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Os democratas podem votar na chamada ‘direita’?

É muito difícil tirar um partido hegemonista do governo, sobretudo quando liderado por um parasita populista com alta gravitatem, pelos processos eleitorais normais num contexto em que o concorrente incumbente tem a simpatia da maioria dos jornalistas (comentaristas e analistas) políticos, dos pesquisadores de institutos de pesquisa de opinião e de agências de checagem, de uma rede suja de sites e influencers nas mídias sociais, dos artistas e famosos em geral, da maioria dos acadêmicos (sobretudo das áreas de humanas das universidades federais), dos sindicatos, centrais e associações profissionais, dos movimentos sociais e de boa parte das ONGs e, ainda por cima, conta com uma TV do maior grupo de comunicação do país para reverberar tudo isso diariamente. Sobretudo se o incumbente contar também com a simpatia da maioria da suprema corte, de vários tribunais superiores e de grupos influentes de juristas alinhados.

Nestas circunstâncias até entende-se a atratividade de uma alternativa antissistêmica, revolucionária (ainda que para trás, ou seja, reacionária). Há uma crença difusa de que a situação só muda com um curto-circuito no sistema, ainda que isso possa acelerar uma transição autocratizante do nosso regime político ou mesmo abrir a possibilidade de um golpe de Estado (embora hoje essa possibilidade esteja afastada no Brasil).

Em outras palavras, o hegemonismo é tão sufocante que grande parcela da população – em sua maioria não convertida à democracia – prefere qualquer coisa à manutenção do status quo, no limite até a abolição da democracia. Essa é a razão pela qual um populismo dito de direita (bolsonarista) chegou ao governo depois de vários mandatos consecutivos da esquerda populista (lulopetista). Como tal revolução não houve, a hegemonia conquistada de 2003 a 2016 não foi substituída por outra, o sistema continuou rodando nos mesmos parâmetros e o lulopetismo voltou ao governo em 2023. E a via antissistema perdeu todas as suas chances de ressurgir entre nós num horizonte divisável.

Sem a via antissistêmica, dita de extrema-direita, o que chamam de direita é apenas um componente normal de qualquer regime democrático. Em princípio entende-se que direita é tudo que não é esquerda. Todavia, opor direita, como se fosse “o mal”, ao governismo, tido por “o bem” porque seria de esquerda, é uma fraude.

Até os mais lúcidos jornalistas políticos tratam quem não é governista como sendo ‘de direita’. Mas que conversa é essa de ser ‘de direita’? A maioria da nossa população – que não é governista – nada tem a ver com ‘direita’. Isso tem um nome: hegemonia. Muitas vezes sem ter consciência disso nosso jornalismo se habituou a pensar sob comando. Comando de quem? Ora, dos populistas que se dizem esquerda e que estão no governo e dos populistas que, remedando os primeiros com o sinal trocado, querem se dizer de direita e estão na oposição.

O ardil é especialmente maligno quando urdido e aplicado pelo populismo lulopetista. Basta não ser governista para ser qualificado como direita. E já vai embutida a ideia de que direita, no Brasil, é a extrema-direita bolsonarista. Repetindo e acrescentando: a maioria da população brasileira, além de não ser governista, não é de direita, nem bolsonarista. Afirmar o contrário é a fraude política de que estamos tratando neste artigo.

Um editorial da Folha de São Paulo de ontem (15/11/2025), comentando as recentes pesquisas de opinião (em especial a da Quaest) diz o seguinte:

O quadro geral que determinou o resultado apertadíssimo das eleições de 2022 não dá mostras de ter-se diluído. Parcela francamente majoritária dos 50,9% que votaram em Lula naquele segundo turno continua a apoiá-lo como presidente. Já os que o rejeitam correspondem quase matematicamente aos 49,1% que votaram em Jair Bolsonaro (PL). Um segmento de eleitores independentes — que ora oscila para um lado, ora para o outro — tem causado as idas e vindas na aprovação do petista desde a posse, em janeiro de 2023. A movimentação pendular prediz que essa fatia no centro do espectro ideológico vai decidir a sucessão presidencial em outubro de 2026.

Na luta para capturar os 10% (há quem diga que são apenas 3%) que vão decidir a eleição de 2026, a direita é pintada como tendo sido devorada, digerida e dejetada pela extrema-direita. O cadáver insepulto de Bolsonaro continuará, para tanto, sendo agitado como um espantalho. De modo que não reste alternativa, a qualquer pessoa de bom senso, senão rejeitar a direita. Por quê? Porque ela não passa de uma fantasia usada pela extrema-direita para voltar ao governo e tentar novamente seu plano de dar um golpe de Estado na nossa democracia, desta feita com a ajuda do imperalismo norte-americano returbinado por Donald Trump. A extrema-direita realmente existente, quer dizer, os reacionários antissistema que são, na verdade, os agentes da camorra bolsonarista, dão credibilidade a essa farsa assumindo-se como os únicos verdadeiros antipetistas (porque são anticomunistas). Para vencer os comunistas qualquer ajuda será válida, inclusive do governo dos Estados Unidos, mesmo violando a nossa soberania nacional.

Os opostos jogam juntos na criação desse ambiente deletério para a democracia. Superar essa constelação aziaga de fatores exige, entretanto, começar esquecendo as ideologias. Não importa se as forças políticas principais se dizem progressistas (uma sopa de socialistas e liberais que acham que devem ser posicionar mais à esquerda) ou conservadoras (em boa parte reacionárias travestidas de conservadoras que querem se dizer de direita).

