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Foto: Anton Vaganov/Reuters.

Aliança Washington-Moscou

A atual iniciativa de aproximação dos Estados Unidos com a Rússia,  adversário tradicional, não é um padrão   novo na diplomacia norte-americana. Ações diplomáticas surpreendentes e bruscas já ocorreram anteriormente. Devemos recordar que no pós-segunda guerra mundial houve a reversão das alianças, quando os inimigos, a Alemanha, a Itália e o Japão, países derrotados no conflito mundial, passaram a ser considerados pela diplomacia americana como aliados, receberam apoio para reconstrução e se transformaram em baluartes da nova ordem mundial, liderada pelos EUA.

Essa  nova organização estratégica internacional foi, no entanto, confrontada pela União Soviética e tivemos o período da Guerra Fria, no qual o mundo se dividiu em dois blocos antagônicos. A Guerra Fria caracterizou-se pela confrontação entre os blocos liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, que disputavam a primazia nos campos ideológico, econômico, tecnológico e geopolítico. Tratava-se de um ”zero sum game ” em que ao ganho de um jogador correspondia direta e simetricamente a perda do outro, mas não havia confrontação militar direta entre os líderes dos dois blocos, os Estados Unidos e a então União Soviética, mas sim por meio de interpostos países.

No entanto, mesmo nesse cenário internacional rígido, o governo americano assumiu em 1972 o risco diplomático de uma aproximação com a China, então parte do bloco sovietico, na forma de uma viagem do Presidente dos Estados Unidos a Pequim, articulada secretamente por Henry Kissinger.

Essa viagem, que procurava causar uma fissura no quase monolítico bloco sovietico da época da Guerra Fria, mostra que há importantes precedentes nas atitudes aparentemente superficiais do atual governo dos EUA. A existência de terras raras e outros minerais estratégicos no território ucraniano ajuda a  explicar a atual ambição americana em ter acesso à Ucrânia. 

A aproximação entre Washington e Moscou causa enorme preocupação na Europa e na Aliança Atlântica, que se sente vulnerável à continuação da agressão russa As populações da Europa Central e do Leste europeu, que estiveram sob o domínio da União Soviética, têm grande temor da Rússia.

O Reino Unido e França têm liderado uma tentativa de reação à iniciativa americana. O Primeiro-Ministro do Reino Unido patrocinou reunião de emergência em Londres com líderes europeus e da OTAN, incluindo Canadá. Nessa reunião ficou clara a decepção com a atitude americana e se iniciou a montagem de preparação de uma estrutura militar independente dos Estados Unidos que possibilite a Europa defender-se da Rússia autonomamente. 

Uma força militar autônoma da OTAN tem como precedente a relação da França com a Aliança Atlântica. Em 1966, em plena Guerra Fria, a França retirou suas forças do comando integrado da organização em busca de independência em relação aos Estados Unidos. Recorde-se que a França desejava principalmente manter suas armas atômicas, a “force de frappe”, força de dissuasão nuclear, sob seu controle. Foi só em março de 2009 que as forças francesas voltaram ao comando da Aliança Atlântica. Durante a guerra na Ucrânia, os europeus reforçaram a OTAN com a adesão da Suécia e Finlândia, países lindeiros com a Rússia, que ficou cercada pela Aliança. 

Os americanos têm considerado a China seu principal adversário  estratégico e tendem a reforçar seu esquema de alianças e seu  “containment” contra Pequim. No entanto, os Estados Unidos mantêm ativas  áreas de interesses comuns com a China principalmente no campo da tecnologia avançada como a produção de semicondutores. Trata-se de um relacionamento com áreas de convergência e divergência entre as maiores potências industriais comerciais e tecnológicas do mundo  A aproximação americano-russa prejudica a China, que tem apoiado, e reforçado, sua aliança com a Rússia durante a guerra na Ucrânia, ajudando-a em relação às sanções europeias e americanas impostas por causa da invasão da Ucrânia.

A OTAN, além de  ter reforçado sua composição com a adesão da Finlândia e da Suécia, tem aumentado também seus investimentos em defesa. No entanto, depois de tantos anos de dependência dos Estados Unidos, sua indústria militar encontra-se fragilizada e necessita investimentos maciços para recuperar sua capacidade, inclusive em relação a munições, setor extremamente dependente do fornecimento americano.

De sua parte, a Europa considera a Rússia seu inimigo estratégico, contra o qual deve se preparar, unir-se e armar-se, sem contar mais com os americanos.

Importante registrar que a ordem mundial inaugurada em 1945 com o fim da Segunda Guerra, que foi patrocinada pelos Estados Unidos e a chamada ” Pax Americana ” deixam de existir e uma nova ordem mundial deve começar. A ordem internacional do pós-guerra tinha como pilares o multilateralismo, ONU, FMI, Banco Mundial, OMC,  OEA, a firmeza americana no compromisso com seus aliados.

