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As eleições para o parlamento europeu e a defesa do mundo livre

As eleições para o parlamento europeu devem ser vistas no contexto da segunda guerra fria, já instalada e movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais. Apurados os resultados, pode-se dizer que venceu o mundo livre.

Não importa se quem defende as democracias liberais é dito de direita (como Ursula von der Leyen) ou de esquerda ou centro-esquerda (como Scholz ou Frederiksen).

E não importa se quem ataca as democracias liberais é dito de direita (Orbán ou Erdogan) ou de esquerda (Xi Jinping ou Kim Jong-un). Ou mesmo Putin, que apoia tanto a extrema-direita como a esquerda populista, desde que militem contra a ordem liberal e o mundo livre.

O eixo autocrático articula as maiores e mais cruéis ditaduras do planeta e os regimes iliberais (autocráticos, ainda que eleitorais): Rússia, China, Coréia do Norte, Irã, Turquia, Hungria, Síria e outras ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África, Cuba, Venezuela, Nicarágua.

E o eixo autocrático está investindo para alinhar a si regimes eleitorais (que são chamados de democracias, mas não são democracias liberais) parasitados por populismos, como México, Colômbia, Honduras, Bolívia, Brasil e África do Sul.

O fundamental, então, não é ser ou se dizer de direita ou de esquerda e sim defender a ordem liberal e o mundo livre contra as investidas do eixo autocrático. A Europa tem a maior concentração de democracias liberais do planeta. Segundo o V-Dem 2024, a Europa tem 18 democracias liberais em 50 países (36%). Nas Américas são 7 democracias liberais em 36 países (19,4%). Na Oceania 2 em 14 países (14,29%). Na Ásia 4 em 49 países (8,2%). Na África 1 democracia liberal em 54 países (1,6%). Essas democracias liberais precisam ser defendidas

Mas não se trata mais, apenas, de defender a ordem internacional baseada em regras. Eclodida uma segunda grande guerra fria, trata-se de defender o mundo livre (as democracias liberais) contra as investidas do eixo autocrático visando a exterminá-las.

Então são quatro as prioridades agora:

1 – Defender a União Europeia.

2 – Defender a Ucrânia contra a invasão do ditador Putin.

3 – Defender Israel contra os ataques da teocracia iraniana e seus braços terroristas (Hamas, Hezbollah, Houthis etc).

4 – Defender Taiwan contra as tentativas de invasão e anexação da ditadura chinesa.

Ao contrário do que fizeram parecer alguns meios de comunicação, os que não concordavam com essas prioridades não ganharam, perderam as eleições para o parlamento europeu.

Neopopulismo Francês

As eleições parlamentares francesas confirmaram os sinais emitidos pelo pleito europeu ocorrido algumas semanas atrás, ou seja, o crescimento da direita nacionalista no país. É uma clara indicação de que a França vem cedendo diante da onda de populismos que se espalha pelo mundo, levando ao poder governos que flertam com instrumentos cada vez mais distantes dos pilares da democracia.

Os resultados do pleito francês precisam ser enxergados com atenção e cautela com o objetivo de entender seu real significado. Para além dos 33% alcançados pelo partido de Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional, é preciso olhar para o resultado da Nova Frente Popular, uma coligação de esquerda formada pelo Partido Socialista, Partido Comunista da França, França Insubmissa e Europa Ecologia. A frente recebeu 28% dos votos franceses.

A grande estrela desta coalizão é a França Insubmissa, fundada por Jean-Luc Mélenchon, que obteve 22% nas últimas eleições presidenciais, chegando em terceiro lugar. O corte político do partido é um populismo de esquerda, centrado no nacionalismo e naquilo que se convencionou chamar de euroceticismo. Sua popularidade vem crescendo a cada eleição e, por mais que guarde semelhanças programáticas em vários aspectos com o Reagrupamento Nacional, pode se colocar como seu principal antagonista nas próximas eleições presidenciais em 2027.

Estamos diante de uma mudança profunda no sistema político francês que durante décadas oscilou entre a centro-direita e a centro-esquerda, elegendo gaullistas de um lado e socialistas de outro. O cenário de hoje reservou aos gaullistas um vergonhoso papel de coadjuvante, assim como os socialistas, que caminharam como um simples apêndice da coalizão de esquerda. Na medida que o centro se enfraqueceu, os extremos ganharam força e passam a partir de agora a comandar o palco político.

Se observarmos as somas dos votos impulsionados pelo populismo, temos uma clara noção do problema enfrentado pela França. Um total de 61% dos franceses optaram por soluções populistas ou ligadas ao populismo. Isto significa que a agenda anti-imigração, eurocética, nacionalista, protecionista e conservadora social de Le Pen e o nacionalismo eurocético, protecionista e socialista de Mélenchon encontraram um enorme eco na sociedade. Com algumas sutis diferenças, o eleitor optou pela mesma receita com colorações ligeiramente diferentes, mas similares na essência.

Tudo indica que o caminho do populismo até o Élysée está muito bem asfaltado e neste momento se tornou inevitável. Até lá, tudo indica um governo de coabitação entre os vencedores do pleito legislativo e o Presidente Macron. Haverá um Primeiro-Ministro que carrega visões e projetos diferentes do Presidente, algo que será um desafio para o sistema político e terá forte influência na sucessão de 2027.

O mundo vive mais uma onda, impulsionada em muitos aspectos por atores externos com muito pouco apreço à democracia, que visam balançar os pilares de nações do ocidente para surgimento de autocracias simpáticas aos seus regimes. Resta saber se o populismo francês flertará com a irresponsabilidade ou será simplesmente apenas mais uma guinada nacionalista.

França: triunfo nacional-populista e ameaça extremista à esquerda

O resultado final do primeiro turno das eleições legislativas franceses confirmou o favoritismo do partido de direita Rassemblement Nacional, que obteve 33,15% dos votos, seguido da aliança de esquerda Nouveau Front Populaire (NFP), que obteve 27,99% e da coligação presidencial (Ensemble) que ficou apenas na terceira posição com 20,76%. Em seguida vêm ainda os Republicanos (LR) com 9,7% e outros vários candidatos de direita com 10,23%.

Na véspera dessas eleições, vi um trecho de vídeo no qual o sociólogo e escritor Demétrio Magnoli comentava sobre a ascensão do partido de Marine Le Pen e sobre a possibilidade do RN chegar ao poder:

“Normalmente, os observadores, comentaristas, a imprensa se referem ao partido de Le Pen, o Rassemblement Nationale ou Reunião Nacional como um partido de extrema-direita. Eu vivo criticando isso, porque é inércia intelectual. Como o partido foi de extrema-direita, continua-se a qualificá-lo como sendo de extrema-direita. Ele deixou de ser um partido de extrema-direita, ele se tornou um partido da direita nacionalista”, comentou Magnoli, descrevendo na sequência as ações de Le Pen que efetivaram essa mudança.

A observação dele é pertinente, por isso me surpreendi um pouco com os inúmeros comentários reprobatórios que acompanhavam o vídeo, compartilhado na rede social X do canal no qual a observação do sociólogo foi feita: “ele é um partido de EXTREMA-DIREITA, mas o Demétrio Magnoli quer saber mais”, escreveu um perfil com a arrogância expressa em letras garrafais; “Como pode essa pessoa ter voz na televisão? De um baixo nível intelectual e flerta demais com o fascismo” registrou outro; “Como vocês não vão demitir, não assistirei mais”, desabafou outra, e assim por diante, provando que a inércia intelectual não é apenas dos jornalistas, mas do telespectador e leitor também.

O que disse na televisão, Magnoli também explicou em texto, no artigo “Le Pen rompe o cordão sanitário”. Como ele lembra, a mudança de nome do Front National para Rassemblement National foi acompanhada de um redirecionamento ideológico expressivo. Quatro anos após assumir o controle do partido, Marine Le Pen expurgou o próprio pai, Jean Marie Le Pen, admirador de Pétain, um general colaboracionista. “Eu tenho vergonha que ela carregue meu nome”, declarou em 2015 Jean Marie Le Pen a propósito de Marine; “Será ele ou eu”, declarou Marine a propósito de seu pai, no mesmo contexto.

