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REUTERS/Ueslei Marcelino

A Escalada de Antissemitismo no Governo Lula

Há tempos as altas esferas do poder brasileiro, especialmente o STF e o Executivo, tentam nos convencer acerca da necessidade premente de se combater o discurso de ódio por meio da regulação das redes.

Na pomposa cerimônia “democracia inabalada”, que recordou os eventos de 8 de janeiro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Lula deram especial destaque para o tema em suas falas. Para Moraes, as redes sociais viraram “um campo fértil de extremismo”; para Lula, “nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais.

Para quem não está alienado em relação aos últimos acontecimentos, está claro que o tipo de discurso de ódio que mais tem crescido no mundo é aquele dirigido contra os judeus. Não apenas o discurso, mas também os atos que lhe acompanham. Na França, por exemplo, segundo números divulgados, no fim de janeiro de 2024, pelo Ministério do Interior e pelo Serviço de Proteção à Comunidade Judaica (SPCJ), houve, em 2023, um aumento de 1000% de atos antissemitas na França.

Mas esse não é um problema apenas da Europa. Nosso país, reconhecidamente hospitaleiro, generoso e tolerante com todas as raças e credos tem sido contaminado, desde o início da guerra de Israel contra o Hamas, pela onda de antissemitismo que infelizmente se alastra, mais uma vez, pelo mundo.

Esse ódio nefasto, como é fácil constatar, está, nos dias atuais, amplamente disseminado entre os militantes e ideólogos da extrema esquerda, aspecto que tivemos a oportunidade de abordar em ensaio, publicado na revista Crusoé, intitulado Islamo-esquerdismo: a nova face do ódio aos judeus.

Esse ranço ideológico da esquerda radical explica o apoio dado pelo Brasil à absurda acusação da África do Sul contra Israel, no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, mas explica também a vista grossa das autoridades quanto à proliferação das mensagens antissemitas na internet.

O caso Breno Altman X Conib

O ministro Alexandre de Moraes, tão compenetrado no dever de sanear as redes, derrubando contas, para nos proteger do extremismo, sequer esboçou qualquer atitude contra as inúmeras postagens cujo teor é o extremismo que teve como consequência, no século passado, a cruel eliminação de 6 milhões de judeus.

Se o STF fez vista grossa à explosão de antissemitismo nas redes, o PT e o Governo Lula, por sua vez, foram mais atuantes: endossaram a militância antissemita do lulista Breno Altman que, entre os muitos despautérios disseminados em seu perfil no X para milhões de seguidores, comparou judeus a ratos (“Podemos não gostar do Hamas, mas […] nesse momento não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos”), exaltou o terrorismo (“Toda solidariedade ao Hamas!), além de outras bizarrices cruéis como comemorar a entrada do Hezbolah na guerra com o consequente aumento de “perdas sionistas”, defender “uma escalada militar que envolva Hezbolah, Síria e Irã, com aval de Rússia e China” contra Israel e incentivar o boicote de estabelecimentos judeus (“José Genuíno está coberto de razão. O Estado colonial e racista de Israel deve ser submetido a boicote. […] Empresas apoiadoras […] incluindo as brasileiras, devem receber a mesma punição.”)

Como as autoridades públicas – tão atuantes na hora de censurar os que supostamente pregaram ódio contra as instituições brasileiras e seus representantes – se omitiram diante dos disparates antissemitas de Altman, coube à comunidade judaica tomar as providências cabíveis em defesa do seu povo. Assim sendo, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) acionou a justiça na tentativa de conter o antissemitismo desenfreado do militante.

Quando um juiz do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo determinou a exclusão de 11 postagens racistas de Altman, a presidente do PT, Gleisi Hoffman correu em seu socorro, defendendo-o publicamente. 

Como se isso não bastasse, Altman recebeu apoio mais recente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que publicou nada menos do que uma nota de repúdio à Confederação Israelita do Brasil (Conib), o que equivale claramente a uma defesa do antissemitismo desenfreado nas redes.

A acintosa e cínica nota desse órgão subordinado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reflete toda a vileza do aparelhamento do Estado brasileiro por ideólogos imorais e insensatos. 

A nota repete os piores chavões em torno da guerra de Israel contra o Hamas. Aliás, a nota sequer faz referência a esse grupo terrorista que Israel combate, dando a entender que se trata de uma guerra de Israel contra os palestinos, o que é uma distorção deliberada.