E devemos esquecer também o esquema classificatório ultrapassado que divide as forças políticas em esquerda e direita. Do ponto de vista propriamente político existem governo e oposição. O governo é populista. Parte da oposição (a parte bolsonarista) também é populista. Os democratas, no sentido pleno ou liberal do termo, não são populistas. Esses últimos, embora minoritários, são o que há de oposição democrática no Brasil. Serão eles suficientes para apresentar uma alternativa não populista para 2026? Não parece ser o mais provável, ainda que possa acontecer.

Já está passando da hora de pré-candidatos que não são populistas (nem lulopetistas, nem bolsonaristas) e não apoiam ditaduras apresentarem à sociedade brasileira um programa coerente capaz de situá-los no centro de gravidade da política democrática. Mas embora o programa deva vir antes do nome, não adiantará mais, nesta altura do campeonato, um programa sem um nome. E também não adiantará um programa e um nome sem um movimento. Eduardo Leite poderia ser esse nome, mas – além de estar dependendo da conveniência política do chefe do seu partido, o PSD – parece ter medo de queimar a largada e virar vidraça antes do tempo se se lançar num franco movimento por uma via democrática para o Brasil. Há incerteza sobre se um movimento desse tipo não seria taxado, inclusive pela imprensa, como ‘de direita’, dificultando a adesão de eleitores moderados de centro.

O truque, reconheçamos, funcionou perfeitamente até agora. O medo da acusação de ser ‘de direita’ (e, na visão dos acusadores, antidemocrático) é tão grande que, por incrível que pareça, até uma parcela de liberais que querem ser esquerda (justamente para não ficarem com a pecha de ser ‘de direita’), trabalham objetivamente contra essa via democrática. Só há explicação se partirmos de uma hipótese abstrusa: parece que existem pessoas cujo córtex frontal é liberal, mas o cérebro límbico é de esquerda populista (ou seja, iliberal). É esse tipo de gente que, na reta final de 2026, acabará recomendando o voto em Lula como o menos pior. E atenção! A reta final pode não ser o segundo turno, de vez que o governo e o PT vão jogar tudo para reeleger Lula no primeiro turno.

É claro que há uma malandragem jornalística em curso para captar a simpatia dos 3 aos 10% de votos moderados de centro, que podem decidir a eleição. Na reta final os malandros dirão que, infelizmente, não apareceu ninguém que valha a pena e então recomendarão o voto em Lula como o menos pior. E já que é o menos pior, por que não elegê-lo logo no primeiro turno afastando o risco do governo cair nas mãos de um aventureiro reacionário ou de um fisiológico ou corrupto do “centrão”?

Assim, temos de passar a observar de perto não os que hoje defendem a reeleição de Lula ou a eleição de um oposicionista. Mas os que estão cativando a simpatia desses 3 a 10% de votos ditos centristas, projetando um caminho para, amanhã, recomendar o voto em Lula como o menos pior para a democracia.

Ao fazerem isso, porém, esses trânsfugas do liberalismo estarão não apenas eliminando a possibilidade de uma via democrática para 2026 (se houver um candidato não populista viável), mas inclusive para 2030 e, quiçá, além. Descartada a via antissistema, dita de extrema-direita, nos curto e médio prazos, o hegemonismo petista continuará aparelhando as instituições e colonizando as consciências durante o quarto mandato de Lula e o sexto do PT neste século. E, dependendo do que vier a acontecer nos próximos cinco anos, 2030 pode ser ainda mais difícil para uma via democrática do que 2026. Não se deve duvidar disso. Estamos sob uma terceira onda de autocratização e em plena recessão democrática desde o início deste século. É mais ou menos como a antessala de uma idade das trevas, semelhante àquela que vivemos nos anos 20-30 do século 20.

Há pouco mais de um ano (em 04/11/2024) publiquei um artigo intitulado Centro democrático? Sim, em 2030. O artigo terminava assim:

Claro que 2030 passa por 2026. E que se deve fazer o possível em 2026. Desde que a comichão de jogar todas as fichas na loteria do calculismo eleitoreiro de curto prazo não nos desvie das tarefas estratégicas cujo horizonte, queiramos ou não, salvo um acontecimento extraordinário, já vai se deslocando para 2030. Não somos idiotas. Não se trata de abrir mão de 2026 e sim de começar hoje, no final de 2024, a construir as condições para uma vitória futura, que não cairá do céu…

Porém um ano se passou e fizemos muito pouco nesse sentido. Se não houver um fato extraordinário, o tempo hábil é muito curto para estruturar, fermentar e fazer crescer um movimento democrático-liberal capaz de suplantar os dois populismos que estão alimentando uma polarização tóxica no Brasil.

Nestas circustâncias, qualquer candidato que não se alinhe ao eixo autocrático, seja pela esquerda (Rússia, Bielorrússia, China, Vietnam, Laos, Coreia do Norte, Irã e seus braços terroristas, Angola, Cuba, Venezuela, Nicarágua etc.), seja pela direita (Rússia novamente, Índia, Turquia, Hungria, Eslováquia, El Salvador, EUA-MAGA etc.) – e que não seja populista – é melhor do que Lula ou um lulopetista e do que um bolsonarista-raiz (ou seja, um súdito fiel da famiglia Bolsonaro).

