédio, enquanto os exaltados, os fanáticos, os parvos e os mal-intencionados alçam a voz, preenchendo ruidosamente todos os espaços públicos, das redações de jornais aos púlpitos das igrejas, das tribunas às cátedras universitárias, das redes sociais aos quadros do funcionalismo público.

Essa extensão da visão político-partidária-ideológica para instâncias nas quais a importância política está justamente no caráter apolítico do exercício de tais funções é perigosa.

Há décadas, no importante ensaio “Verdade e Política”, a pensadora Hannah Arendt já alertava que determinadas instituições públicas, embora estabelecidas e apoiadas pelos poderes, precisam estar ciosamente protegidas da influência e da pressão política.

A politização, por exemplo, do judiciário e das instituições de ensino, algo tão gritante no Brasil, é inegavelmente prejudicial à cultura democrática, embora os que politizam tais setores o façam, na maioria das vezes, em nome da democracia.

Outro setor seriamente afetado pela estupidificação ideológica, pela má-fé e pelo servilismo dos que se curvam ao poder em detrimento de suas precípuas funções é a imprensa.

Em artigo recente, o jornalista Felipe Moura Brasil analisou o problema do ativismo no jornalismo mostrando os prejuízos da ausência de distinção entre informação e juízo de valor:

“No mercado da comunicação, além da eventual indistinção entre setores noticiosos, analíticos e opinativos, há profissionais e ´especialistas´ que buscam dar ares de informação a seus juízos de valor, enviesando o noticiário e turbinando um dos maiores problemas do nosso tempo: a perda da base comum de realidade objetiva, que finca as discussões públicas em alicerces factuais”, escreveu o diretor de Jornalismo desse portal O Antagonista e da revista Crusoé.

No já referido ensaio, Hannah Arendt analisa essa confusão entre fato e opinião, assim como a hostilidade à verdade factual quando esta se opõe ao lucro ou ao prazer de um determinado grupo. Esse aspecto também é abordado no artigo de Felipe Moura, que denuncia o ativismo político autoritário que busca deslegitimar com ofensas e distorções as poucas fontes idôneas de conhecimento factual.

Hannah Arendt foi uma filósofa judia, que fugiu do nazismo e se estabeleceu nos Estados Unidos, tornando-se uma pensadora mundialmente reconhecida por ocasião da publicação de As origens do totalitarismo (1951).

Sua obra analisa não apenas as entranhas de uma sociedade que se precipitou no abismo totalitário, mas expõe também os resquícios de tendências totalitárias que permanecem em germe nas sociedades atuais.

Não apenas na sociedade mundial, mas também aqui, na sociedade brasileira, há uma atmosfera autoritária perigosa, um ar difícil de respirar, politizado demais. Os sinais de que estamos no caminho da servidão voluntária são numerosos.

Esse caminho se alarga mais toda vez que o influente militante da direita aponta o dedo para toda a esquerda, amaldiçoando-a e o influente militante da esquerda aponta o dedo para toda a direita, defenestrando-a, como se apenas ali, no espectro político que não lhe diz respeito, estivesse todo o perigo e todo o mal.

A demonização do adversário político serve aos propósitos dos autoritários e o pendor autoritário é ambidestro.

O Brasil está mergulhado em um caos social. A raiva, o rancor, a decepção, a frustração dos brasileiros será mais uma vez manipulada, instrumentalizada se não rompermos a bolha da ignorância e do fanatismo.

Ainda somos uma democracia. Uma democracia disfuncional, agonizante. Cabe a nós, porém, revigorarmo-nos como nação livre, plural e tolerante ou deixarmos o nosso país se enterrar de vez ao som da trombeta apocalíptica de qualquer discurso político demagógico de ocasião.

Conflitos Geopolíticos na “Garganta do Pacífico”: o Mar do Sul da China

O Mar da China Meridional, ou Mar do Sul da China (MSC), figura entre as maiores prioridades — e, também, alguns dos mais sérios desafios — do ambicioso projeto de Xi Jinping no sentido de tornar a China ‘grande de novo’.

Com 3,5 milhões de quilômetros quadrados (correspondendo a 22% da massa territorial chinesa) e mais de 250 ilhas, o MSC banha 10 países: a República Popular da China (RPC); Taiwan; Filipinas; Brunei; Malásia; Camboja; Indonésia, Singapura, Tailândia; e Vietnam. Por ali circulam de 20% a 33% do comércio mundial marítimo. Seu subsolo é rico em petróleo e gás, e suas águas abrigam mais de 3.300 espécies de peixes. O MSC é uma das maiores zonas produtoras de pescado do mundo, fonte importante de segurança alimentar para as nações litorâneas. Seus muitos pontos de estrangulamento, como os estreitos de Luzon e de Taiwan, aliados ao volume de interesses econômicos e militares em jogo, valeram-lhe o apelido de “Garganta do Pacífico”. Em caso de conflito militar bloqueando o Estreito de Malaca, entre a Indonésia e a Malásia, todo o seu tráfego marítimo teria que ser redirecionado para o sul da Austrália, com enormes custos adicionais para o comércio mundial e incalculáveis prejuízos para Taiwan, Singapura e outros países da região.