A outra calhordice da nota consiste em tratar Breno Altman como um jornalista injustamente censurado e não como o que de fato é: um militante extremista, radical e antissemita chamado a responder juridicamente pelas consequências do uso indevido da sua liberdade de expressão.

E a islamofobia?

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, está de acordo com a militância do órgão subordinado à sua pasta? Qual foi a atitude dele após a repercussão do caso de antissemitismo em Arraial D´Ajuda, na Bahia, quando uma mulher enfurecida invadiu e depredou a loja de Herta Breslauer, agredindo-a verbal e fisicamente pelo simples fato de ela ser judia? O ministro fez uma nota ideologicamente servil, intitulada “repúdio ao antissemitismo e à islamofobia.”

O que justifica a inserção do termo islamofobia em uma nota de repúdio a um ato de antissemitismo quando nenhum ato ou discurso de preconceito contra muçulmanos se relaciona com o ocorrido? Nada justifica. 

Começar uma nota que deveria repudiar um ato antissemita com a frase “a absoluta e necessária condenação do massacre contra o povo palestino na faixa de Gaza, perpetrado pelo governo de Israel” é simplesmente averbação de pedágio ideológico, lassidão moral e má-fé.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Lula: cai a máscara democrática de um tirano

Lula tem uma habilidade ímpar de transmutar seu discurso ao gosto do ouvinte, adequando-o ao público que o ouve. É um príncipe. O príncipe, de Maquiavel. Aquele que não tem rigidez moral, mas se move de acordo com as circunstâncias. A ética, para ele, não é uma camisa de força como o é para os tolos que tentam efetivamente agir com retidão e justiça e, tendo isso em vista, agem dentro de determinados parâmetros, sem abrir mão de princípios.

Lula e seus asseclas estão de volta ao poder porque, para eles, o poder sempre foi a meta. Eles são mais eficientes na sua conquista porque não impõem restrições morais a esse objetivo. Para voltar ao poder no Brasil, foi necessário colocar a máscara do democrata. Tarefa difícil para quem, além de ter sido condenado por corrupção, deu apoio político e financeiro aos regimes ditatoriais de esquerda da América Latina.

O figurino de democrata só voltou a colar porque surgiu um palhaço maior na República que, não tendo o ardil de esconder seu pendor antidemocrático, seduziu, com a retórica inflamada dos loucos, aqueles que já estavam saturados do teatro petista de décadas.

O tal “Sul global”

pomposa cerimônia do 8 de janeiro   – que comemorou uma democracia supostamente inabalada e ungiu Lula como seu defensor perpétuo – deu a ele a confiança necessária para pôr de lado a incômoda fantasia. Ciente do êxito do espetáculo e da força do conluio que o sustém, Lula pode agora passar para uma nova fase na qual sua lógica ideológica e pendor autoritário não precisam de justificação.

O endosso formal de Lula à infundada acusação de que Israel está cometendo genocídio mostra que ele já não se importa em ser visto por todo o mundo livre como mais um populista inconsequente. Ele não se importa porque acredita que pode liderar o tal “Sul global”, um bloco formado por ditadores e autocratas, que, sob a bandeira do vitimismo, tentam confrontar o Ocidente.

A atitude foi tão despropositada e tão contrária à tradição diplomática brasileira que conseguiu a proeza de fazer com que EstadãoO Globo e até mesmo a Folha de S.Pauloescrevessem editoriais criticando-a. 

Para o Estadão, a denúncia contra Israel por genocídio, apresentada à Corte Internacional de Justiça (CIJ) pela África do Sul e endossada pelo Brasil, “não leva em conta o fato de que Israel foi atacado por um grupo terrorista cuja missão declarada é exterminar os judeus”, portanto, explica o jornal, “não tem bases fáticas e jurídicas sólidas”.

A banalização do genocídio

A acusação de que Israel — o país que foi fundado para oferecer segurança aos judeus depois que 6 milhões deles foram exterminados pelo nazismo — estaria cometendo genocídio é extremamente grave. Ela banaliza o termo, uma tipificação de crime que foi criada justamente como “resposta da comunidade internacional à dimensão extraordinária do Holocausto”, lembra o jornal.