Sim, a política externa passou a ser um tema de campanha na medida em que Lula e o PT tomaram e acentuaram, neste quinto mandato petista, posições francamente antidemocráticas e favoráveis à ditaduras de esquerda, como demonstra a folha corrida do PT desde o seu surgimento (e como elencou o Heni Ozi Cukier neste vídeo) e o bolsonarismo também o fez, ao não apoiar a resistência ucraniana à invasão do ditador Putin, da Rússia, ao apoiar o governo Netanyahu, de Israel, que abriga supremacistas judaicos, ao elogiar e pedir ajuda ao ditador Orbán da Hungria, ao tentar colocar o autocrata Nayib Bukele, de El Salvador, como modelo de combate ao crime, ao apoiar o populista Milei, da Argentina, adepto da servidão voluntária a Trump – tudo culminando com os pedidos para que o presidente dos EUA pressionasse os poderes da república brasileira para reverter a ilegibilidade e a condenação de Bolsonaro ou livrasse da prisão ele e algum (ou alguns) dos seus filhos (o que deu e continua dando muito errado, como estamos vendo).

De sorte que não há como tirar a política externa da campanha, a menos que o TSE e o STF – neste caso para favorecer Lula, o mais vulnerável pela sua aproximação crescente com ditaduras amigas – decidam proibir que os candidatos abordem o tema. Sim, absurdo, mas é possível no Brasil dos dias que correm.

Frisando esse ponto. Não havendo um candidato democrata-liberal viável, qualquer candidato não-alinhado ao eixo autocrático e não-populista (não lulopetista e não bolsonarista) será uma alternativa. Não precisa ser um social-democrata ou alguém dito de centro-esquerda. Qualquer político moderado de centro, ou até considerado do “centrão” – e dito ‘de direita’ – que jogue dentro das regras da democracia representativa, seria melhor do que a reeleição de Lula ou a eleição de um bolsonarista-raiz (quer dizer, nunca é demais repetir a definição: um súdito fiel da famiglia Bolsonaro).

Por todas as razões apresentadas, os democratas:

1 – Não devem votar na continuidade do atual governo (que se diz e é dito de esquerda – mas não por ser de esquerda e sim porque Lula e o PT são populistas e hegemonistas, além de estarem alinhando o Brasil ao eixo autocrático contra as democracias liberais).

2 – E não podem votar em ninguém considerado de extrema-direita (ou seja, num candidato reacionário antissistema) – por razões tão óbvias a esta altura que seria ocioso enumerar.

3 – Preferencialmente devem votar em um candidato democrata liberal (se houver algum viável). Mesmo que a campanha do PT diga que esse candidato é ‘de direita’ (querendo com isso dizer que ele é um bolsonarista de extrema-direita ou um golpista e fascista disfarçado).

4 – Na ausência dessa alternativa devem votar em algum democrata considerado de centro (que for viável). Idem; ou seja, mesmo que a campanha do PT diga que esse candidato é ‘de direita’ (querendo com isso dizer que ele é um bolsonarista de extrema-direita ou um golpista e fascista disfarçado).

5 – Se não houver um democrata de centro, devem votar num candidato rotulado (pela esquerda) como sendo moderado ‘de direita’. Idem-idem; quer dizer, mesmo que a campanha do PT diga que esse candidato não é ‘de direita’ e sim de extrema-direita, golpista e fascista.

Qual o problema?

As duas únicas democracias liberais da América do Sul – o Chile e o Uruguai – passaram por isso.

O caso do Chile. Aylwin é substituído por Frei, que é substituído por Lagos, que é substituído por Bachelet, que é substituída por Piñera, que é substituído novamente por Bachelet, que é substituída novamente por Piñera, que é substituído por Boric (dito ‘de esquerda’). E o mundo não acabou (pelo menos até às arriscadíssimas eleições de ontem). O Chile continuou sendo uma democracia liberal – coisa que nunca fomos no Brasil (1).

O caso do Uruguai. Sanguinetti é substituído por Lacalle, que é substituído por Sanguinetti novamente, que é substituído por Batlle, que é substituído por Vázquez, que é substituído por Mujica, que é substituído novamente por Vazquez, que é substituído por Lacalle Pou (dito ‘de direita’). E o mundo não acabou. O Uruguai continuou sendo uma democracia liberal – coisa que nunca fomos no Brasil.

Pelo exposto fica claro que os democratas podem, sim, votar num candidato que seja dito ou até que se diga ‘de direita’ – embora isso seja uma besteira. A esquerda inventou a esquerda e, pelo mesmo movimento, a direita. Mas vá-se lá dizer-lhes!

Nota

(1) Boric não conseguiu montar uma coalizão democrática expressiva. Já se sabia que sua candidata não venceria no primeiro turno e perderia para todos os concorrentes no segundo turno. O diabo é que o Chile, uma das poucas democracias liberais da América Latina (juntamente com Costa Rica e Uruguai), vai entrar em risco de decair para democracia apenas eleitoral no curto prazo e no médio prazo as consequências podem ser piores. O importante era que o Chile continuasse sendo uma democracia liberal, não que continuasse sendo governado pela esquerda. O Uruguai foi governado por Pou, que não era de esquerda, e continuou sendo uma democracia liberal. A coalizão governista no Chile perdeu ontem (16/11/2025) a Câmara e o Senado. E, não ocorrendo um milagre, perderá também a presidência. Essa besteira de querer ser ‘de esquerda’ levou à escolha de uma candidata do partido comunista (que não consegue nem dizer que Cuba é uma ditadura).

COP30: Uma Reflexão Necessária

Enquanto o Brasil recebe a COP30, a narrativa de uma crise climática atinge seu ápice. No entanto, um exame mais aprofundado da história do planeta e dos dados disponíveis revela um quadro mais complexo e menos alarmista. A Terra é um organismo dinâmico, que passou por ciclos naturais de aquecimento e resfriamento ao longo de milênios, muito antes da industrialização. Logo, questionar o atual consenso absoluto não é negacionismo, mas um exercício de ceticismo científico saudável.