“O jornalismo continua a qualificar a RN como ´extrema direita´ ou ´ultradireita´. É um erro analítico grave, que decorre de preguiça intelectual ou vontade de externar um repúdio moral (ou da mistura de ambos), tornando inexplicável sua ascensão eleitoral. Extremistas buscam destruir as instituições políticas. Le Pen ocupa o primeiro lugar nas intenções de voto justamente porque desistiu do extremismo, refundando a RN como partido da direita nacionalista”, explicou o sociólogo no referido artigo.

A desdemonização do partido de Le Pen

Um dos fatores que explicam a ascensão eleitoral do RN é justamente o processo de “desdemonização” iniciado por Le Pen. Partindo de uma base inicialmente homogênea, com eleitores de perfil antissistema que exigem políticas radicais em matéria de segurança e identidade, o RN foi evoluindo por etapas na medida em que se desradicalizava em alguns pontos específicos.

Como Demétrio Magnoli oportunamente destacou em seu texto, Le Pen mudou quase tudo no programa partidário, desistindo do extremismo e refundando o RN como um partido de direita nacionalista.

Nesse processo, ela abrandou as hostilidades em relação à União Europeia, distanciou-se de Putin, deixou de defender a deportação em massa passando a se concentrar nas políticas de controle do ingresso de imigrantes e fez um importante gesto ao homenagear em texto o general e presidente Charles de Gaulle, além de depositar flores na Cruz de Lorraine, na praia da Normandia onde De Gaulle pisou o solo francês em junho de 1944.

Mais recentemente, a duas semanas das eleições europeias, o RN oficializou a ruptura com o partido aliado no Parlamento Europeu, o AfD, após declarações de cunho nazista de um dos representantes do partido alemão.

Tudo isso possibilitou a normalização do partido e uma conquista parcial dos eleitores da direita clássica. Muitos que jamais teriam votado no Front National de Jean Le Pen afirmam que agora é diferente.

Mais correto do que dizer que o eleitor francês se radicalizou para um extremismo à direita seria dizer que o partido que estava no extremo desse espectro se remodelou e ampliou seu eleitorado dando respostas firmes à ideologia política que se fortalecia no extremo do outro espectro político.

Constatar isso não equivale a fechar os olhos para o problema de uma direita nacionalista. O programa do Rassemblement national tem aspectos protecionistas e pontos antiliberais preocupantes, mas fica difícil compreender um fenômeno que não se nomeia bem e é preciso compreender aquilo que se quer confrontar.

O primeiro cuidado para a correta compreensão de um fenômeno é tentar usar conceitos de modo adequado. Se o objetivo é entender por que a direita nacional-populista (Le Pen, Donald Trump, Giorgia Meloni, etc) está em ascensão, convém, como já sugerimos em artigo anterior, abrir mão do uso de expressões pouco rigorosas e abusivas como “extrema direita” ou “direita fascista”, que servem mais como xingamento de adversários políticos do que como ferramenta de análise.

Mais importante do que rotular ou estigmatizar partidos e eleitores é entender por que cada vez mais pessoas estão optando por votar dessa forma.

Wokismo, islamismo-esquerdismo e a Nova Frente Popular

As questões que, hoje, mais estruturam a opinião na Europa, de modo geral, e na França, em particular, giram em torno de identidade, secularismo, Islã, imigração e segurança. São esses fatores que motivam o francês a ir votar e são esses fatores que dividem e polarizam as posições, cada vez mais radicalizadas, à direita e à esquerda.

Pouco antes da esmagadora derrota, no Parlamento Europeu, das forças centristas de Emmanuel Macron para o partido de direita Rassemblement National, o seu presidente, Jordan Bardella, organizou o seminário “perigos do wokismo”, repetindo o tema do workshop ministrado por ele no ano passado, sedimentando, assim, a ideia de que se trata de um tema de primeira ordem para o RN.

De fato, em 2023, os deputados do RN criaram uma “associação parlamentar transpartidária contra o wokismo” visando combater a “escrita inclusiva” (uso do gênero neutro), a “propaganda LGBT nas escolas”, a “questão transgênero no esporte” e outros pontos polêmicos da agenda identitária de esquerda.

Esse tema, muitas vezes desprezado por analistas, está inegavelmente movimentando o tabuleiro político. Enquanto alguns se contentam em rotular de reacionários e conservadores aqueles que se preocupam com a expansão da chamada “ideologia de gênero”, outros transformam essa preocupação em capital político.

No seu seminário, porém, Jordan Bardella incorre no erro de considerar o wokismo uma “neurose importada.” Como bem destaca Nicholas Vinocur, editor geral do site Politico.eu, foi a própria França que lançou as bases para a ideologia Woke que agora parece liderar uma revolução global. Conforme lembra o articulista, o “wokismo, que os franceses adoram odiar, remonta a sua genealogia intelectual aos intelectuais franceses da década de 1960.”

O “movimento woke” enquanto mobilização por meio da popularização de ideias politicamente progressistas sobre gênero, raça e imigração pode ser remetido aos Estados Unidos, mas há uma ligação direta entre a ideologia woke, tal como incorporada nos campi universitários dos EUA, e a teoria pós-colonial francesa:

“Embora a ideologia woke seja um fenômeno americano, seus ancestrais nos movimentos pós-coloniais e de teoria de gênero – incluindo escritores como Judith Butler e Edward Said – estudaram com intelectuais franceses e foram fortemente influenciados pelas ideias de esquerda da França de década de 1960. Filósofos franceses como Jacques Derrida, Jean-Paul Sartre e Michel Foucault tornaram-se os favoritos do campus nos Estados Unidos”, escreve Vinocur.

O wokismo não se limita à questão de gênero. Trata-se de uma ideologia iliberal que faz parte de um quadro ético maior dentro do qual os sistemas de poder são baseados em identidades opressoras tais como “branquitude”, “patriarcado”, “colonialismo”, “heteronormatividade”, “transfobia”, etc. Essa concepção de que, quer queiramos ou não, somos estruturalmente racistas, sexistas ou transfóbicos é herança do pensamento pós-moderno e, mais especificamente, de Michel Foucault.

Foucault, que idealizava a construção de locais para “orgias de suicídio” onde aqueles que quisessem se matar poderiam se drogar e gozar à vontade antes da “experiência-limite”, Foucault, o hedonista autocentrado que admirava Marquês de Sade e o psicopata Pierre Riviere, foi também um ardoroso defensor da revolução iraniana, cujo êxito significou o estabelecimento de uma teocracia na qual ele como homossexual e bon-vivant seria sumariamente eliminado; uma teocracia que, além de oprimir seu povo (especialmente as mulheres) é uma das maiores ameaças atuais à manutenção da liberdade e da democracia no mundo.

O impulso transgressor desse pensamento paradoxal, rebelde, perturbador e quase demoníaco está presente de modo difuso na sociedade francesa e está se expressando política e partidariamente como aliança entre progressistas woke e fundamentalistas islâmicos, fenômeno que os franceses têm chamado de “islamo-gauchismo” (islamo-esquerdismo).

“O problema do Islã como força política é um problema essencial para nossa época e para os anos que virão”, profetizou Foucault em carta à revista Le Nouvel Observateur, em 1979, após sua segunda e última visita ao Irã.

Não é de estranhar, portanto, que logo após a divulgação do resultado do primeiro turno das eleições legislativas, nesse domingo, 30 de junho, militantes de extrema-esquerda tenham saído às ruas, vandalizando prédio e monumentos e misturando gritos contra o RN com gritos pela intifada, misturando bandeiras do LFI (La France insoumisse) com bandeiras da Palestina.