Se a suspensão da assistência militar dos EUA à Ucrânia mostra o desmantelamento da atual estrutura de poder mundial, outro golpe na ordem vigente no pós-guerra é a imposição de tarifas unilateralmente pelo governo americano às importações do Canadá e México, países aliados e fronteiriços, além da China. Esses países reagiram imediatamente com tarifas retaliatórias. A imposição unilateral de tarifas destrói o que resta das tentativas de organizar e liberalizar o comércio mundial depois da Segunda Guerra, como por meio do GATT e depois da OMC, que perdeu importância e pode se dizer que está hoje agonizante. 

É interessante registrar que esse novo desenho da realidade internacional apresenta desafios  para a Europa, que se deve defender com seus próprios meios contra a ameaça russa. Ademais, devemos registrar que a OTAN é hoje  extremamente dependente da estrutura de informacao (ou inteligência ) americana. Ainda não se sabe se a organização conseguirá conter a Rússia sem  ajuda americana, mas os sinais são de que a Europa deve tentá-lo, mesmo porque não há alternativas.

A aproximação russo-americana, o recuo militar dos EUA na Europa, e a imposição unilateral de tarifas, representam fissuras, ou abalos, em uma ordem internacional em declinio.

Foto: Getty Images

Nova Ordem Global

Para além das leituras tradicionais, os desdobramentos da visita de Volodymyr Zelensky a Washington sugerem algo mais profundo. Podemos estar diante de uma mudança de fundo na dinâmica da política internacional que tem potencial para mover os pilares da estabilidade global construída no pós-guerra. Este novo equilíbrio representa o retorno ao mundo de competição e equilíbrio entre grandes potências que prevaleceu antes da Segunda Guerra Mundial. É menos um mundo novo e corajoso do que um retorno a uma velha e perigosa dinâmica de poder.

A realidade imposta à Ucrânia representa a quebra de um paradigma importante que pode selar o futuro de diversas nações que depositaram no exterior a responsabilidade por sua defesa. Desde os acordos de Budapeste, que garantiram as fronteiras ucranianas em troca de sua desnuclearização, passando pela garantia da defesa da Europa na forma de um consórcio internacional, a OTAN, e desaguando na dinâmica de segurança de nações como o Japão, Taiwan e Coreia do Sul, jamais a estabilidade global atravessou período de tamanha turbulência e incerteza.

Nesta nova realidade estamos diante da possível consolidação de três pilares, liderados por Estados Unidos nas Américas, Rússia como pivot euroasiático e a China com influência decisiva no Pacífico, caracterizado por um novo balanço de poder. Os custos deste novo concerto seriam altíssimos nas mais diversas frentes, reordenando o equilíbrio global, entretanto, na visão de seus atuais líderes, alinharia seus interesses econômicos, geográficos e políticos. O mundo que lide com isso.

Este novo desenho de poder parece tomar forma na medida que diversos governos estão sendo impulsionados por uma onda populista, possivelmente idealizada, nascida, financiada e construída de forma artificial nas salas de um edifício neobarroco com fachada de tijolos amarelos nos arredores de Moscou, chamado de Lubyanka. Uma estratégia que encontrou simpatizantes dentro de partidos europeus e em líderes políticos nas Américas. Um modelo exportado pela Rússia, mas que sempre foi presente nas autocracias euroasiáticas e no autoritarismo chinês.

A alternativa ao novo desenho de mundo que pode emergir deste reordenamento de forças reside atualmente, única e exclusivamente, na capacidade de resiliência europeia, especialmente no que tange a defesa da Ucrânia, de maneira firme e decisiva. A Europa está diante de seu mais importante desafio desde a Segunda Guerra, aquele que definirá o seu futuro com desdobramentos profundos na geopolítica internacional, inclusive mediante reflexos na soberania dos países asiáticos, na existência de Taiwan como uma nação soberana diante das garras de Pequim, mas também na independência do Japão e na autonomia da Coréia do Sul. Os pilares da estabilidade internacional moveram-se profundamente e a ascensão de um inédito concerto entre as grandes nações tornou-se uma possibilidade real. Se tal movimento se concretizar, a discussão no Salão Oval passará de um simples incômodo diplomático a um marco histórico que pode ter sinalizado o surgimento de uma nova ordem global.

Foto: Sergei Bobylev/Sputnik.

Xeque Mate

Estamos diante de uma partida de xadrez no tabuleiro internacional e Moscou vem trabalhando com foco no longo prazo, com a preparação de jogadas e armadilhas com vistas a atingir seus propósitos. Tudo indica que vem logrando êxito, especialmente diante dos últimos acontecimentos.