A argumentação do editorial O Globo segue o mesmo tom duramente crítico: “Ao atender ao pedido do embaixador palestino no Brasil, Lula viola a tradição de equilíbrio da diplomacia brasileira, banaliza uma acusação que só deveria ser feita com a maior parcimônia, em atitude que fortalece a vertente mais insidiosa do antissemitismo contemporâneo“.

Folha de S.Paulo, por sua vez, expõe o duplo padrão moral de Lula: 

“Relatório recente da Human Rights Watch aponta a oscilação de líderes mundiais quando se trata de condenar violações dos direitos humanos. Eles tendem a fazer vista grossa quando os perpetradores são governos aliados e a carregar nas tintas contra adversários. Um dos criticados pela organização global, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acaba de oferecer novo subsídio para a tese.”

O mundo passa por uma grande turbulência. O presidente americano, Joe Biden, em discurso de apoio a Israel, logo após o início da guerra, fez a seguinte declaração: “O Hamas e Putin representam ameaças diferentes, mas têm algo em comum: ambos querem aniquilar completamente uma democracia vizinha”.

Como entender que um presidente que quer se passar por democrático coloque o Brasil não ao lado das democracias ameaçadas por grupos terroristas e por tiranos, mas ao lado dos que as querem exterminar? 

Como interpretar o descaso de Lula pelo acordo Mercosul-União Europeia e o seu empenho com o BRICS no qual se congregam os países mais liberticidas e antidemocráticos do mundo senão como a deposição da máscara de democrata e a assunção da essência de um tirano?

Foto: Ricardo Stuckert

Decodificando o discurso que Lula leu na ONU

Muitos jornalistas chapa-branca ficaram esperando o discurso de Lula para dizer: “Que maravilha, é um estadista, veja a diferença para Bolsonaro”. Bem… na comparação com Bolsonaro qualquer um sairia ganhando, até um Cunha, um Geddel ou um Cabral. E ocorre que, dessa vez, não foi o Lula falando o que pensa. Ele leu um discurso preparado por assessores. Se é bom quando ele não diz o que realmente pensa e sim o que assessores petistas acham que seria conveniente ele falar, o que isso diz sobre Lula?

Ouvir a leitura de discursos escritos por assessores é como assistir propaganda achando que é noticiário. Lula só se revela quando fala o que realmente pensa. Como o que ele pensa via de regra é ruim, atrasado e, às vezes, antidemocrático, os passapanistas dizem que foi erro, deslize, tropeço.

Foi um discurso proferido diante de uma reunião esvaziada pelos grandes e poderosos. Lula queria tanto brilhar no cenário global, fazer seu marketing pessoal diante dos bacanões da bala chita, mas os chefes de governo dos países membros permanentes do Conselho de Segurança não estavam presentes na assembleia da ONU – além do anfitrião (Biden dos EUA) – porque não deram tanta importância assim ao evento. Xi da China: não foi. Macron da França: não foi. Sunak do Reino Unido: não foi. Putin da Rússia: não foi.

Quando ao conteúdo do discurso lido, o fato é que, colocado sob a lupa da análise democrática, o discurso é ruim no seu todo. Vejamos a seguir por quê.

O SUMIÇO DA LIBERDADE

No discurso meio terceiro-mundista que os assessores prepararam para Lula ler na ONU a palavra igualdade ou a palavra desigualdade aparecem 18 vezes, enquanto que a palavra liberdade praticamente sumiu (só aparece uma vez para se referir à liberdade de imprensa e mesmo assim equivocadamente, para tratar Assange como jornalista, o que ele não é – nem representa o que se pode chamar de imprensa). O discurso lido por Lula não se refere à liberdade de imprensa, que falta, por exemplo, na Venezuela, na Nicarágua, em Cuba, em Angola e nas ditaduras do Bricstão.

Ora… segundo o V-Dem, temos hoje no mundo 89 ditaduras (56 autocracias eleitorais + 33 autocracias fechadas) nas quais vive a maioria da população do planeta sem liberdade ou com déficts acentuados de liberdade.

Nos 14 países com mais de 100 milhões de habitantes, 9 são ditaduras (Índia, China, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia, Etiópia, Filipinas e Egito), 3 são regimes eleitorais parasitados por populismos (Indonésia, Brasil e México) e escapam apenas 2 democracias liberais (EUA e Japão) onde vigoram níveis aceitáveis de liberdades civis e direitos políticos.