A Nova Frente Popular é o maior risco

As manchetes dos jornais brasileiros que abordaram as eleições na França continuam com o mantra do perigo da chegada ao poder da “extrema direita” e silenciam sobre o risco da chegada ao poder da extrema-esquerda. Aliás, eu não lembro de ter lido em qualquer veículo a expressão extrema-esquerda. No entanto, ela está aí, dando uma nova roupagem ao antissemitismo, disfarçando-o de antisionismo. Mas lá fora, felizmente, há quem veja as coisas como elas realmente são.

Em artigo assinado em conjunto, Jean-Philippe Feldman, professor de direito e advogado do Tribunal de Paris e Nicolas Lecaussin, diretor do Iref (Instituto de Investigação Econômica e Fiscal), alertaram que a vitória da aliança capitaneada pelo partido do extremista Jean Luc Mélenchon seria mais perigoso para o país do que o programa do RN; em editorial do jornal Le Figaro, Vincent Trémolet de Villers afirma que essa Frente de “indigenistas, arquivos S, apologistas do terrorismo, detratores obsessivos de Israel põe em causa os próprios princípios da República Francesa” e em manifesto intitulado “O arco republicano contra o antissemitismo”, 30 intelectuais, dentre os quais os filósofos Luc Ferry e Michel Onfray apelaram para que os franceses não votem “nesta mentirosa, falaciosa e pseudo ´Nova Frente Popular´”.

Como alguém da área de Filosofia, já um tanto cansada do ranço ideológico autoritário, partidário, mesquinho, intolerante e infantil que grassa há tempos na academia, li esse belo, duro e oportuno manifesto com certa emoção. Senti-me representada e, por isso, concluo meu texto com algumas de suas palavras, que agora faço minhas, recomendando, porém, a leitura do texto integral:

“[…] Unicamente a nossa consciência filosófica e moral, aqui abençoada com a força inalienável de um imperativo categórico na sua mais alta e nobre expressão, dita-nos nesta hora crítica, fora de qualquer espírito partidário ou escolha maniqueísta, contra qualquer interesse particular e pelo bem geral: Jamais faremos pacto com antissemitas, nem racistas de qualquer espécie!

Nunca nos aliaremos aos pró-Hamas, cúmplices sanguinários do terrorismo islâmico, nem aos anti-Israel, a única verdadeira democracia nesta região particularmente instável do mundo, e onde demasiados países, teocracias fanáticas de outra época, praticam novamente, inclusive contra qualquer progresso real pela causa das mulheres, a sharia obscurantista.

Nunca trairemos a nossa consciência como humanistas autenticamente democráticos, nem venderemos covardemente os nossos ideais por cálculos medíocres e vis de cozinha de base eleitoral. […]

O futuro da nossa democracia, da nossa cultura e da nossa civilização, no âmbito do concerto das nações, está em jogo.”

Congresso avança legalização dos jogos sem enfrentar polêmicas

A legalização dos jogos tem avançado no Congresso sem muita discussão, encoberta inclusive por polêmicas incendiárias como a do aborto. Tende a ser aprovada, principalmente porque há muitos interesses envolvidos. Investidores já se posicionaram, aguardando o combo deste projeto com o outro, que erroneamente foi chamado de privatização das praias.

Os políticos frequentemente apelam para discursos que tocam o coração do eleitor, refletindo suas crenças pessoais, sem necessariamente se preocupar com a realidade dos fatos. A questão dos jogos envolve, por um lado, a liberdade das pessoas de escolherem e, por outro, o potencial destrutivo para famílias e a sociedade. Mas a discussão deveria ir além.

Há quem defenda que a legalização dos cassinos poderia atrair mais turismo e gerar mais dinheiro para o país. No entanto, não há estudos concretos que comprovem essa afirmação. A simples existência de cassinos não garante aumento do turismo, especialmente considerando a distância do Brasil para mercados como Europa e América do Norte, além da barreira da língua e da criminalidade que afasta turistas.

Por outro lado, a legalização poderia facilitar a lavagem de dinheiro do crime organizado, o que poderia piorar a situação da segurança pública e, consequentemente, reduzir ainda mais o turismo. Este é um ponto crítico que não tem sido adequadamente discutido, pois faltam estudos sólidos sobre o impacto da legalização dos jogos no combate à criminalidade.

Outro ponto que precisa ser abordado é a questão dos jogos online. O projeto de legalização dos jogos começou a tramitar em 1991, quando isso nem era uma questão. Com a internet, o jogo não está mais restrito a cassinos físicos. Grandes casas de apostas podem ser acessadas de qualquer lugar do mundo, e proibições locais podem ser facilmente contornadas com o uso de VPNs. Muitos países têm regulamentado essa área, mas o projeto de legalização no Brasil parece ignorar completamente essa realidade.

A legalização dos jogos é uma questão importante que tem sido tratada de forma superficial e moralista desde 1946. A proibição foi puramente por questão moral. Precisamos de um debate sério, fundamentado em dados e estudos, para entender os reais impactos econômicos e sociais dessa decisão. Infelizmente, parece que a prioridade continua sendo a retórica política para agradar eleitores, em vez de enfrentar os fatos e planejar um futuro melhor para o país.

Casas da Democracia

I – O projeto

As Casas da Democracia são uma nova oportunidade de conexão e interação para quem se sintoniza com as ideias de que não existe democracia sem democratas, de que há um déficit acentuado de democratas na sociedade atual e de que é possível multiplicar o número desses democratas, ou seja, de agentes capazes de fermentar a formação de uma opinião pública democrática, mesmo sem conformar maiorias (fermento não é massa).

As Casas da Democracia não são para todos, para a maioria ou para muitos, nem para poucos ou para um grupo seleto (previamente selecionado) de pessoas. São abertas a qualquer um. Não são a luz de um poderoso holofote e sim a de miríades de pequenas velas. Uma rede de comunidades políticas locais, articulada de baixo para cima, em todas as localidades onde existam pessoas que desejem encontrar outras pessoas que se sintonizem com elas.

As Casas da Democracia não são uma organização centralizada e sim uma rede (mais distribuída do que centralizada). Regem-se pela lógica da abundância e não da escassez. São uma iniciativa Apache, não Asteca. Estão mais para Alcoólicos Anônimos do que para Microsoft.

As Casas da Democracia não têm chefe. Ninguém (nem mesmo os promotores iniciais da proposta) fala pelas Casas da Democracia em geral porque não existe essa organização nacional (abstrata): os que se articulam em uma casa, falam pela sua própria casa.

Cada Casa da Democracia é autônoma para adotar a sua forma de organização (desde que seja em rede), seu modo de funcionamento (desde que seja democrático) e decidir sobre suas atividades (desde que sejam compatíveis com os princípios da iniciativa). Cada Casa da Democracia deverá conseguir os meios e captar os recursos necessários para o seu funcionamento.

Qualquer pessoa descontente com a organização, o modo de funcionamento ou as atividades de uma Casa da Democracia pode sair e, se quiser, fundar sua própria casa.

Para fundar uma Casa da Democracia basta articular um conjunto de pessoas (no mínimo três: o átomo, ou melhor, a molécula inicial de uma rede) dispostas a fazer isso, que concordem com os princípios da iniciativa.

Ainda que seja desejável, não é necessário ter uma estrutura física para fundar uma Casa da Democracia. Mas é preciso ter uma rede de pessoas dispostas a interagir regularmente. As Casas da Democracia são sempre locais: podem ser organizadas em municípios, regiões de um município ou bairros. Mas também podem se reunir virtualmente.

As Casas da Democracia são apartidárias. Podem delas participar pessoas que pertençam a quaisquer partidos ou sem partido, desde que tomem a democracia como valor universal e como principal valor da vida pública, rejeitem os populismos e estejam dispostas a experimentar a democracia não apenas como modo de influir no Estado e sim também como modo de vida na sociedade.

II – Os princípios

Casas da Democracia é o nome de uma nova iniciativa política, organizada em rede distribuída, que procura conectar democratas brasileiros, reuni-los e multiplicá-los a partir de suas cidades.