Climatologistas como Bjorn Lomborg, autor de “O Ambientalista Cético”, não negam as mudanças climáticas, mas colocam em perspectiva o papel da humanidade nelas. Lomborg argumenta que o discurso apocalíptico gera políticas ineficazes e custosas, desviando recursos de problemas globais mais prementes, como a pobreza, a má-nutrição e a falta de saneamento básico. Ele defende que a adaptação e a inovação tecnológica são respostas mais pragmáticas e humanas do que tentativas draconianas de descarbonizar a economia global à força.

Essa visão pragmática encontra eco em outros cientistas de renome. O físico atmosférico Richard Lindzen, do MIT, e a climatóloga Judith Curry, da Georgia Tech, já argumentaram que a sensibilidade do clima ao CO2 pode ser superestimada e que a variabilidade natural interna do planeta é um fator subestimado nos modelos atuais.

A ideia de que o clima era estático antes da atividade humana ignora evidências históricas. Períodos como o Ótimo Climático Medieval (séculos X-XIII), quando as temperaturas eram provavelmente mais altas que as atuais, permitiram a colonização viking na Groenlândia. Em contrapartida, a Pequena Idade do Gelo (séculos XIV-XIX) trouxe frio intenso e fome para a Europa. Esses eventos ocorreram sem a influência de combustíveis fósseis, demonstrando a variabilidade natural do sistema climático.

Surge, então, a pergunta crucial: até que ponto a ação humana é o fator determinante? Muitos cientistas, cujas vozes são muitas vezes abafadas, apontam para a influência de ciclos solares e oscilações oceânicas como os principais condutores do clima em escalas de tempo decenais e seculares. Culpar apenas o CO2 por todas as mudanças no clima é uma explicação simplista para um sistema que é complexo e imprevisível.

Não se pode ignorar, ainda, a dimensão econômica por trás da “agenda verde”. Criou-se uma poderosa indústria bilionária em torno das teses das “mudanças climáticas”. Fundos de investimento, corporações de energia “renovável” e uma vasta rede de ONGs são financiados para promover uma narrativa única. Esta, por sua vez, justifica pesados subsídios, regulamentações e taxações que redistribuem riqueza e concentram poder, muitas vezes com um impacto questionável na temperatura global.

Portanto, a COP30 deve ser um espaço não para o dogmatismo, mas para o debate aberto. É preciso escutar os cientistas céticos, avaliar os custos reais das políticas de net-zero e priorizar a resiliência e a prosperidade humana. O planeta sempre mudou. O grande desafio não é frear um processo natural, mas sim aprender a lidar com ele com inteligência, sem renunciar ao nosso progresso e qualidade de vida em razão de um alarmismo financiado por interesses políticos.

A Ilha e o Clima: Taiwan na COP30

Por Peng Chi-ming, Ministro do Meio Ambiente de Taiwan  

A mudança climática é uma realidade premente que afeta o cenário de riscos globais, e Taiwan, como membro responsável da comunidade internacional, está alinhada aos esforços mundiais para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Eventos climáticos extremos, como os tufões e as chuvas torrenciais que atingiram o sul e o leste de Taiwan em 2025, sublinham a urgência da ação.

Nosso compromisso com a transição energética é evidente no Projeto Nacional de Esperança do Presidente Lai Ching-te, que estabelece uma visão de crescimento verde e a meta de emissões líquidas zero até 2050. Para alcançar isso, definimos cinco estratégias principais: desenvolver energia verde inteligente, promover transformação industrial dupla (digitalização e esverdeamento), fomentar estilos de vida sustentáveis e garantir uma liderança governamental justa nesta transição.

Em 2025, Taiwan apresentou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para 2035, estabelecendo metas ambiciosas para uma transição de baixo carbono. O Comitê Nacional de Mudança Climática, criado em junho de 2024, estabeleceu metas robustas de redução de emissões que se intensificam significativamente nos próximos anos.

A meta de redução de emissões foi elevada a um patamar mais audacioso em relação aos níveis de 2005, com objetivos intermediários e um propósito ainda mais elevado até 2035. A Lei de Resposta à Mudança Climática consagra legalmente a meta de net zero 2050. Em consonância com o Acordo de Paris, Taiwan submeteu voluntariamente sua NDC 3.0 em 2025, demonstrando maior ambição e justiça, comparável à de outros países.

Um pilar central de nossa estratégia é a precificação de carbono. Lançamos oficialmente o sistema de taxa de carbono em 2025, com um valor estabelecido para desestimular as emissões. Este modelo, que será complementado por um esquema de comércio de emissões (cap-and-trade), visa criar um padrão de precificação de carbono de via dupla. A taxa de carbono tem como principal objetivo reduzir as emissões e projeta uma contribuição significativa para a diminuição da pegada de carbono até 2030. Taiwan está preparando o terreno regulatório para engajamento no Artigo 6 do Acordo de Paris e participação nos mercados globais de carbono.

Em paralelo à mitigação, estamos fortalecendo a adaptação em linha com o Artigo 7 do Acordo de Paris. O Plano Nacional de Ação para a Adaptação à Mudança do Clima cobre áreas-chave, como infraestrutura crítica, recursos hídricos e saúde. A criação da Aliança Estratégica para Adaptação ao Calor, envolvendo governos, especialistas e ONGs, é um exemplo de expansão de nossa rede de ação adaptativa.

A COP30, em Belém, Brasil, marcará o início da próxima fase da ação climática global. Taiwan tem demonstrado previsibilidade em suas políticas climáticas e um forte compromisso com o diálogo global. Reconhecemos que o net zero é uma jornada coletiva. Conclamamos todos os países a apoiar a participação de Taiwan na COP30, de forma a empoderar nossa nação e a comunidade internacional para responderem conjuntamente à crise climática, no espírito do “Mutirão Global”. Trabalhando em conjunto, podemos avançar na plena implementação do Acordo de Paris.