Por sua importância, os Estados Unidos advogam plena liberdade de navegação para as frotas mercantes e de guerra que singram o MSC, o que se choca frontalmente com as pretensões chinesas. As informações a seguir constam da excelente e atualíssima obra do jornalista Chun Han Wong, Party of One: the Rise of Xi Jinping and China’s Superpower Future (New York: Simon & Schuster, 2023). Nascido em Singapura e fluente tanto em inglês quanto em mandarim, ele trabalhou na sucursal chinesa do Wall Street Journal entre 2014 e 2019, quando teve a renovação de suas credenciais profissionais negada pelas autoridades de Pequim, que se indignaram com suas reportagens sobre as fortunas amealhadas pela oligarquia comunista, aí incluída a família de Xi.

Ainda na década de 1940, quando o Kuomintang dominava o continente, o governo do generalíssimo Chiang Kai-shek divulgou uma mapa que proclamava a soberania chinesa sobre a maior parte do MSC. Depois da vitória da revolução liderada por Mao Tsé-tung (1949), o regime comunista consolidou aquele ‘traçado’, estendendo suas pretensões a limites que até hoje alimentam atritos com seus vizinhos. Exemplos: com o Japão, a leste, por causa das ilhas Senkaku (ou, em chinês, Diaoyu); e com Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan, ao sul, pela ocupação das águas e das ilhas Spratly e Paracel.

Citado por Chun Han Wong, o pesquisador Gregory Poling, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (Washington, D. C.), aponta o interesse de Pequim em cobrir suas reivindicações sob um véu de ambiguidades, a fim de confundir as conversações com representantes dos países vizinhos (somada aos chineses, a população dessas nações do litoral do MSC ultrapassa a marca dos 600 milhões de habitantes). Será que o mapa dos chineses reflete suas pretensões soberanas sobre acidentes terrestres, como as ilhas Spratly e Paracel? Ou será que ele considera aquelas águas como parte do mar territorial chinês? Ou será, ainda, que ele envolve a reivindicação de direitos de exploração econômica escorados em antecedentes históricos?…

Enquanto, os diplomatas estrangeiros se entregam ao desvendamento desses enigmas, a China constrói ‘ilhas’ sobre os arrecifes, de modo a assegurar a eficácia de suas reclamações com quartéis, pistas de pouso, sistemas de defesa antiaérea e antinaval, entre outros ‘testemunhos’ do seu poderio militar.

Os elefantes, o capim e a ‘pergunta de um milhão de dólares’:

O governo americano e os governos daqueles países litorâneos do MSC encaram tudo isso como uma violação do arcabouço jurídico liberal que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sustentou o sucesso econômico da região. Eles alegam que a RPC querem substituir esse arcabouço por um descarado recurso à ‘lei do mais forte’….

Assim, em 2016, o governo chinês declarou “nulo” um veredito da Corte Internacional de Justiça, de Haia, principal tribunal das Nações Unidas, o qual determinava o cancelamento dos planos de construção de ilhas artificiais, por solicitação dos governos de cinco países do Sudeste Asiático. Essa atitude de desafio se prevaleceu do poder de barganha decorrente do comércio da China com aquelas nações e também da tática de Pequim, que consiste em jogá-las umas contra as outras. Isso, até hoje, tem impedido uma resposta unificada da Associação das Nações do Sudeste Asiático-Asean aos arreganhos da RPC. O bloco, composto de 10 membros, toma suas decisões por consenso, e pelo
menos dois deles (Camboja e Laos), dada a sua dependência em face dos investimentos e empréstimos negociados no marco da Nova Rota da Seda, ali atuam como dóceis ‘clientes’ da China.

Afinal, como adverte a sabedoria popular do Extremo Oriente, quando os elefantes brigam, o capim sofre, ao que, em de seus pronunciamentos, o pai-fundador de Singapura, Lee Kuan Yew (1923-2015, primeiro-ministro entre 1965 e 1990), acrescentou: “Quando eles flertam, o capim também sofre. E, quando fazem amor, aí então é um desastre!…”

De qualquer maneira, o repto chinês à estabilidade geopolítica e econômica na região do Indo-Pacífico, cada vez mais, vem suscitando reações de potências regionais que compartilham as preocupações de segurança dos Estados Unidos, a exemplo do pacto militar trilateral entre americanos, britânicos e australianos (AUKUS) e o Diálogo Quadrilateral (Quad), em cujo marco Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália têm recebido apoio crescente dos governos da Coreia do Sul, do Canadá, do Vietnam e da Nova Zelândia.