Desde que assumiu o poder, Putin tem um grande objetivo, que é a reconstrução do império russo por meio das fronteiras perdidas diante da desintegração da União Soviética em 1991. Em discurso em 2005, pontuou que o colapso da URSS foi “a maior catástrofe geopolítica do século” e que “para o nosso povo, isso se tornou um drama de verdade. Dezenas de milhões de nossos cidadãos se viram fora de nossa Federação”. Reconstruir este espaço se tornou sua obsessão.

Duas décadas depois, a Europa se tornou dependente do gás russo e o país abriu a porta dos conselhos de suas empresas para políticos europeus. Passou a investir em uma máquina de propaganda e desinformação por meio de canais oficiais e não oficiais no exterior, envenenou opositores e encarcerou dissidentes do regime, além de manipular eleições no exterior, seja pelo apoio financeiro ou por meio de estratégias de seus canais de comunicação e informação. 

Isso significa que o Kremlin vem desenhando este caminho há tempos. Uma estratégia como esta é algo preparado de forma meticulosa no longo prazo e agora vem colhendo resultados reais. O enfraquecimento da Otan, a ascensão de governos populistas ao redor do mundo, assim como a consolidação de um eixo autocrático está dentro dos planos traçados por Moscou. Nada, até o presente momento, fugiu do script.

A ação militar sobre a Ucrânia, com a sua invasão, é apenas mais um capítulo desta história. Agora, que tudo se encaminha para um acordo onde o leste do país ficará sob a tutela de Moscou (que já havia tomado a Criméia), será uma questão de tempo para que o Kremlin avance por todo o país. Um aperitivo do que pode vir depois, colocando em risco o Báltico e o Cáucaso antes de ampliar ainda mais seu espectro.

Em 1904, o geógrafo inglês Halford Mackinder desenvolveu a teoria do Heartland. Ele situou esta região na zona territorial que abrange os continentes europeu e asiático, que recebe a denominação de Eurásia. Pela profundidade do território e suas riquezas, aquela nação que controlasse esta faixa de terra e suas saídas marítimas estratégicas, dominaria o mundo. Poucos entendiam de geopolítica como Mackinder, entretanto, ao ler seus ensinamentos, é possível antever cada um dos passos dados por Vladimir Putin. Em face de seu objetivo, claro e bem traçado, vemos que os movimentos do Kremlin estão espalhados em várias frentes, são coordenados e pensados no longo prazo, inclusive incluindo suas alianças e criação de novos fóruns internacionais. Uma arquitetura de poder que vem corroendo as estruturas democráticas do mundo ocidental nos seus valores, lideranças, eleições e decisões, por meio da desinformação, financiamento e infiltração. Se o Ocidente não reagir, o xeque-mate será inevitável.   

A(s) política(s) externa(s) do Governo Trump2

Em 1971, Graham T. Allison, então jovem cientista político de Harvard, lançou uma obra hoje clássica para os estudos de processos decisórios de políticas públicas. Essence of Decision analisa a tomada de decisões do governo do presidente John F. Kennedy num dos mais dramáticos episódios da Guerra Fria: a crise dos mísseis soviéticos em Cuba (outubro de 1962). Fotos aéreas da Inteligência dos Estados Unidos revelaram que a União Soviética estava instalando mísseis nucleares apontados para o território norte-americano, a alguns quilômetros de distância, com o beneplácito do governo comunista de Fidel Castro. Naquele momento, o mundo jamais esteve tão próximo de um holocausto termonuclear.

As cúpulas burocráticas civis e militares do governo Kennedy — Departamento de Estado, Pentágono, Conselho de Segurança Nacional, Estado- Maior das Forças Armadas — competiam entre si para ‘fazer a cabeça’ do presidente quanto à melhor opção para enfrentar aquele desafio da URSS: conversações diplomáticas? Bombardeio aéreo? Invasão terrestre? Bloqueio naval das águas cubanas? Kennedy optou pela última alternativa. Na sequência, o presidente do Conselho de Ministros e primeiro secretário do Partido Comunista da União Soviética, Nikita S. Khrushchev acabou cedendo e ordenando o desmonte das plataformas de lançamento dos foguetes. E, num toma-lá-dá-cá à época não divulgado, os Estados Unidos concordaram com a retirada de mísseis da Otan apontados para a URSS..

Allison questionou a ‘falácia da composição’ subjacente ao paradigma do estudo das Relações Internacionais: o modelo do “ator racional unificado” (a União Soviética agiu assim, os Estados Unidos reagiram assado etc), como se todas as decisões emanassem de um estadista onisciente, frio, cem por cento racional, confrontando-o com dois outros. Um deles refletia a queda de braço entre os interesses das diversas organizações governamentais envolvidas; e o outro, a “política burocrática”, ora de competição, ora de cooperação, das autoridades de diferentes repartições. (Em 1999, com a colaboração de Philip Zelikow e graças à divulgação do conteúdo de arquivos diplomáticos e militares soviéticos mantidos sob sigilo absoluto até a implosão da URSS, Allison publicou uma segunda edição de Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis, substancialmente revista e ampliada.