Essa iniciativa pretende configurar, de baixo para cima, em localidades de todo o país, ambientes de livre-aprendizagem da democracia: as chamadas Casas da Democracia. E também procura experimentar novas formas de democracia local, não apenas como modo de administração política do Estado e sim também como modo de vida ou de convivência social, democratizando, onde for possível, diversas formas de sociabilidade existentes (dentre outras, as famílias, as escolas, as igrejas, as organizações civis, as empresas e os órgãos estatais, além dos grupos de amigos, as comunidades de vizinhança, de prática, de aprendizagem e de projeto).

A estrutura e o funcionamento das Casas da Democracia são independentes de qualquer partido. Pessoas sem filiação partidária ou filiadas a quaisquer partidos podem participar das atividades das Casas da Democracia, desde que concordem com seus princípios e observem seu modo de funcionamento.

O movimento das Casas da Democracia é liberal no sentido político originário (democrático) do termo, quer dizer, dos que acham que a liberdade (e não a ordem) é o sentido da política e, vice-versa, dos que acham que ninguém pode ser livre sozinho: uma pessoa só é livre plenamente enquanto pode interagir na comunidade política. Um movimento, portanto, que defende o liberalismo político e não apenas o liberalismo-econômico. Nesse sentido, é um movimento de recusa aos populismos (ditos de esquerda ou de direita ou extrema-direita) que são i-liberais e majoritaristas.

As Casas da Democracia são um movimento de pessoas dispostas a interagir politicamente para defender a democracia que temos sem deixar de buscar novas formas de democracia que queremos, atuando sempre a partir de suas localidades.

É um movimento que procura conservar o que deve ser conservado (as instituições do Estado democrático de direito), reformar o que precisa ser reformado (a começar pela reforma da política) e inovar para dar continuidade ao processo de democratização do Estado e da sociedade.

Sim, trata-se – fundamentalmente – de um movimento de inovação democrática, que quer colocar na pauta temas contemporâneos que ainda não compareceram no debate político, como, por exemplo, a crise e os limites da democracia representativa e a experimentação de novas formas mais interativas de democracia numa emergente sociedade-em-rede, um novo federalismo diante da crise do Estado-nação, a superação da contraposição localismo não-cosmopolita x globalismo e a realidade emergente da glocalização, a superação da contraposição estiolante monoculturalismo x multiculturalismo: rumo à inevitável (e desejável) miscigenação cultural, a superação da inadequada classificação e da divisão das forças políticas em esquerda x direita e a superação da velha divisão entre visões mercadocêntricas e estadocêntricas do mundo: a sociedade como forma autônoma (subsistente por si mesma) de agenciamento, ao lado (e além) do mercado e do Estado.

O movimento das Casas da Democracia também quer discutir e ensaiar novas experiências de democracia que sejam: mais distribuídas, mais interativas, mais diretas (sem abolirem a representação), com mandatos revogáveis, regidas mais pela lógica da abundância do que da escassez, mais vulneráveis ao metabolismo das multidões e mais responsivas aos projetos comunitários, mais cooperativas, mais diversas e plurais (não admitindo apenas uma única fórmula internacional mas múltiplas experimentações glocais).

A ideia das Casas da Democracia partiu das seguintes constatações:

 Não existe democracia sem democratas.

 Os democratas sempre foram minoria. Seu papel precípuo não é arrebanhar maiorias e sim agir como agentes fermentadores da formação de uma opinião pública democrática. Fermento não é massa. O importante não é que os democratas sejam maioria numérica e sim que consigam ensejar a formação de uma opinião pública democrática.

 Democratas não são liberais apenas no sentido econômico do termo e sim liberais-políticos (que tomam a liberdade como sentido da política e a democracia como valor universal e principal valor da vida pública).

 Mas uma minoria tão ínfima de liberais-políticos (como a que temos) não é capaz de cumprir o papel de defender a democracia (que temos), impedindo que ela se torne menos liberal e mais majoritarista (como querem os populistas) e, simultaneamente, avançar na direção das democracias mais interativas que queremos (mais conformes à morfologia e a dinâmica da sociedade contemporânea).

Esta é a razão principal pela qual virou um imperativo democrático da hora, numa época como a que vivemos, de recessão e desconsolidação democráticas, configurar novos ambientes de aprendizagem da democracia voltados para a inovação política e social.

Em suma, liberais-políticos não se formam espontaneamente em volume desejável porque a cultura predominante não é liberal e porque estão em curso uma recessão e uma desconsolidação democráticas. Vivemos atualmente sob uma terceira onda de autocratização. Assim, é necessário proporcionar processos de aprendizagem teóricos e práticos da democracia que sejam permanentes. Este é o objetivo das Casas da Democracia.

As Casas da Democracia conformam uma grande rede, mais distribuída do que centralizada, de democratas que assumem como sua função precípua promover a aprendizagem democrática permanente, por meio do estudo, da reflexão e da experimentação.

É um empreendimento apache, não asteca, que objetiva acender muitos pontos de luz, no maior número possível de localidades, entendendo que a democracia não é a luz de um holofote e sim a de miríades de pequenas velas.

É um programa que estimula o espírito do voluntariado (como um hábito do coração) e incentiva a livre iniciativa e não a obediência, regido mais pela lógica da abundância do que da escassez (ou seja, em que a maioria nunca obriga a minoria a seguir suas decisões).

É um projeto que busca se reger por uma dinâmica cooperativa, não adversarial, configurando ambientes aprazíveis de convivência e não de constante luta interna.

É um chamado às “andorinhas” que estão dispersas para que possam se encontrar, se comprazer na sua convivência e se reproduzir.

Qualquer pessoa que concorde com os princípios e a forma de organização das Casas da Democracia pode se conectar a uma de suas casas.

As Casas da Democracia são sempre organizadas por cidade (ou, no caso de grandes cidades, por regiões distritais ou bairros). Elas são autogeridas por seus participantes. Não há uma administração central.

As Casas da Democracia são novos ambientes interativos capazes de ensejar a conexão e a multiplicação de agentes democráticos. Ninguém muda de opinião se não mudar de rede. Ninguém se converte à democracia porque ouviu discursos democráticos ou porque leu textos teóricos de democracia. É necessário interagir em novos ambientes democráticos.

Os links locais regulam o mundo. As Casas da Democracia são novas redes locais onde cada um pode reconhecer os seus pares e ser reconhecidos por eles. São espécies de “polis paralelas”, formadas por sintonia, oferecendo novos nichos antropológicos de reconhecimento mútuo que possibilitem a obtenção de sinergias para a proposição e a realização de projetos democráticos inovadores.

III – A visão

Não temos hoje, no Brasil, um número suficiente de pessoas que saibam explicar por que acham que a democracia é um valor universal e o principal valor da vida pública, que consigam distinguir uma posição liberal (em termos políticos) de uma posição i-liberal, que possam mostrar por que democracia não é a mesma coisa que majoritarismo e que estejam capazes de criticar os populismos contemporâneos mostrando por que eles são os principais adversários da democracia.

Claro que as pessoas que concordam com a democracia (a preferem à autocracia ou, pelo menos, a aceitam ou toleram) são – felizmente – muito mais numerosas. A maioria da nossa população (ou quase) tende a concordar com a democracia, conquanto o número dos que não a valorizam venha aumentando assustadoramente, no Brasil e no mundo.

Larry Diamond (2015) traçou um quadro da recessão democrática (na qual entramos em meados da primeira década deste século). Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk (2016-2017) detectaram a desconexão e a desconsolidação democráticas dos últimos anos. O mesmo Mounk e Jordan Kyle (2018) avaliaram empiricamente o estrago que o populismo faz na democracia. Anna Lührmann e Staffan Lindberg (2019), juntamente com o pessoal do V-Dem (da Universidade de Gotemburgo), têm analisado a terceira onda de autocratização em que estamos imersos. Mas quantos entendem tudo isso? E quantos estão interessados nisso?