Os assessores lulopetistas não acham isso relevante porque querem substituir a centralidade da liberdade (a essência da democracia) pelo primado da igualdade (não tomada como igualdade política e sim socioeconômica). O discurso elaborado para Lula ler na ONU corrobora a hipótese de que o conceito de democracia está sendo trocado pelo conceito de cidadania. Como se fosse possível conquistar mais cidadania sem democracia, quer dizer, liberdade. Em autocracias – mesmo naquelas em que a desigualdade socioeconômica está sendo reduzida – não há propriamente cidadãos e sim súditos.

O FANTASMA DO NEOLIBERALISMO

No discurso meio terceiro-mundista que os assessores prepararam para Lula ler na ONU está escrito:

“O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”.

Ora, do fato de o neoliberalismo ser uma leitura reducionista (economicista) do liberalismo – que era o bicho papão da velha esquerda nos debates de salão dos anos 1990 – não deriva que os deserdados e excluídos do mundo (muito menos das democracias) tenham sido produzidos por essa visão ideológica. Além disso, o nacionalismo autoritário (não conservador, como está escrito, e sim reacionário) não nasceu de uma substituição do neoliberalismo. Isso é um truque para substituir um inimigo por outro sem mudar o padrão de luta política eterna contra um inimigo supostamente responsável por todo mal que nos assola. Um culpado universal para alimentar a degeneração populista da política como uma guerra por outros meios.

É o mesmo discurso do ditador Maduro, da Venezuela – e de outros ditadores de esquerda – de que todos os problemas sociais dos seus países são culpa do neoliberalismo (e do imperialismo, claro).

PROPAGANDA OFICIAL

No discurso meio terceiro-mundista que os assessores prepararam para Lula ler na ONU está escrito:

“Se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país. A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão. A esperança, mais uma vez, venceu o medo. Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre. O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta”.

Essa parte do discurso é pura propaganda oficial, reproduzindo inclusive slogans do marketing petista como “a esperança venceu o medo” e “o Brasil está de volta”.

E é mentirosa. Desde que foi eleito por uma minoria pouco significativa de votos, de democratas que não são petistas, diga-se, Lula tem feito tudo, menos “unir o Brasil”. Pelo contrário, tem investido na polarização, mantendo Bolsonaro artificialmente vivo, respirando por aparelhos, para construir um inimigo derrotável nas próximas eleições.

BRICS E SUL GLOBAL

No discurso meio terceiro-mundista que os assessores prepararam para Lula ler na ONU, há uma defesa deformada do propósito do BRICs e do delírio chamado Sul Global. Está escrito:

“As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. O BRICS surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes. A ampliação recente do grupo na Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21. […] São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima”.

Não há pluralidade nenhuma no BRICS ampliado (que é, no fundo, a mesma coisa do que o tal Sul Global). Nesses conjuntos não está presente nenhuma democracia liberal. O Bricstão é o embrião de um bloco autocrático de ditaduras (autocracias eleitorais e autocracias fechadas) e de regimes eleitorais (não-liberais) parasitados por populismos e capturados pelas maiores tiranias do planeta para combater as democracias liberais (sob o pretexto anacrônico e risível de que é preciso derrotar o imperialismo norte-americano e o suposto neocolonialismo europeu).

Lula quer pegar uma carona nas grandes autocracias do Bricstão (como China, Índia, Rússia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã) para se afirmar como líder do Sul Global, uma coleção de países ditos ‘emergentes’ ou ‘em desenvolvimento’, mas na verdade um cafofo de ditaduras.

LULA CONTINUA APOIANDO A RÚSSIA

No discurso meio terceiro-mundista que os assessores petistas prepararam para Lula ler na ONU, a ditadura russa de Vladimir Putin, mais uma vez, não foi criticada. Está escrito:

“A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações. Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento. No ano passado os gastos militares somaram mais de 2 trilhões de dólares. As despesas com armas nucleares chegaram a 83 bilhões de dólares, valor vinte vezes superior ao orçamento regular da ONU. Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo. A comunidade internacional precisa escolher: De um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz. As sanções unilaterais causam grande prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos. O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU…”

É um discurso solerte, que mistura assuntos maldosamente, condena o investimento em armas para insinuar que as democracias liberais que estão apoiando a resistência ucraniana à invasão imperialista da ditadura russa estão de algum modo lucrando com a guerra. Na diplomacia internacional isso pode ser encarado como uma ofensa.