Ele foi processado pelo MPF por chamar Lula, que já foi presidiário, de ex-presidiário

O caso é simples, público e, ainda assim, sintomático. O advogado pernambucano Thomas Crisóstomo foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter escrito em uma rede social que “a EBC virou um cabide de emprego para a mulher do ex-presidiário Lula”.

O MPF afirma que a expressão ofenderia a honra do presidente. A denúncia não questiona o fato em si, apenas o direito de dizê-lo. Lula foi condenado em segunda instância, preso por 580 dias e depois beneficiado pela anulação dos processos por questões processuais, sem revisão de mérito. O dado histórico é objetivo: Lula foi preso, então é, literalmente, um ex-presidiário. Ainda assim, o Estado decidiu transformar a frase em delito.

O MPF chegou a oferecer um acordo de não persecução penal a Thomas Crisóstomo. Ele recusou. Disse que não admitiria reconhecer culpa por algo que é fato público, sustentado documentalmente e inserido no debate político. A recusa é o ponto mais importante dessa história. Quantos outros, com medo, tempo curto, recursos escassos ou filhos pequenos para sustentar, aceitaram calar? Quantos assinaram acordos para não enfrentar um processo, admitindo uma culpa que não existia em troca de alívio imediato? Quantos sentiram o peso do Estado e escolheram a sobrevivência ao invés da liberdade de expressão? Esse caso, público, transparente, rastreável, nos conduz à pergunta que a Gazeta do Povo tem insistido em fazer e que continua sem resposta: quantas vozes o Supremo já calou?

Não estamos falando de processos públicos como o de Thomas Crisóstomo. Estamos falando dos inquéritos sigilosos, das investigações sem réu definido, dos pedidos de quebra de sigilo que não chegam a ser tornados públicos, das medidas de restrição de fala que nunca foram sequer apresentadas ao debate democrático. Estamos falando do silêncio que não aparece no noticiário. Do silêncio sem rosto, sem nome, sem registro.

O que se vê é um Estado que se tornou minucioso na vigilância do discurso político e, ao mesmo tempo, displicente com crimes concretos. É como se a frase fosse mais relevante do que o fato que ela descreve. Como se a sensibilidade de determinadas pessoas importasse mais do que a legitimidade da crítica. A distorção é evidente: o sistema penal, que deveria proteger a sociedade contra violências reais, está sendo usado para proteger autoridades contra desconforto.

Quando o Estado deixa de punir crimes para punir palavras, ele desloca o centro moral da lei. O problema deixa de ser a conduta e passa a ser a opinião sobre a conduta. E, nesse ponto, a democracia é desfigurada. Porque a democracia exige fricção, conflito, ironia, provocação, confronto de interpretações. Não existe vida política adulta sem o direito de chamar as coisas pelo nome que os fatos sustentam.

O episódio também expõe a contradição mais profunda do discurso institucional brasileiro. A retórica oficial insiste em dizer que vivemos uma era de defesa da democracia. Mas democracia não é apenas manter eleições. Democracia é garantir que o cidadão possa criticar o governante. Mesmo quando exagera. Mesmo quando é duro. Mesmo quando fere sensibilidades. Soberania popular significa que o presidente não está acima do povo e muito menos acima da linguagem.

O que se está tutelando aqui não é a honra, mas a narrativa. E quando o Estado passa a tutelar narrativas, o resultado não é estabilidade, é medo. O cidadão começa a se perguntar o que pode ou não dizer, a medir palavras, a calcular cada vírgula antes de postar um comentário banal. A esfera pública, nesse ambiente, deixa de ser local de debate e se torna campo minado. A autocensura se torna hábito. O silêncio se torna prudência.

E é aí que a pergunta da Gazeta do Povo volta a ecoar. Se este é o tratamento dado a um caso público, registrado, conhecido, acompanhado pela imprensa, o que acontece nos casos que não chegam ao noticiário? Quantos processos, quantos inquéritos, quantas notificações foram aceitos sem questionamento para não “ter problema”? Quantos se calaram antes mesmo de falar?

O mais grave não é o que se vê. O mais grave é o que não se ouve. O processo contra Thomas Crisóstomo, no fim das contas, não é sobre a frase que ele escreveu. É sobre quem pode descrever a realidade e quem pode proibi-la. Quando o Estado decide que um fato se torna ofensivo ao ser mencionado, não estamos diante de proteção da honra, mas de controle da narrativa. E controlar a narrativa é controlar o imaginário, o horizonte das possibilidades, o próprio limite do que pode existir como pensamento público.

Por isso essa história não termina no episódio individual. Ela interpela o país. Porque uma sociedade que cala os que a descrevem se torna refém de sua própria mentira. E mentira de Estado tem consequências práticas: ela modela consensos artificiais, produz medo difuso, enfraquece a confiança social e, pouco a pouco, apaga a noção de cidadania. Não há democracia em que o cidadão precise pedir permissão para dizer o óbvio.

A pergunta volta, então, mais grave, mais urgente, mais profunda: se um comentário público, baseado em registros oficiais, pode se tornar crime, o que exatamente ainda podemos dizer? Até onde vai o perímetro do permitido? E quem o delimita?

É aqui que a questão proposta pela Gazeta do Povo ganha sua dimensão verdadeira. O caso de Thomas Crisóstomo é visível, rastreável, contestável. Mas há uma zona inteira de silêncio que se estende por inquéritos sigilosos, decisões sem publicidade, acordos aceitos por medo, autocensuras que nunca chegam às notícias. Ali está o campo mais perigoso. Não o grito reprimido, mas a voz que nunca chegou a nascer.