Não. Não é uma coisa para especialistas. Se não tivermos alguma noção dessas coisas como vamos poder cumprir o papel de agentes fermentadores do processo de formação da opinião pública no mundo atual? Ou como vamos conseguir ser protagonistas de uma nova alternativa democrática na atualidade?

Em uma época onde vicejam pulsões autoritárias dos que negam ou se aproveitam das catástrofes para degenerar a democracia – seja, para nós, os democratas, uma espécie de Idade Média. Hora de fermentação, hora do grão morrer para germinar, hora de crescer escondido na escuridão geral e de usar nossos mil pontos de luz locais para fazer isso…

Sim, estamos em um daqueles momentos de virada em que as saídas tradicionais não adiantam.

A ideia pode até parecer heterodoxa, mas não deixa de ser fascinante. Não é possível enfrentar esta terceira onda de autocratização que nos assola manobrando nossos minúsculos barcos na superfície do mar revolto. Para atravessar a tormenta vamos ter de fazer acampamentos como aqueles imaginados por Ray Bradbury (1953), em Farenheit 451, onde pessoas-livro não deixavam o fio se interromper. Ou como, no relato de Thomas Cahill (1995), os monges irlandeses salvaram a (dita) civilização.

Václav Havel (1978), em O Poder dos Sem-Poder, usando uma ideia seminal de Václav Benda, aventou a hipótese da “polis paralela” como modo orgânico de resistência à dominação autoritária (que ele chamava de “pós-totalitária”). Não uma fuga, dizia ele:

“A polis paralela aponta para além de si mesma e faz sentido apenas como um ato de aprofundar a responsabilidade de um e para o todo, como uma maneira de descobrir o local mais apropriado para essa responsabilidade, não como uma fuga a ela”.

É disso que estamos falando.

Deu para visualizar?

Se tivermos algumas pessoas interagindo de modo distribuído em vários clusters, em cidades de todas as regiões, usando seus pequenos pontos de luz para trabalhar na escuridão (promovendo ambientes de aprendizagem da democracia, escrevendo nos jornais locais, pontificando nas TVs e rádios, com canais no Youtube e nas mídias sociais, se candidatando a cargos executivos e legislativos por velhas e novas agremiações, atuando em instituições do Estado e da sociedade), uma grande rede democrática pode ir se articulando sob a tormenta.

Sim, a democracia, como foi dito, não é a luz de um holofote e sim a de miríades de pequenas velas. Sempre foi assim, aliás. Quantos democratas convictos – que tomavam o sentido da política como a liberdade (e não a ordem) e atuavam condizentemente com isso – existiam em Atenas nos séculos 5 e 4 a. C., ou no parlamento inglês dos Bill of Rights no século 17? Muito poucos. Mas sem esses poucos, a democracia não teria chegado até nós.

Podemos ser poucos, mas não tão poucos que não sejamos capazes de fermentar o processo de formação da opinião pública. Sim, é para isso que existem os democratas, não para virarem maioria (quem aposta nisso – no majoritarismo – são os populistas, ditos de esquerda ou de direita ou extrema-direita, hoje os principais adversários da democracia no mundo e no Brasil).

Para Péricles – segundo o relato de Tucídides – Atenas era a escola da Grécia. Antes de tudo uma escola de democracia. A rigor uma não-escola, como burocracia do ensinamento, posto que a polis não estava murada, não exigia nada de ninguém. Não era como a Academia de Platão ou o Liceu de Aristóteles. As ruas e praças da cidade eram os ambientes de aprendizagem em que se exercitavam os democratas, sobretudo os sofistas. O projeto antipolítico platônico era um projeto de ensino. O de Péricles, ao contrário, era um projeto verdadeiramente político, de aprender na livre interação entre os cidadãos mediada pelos fluxos da cidade – e a polis, como percebeu o último Hillman (1993), no brilhante discurso Psicologia, Self e Comunidade, era isso:

“Como nós imaginamos nossas cidades, como nós visualizamos seus objetivos e valores e realçamos sua beleza define o Self de cada pessoa desta cidade, pois a cidade é a exibição sólida da alma comum. Isto significa que você acha a você mesmo ao entrar na multidão — o que é o significado básico da palavra polis — fluxo e muitos. Para melhorar a você mesmo, você melhora a sua cidade. Esta ideia é tão intolerável ao Self individualizado que ele prefere a decepção do isolamento tranquilo e do retiro meditativo como o caminho para o Self. Eu estou sugerindo o contrário. Self é o verdadeiro caminho, as ruas da cidade”.

Eis aí o desafio. Não é uma ideia fascinante?

IV – A ação

Você quer uma nova política? Então pare de chamá-la de nova. Na civilização patriarcal a maior novidade nesse campo já aconteceu: ela se chama democracia. Para construir uma política democrática, entretanto, é necessário recomeçar de baixo – experimentando a democracia como modo-de-vida: em cada cidade, em cada bairro, em cada organização.

O projeto Casas da Democracia é simples. Há um déficit acentuado de democratas na sociedade brasileira. Isso significa que é preciso multiplicar o número de democratas estimulando a aprendizagem da democracia. Mas a aprendizagem da democracia tem as características de uma conversão: uma conversão não-religiosa, mas uma conversão. Essa conversão implica uma mudança do emocionar e do pensar. Ora, ninguém pode experimentar tal mudança se não mudar de rede (não adianta tentar convencer as pessoas com discursos). E, ademais, é preciso mudar as redes nas quais as pessoas conversam recorrentemente, no dia-a-dia – interagindo entre si e agindo juntas (pois são os links locais que regulam o mundo). Então cada Casa da Democracia é uma nova rede local (e por isso elas são constituídas de baixo para cima: por proximidade, com base sócio-territorial municipal ou distrital), um novo ambiente configurado para as pessoas se conhecerem e se reconhecerem (ao se sintonizarem) e para fazer coisas juntas (ao se sinergizarem). Trata-se de conectar por desejos congruentes. É a única saída para não arregimentar por interesses. Se arregimentar por interesses, dá mais do mesmo. Cada Casa da Democracia é um novo nicho de “pegajosidade antropológica” capaz de ensejar que as pessoas fiquem próximas o suficiente para possibilitar as mudanças implicadas na conversão à democracia.

Eis algumas sugestões, que devem ser tomadas apenas como inspiração, não como uma pauta obrigatória de ações que devam ser realizadas pelas Casas da Democracia:

1) Envolver mais pessoas da sua localidade em processos de aprendizagem da democracia

2) Fazer palestras sobre democracia nas instituições de ensino e em outras organizações locais do Estado, da sociedade ou do mercado

3) Experimentar mudanças democráticas na gestão de organizações da localidade (do Estado, da sociedade ou do mercado); por exemplo, substituindo a lógica da escassez pela lógica da abundância

4) Experimentar substituir votações por sorteio, sempre que possível, nos procedimentos internos de organizações da localidade

5) Estimular a construção de equipamentos urbanos que facilitem a convivência (praças, bancos, sombras, calçadas, calçadões etc.) e publicizar as praças existentes configurando ambientes comuns (geração social de commons)

6) Organizar assembleias populares nas regiões administrativas ou nos bairros para discutir os problemas da localidade e para apresentar soluções

7) Realizar as próprias reuniões das Casas da Democracia em ambiente público e aberto, sempre que possível

8) Organizar sessões de cinema em praças, com conversação ao final

9) Criar ambientes comunitários de livre-aprendizagem sem restrições de entrada (etárias, de escolaridade etc.)