No início deste mês de fevereiro, em sua coluna para a Bloomberg, Hal Brands, docente da Escola de Estudos Internacionais Avançados (Sais)/Universidade Johns Hopkins, Washington, D. C., e pesquisador do American Enterprise Institute, reforçou a perene validade dos insights allissonianos.

Na visão de Brands, o segundo governo Trump tem não uma, mas cinco diferentes políticas externas, cada uma delas defendida por um segmento da coalizão Republicana hoje no poder e todas dispostas a garantir que os seus pontos de vista prevaleçam no processo decisório.

Em primeiro lugar, vêm os “Falcões Globais”, liderados pelo secretário de Estado Marco Rubio e pelo assessor-chefe de Segurança Nacional Mike Waltz. Esse grupo procura se manter fiel ao desejo de Trump no sentido de renegociar as alianças estratégicas dos Estados Unidos (países membros da Otan, Japão, Taiwan, Arábia Saudita etc), mas permanece convicto de que os desafios colocados pelo ‘eixo autoritário’ Pequim/Moscou/Pyongyang/Teerã só podem ser vitoriosamente confrontados mediante a estreita colaboração com esses e outros parceiros estrangeiros.

Em segundo lugar, Brands aponta a clique dos “Guardiões da Ásia”, capitaneada por nomes como Elbridge Colby, subsecretário de Defesa, e o senador Republicano Josh Hawley, do Missouri. Eles acreditam que o risco cada vez mais eminente de uma guerra com os chineses justifica e exige o redirecionamento dos recursos militares da América, hoje concentrados na Europa (guerra Rússia X Ucrânia) e no Oriente Médio, para o Indo-Pacífico, objetivando fortalecer a proteção de Taiwan diante das cada vez mais frequentes ameaças de invasão transmitidas por Pequim; incrementar os pactos armados já existentes com Austrália e Reino Unido (Aukus) e com Japão, Austrália e Índia (Quad, ou Diálogo Quadrilateral de Segurança); bem como celebrar novas alianças com outras nações da região, igualmente temerosas do expansionismo chinês no Mar do Sul da China, a exemplo das Filipinas e do antigo inimigo, o Vietnam).

Em terceiro lugar está a turma da “América, Volte para Casa!”. O vice-presidente J. D. Vance e a diretora da Inteligência Nacional Tulsi Gabbard (ex-deputada Democrata pelo Havaí) advogam um drástico enxugamento dos gastos e compromissos militares dos Estados Unidos mundo afora em troca de mais dinheiro do orçamento federal para turbinar programas domésticos de bem-estar social (Medicare e Medicaid são dois exemplos).

Em quarto lugar, Brands identifica os “Nacionalistas Econômicos”, destacando os secretários do Tesouro (Scott Bessent) e do Comércio (Howard Lutnick). Esta clique enxerga a política externa sob o prisma dos interesses comerciais dos Estados Unidos: uso, ou ameaça do uso, de barreiras tarifárias e não tarifárias como ferramentas para a abertura de mercados aos investimentos e exportações americanos. Esse grupo se alinha com o interesse de Trump em assegurar a hegemonia dos Estados Unidos em setores sensíveis como Inteligência Artificial e recursos energéticos. Diferentemente dos “Guardiões da Ásia”, os “Nacionalistas Econômicos” privilegiam a dimensão comercial e financeira da rivalidade com a China, em detrimento da dimensão militar.

Por último, mas não em último, a “Linha-Dura do MAGA, encabeçada pelo subchefe da Casa Civil Stephen Miller, se opõe a qualquer tipo de ajuda externa e subordinam a política externa às prioridades de sua agenda doméstica: imigração ilegal, em primeiríssimo lugar.

Sempre segundo Hal Brands, as disputas entre essas cinco facções elevam o grau de imprevisibilidade da política externa e de segurança nacional. Os “Falcões Globais” batem de frente com a “Linda-Dura do MAGA”, no exemplo mais óbvio; ou então, “Nacionalistas Econômicos” e “Guardiões da Ásia” procuram solapar as iniciativas recíprocas.

Ao mesmo tempo, ele aponta zonas de convergência importantes, o que pode abrir oportunidades de alianças táticas entre facções como as dos “Falcões Globais” e dos “Guardiões da Ásia”, ou até mesmo destes com a clique da “América, Volte para Casa”, ao menos no que respeita à redução de compromissos militares na Europa e no Oriente Médio….

Ao fim e ao cabo, o professor adverte as autoridades da nova administração contra o que considera falsas e perigosas soluções, entre as quais a vulgarização dos tarifaços comerciais a ponto de uma orgia protecionista enfraquecer as relações da América com aliados preciosos. Ou então, uma pressão tão descabida sobre a Aliança Atlântica, para que esta assuma parcela maior de responsabilidade financeira na estabilização da ordem internacional, a ponto de mergulhar os Estados Unidos, superpotência indispensável, num imprevisível isolacionismo.