Se o Supremo e o sistema de Justiça não responderem claramente a essa pergunta, se não delimitarem com precisão o que é direito de crítica e o que é ataque real, se não devolverem ao debate público a coragem da divergência, o país não estará apenas cerceando palavras. Estará diminuindo a consciência e atrofiando a própria liberdade. Porque quando a sociedade se acostuma a calar, ela não cala apenas o que pensa. Cala também o que é. Uma democracia que cala o que é já deixou de existir.

Imposto de Renda: um alívio real, mas com prazo de validade

O Congresso aprovou o Projeto de Lei nº 1.087/2025, que promete aliviar o bolso de milhões de brasileiros ao isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês. Segundo o governo, cerca de 25 milhões de pessoas serão beneficiadas a partir de 2026. A medida é positiva e traz um ganho real para a renda do trabalhador, mas seu impacto tende a ser passageiro.

O motivo é simples: a tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas acumula uma defasagem de cerca de 154% entre 1996 e 2024, segundo a Receita Federal. O novo projeto corrige apenas 35% dessa defasagem, o que significa que o alívio tributário é parcial. A cada reajuste salarial e aumento de preços, mais pessoas voltam a ser tributadas, mesmo sem terem ampliado de fato seu poder de compra.

Outro problema é que o projeto não estabelece uma regra de correção automática da tabela pela inflação. Sem essa atualização anual, o benefício concedido agora será rapidamente corroído, como já ocorreu no passado. Entre 2016 e 2022, a tabela ficou congelada, e o número de contribuintes que pagavam imposto subiu de 26 milhões para mais de 32 milhões. Na prática, o congelamento funciona como um aumento de imposto disfarçado: o trabalhador não fica mais rico, mas paga mais.

Ainda assim, o PL tem méritos. A criação de uma tributação mínima de 10% sobre rendas acima de R$ 600 mil anuais e a taxação de lucros e dividendos remetidos ao exterior corrigem distorções históricas que beneficiavam os mais ricos. Hoje, os 0,01% com maiores rendas pagam proporcionalmente menos imposto que parte da classe média. Nesse ponto, o projeto traz mais justiça fiscal e torna o sistema um pouco mais progressivo.

O problema é que a pressa em aprovar a medida antes do fim do ano — para que entrasse em vigor já em 2026 — fez com que o Senado abrisse mão de discutir pontos estruturais, como a correção automática da tabela e a compensação financeira adequada a estados e municípios, que devem perder cerca de R$ 5 bilhões por ano de arrecadação.

Assim, o novo Imposto de Renda é um avanço simbólico e social, mas de efeito limitado. Representa uma vitória política importante, ao aliviar o peso sobre quem mais sente o custo de vida, mas sem resolver o problema de fundo. Sem uma política permanente de atualização da tabela, a reforma perde força com o tempo e corre o risco de se transformar em mais um alívio temporário — daqueles que começam com promessa de justiça fiscal e terminam como mais uma ilusão passageira.

Crime Sem Fronteiras

A operação deflagrada no Rio de Janeiro expôs com violência o caráter transnacional do crime organizado brasileiro. Ao enfrentar o Comando Vermelho, facção que controla rotas de cocaína da Amazônia à Europa, a polícia estava também atingindo pontos nevrálgicos de uma organização criminosa transnacional. A letalidade da ação, portanto, não é apenas um drama local. Estamos diante de um sistema que alimenta redes globais de tráfico, lavagem e violência que demandam respostas coordenadas além de nossas fronteiras. Sem integração plena de inteligência, operações como essa combatem sintomas enquanto o ilícito se reorganiza em tempo real.

Em um mundo onde o crime ignora soberanias, a cooperação policial internacional é imperativa. A Interpol, com seu canal I-24/7, processa 1,2 milhão de consultas diárias, ou seja, cada segundo de atraso é uma rota de fuga. Ainda assim, a rede apresenta vazios criados por critérios políticos, não técnicos. Cidades do porte de Hong Kong e países como Kosovo e Taiwan poderiam estar mais integrados ao sistema internacional. Apesar da expertise, permanecem fora das reuniões, treinamentos e do I-24/7 – uma exclusão ditada por pressões externas, não por incapacidade. As forças de segurança de Taipei, por exemplo, desmantelaram em 2024 uma plataforma de exploração infantil com 5.000 membros, rastreando criptomoedas e operadores transfronteiriços.

Taiwan não é um caso isolado. Hong Kong, antes membro pleno, foi rebaixado a “escritório de ligação” após 1997 e Kosovo, reconhecido por mais de cem países, ainda luta por acesso. Todas essas jurisdições possuem forças policiais operacionais e registros de cooperação bilateral exitosa, mas são mantidas à margem por vetos políticos. A resolução da 53ª Assembleia Geral da Interpol, em 1984, não impôs barreiras à participações como a de Taiwan; o artigo 2º da Constituição da organização exige “a mais ampla assistência mútua”. Logo, subordinar essas missões a disputas diplomáticas é escolher ideologia em vez de resultados reais que podem salvar vidas.

Países como Nova Zelândia, Austrália e Japão já trocam inteligência cibernética com Taipei sem criar precedentes políticos. Formalizar canais multilaterais – via status de observador – ampliaria o alcance da rede sem custos de soberania. Da mesma forma, em outras jurisdições excluídas, a inclusão técnica contribui para fortalecer a rede global. No Rio, cada quilo de droga apreendido tem origem em cadeias que passam por múltiplos continentes e sem todos os elos, a resposta é fragmentada.