10) Instalar sessões de cocriação de soluções (tipo festivais de ideias e projetos) para os problemas da cidade, do bairro e das organizações locais e promover o desenvolvimento local

11) Participar regularmente de programas de rádio e TV com audiência significativa na cidade ou na localidade

12) Preparar candidatos comprometidos com a democracia para as próximas eleições

13) Capacitar legisladores e governantes eleitos para exercerem democraticamente seus mandatos

14) Fundar um jornal local (digital ou em papel) com análises do que está acontecendo, na localidade, na região, no país e no mundo, de um ponto de vista democrático

15) Fundar uma rádio comunitária

16) Estimular os representantes eleitos que usem aplicativos de comunicação com seus eleitores e criar novos mecanismos de interação democrática dos cidadãos na esfera pública

17) Propor mandatos coletivos ou co-vereanças

18) Criar (e testar) novos indicadores locais de democracia

19) Fazer um levantamento dos sinais de avanço do autoritarismo ou de desconsolidação da democracia na localidade (por exemplo, monitorar a porcentagem de pessoas que aderem à alternativas populistas)

20) Fazer um levantamento dos ativos democráticos da localidade.

Visite o site das Casas da Democracia.

Investimentos Transparentes

No último ano, o Brasil perdeu dois pontos no Índice de Percepção da Corrupção e caiu 10 posições, terminando na 104ª colocação entre os 180 países avaliados. Estamos abaixo da média global, da média regional para Américas, da média dos BRICS e ainda mais distante da média dos países do G20 e da OCDE. Isto afeta o Brasil em diversas frentes, entretanto, cria travas para algo essencial, que é a busca de investimentos limpos, não predatórios e de qualidade para impulsionar nossa economia.

Ao ocupar a presidência do G20 neste ano, nosso país está buscando intercâmbios de experiências com outras nações sobre formas efetivas de combater a corrupção, o que é uma ótima notícia, uma vez que o brasileiro trabalha cerca de um mês por ano apenas para pagar a conta dos desvios de dinheiro público, ou seja, 8% de tudo que é arrecadado em impostos no país. Nesta semana, o G20 discute estes mecanismos na esperança de que seus membros possam internalizar boas práticas.

Apesar do Brasil não ser exemplo no combate à corrupção, especialmente depois do desmonte da Operação Lava Jato, percebemos que existem iniciativas interessantes que, se bem aplicadas e com desdobramentos efetivos no judiciário, podem ajudar o país no combate ao crime. A mais nova iniciativa é o uso da inteligência artificial como instrumento efetivo que pode apontar desvios já em seu nascedouro. A Controladoria-Geral da União já trilha este caminho por intermédio de uma ferramenta chamada Alice.

Alice, acrônimo de Analisador de Licitações, Contratos e Editais, é uma ferramenta desenvolvida pela CGU que analisa, de forma automatizada, processos de compras e contratações públicas. Diante de potenciais riscos e inconsistências, dispara alertas para que seja possível atuar de forma preventiva e tempestiva em processos licitatórios. Esta é uma das inovações que o governo brasileiro leva esta semana na preparatória do G20.

Sabemos que combater a corrupção reduz desigualdades, fortalece instituições e a democracia, além de tornar o país mais atraente para investidores internacionais. Não há notícia de nação que tenha conseguido atrair capitais de qualidade no mercado externo sem possuir instrumentos eficazes contra a corrupção e o capital predatório. Atualmente, segundo a Transparência Internacional, a capacidade do Brasil combater a corrupção se mantém em um equilíbrio frágil, “um modelo que sempre pode ser desconstruído em poucos anos”, como vimos com a Operação Lava Jato.

O resultado está exposto em nossos números. O IDP (investimento direto no país) foi de US$ 3 bilhões no mês passado –queda de 30,6% em relação ao mesmo mês de 2023. O saldo do investimento direto no país ficou abaixo do esperado pelo mercado financeiro, um resultado que demonstra o quanto ainda precisamos melhorar.

Fato é que nossa economia depende diretamente da capacidade do país responder de forma firme contra a corrupção. Investimentos limpos e de qualidade somente chegarão depois de introduzirmos mecanismos de avaliação e verificação, como forma de evitar que capitais sujos usem nossa economia como lavanderia, além de regras claras e penas severas aos corruptos. Se o Brasil deseja sair desta espiral de atraso é fundamental que o combate à corrupção e o respeito às leis se tornem regra e deixem de ser apenas uma utopia ilusória. Nossa presidência no G20 pode se tornar um importante passo nesta direção.

Quem é Simone Weil, filósofa cobrada no “Bac”, o ENEM francês?

Nesta terça-feira, 18 de junho de 2024, mais de 500 mil jovens franceses se submeteram a uma prova de filosofia do Baccalauréat. As notas do Baccalauréat, mais conhecido como “Bac”, são levadas em conta para o processo de entrada nas universidades francesas. É como o ENEM dos brasileiros, com a diferença que, honrando ainda a tradição filosófica francesa, essa disciplina tão maltratada no Brasil, tem grande peso no exame.

A prova de Filosofia teve duração de quatro horas e os candidatos puderam escolher entre dois temas de redação ou um comentário de texto: um tema de dissertação sobre ciência e verdade, um tema de segunda dissertação sobre o Estado ou, por fim, um texto comentário baseado em um trecho da filósofa Simone Weil.

Muitos candidatos, porém, confundiram a filósofa Simone Weil com outra Simone também conhecida dos franceses: a ex-Ministra da Saúde, defensora do aborto e Presidente do Parlamento Europeu, Simone Veil.

Tanto a prova do “Bac” quanto o inusitado mal-entendido me pareceu um bom ensejo para escrever um pouco sobre Simone Weil, essa pensadora por quem nutro particular admiração, mas que infelizmente é quase desconhecida no Brasil.

Quem é Simone Weil?

Simone Weil foi uma filósofa francesa que exerceu o magistério de 1931 a 1938, com algumas interrupções motivadas ora pelo estado delicado de sua saúde, ora pelo seu engajamento em experiências humanitárias que o debilitavam mais ainda.

Sua vida e sua obra traduzem a força moral de um espírito quase redimido. Alma desde sempre arrebatada pela piedade e pela compaixão, capaz de verter lágrimas sinceras ao meditar no sofrimento alheio, Weil era totalmente imbuída de senso de dever moral, atraída como um imã para o bem e a verdade; capaz, consequentemente, de sutilezas filosóficas que causaram forte impressão, mesmo entre os escritores mais experimentados.

Albert Camus foi uma das figuras mais importantes no primeiro período editorial das obras de Weil, tendo sido o responsável pela publicação de várias delas, dentre as quais “Prelúdio para uma declaração dos deveres com o ser humano”, que publicaria, em 1949, com o título L’Enracinement.

Em carta à mãe de Weil, datada de 11 de fevereiro de 1951, após tratar de algumas questões editorais concernentes ao seu espólio, Camus escreve: “Simone Weil, eu sei ainda mais agora, é o único grande espírito de nosso tempo.”

Camus, como se sabe, recebeu o prêmio Nobel de literatura, em 1957. O que poucos sabem, porém, é que, antes de ir à Suécia para receber o prêmio, ele rogou aos pais de Simone Weil que o permitissem passar um tempo no quarto da sua falecida filha, a fim de meditar antes de ir a esse evento tão importante.

Outro distinto e renomado escritor que reverenciou em texto a obra de Simone Weil foi o poeta e crítico literário inglês, T.S.Eliot. Após ler “Attente de Dieu” e “L´enracinement”, ele se deu conta de que a obra de Weil requer um lento processo de compreensão, que inclui não apenas leituras e releituras, mas também um esforço para entender a personalidade da autora. E nesse processo de compreensão, acrescenta, “não devemos nos distrair – como é provável que aconteça em uma primeira leitura – com a questão de até que ponto, e quanto, concordamos com ela ou não. Basta nos expormos à personalidade de uma mulher de gênio, e uma espécie de gênio como o dos santos”.

Dos liceus à Fábrica

O trecho a ser analisado na prova de Baccalauréat desse ano foi retirado da obra La Condition ouvrière, de 1943. Mas voltemos alguns anos antes da data dessa obra, a fim de conhecermos um pouco da vida da filósofa.