As Garras da América

A águia foi escolhida como o símbolo oficial dos Estados Unidos por representar valores como liberdade, coragem, resiliência e determinação. Incluída no selo do país em 1776, tornou-se icônica, simbolizando orgulho e força. Suas garras representam sua arma mais poderosa, usadas tanto como instrumento de ataque, como de defesa.

“A Era de ouro da América começa agora”, pontuou Donald Trump, na abertura de seu discurso durante o triunfal retorno a Washington depois de quatro anos. Estamos diante de um Presidente que buscará exercer seu poder sem rodeios ou necessidade de aprovação. Esta sempre foi sua postura como empresário e como mandatário em seu primeiro mandato. Neste que, constitucionalmente deve ser o último, não hesitará em impor sua doutrina e atitude, que consiste na reforma dos mecanismos internos do país e na mudança de postura na frente internacional.

Veremos os Estados Unidos usarem efetivamente seu peso e poder ao redor do mundo. Ao contrário do Presidente Theodore Roosevelt, que assumiu publicamente a postura estratégica de “falar com suavidade e ter à mão um grande porrete”, a política do big stick, Donald Trump deve falar com assertividade e deixar claro que carrega centenas de porretes à sua disposição, algo que faz enorme sentido diante dos contornos políticos internacionais conhecidos de nosso tempo.

As primeiras incursões de sua política, sinalizadas antes da posse, já produziram uma série de resultados efetivos. Diante do fato de que a China tem usado a costa da Groenlândia para facilitar seu transporte de cargas, Trump lançou a ideia de compra do território. Resultado efetivo: o governo de Copenhague propôs o aumento de bases americanas na Groenlândia como forma de cessar as iniciativas de compra do território. Ponto para ele.

A negociação do cessar-fogo e retorno dos reféns para Israel foi negociado por Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio. Trump mete medo no Hamas e Netanyahu sabe que precisa do seu apoio. O resultado foi o acordo. Mais um ponto para o novo Presidente americano. Na Europa, em discurso a militares, Macron pediu ao continente para “acordar” e gastar mais com defesa. A fala veio depois de Trump pedir a países da Otan que elevassem os gastos militares para 5% do PIB. Os americanos hoje pagam grande parte deste custo. A Europa deve ceder. Mais um ponto para Trump.

Fato é que a simples sinalização da mudança de postura dos americanos já começou a movimentar as peças do tabuleiro no cenário internacional. A reação dos Estados Unidos chega em um momento crucial, especialmente diante da postura imperial de uma Rússia disposta a invadir seus vizinhos e uma China que se sentia livre para exercer seu poder e influência em diferentes pontos do planeta, seja pela compra de apoio e subserviência por meio da Nova Rota da Seda, seja pela imposição militar.

A reintrodução de uma América forte neste jogo, pautado atualmente pelos fenômenos do imperialismo e da desglobalização, é essencial para reequilibrar as forças no xadrez internacional. As garras de Washington nunca foram tão necessárias em um cenário que envolve atores dispostos a patrocinar a instabilidade internacional. A conferir.   

Putin amplia as hipóteses de guerra nuclear

“Quão séria é a ameaça da nova doutrina nuclear russa?” Com esse título, Alexander Gabuev,  analista do Fundo Carnegie para a Paz (Carnegie Endowment for Peace), sediado em Washington, D. C., publicou recente artigo em que busca alertar o mundo para as possíveis/prováveis consequências da decisão da autocracia putinista na Rússia de baixar o chamado limiar de nuclearização, ou seja, o patamar a partir do qual os comandantes militares daquele país estarão autorizados a utilizar armas nucleares contra seus inimigos.

Até agora, a doutrina oficialmente adotada pelo Conselho de Segurança russo em 2020, antes,  portanto, da desastrosa aventura ucraniana do presidente Vladimir Putin, previa essa utilização em resposta a um ataque convencional que viesse a colocar em perigo a própria existência do Estado.

A nova versão da doutrina, que Putin deverá sancionar brevemente em forma de decreto, contempla três hipóteses: agressão perpetrada por um Estado inimigo não nuclear, porém apoiado por aliados nucleares; obtenção de informações sobre um ataque maciço de armas aéreas e especiais, combinado com a violação das fronteiras russas; e ataque de armas convencionais às repúblicas da Rússia e de Belarus que implique uma ameaça crítica à soberania de ambas.

Essa significativa  alteração doutrinária é uma resposta direta  às gestões do presidente ucraniano Volodymir Zelensky junto ao governo Joe Biden para que os Estados Unidos transfiram a Kyiv mísseis capazes de penetrar profundamente o território inimigo.