Neste ponto, a ‘pergunta de um milhão de dólares’ que o mundo se faz é: qual o futuro desses arranjos estratégicos destinados a conter o expansionismo chinês durante o segundo mandato presidencial de Donald Trump?

As Garras da América

A águia foi escolhida como o símbolo oficial dos Estados Unidos por representar valores como liberdade, coragem, resiliência e determinação. Incluída no selo do país em 1776, tornou-se icônica, simbolizando orgulho e força. Suas garras representam sua arma mais poderosa, usadas tanto como instrumento de ataque, como de defesa.

“A Era de ouro da América começa agora”, pontuou Donald Trump, na abertura de seu discurso durante o triunfal retorno a Washington depois de quatro anos. Estamos diante de um Presidente que buscará exercer seu poder sem rodeios ou necessidade de aprovação. Esta sempre foi sua postura como empresário e como mandatário em seu primeiro mandato. Neste que, constitucionalmente deve ser o último, não hesitará em impor sua doutrina e atitude, que consiste na reforma dos mecanismos internos do país e na mudança de postura na frente internacional.

Veremos os Estados Unidos usarem efetivamente seu peso e poder ao redor do mundo. Ao contrário do Presidente Theodore Roosevelt, que assumiu publicamente a postura estratégica de “falar com suavidade e ter à mão um grande porrete”, a política do big stick, Donald Trump deve falar com assertividade e deixar claro que carrega centenas de porretes à sua disposição, algo que faz enorme sentido diante dos contornos políticos internacionais conhecidos de nosso tempo.

As primeiras incursões de sua política, sinalizadas antes da posse, já produziram uma série de resultados efetivos. Diante do fato de que a China tem usado a costa da Groenlândia para facilitar seu transporte de cargas, Trump lançou a ideia de compra do território. Resultado efetivo: o governo de Copenhague propôs o aumento de bases americanas na Groenlândia como forma de cessar as iniciativas de compra do território. Ponto para ele.

A negociação do cessar-fogo e retorno dos reféns para Israel foi negociado por Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio. Trump mete medo no Hamas e Netanyahu sabe que precisa do seu apoio. O resultado foi o acordo. Mais um ponto para o novo Presidente americano. Na Europa, em discurso a militares, Macron pediu ao continente para “acordar” e gastar mais com defesa. A fala veio depois de Trump pedir a países da Otan que elevassem os gastos militares para 5% do PIB. Os americanos hoje pagam grande parte deste custo. A Europa deve ceder. Mais um ponto para Trump.

Fato é que a simples sinalização da mudança de postura dos americanos já começou a movimentar as peças do tabuleiro no cenário internacional. A reação dos Estados Unidos chega em um momento crucial, especialmente diante da postura imperial de uma Rússia disposta a invadir seus vizinhos e uma China que se sentia livre para exercer seu poder e influência em diferentes pontos do planeta, seja pela compra de apoio e subserviência por meio da Nova Rota da Seda, seja pela imposição militar.

A reintrodução de uma América forte neste jogo, pautado atualmente pelos fenômenos do imperialismo e da desglobalização, é essencial para reequilibrar as forças no xadrez internacional. As garras de Washington nunca foram tão necessárias em um cenário que envolve atores dispostos a patrocinar a instabilidade internacional. A conferir.   

Trump e a doutrina da ferocidade com propósito

A posse de Donald Trump na tarde desta segunda-feira (20) marca uma mudança completa no desenho político dos Estados Unidos. Ele retorna ao poder anabolizado por uma contundente vitória eleitoral num contexto que, 4 anos atrás, era tido como impossível. Havia, afinal, perdido a reeleição para Joe Biden. Mas, ao contrário do que poderia se supor (e do que desejavam seus inimigos), não aceitou a resignação, e desde o primeiro dia trabalhou na construção de uma volta por cima. Mas talvez nem ele imaginasse que seu retorno seria tão triunfal. O maior da história do país.

O novo presidente americano não venceu apenas no voto popular e no Colégio Eleitoral. Fez maioria da Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Seu partido também elegeu a maior parte dos governadores e dos representantes dos legislativos estaduais. É o que na América se chama de landslide. Os republicanos não tinham um desempenho desses desde Ronald Reagan e sua primavera conservadora, lá nos anos de 1980.