A segurança internacional não tolera pontos cegos. Na 93ª Assembleia Geral da Interpol, em 2025, priorizar capacidade técnica e poder de cooperação sobre política é medida de pragmatismo e de segurança, não de cortesia. Conceder acesso aos países capazes de ajudar a combater o crime organizado em outras jurisdições é essencial, evitando lacunas que podem ser exploradas por organizações que operam nas sombras da lei.

A inclusão de todas as jurisdições competentes na Interpol é reforço operacional que beneficia diretamente o Brasil. Em um contexto de crime organizado transnacional, defender a cooperação técnica com essas nações é imperativo que deve ser cobrado de nossa diplomacia, uma vez que fortalece nossa segurança interna, fecha brechas na rede global de inteligência e prioriza resultados concretos acima de vetos ideológicos. É preciso combater o crime em todas as frentes e com todos os mecanismos possíveis.

Facção criminosa e organização terrorista

Eu assisti, ninguém me contou. No decorrer da invasão das sedes dos três poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, o apresentador da Globo News chamou repetidamente os vândalos de terroristas. Depois a emissora corrigiu essa abordagem (sem dizer que corrigiu, nem porque corrigiu). Os invasores tinham intenções golpistas (chamar uma intervenção militar para interromper o mandato do presidente recém-eleito e já empossado, Lula da Silva), mas eles eram terroristas?

Jair Bolsonaro (já eleito e ainda não empossado) declarou no final de 2018 na avenida Paulista: “Bandidos do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], bandidos do MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto], as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba [Lula]”. Os militantes do MST (de Stédile) e do MTST (de Boulos) são terroristas?

Putin acaba de fazer aprovar nestes dias, pelo parlamento fantoche da ditadura russa, um tratado de parceria estratégica com o ditador Maduro para, entre outras coisas, combater o… terrorismo. Ele, Putin, há sete anos, já havia chamado os opositores de Maduro (Maria Corina incluída) de terroristas e continua qualificando seus próprios opositores na Rússia como terroristas. O mesmo faz o ditador Erdogan na Turquia. Estão vendo como esse assunto é delicado?

O terrorismo é caracterizado por seu propósito e pelos seus métodos. O propósito do terrorismo é instalar, infundir ou difundir, o terror em populações, atingindo inocentes, com objetivos políticos. Os métodos do terrorismo são as ações violentas que atentam contra a vida, restringem brutalmente a liberdade ou impõem sofrimentos aos semelhantes, mas também visam causar perdas materiais e desorganizar a economia.

A ONU discute sem sucesso, desde 2004, um acordo para chegar a uma definição política de terrorismo. Um texto antigo em debate, de 1996, já caracterizava terrorismo como “o ato intencional e ilegal que provoca mortes, ferimentos e danos à propriedade pública ou privada, com o objetivo também de causar perdas econômicas, intimidação da população e de forçar um governo ou uma organização internacional a tomar ou se abster de uma decisão”.

Mas praticar atos que infundem o terror nem sempre é suficiente para caracterizar uma organização como terrorista. Por exemplo, em guerra mudam-se os critérios. No caso da guerra de secessão americana (1861-1865), quem era terrorista: os confederados ou os yankees? A pergunta procede porque ambos praticaram atentados contra a vida e contra propriedades com objetivo político de infundir o terror em populações indefesas (arrasando comunidades de não-combatentes, queimando plantações, abatendo o gado), mas aí não era terrorismo. Quer dizer que a guerra absolve o terrorismo?

La Résistance, a resistência francesa à ocupação hitlerista, era terrorista? Era uma organização armada, não-regular, não-legal, que praticava atos violentos (matava, sequestrava, mutilava seres humanos, sabotava, explodia bombas etc.) com efeitos claramente propagandísticos: visando atemorizar a população civil para dissuadi-la de colaborar com o nazismo. E aí? Aí vale porque os invasores eram estrangeiros? Quer dizer que o que define terrorismo não é a natureza das ações praticadas e sim os motivos pelos quais foram praticadas? Quer dizer que se ações tipicamente terroristas forem praticadas em defesa da pátria ou da nação – e da soberania nacional – está valendo? Que ética é capaz de resistir a tais critérios?

Além disso, todos os governos autoritários classificam seus opositores mais incômodos como terroristas e, para tornar juridicamente válida essa classificação, tentam criar novas leis (ou modificar leis já existentes) para tipificar como terroristas as ações ofensivas dos que se lhe opõem.

O assunto é espinhoso e exige que nos concentremos no básico. E o básico é o seguinte:

Organizações terroristas sempre têm uma causa político-religiosa (incluídas aí as religiões laicas, como certas ideologias revolucionárias). Na verdade o terrorismo é, a rigor, uma via antipolítica para alcançar algum objetivo não-mercantil (ou extra-mercantil).

Facções criminosas não são organizações terroristas. Elas não têm causa nenhuma. Não se vê “soldados” do narcotráfico (ou “trabalhadores do narcotráfico”, segundo Gustavo Petro) sacrificando suas vidas para atingir um objetivo. Por exemplo, se imolando em praça pública ou detonando um colete de explosivos no meio de uma multidão para matar o maior número de pessoas. Não se vê nem mesmo um “lobo solitário” do narcotráfico esfaqueando uma pessoa na rua em nome da sua causa de libertação (como faziam os zelotas na antiga Palestina ocupada pelos romanos) ou em nome da instauração de um califado universal (como os jihadistas do Estado Islâmico ou da Al Qaeda).