Durante os anos de 1925 a 1928, Weil frequentou, no Lycée Henry IV, as aulas ministradas por Alain, pseudônimo do filósofo francês Émile-Auguste Chartier. Do ilustre professor, ouviu muitas preleções acerca da intrínseca relação entre teoria e prática, entre reflexão filosófica e ação política.

Em 1933, Weil, além de ser professora de meninas em um vilarejo, auxiliava refugiados e trabalhava com educação sindical. Suas preleções para os operários iam da matemática básica às bases do socialismo científico, de Homero e Ésquilo à relação entre aumento de produção e meios de produção. Do seu salário como professora ela retirava o valor exato que os trabalhadores das fábricas recebem e doava o restante para os companheiros desempregados ou para os refugiados.

Em 1934, Weil, então com 25 anos, pede licença da escola em que leciona para escrever o que chama de seu “testamento filosófico”. Trata-se da obra Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão social. Logo após a conclusão do seu “testamento”, ela consegue realizar o “sonho” de trabalhar como operária e experimentar na própria pele as condições vividas pelos operários na fábrica.

A jovem, de saúde frágil, acometida desde sempre por terríveis crises de enxaqueca, sai decidida do conforto da casa dos pais, aluga um quartinho ao lado da fábrica e passa a viver exclusivamente do seu salário de operária, trabalhando dez horas por dia em uma linha de montagem, encaixando pesadas peças de metal com uma única mão.

A jovem Simone, obviamente, era incapaz de assumir um papel minimamente produtivo no processo de produção. Durante os seis meses de sua experiência fabril, jamais conseguiu cumprir a meta do número de peças estipulado. Em vez disso gerava regularmente produtos defeituosos.

A monotonia e a sobrecarga do trabalho provocam-lhe constantes blecautes mentais, além de um sentimento de fracasso, humilhação e sensação de subjugação. Quando encerrou sua aventura na fábrica ela estava com a saúde definitivamente comprometida. Nas suas palavras, ela se sentia marcada para sempre com o “ferro em brasa da escravidão”, mas estava satisfeita por ter recolhido material in loco para a resolução do problema de uma libertação progressiva dos trabalhadores.

Sua lucidez e seu pessimismo a partir de então eram maiores e ela afirma com propriedade que, ao pensar que a maioria dos chefes bolcheviques – que fazem belos discursos sobre a classe operária – nunca pisaram numa fábrica, a política lhe parece “uma grande palhaçada”. É a partir daí que ela começa a se desencantar com a ideologia de esquerda e começa a repudiar o comunismo.

A crítica a Marx

A crítica de Simone Weil ao marxismo pode ser considerada como parte do seu reformismo ou proposta de diminuição da opressão social, apontando para possibilidades de uma vida menos desumana por meio do estímulo à capacidade de pensar e atuar individuais, pela não submissão da vontade a um suposto determinismo histórico, pela descentralização da economia e pelo desapego da crença ingênua em um progresso econômico ilimitado.

A literatura socialista, diz Weil, admite a concepção marxista de forças produtivas como um postulado de caráter mitológico. Essa doutrina, porém, é “absolutamente desprovida de todo caráter científico”. Marx não explica por que as forças produtivas tenderiam a aumentar, sendo susceptíveis a um desenvolvimento ilimitado. Tal pressuposto, explica ela, estaria ligado às origens hegelianas do pensamento marxista.

Hegel, explica Weil, acreditava em um espírito oculto trabalhando no universo e acreditava, por conseguinte, “que a história do mundo é simplesmente a história do espírito no mundo, o qual, como tudo o que é espiritual, tende indefinidamente à perfeição.” Marx, por sua vez, substituiu o espírito pela matéria como o motor da história, incorrendo no paradoxo extraordinário de atribuir à matéria “aquilo que é a essência mesmo do espírito, uma perpétua aspiração ao melhor.”

Além da crença no aumento ilimitado das forças produtivas, outro dogma da religião marxista é a crença na etapa superior do comunismo como último termo da evolução social. É em nome dessa utopia, diz Weil, que muito sangue é vertido em vão: “a palavra revolução é uma palavra pela qual se mata, pela qual se morre, pela qual se envia as massas populares à morte, mas que não tem conteúdo”.

“Sou filósofa”

A experiência na fábrica havia colocado Simone Weil em contato com um padecimento não apenas de ordem física, mas também moral: o sentimento de quase anulação daquilo que se configura como especificamente humano, a possibilidade de ser reduzida a simples animal de carga e o consequente sentimento de perda de dignidade pessoal e de amor-próprio.

Paradoxalmente, essa experiência lhe trouxe a certeza de que a anulação do indivíduo não poderia ser absoluta, que havia um outro patamar de dignidade que, uma vez atingido, não poderia ser expropriado por nenhuma ação alheia ou circunstância exterior.

Desfeito o sentimento de dignidade pessoal tal como fora fabricado pela sociedade, tornava-se possível alcançar um outro modo de autonomia e de consciência de si.

Filósofos normalmente são atravessados por dilemas éticos e morais que exteriorizam em suas teorias e que acabam sendo algo como o reflexo literário de suas indagações profundas. Weil não apenas fez isso como também doou a si mesma nessa odisseia.

Seu corpo lânguido, magro, debilitado foi propositadamente exposto às adversidades de uma fábrica para que ela sentisse na própria carne a opressão sobre qual se esmerava intelectualmente em dissertar; sua fragilidade também foi exposta no campo (trabalhou em uma vinícola) e na guerra (participou da guerra civil espanhola ao lado dos republicanos). Tendo na memória e no coração a lembrança da coragem da Virgem de Orleans, prontificou-se também a ir ao front para resistir contra o nazismo e salvar mais uma vez a França e o ocidente.

Marcada pela dor física, sublimou-a na virtude; desiludida em seus ideais políticos, depurou-os na sua vontade de eternidade; defrontada com os limites da razão diante da complexidade da vida, da morte e de seus mistérios, despertou em si mesma a intuição mística, que elevou a sua inteligência a outro patamar.

Ao ser internada, na Inglaterra, recusou categoricamente qualquer tratamento especial; instada pelos médicos a se alimentar, ingeria diminutas porções de mingau e orientava as enfermeiras a enviarem para as crianças da França o leite que lhe era ofertado.

No hospital, ocupou-se ainda de seus escritos e estudou o Bhagavad-gita no original, em sânscrito. Aos que a visitaram nos últimos dias, fez preleções sobre a graça e o caminho da luz.

Escreveu ainda ao Comando geral da França, expondo sua decepção por não ter sido enviada em missão para morrer ao lado do seu povo.

Ao ser transferida para um sanatório em Ashford, a médica de plantão perguntou àquela paciente singular quem era ela e o que fazia da vida. “sou filósofa e me interesso pela humanidade”, respondeu.

Simone Weil morreu aos 34 anos, de tuberculose.

Rússia e Coréia do Norte: Muito mais que uma limousine

A recente visita do presidente russo Vladimir Putin à Coréia do Norte foi marcada entre outras coisas pelo presente dado por Putin ao ditador norte-coreano, uma limousine de luxo baseada no Aurus Senat, uma alternativa russa aos modelos fabricados pela britânica Rolls Royce.

O automóvel que os socialistas mais dedicados chamariam de símbolo de decadência burguesa chama atenção pelo luxo e pelo elevado preço que acompanha, mas simboliza muito mais que isso.  O poderoso motor tipo V8, com consumo elevado de combustível, nos lembra da ineficácia das sanções econômicas em vigor contra Rússia e Coréia Norte que não impedem o comércio de combustível entre essas nações.

O modelo presenteado por Putin é um veículo com modernas tecnologias embarcadas, no momento essas tecnologias têm sido usadas como forma de pagamento pelas munições e armas que a Coréia de Norte tem fornecido a Rússia. A indústria bélica russa não tem conseguido sustentar o volume de munição sendo usado diariamente na Ucrânia pelas forças russas.