Os comandantes da Otan tem ciência da gravidade desse cenário: muito embora seja quase certo que os ataques ucranianos a Sevastopol com mísseis britânicos “Storm Shadow”, há um ano, só poderiam ter sido desferidos com o sinal verde da Aliança Atlântica, as altas patentes militares da Alemanha relutam em ceder à Ucrânia mísseis “Taurus” de longo alcance.

Moscou, de sua parte, indica que sua inferioridade em equipamento militar e as perdas humanas gigantescas causadas por uma invasão inicialmente prevista, há dois anos e meio, como um ‘passeio’ de tão fácil e rápida agora obrigam a Rússia a apelar para ameaça nuclear.

O governo americano sabe que precisa atender às suas duas maiores prioridades de defesa — em primeiro lugar, a segurança do próprio território dos Estados Unidos; em segundo lugar, a dos seus aliados da Otan — antes de satisfazer os interesses ucranianos. Daí, o cuidado com que Washington conduz discretíssimas gestões com o Kremlin, abaixo do radar da imprensa, de modo a evitar uma escalada até que o armagedom nuclear se torne inevitável, um desfecho que felizmente não se materializou em quase meio século de Guerra Fria.

Em face de tudo isso, Gabuev, do Carnegie, prevê, como desenvolvimentos imediatamente mais prováveis, a intensificação dos ataques por mísseis e drones ucranianos — já que Kyiv expande rapidamente sua capacidade de produzir esses equipamentos  aéreos — e, do lado russo, a multiplicação de represálias, como sabotagem e assassinatos ‘seletivos’ contra países da Otan. A hipótese da transferência de armas sofisticadas da Rússia para inimigos do Ocidente, como a milícia dos Houthis, aliada iemenita dos aiatolás iranianos, também não está descartada (um jeito de obrigar os Estados Unidos e seus aliados a dispersar seu foco e seus recursos militares), mas também implicaria um desafio adicional para Putin: incorrer na má vontade de uma peça vital no tabuleiro diplomático de Moscou — a Arábia Saudita, potência sunita que compete com o Irã pela supremacia  no Oriente Médio.

A OTAN, a Rússia e a Ucrânia

Ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os Estados Unidos, que lideraram a aliança vitoriosa, empenharam-se em estabelecer políticas que, de um lado, consolidassem sua posição de liderança, e, de outro, que contivessem a União Soviética e o comunismo em expansão.

De início, assistiu-se a uma reversão das alianças: os países derrotados, que compunham o Eixo – composto por Alemanha, Itália e Japão –, foram cooptados pelos vencedores e aproximaram-se da coalizão que venceu a guerra. Para essa reversão das alianças, foi essencial o Plano Marshall, que, iniciado em 1948, forneceu recursos para a recuperação e a reconstrução dos países europeus atingidos pelo conflito. Os países derrotados foram desarmados e passaram a enfrentar fortes restrições ao desenvolvimento de suas forças armadas e de sua indústria bélica, não podendo mais ter ou fabricar armas ou equipamentos de ataque, mas apenas de caráter estritamente defensivo. Já em 1952, os países europeus participantes do Plano Marshall atingiram os níveis de produção do período anterior à Guerra, o que abriu caminho ao futuro mercado comum europeu1.

Esse progresso econômico, com forte ajuda das subvenções americanas, contribuiu para frear o avanço do comunismo na Europa Ocidental, onde os partidos de inclinação marxista aumentavam sua participação – a exemplo do que ocorria na Itália e na França. No entanto, no Centro e no Leste europeu o comunismo aumentava sua presença e foi-se formando um bloco de países comunistas, liderados pela União Soviética. O mundo dividia-se em dois campos antagônicos e consolidava-se o período da Guerra Fria, no qual os blocos rivais se digladiavam, disputando influência política, econômica, industrial e tecnológica. A corrida armamentista entre os dois polos acirrava-se continuamente. Tratava-se de um jogo de soma zero, no qual o ganho de um lado correspondia direta e simetricamente à perda do outro, e os líderes, os Estados Unidos e a União Soviética, impunham exigências de alinhamento e lealdade extremamente rígidas.

A expansão do comunismo, incentivada pela União Soviética, bem como pela China, sua aliada, atingia ou ameaçava países em várias partes do mundo, o que levou os Estados Unidos a empreenderem uma política de contenção, ou containment. Essa política deve muito de sua base teórica ao diplomata norte-americano George Kennan, que, em 1947, servindo em Moscou, redigiu o famoso long telegram , depois publicado na revista Foreign Affairs sob o pseudônimo “X”. Observe-se que a China, que se tornou comunista em 1949, era ainda um país subdesenvolvido, e o começo do seu crescimento econômico, tecnológico e militar data das décadas de 1970 e 1980. Assim, a principal preocupação dos EUA durante toda a Guerra Fria era a URSS, situação que perdurou até a derrocada da União Soviética no início da década de 1990.