Antes mesmo de assumir, Trump já trazia a reboque duas vitórias políticas, ambas de impacto global. A primeira delas, a mudança na política de moderação de conteúdos da Meta, big tech de propriedade do bilionário Mark Zuckerberg. “Assinarei um decreto para imediatamente por fim à censura governamental e trazer de volta a liberdade de expressão para a América”, disse depois de empossado e no mesmo recinto em que estavam Zuckerberg e outros magnatas das novas tecnologias.

Enquanto tomava posse no Capitólio, outro feito prévio de Trump se concretizava no Oriente Médio, com o cessar-fogo costurado entre o grupo terrorista Hamas e o Estado de Israel viabilizava a entrega dos reféns retidos em Gaza desde meados de 2023. A costura geopolítica, envolvendo autoridades árabes e o governo de Benjamin Netanyahu, só se concretizou pela ação firme do novo governo americano. A negociação, é verdade, já vinha desde de maio, mas não chegava a uma conclusão exatamente porque Joe Biden não era respeitado e nem temido. Disposto a obter um resultado antes de começar o mandato, Trump despachou para a região o empresário Steve Witkoff. A aposta foi certeira.

Trump não é um leitor voraz de ciência política e de filosofia. Não é capaz, por exemplo, de fazer uma análise da história de seu próprio partido ou de quais pensadores influenciaram na sua formação. É um empresário que negocia com a faca nos dentes e pensa permanentemente na obtenção de resultados. É a doutrina da ferocidade com propósito. Essa é a linha de ação será devolvida para a Casa Branca. É tolo, portanto, especular em tom de dúvidas sobre como Trump governará os EUA. Ele já ocupou o posto.

Já no primeiro dia de governo, o novo presidente assinou dezenas de decretos reposicionando os EUA no cenário global. Também distribuiu recados e deixou claro que usará todo o poderio militar e econômico norte-americano para alcançar seus objetivos internos e geopolíticos. A diferença é que agora, muito diferente de 2016, quando chegou ao poder pela primeira vez, Trump sabe onde está e como fazer.

Foto: REUTERS/Adriano Machado

Governo Lula e uma estranha obsessão por fake news e redes sociais

O governo Lula parece obcecado com as redes sociais e o que chama de “fake news”. O objetivo, no entanto, não parece ser combater desinformação mas silenciar quem não se submete ao discurso da esquerda. Essa obsessão não é novidade, o PT sempre teve o sonho de regular a mídia. Quem não se lembra de Lula tentando expulsar do Brasil um repórter do New York Times por publicar algo que ele não gostou?

A diferença agora é que o contexto mudou. Sem prosperidade econômica para sustentar sua popularidade, o governo tenta compensar com controle de narrativa. Muitos que votaram em Lula o fizeram com a memória das geladeiras compradas e das viagens feitas no passado. Só que a realidade atual é muito diferente e o governo não consegue esconder isso. Quando o cidadão vai ao mercado, sente no bolso o peso da inflação e a carestia. Não há rede social ou discurso que transforme um carrinho vazio em fartura.

E o que o governo faz diante desse cenário? Insiste em narrativas desconectadas da realidade. Declarações como “não vamos taxar as blusinhas” ou “não haverá imposto sindical” são rapidamente desmentidas pelos próprios atos do governo. Com a regulamentação do PIX, da qual o governo desistiu, virou uma lambança. Tomaram um 7 x 1 do deputado Nikolas Ferreira nas redes e agora prometem sair processando quem promoveu “desordem informacional”. O que seria isso? Não sei. Maldosos diriam que falar mal do governo entra no escopo. Não creio.

A falta de coerência também aparece em questões como o sigilo. Enquanto planejava vigiar movimentações financeiras da população, os gastos e visitas de Janja e Lula são protegidos por sigilo de cem anos. Como o governo pode pedir confiança do povo quando pratica essa disparidade?

O foco nas redes sociais também é revelador. O PT quer calar vozes contrárias, algo que sempre esteve em sua agenda. Hoje, porém, essa censura tenta maquiar a realidade de um governo que não entrega o que prometeu. Na segurança pública, o cenário é de crime desenfreado e discursos vazios. Na economia, promessas de não aumentar impostos são quebradas constantemente. A cada nova mentira, a confiança no governo se dissolve.

E o que o governo faz? Tenta culpar as redes sociais e os críticos. Mas quanto mais o Lula aperta essa história de controle, pior fica para ele. A realidade não se esconde com mordaças. Não há narrativa que supere a sensação de insegurança nas ruas, os preços altos no mercado ou a desconfiança no governo.

No final, o governo Lula colhe o que plantou. Apostar em censura e controle não vai melhorar sua imagem. E, sinceramente? Eu acho é pouco.