Dizer que “a guerra da Ucrânia escancara nossa capacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU” ou é um truísmo ou um escárnio. Não aconteceu uma guerra na Ucrânia: ela foi feita. O único responsável por ela é a invasão por Putin de um território soberano. Lula (ou os redatores do seu discurso) sabe que a Rússia tem poder de veto no Conselho de Segurança e, assim, não seria aprovada nenhuma exigência, reprovação ou sanção emitida pela Organização das Nações Unidas.

Mas não é o pior. Ele propõe que se abram espaços de diálogo para evitar ou acabar com a guerra, como se isso já não estivesse ocorrendo em relação à Rússia desde a invasão da Geórgia, em 2008, da Ucrânia em 2014 e novamente da Ucrânia em 2022. Chefes de Estado de muitas democracias conversaram com Putin, tentando ver quais seriam suas reivindicações, inclusive Biden, em Genebra, em 2021, enquanto o ditador concentrava suas tropas na fronteira ucraniana. Oito meses depois, como Biden havia alertado com antecedência, diante de um mundo ainda meio cético, Putin invadiu militarmente a Ucrânia com o fito de tomar Kiev em uma ou duas semanas, depor Zelensky, prendê-lo ou matá-lo, substituindo-o por um governo títere de Moscou. Não deu certo, como vimos, mas essa era a intenção de Putin, em relação ao qual qualquer apaziguamento significa estímulo à continuidade de suas intenções expansionistas.

Por último, o discurso de Lula condena as sanções impostas à ditadura russa, o que significa – para todos os efeitos práticos – apoiar a invasão. Ainda mais grave do que isso, desde que as sanções foram adotadas, o Brasil aumentou seu comércio com a Rússia. Está, portanto, sabotando as medidas de contenção do expansionismo militar russo adotadas pela coalizão das democracias liberais e, indiretamente, financiando a guerra de agressão movida pelo ditador.

Afetar uma (falsa) neutralidade significa, objetivamente, apoiar Putin e é isso que o governo do Brasil está fazendo e seu presidente está dizendo nesse discurso inqualificável.

Jornalistas chapa-branca do Brasil criticaram Zelensky pelo fato dele não ter aplaudido o discurso de Lula. Por que Zelensky deveria ter aplaudido Lula, que não moveu uma palha para ajudar a resistência ucraniana contra a invasão do ditador Putin? Pelo contrário, fez tudo que pôde para proteger Putin e sabotar as sanções à Rússia agressora. No lugar dele, nenhum democrata de verdade aplaudiria.

POUPANDO AS DITADURAS AMIGAS

No discurso meio terceiro-mundista que os assessores petistas prepararam para Lula ler na ONU as ditaduras amigas (de esquerda) continuam a ser poupadas de qualquer crítica. Está escrito:

“É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças. Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino. A este caso se somam a persistência da crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão. Na Guatemala, há o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas […] O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo. Continuaremos críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria. O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”.

Nenhuma palavra sobre as próximas eleições na Venezuela, onde o ditador amigo Maduro está cassando o direito de opositores de concorrer. Nenhuma palavra sobre as violações dos direitos humanos na Nicarágua, onde o ditador amigo Ortega está perseguindo dissidentes, tendo já prendido, matado e torturado centenas de opositores e organizações da sociedade civil (inclusive aquelas de caráter humanitário, incluindo a própria igreja católica). Nenhuma palavra sobre a falta de direitos políticos e liberdades civis na ditadura cubana, onde nem há possibilidade de alternância de poder via eleições (porque, simplesmente, não é um regime eleitoral).

Fica claro que o discurso de Lula é parcial e ideológico. É um discurso do nós contra eles. Da luta da esquerda contra a direita (colocada no mesmo balaio da extrema-direita). Da luta de classes contra o capitalismo (chamado eufemisticamente de neoliberalismo). Da guerra dos países pobres contra os países ricos (em nome do fim da desigualdade, mas sem qualquer menção à liberdade: se as grandes autocracias do mundo, às quais Lula agora se alia, resolvessem o problema da desigualdade, estaria tudo resolvido, ainda que as pessoas tivessem a vida do igualitário gado confinado holandês que pode fazer suas refeições várias vezes por dia em boas condições de sobrevivência).