Ao ter a estrutura estatal comunista desmontada, a então União Soviética, sucedida pela Rússia, viveu forte crise institucional, econômica e social. As poderosas forças militares soviéticas chegaram a ficar sem recursos para honrar os salários dos soldados, situação humilhante para uma antiga superpotência. A estrutura do bloco

soviético também ruiu. Os EUA poderiam então ter tentado atrair a Rússia para o sistema economico ocidental e buscar atrai-la também para valores e costumes ocidentais, pelos quais a juventude de então tinha fascinação.

Em 1949, formou-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, sob a égide dos Estados Unidos. Tratava-se de mecanismo regional de defesa coletiva: seu tratado constitutivo previa que um ataque a qualquer de seus membros seria considerado um ataque contra todos (capítulo 5 do tratado constitutivo); todos os demais membros, portanto, tinha a obrigação de repelir agressões bélicas contra qualquer de seus integrantes. A reação soviética e de seus aliados europeus à criação da OTAN foi a fundação, em 1955, do Pacto de Varsóvia, estrutura igualmente defensiva.

A OTAN perdeu seu objeto principal que era defender o Ocidente da União Soviética e da expansão do comunismo quando ocorreu o desmantelamento da URSS e o consequente fim do regime comunista entre seus aliados do Leste europeu. No entanto, o acordo atlântico foi mantido e expandiu-se dos 12 membros iniciais para os atuais 31, contando a Finlândia2 e a Suécia, que está em processo final de adesão. A expansão da OTAN foi um dos motivos alegados pelo Kremlin para a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, quando seria iminente a colocação de baterias de mísseis próximo à fronteira russa, em território ucraniano, e mesmo a adesão da Ucrânia à OTAN. A expansão da OTAN aumentou o sentimento de cerco da Rússia, que existe desde os tempos imperiais.

A OTAN tem sido crucial na defesa da Ucrânia por meio do fornecimento de armamentos e de informações, além do treinamento de tropas. O apoio dos países da OTAN tem permitido à Ucrânia resistir à invasão de uma potência que conta com forças muito superiores. A aliança atlântica, que se encontrava dividida antes da invasão, uniu-se contra a ameaça russa, movimento que não era esperado pelo governo do Kremlin.

As próximas eleições nos Estados Unidos serão importantes para definir os rumos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O governo anterior dos EUA caracterizou- se por críticas acerbas à Aliança Atlântica, alegando que o peso da defesa da Europa recaía principalmente sobre os norte-americanos. No caso de vitória dos Republicanos no sufrágio deste ano, é possível projetar que em um Governo Trump, se retomar sua política do primeiro mandato, haverá uma significativa diminuição do apoio dos EUA à Ucrânia, deixando a Europa responsável pela defesa ucraniana, o que desequilibraria a guerra a favor da Rússia.

Artigo Embaixador Marcio Florencio Nunes Cambraia em conjunto com o Cientista Político Marcio Rodrigo Penna Borges Nunes Cambraia.

Foto: ANAS BABA/GETTY IMAGES

Israel X Hamas e o macro cenário internacional 

A compreensão do atual estado de beligerância entre Israel e o Hamas deve remontar à criação do Estado de Israel em 1948, auspiciada por resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que também previa a criação de um Estado palestino. A região da Palestina, território escolhido para os novos Estados, estava sob mandato britânico desde 1923. A criação de Israel, impulsionada pelo movimento sionista, foi desde o início contestada pelos palestinos e pelos países islâmicos. Os palestinos sentiram-se esbulhados em seus direitos territoriais, o que causou uma rivalidade geopolítica, ao lado da tradicional rivalidade religiosa entre judeus e islamitas. Ademais, Israel adotou política de instalar assentamentos que são vistos pelos palestinos como ofensa e provocação.

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas (“Movimento de Resistência Islâmica” em árabe), organização terrorista com base na faixa de Gaza, financiado principalmente pelo Irã, mas também pelo Catar, atacou Israel com inusitada amplitude de meios – por terra, pelo mar e pelo ar. Essa ação colheu os órgãos de informação e de defesa de Israel de surpresa, o que causou estranheza, porque tanto os serviços de informação quanto as forças armadas israelenses têm reputação de excelência e são tecnologicamente muito avançados. Pelo menos duas hipóteses podem ser aventadas para as falhas dos órgãos de informação. De um lado, o excesso de confiança em recursos eletrônicos para obter dados sobre o Hamas, em detrimento da capacidade analítica dos agentes de informação, o que teria levado a uma inanição do sistema, incapaz de levar informações suficientes aos níveis decisórios. De outro lado, o sistema teria sido inundado com excesso de informações, além de sua capacidade de processamento, ou seja, os canais de informação estariam sobrecarregados e, portanto, pouco operantes. Outra possibilidade é que informações teriam chegado à cúpula do estado israelense, que, assoberbado pela crise política envolvendo o próprio Primeiro Ministro, não teria tomado as decisões adequadas em resposta ao ataque do Hamas.  Por fim, a dimensão e a eficiência do ataque do Hamas demonstram que houve uma longa e cuidadosa preparação, que não teria sido detectada pelos israelenses. Não é crível que o Hamas tenha empreendido um ataque dessa envergadura sem o conhecimento e até mesmo o consentimento de seu principal patrocinador e financiador, o Irã. 