A guerra na Ucrânia se tornou uma oportunidade para o governo da Coréia do Norte conseguir uma parceria mais robusta com a Rússia, que por seu isolamento não pode recusar. Além de servir para a ditadura norte-coreana ter um pouco mais de liberdade de ação e menos controle chinês de suas ambições.

A visita de Putin marcou a assinatura de um acordo de defesa mútua entre os dois países. Os detalhes desse acordo, ainda não são totalmente conhecidos e com certeza é um elemento complicador da política na Ásia, sobretudo, na península coreana. E internamente mostra ao politburo norte-coreano que o Kim Jong Un é um líder capaz de aumentar a segurança e o prestígio do país, solidificando ainda mais sua posição nas opacas disputas de poder internas.

Esse acordo tem como benefício secundário para a Rússia que é dar mais credibilidade às ameaças diante do fornecimento de armas para a Ucrânia, por parte da Coréia do Sul, o que pode minar planos europeus de incluir a tecnologia do país asiático no teatro de operações da Ucrânia.

Para os norte-coreanos o carro é uma demonstração clara que as relações entre Putin e Kim Jong Un são especiais e fortes. E uma demonstração que a Coréia do Norte é agora o parceiro que tem que ser seduzido pelo aliado, revertendo os velhos padrões de relacionamentos estabelecidos desde os tempos soviéticos.

Segundo especialistas no mercado de automóveis de luxo estará em breve disponível para os compradores russos, claro que é preciso ser um dos oligarcas para acessar um veículo como esse os números apontam para apenas 31 desses veículos tendo sido comercializados desde 2022. Os planos de expansão da marca no mercado europeu foram inviabilizados pela guerra na Ucrânia.

Não é difícil de imaginar que no fundo das mentes dos executivos da fabricante de carros que eles preferiam que a tecnologia russa enviada em massa para europa fosse mais pacífica e incluísse seus belos carros de luxo. Não é difícil de imaginar, também que não veja a Coreia do Norte como um mercado capaz de substituir as potenciais vendas na Europa. Não imagino, contudo, esses executivos vocalizando essas frustrações, afinal a sede da Aurus deve ter muitas janelas.

Será que o PT realmente defende terroristas?

A recente controvérsia envolvendo um deputado do PT e um terrorista do Hamas que tentou entrar no Brasil levanta questões cruciais sobre o posicionamento do partido em relação ao terrorismo e ao antissemitismo. É essencial que o PT e o presidente Lula sejam claros em suas intenções e posicionamentos.

A posição pró-Palestina do PT é clara, mas vem acompanhada de um apoio a regimes e práticas que contrariam valores democráticos e direitos humanos básicos. O PT tem se mostrado permissivo com o antissemitismo, com falas do presidente que chegam a ser ultrajantes. Ao mesmo tempo, o partido se coloca contra a única democracia do Oriente Médio, Israel, e se alinha com teocracias e políticas homofóbicas e misóginas.

Este caso do final de semana expõe ainda mais essa problemática. Um terrorista do Hamas, um dos seis porta-vozes em inglês do grupo, tentou entrar no Brasil com a intenção de fixar residência. A Polícia Federal, apesar de ser um órgão de Estado sob o governo Lula, agiu prontamente para impedir sua entrada, acionando o Ministério Público e a Justiça para repatriar o terrorista e sua família para Kuala Lumpur, na Malásia.

No entanto, o deputado petista João Daniel fez um ofício pedindo para que o terrorista ficasse no Brasil e nenhuma retificação depois que a repatriação por terrorismo foi executada.É alarmante. Esse incidente mostra um apoio explícito a um indivíduo ligado a um grupo terrorista reconhecido mundialmente. A postura antissemita e a proximidade com o Irã, que financia grupos terroristas como o Hezbollah e o Hamas, são extremamente preocupantes.

A vereadora Cris Monteiro, de São Paulo, fez um alerta sobre o uso das instalações da Câmara para oficializar o Núcleo Palestina do PT.

Ela interpreta que, na prática, pró-Palestina é o eufemismo usado para descrever apoio ao antissemitismo. Esse movimento precisa ser claramente entendido e discutido pela sociedade brasileira.

O Brasil está cada vez mais próximo do Irã, que foi convidado para os BRICS. Nosso governo se absteve em uma votação importante na ONU para estender uma investigação de violações de direitos humanos pelo regime dos Aiatolás. O voto do Brasil foi decisivo e interrompeu o que estava sendo feito. Essa proximidade e as ações recentes levantam a questão: será que o Brasil pretende facilitar o terrorismo em seu próprio território?

É crucial que o PT e o presidente Lula se posicionem de forma clara e transparente sobre essas questões, deixando evidente se pretendem ou não apoiar o terrorismo em qualquer forma. A população brasileira merece saber a verdade e entender as reais intenções de seus líderes políticos.

Em Defesa da Ucrânia

Em oposição direta ao mundo livre, o Brasil preferiu não assinar a declaração final da Cúpula de Paz realizada na Suíça com objetivo de mobilizar a comunidade internacional pelo fim da invasão da Ucrânia. Assim, nosso país coleciona mais um equívoco na lista de erros cometidos pela nossa política externa, especialmente em um momento que os países democráticos deveriam se unir em prol do respeito às regras internacionais e a estabilidade das relações entre as nações.

O comunicado final do encontro “reafirma a integridade territorial” de Kiev e apela à troca completa de prisioneiros de guerra, bem como o regresso das crianças deportadas da Rússia. Os pontos são claros, justificados e objetivos. Isso explica a razão de 84 países terem firmado o documento, incluindo neste rol a Comissão Europeia, Conselho da Europa e o Parlamento Europeu. O resultado deixou muito claro uma cisão entre as nações democráticas e aquelas que flertam com o autoritarismo e suas derivações.

O Brasil perdeu uma grande oportunidade de reorientar sua bússola moral na esfera externa. Nosso país rejeitou o convite suíço pelo fato de a cúpula não ter a participação da Rússia, a nação agressora que invadiu de forma ilegal a Ucrânia. Ao adotar tal postura, indiretamente, o Brasil adota a narrativa russa, perfilando-se ao lado dos interesses do Kremlin, em claro confronto com a ampla maioria da comunidade internacional. 

Além do Brasil, que participou do evento como observador, Cuba, Nicarágua, Venezuela, El Salvador, Haiti, Indonésia, Índia, África do Sul, Honduras, Bolívia, México e Arábia Saudita não assinaram a declaração final. Todos são ditaduras, governos autoritários ou simplesmente autocráticos e países parasitados por regimes populistas. Certamente não causa qualquer surpresa que nossos colegas de BRICS estejam nesta lista.

A divisão entre signatários do documento e aqueles que preferiram ficar de fora expõe o atual estado de coisas, ou seja, o conflito entre países democráticos e aqueles que flertam ou vivem em nações autocráticas e autoritárias. Há um claro alinhamento de diversos países sob a liderança de Rússia e China de um lado, enquanto de outro nações democráticas, sejam de direita ou esquerda, estão perfiladas aos valores defendidos e liderados pelos Estados Unidos e União Europeia.

Existem movimentos coordenados claros entre estes eixos de liderança e infelizmente tudo leva a crer que o Brasil, além de deixar de pensar em si, segue uma política clara de subserviência a um dos lados. Desde o governo passado, mediante um apoio indireto ao governo russo, passando pelo atual, em alinhamento silencioso, tudo indica que para além da direita ou esquerda, nosso país trilha um caminho pouco virtuoso, longe do convívio sadio com outras democracias.

A defesa da integridade territorial da Ucrânia é peça fundamental do tabuleiro de poder internacional, pois sua queda pode resultar no desmonte da sustentação do concerto europeu com o avanço russo de forma inequívoca para o continente. Cabe a todas as democracias unirem-se neste esforço para que a estabilidade global permaneça intacta sem qualquer movimento em suas placas tectônicas. Ao desequilibrar este conceito, a ingenuidade e a malandragem de certas nações podem colocar o mundo em uma situação cada vez mais delicada.