Potência regional, o Irã foi aliado das potências ocidentais e dos Estados Unidos até a Revolução Islâmica de 1979, quando se instalou uma teocracia sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini. Detentor de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, com bem equipadas forças armadas de mais de 500 mil homens, o Irã beneficiou-se da invasão norte-americana do Iraque, que terminou com o equilíbrio de poder regional entre Irã e Iraque, ao ocupar este último e anular sua capacidade bélica. Além do Hamas, o Irã também apoia o grupo radical xiita Hezbollah, que atua principalmente no Líbano e que também lançou foguetes contra Israel, que tem conseguido diminuir suas perdas pela utilização do sofisticado sistema defensivo “Iron Dome” que detecta e destrói foguetes antes de atingirem seu território. Deve-se registrar que tanto o Hamas quanto o Hezbollah atuam como partidos políticos em seus territórios.

O Irã é ator fundamental no cenário do Oriente Médio, pois, além de potência regional inimiga de Israel e das potências ocidentais, margeia o estreito de Ormuz, uma das principais rotas do petróleo e do gás do mundo e que pode ser facilmente fechado. Os Estados Unidos, tradicional aliado de Israel, enviaram dois porta-aviões e o Reino Unido enviou uma força naval para as imediações de Israel. Essa mobilização parece visar mais a uma dissuasão ao Irã do que a uma eventual defesa direta de Israel.

Com o ataque do Hamas, Israel tomou represálias imediatas bombardeando a faixa de Gaza e empreendendo depois uma invasão terrestre que apresenta graves dificuldades, dentre as quais a necessidade de realizar combate urbano em área populosa e a existência de ampla rede de túneis construídos pelo Hamas. Israel tem manifestado o desejo de exterminar o Hamas, objetivo difícil de ser atingido, porque os ressentimentos entre os palestinos e os judeus são muito enraizados e se refletem nos países islâmicos. 

Além dos ataques do Hamas e do Hezbollah, os Hutis, também lançaram foguetes contra o território israelense. Trata-se de um grupo xiita do Iêmen, apoiado pelo Irã e combatido por coalizão liderada pela Arábia Saudita, aliada dos EUA.

Outra frente que se abriu no conflito foi com foguetes vindos do território sírio, que atingiram as Colinas do Golã, as quais faziam parte de território sírio ocupado por Israel desde a Guerra dos Seis Dias de 1967. A Síria, desde a Primavera Árabe de 2011, tem visto seu Governo ser contestado, mas o regime não caiu porque tem contado com o apoio decisivo do Hezbollah, da Rússia e do Irã. O Irã tem fornecido drones utilizados pela Rússia em ataques na Ucrânia. 

De sua parte, a Turquia, que é membro da OTAN desde a Guerra Fria mas que tem mantido uma política de equilibro entre o Ocidente e sua liderança islâmica, condenou a represália de Israel na Faixa de Gaza como terrorismo. 

A China apoia a solução de dois estados para Israel e Palestina, mas tem adotado um perfil discreto. A caminho de consolidar-se como uma superpotência rivalizando com os EUA, a China tem interesse em uma situação internacional sem grandes transtornos, para não prejudicar seus fluxos de comércio nem suas linhas de suprimento de matérias primas, alimentos e petróleo. O gigante asiático é grande comprador de petróleo da Rússia, do Irã e da Venezuela. 

Esse quadro mostra a complexidade e a extensão das alianças de países que estão imediatamente interessados na disputa Israel-Hamas, ou potencialmente podem ser envolvidos na situação de beligerância, o que pode levar a um aumento dos países intervindo no conflito. Outro fator que pode contribuir fortemente para o espraiamento da luta Israel-Hamas é o crescimento do antissemitismo, bem como do sentimento anti-islâmico, que potencialmente poderá levar os governos, pressionados pela opinião pública, a contemplarem participação mais direta no conflito.

O Itamaraty e a Força Aérea Brasileira vêm realizando operação de repatriação de brasileiros, com êxito parcial. Não há perspectiva, contudo, de que o governo brasileiro possa atuar como mediador para a solução da crise, mesmo porque o Brasil não tem peso específico internacional para agir em cenário em que estão interessadas diretamente as grandes potências.  

A ONU tem se mostrado ineficaz na missão precípua de seu Conselho de Segurança, que é a manutenção da paz. Uma das razões preponderantes é o sistema de poder de veto das potências-membro, os Estados Unidos, a China, a Rússia, o Reino Unido e a França. As Nações Unidas têm funcionado como fórum de repercussão das posições, e têm atuado também para amenizar a crise humanitária.