Facções criminosas, ditas do narcotráfico, como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho, são organizações com objetivos de lucro. São empresas bandidas. Ou seja, seu comportamento não é presidido por uma racionalidade extra-mercantil. Pode-se dizer que são um novo tipo de organização criminosa para o enfrentamento do qual as forças de segurança não estão preparadas.

A rigor as facções criminosas, em especial o PCC, não são mais nem organizações dedicadas ao tráfico de drogas como seu negócio principal. São uma espécie de máfia (amoral, mas sem familismo), de base prisional (parte de seus principais comandantes estão protegidos dos seus concorrentes nas prisões, sob custódia do Estado), que lucram com a venda e a cobrança ilegal de serviços, a imposição de taxas sobre negócios privados e a extorsão da população capturada em seus territórios.

Segundo artigo de Arthur Trindade, publicado no Correio Braziliense de ontem, “um relatório do Ministério da Justiça apontou que, em 2024, existiam 88 facções de base prisional no Brasil. Sendo que 72 delas têm atuação local como os Bala na Cara, do Rio Grande do Sul, e o Comboio do Cão, do Distrito Federal. Há 14 facções regionais que atuam em mais de dois estados como o Comando da Fronteira, a Família do Norte e os Guardiões do Estado. O relatório também aponta a existência de duas facções nacionais: o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho. Elas estão presentes em quase todos os estados e têm conexões internacionais”.

Fala-se de uma coordenação entre governos federal e estaduais para enfrentar o crime organizado. Não basta. A situação chegou a tal ponto que é necessário um verdadeiro pacto social. Por mais que se aumente a repressão, a inteligência e os recursos, isso não bastará. É necessária a participação da sociedade e, inclusive, a colaboração das populações sequestradas nos territórios dominados pelas facções (muitas vezes na forma de resistência que não pode se revelar). Todavia, governos populistas, ditos de esquerda ou de direita, não são capazes de promover nada disso. Os de esquerda continuam acreditando que a criminalidade deriva da desigualdade social – o que leva à uma perigosa leniência, como se os criminosos fossem rebeldes primitivos que só existissem em razão da brutal desigualdade social e da exploração econômica, da opressão política e da dominação e discriminação ideológica das elites, dos capitalistas, dos imperialistas, dos neocolonialistas, sobre os trabalhadores ou o povo pobre. Os de direita continuam acreditando que existem os homens do bem e os homens do mal e que os primeiros devem exterminar os segundos pela força bruta, extirpando as maçãs podres da cesta – o que é a barbárie.

Definir as facções criminosas como organizações terroristas é uma armadilha autoritária. É conveniente para os que acham que se trata de eliminar fisicamente os bandidos (na base do “bandido bom é bandido morto”, ao arrepio das normas que regem os Estados democráticos de direito). Ninguém se escandaliza quando forças de segurança policiais ou militares abatem a tiros um terrorista, seja em Telavive, em Chicago, em Londres ou Amsterdã. Ninguém cobra que o terrorista seja preso, após a leitura de seus direitos e apresentado a um juiz. Há um consenso (tácito) sobre isso, que atravessa as ditaduras e chega até às mais plenas democracias liberais.

Mas matar os membros das facções criminosas não resolve o problema. Mil chacinas policiais ou militares não resolverão o problema. Cada “soldado” morto no narcotráfico será substituído rapidamente por outro. Cada “comandante” morto será sucedido por outro. Antes de qualquer coisa porque, a despeito dos riscos imensos, o negócio é muito lucrativo. E também porque o ambiente configurado nas favelas e periferias é favorável à instalação e replicação de uma cultura que valida, aos olhos de parte das comunidades, tal comportamento. Os feitos dos “heróis insurgentes” dos morros são cantados em prosa ou verso por artistas populares, cujas músicas são ouvidas por todos, crianças, jovens, adultos e idosos que nada têm a ver com o crime. Sim, o que estou dizendo é que há base social que permite que esse tipo de organismo nasça, cresça, se desenvolva e se reproduza.

Vários fatores combinados permitiram (e continuam permitindo) o surgimento (e a proliferação) desse tipo de organização criminosa. O principal desses fatores é uma depressão no campo interativo que extermina velozmente capital social. CV, PCC e Milícias surgem desse black hole. Uma deformação do tecido da sociedade – e uma degeneração do Estado inclusive (sobretudo no caso das milícias, que não surgem por ausência de Estado já que são uma espécie de dark side do próprio Estado). As facções criminosas do narcotráfico são uma degeneração do modo de agenciamento chamado mercado, assim como as milícias são uma degeneração do modo de agenciamento chamado Estado. Mas esse é assunto para um próximo artigo.

Operação Contenção expõe ao mundo a guerra interna do Brasil

A Operação Contenção — a maior da história do Rio de Janeiro, com mais de 120 mortos e o envolvimento de 2.500 policiais — trouxe o problema da expansão do crime organizado para o debate público de maneira incontornável.

Enquanto helicópteros sobrevoavam o Complexo do Alemão e da Penha, drones explosivos, barricadas incendiadas e fuzis transformavam a cidade em uma zona de guerra, levando o Brasil para manchetes do noticiário internacional.

Se os que padecem sob o jugo tirânico das facções criminosas nas comunidades e periferias já conheciam o enorme poder de facções como o Comando Vermelho, penso que a maioria da classe média do país, embora ciente do problema, não atinava ainda para a dimensão real do problema.

A repercussão do confronto entre policiais e criminosos no Rio trouxe novamente à tona uma clivagem ideológica no país, além de deixar transparecer a fragilidade de certas narrativas.

A palavra soberania, por exemplo, tão ecoada ultimamente pelo governo Lula, devido às tarifas e sanções impostas pelos EUA ao Brasil, se volta agora contra aqueles mesmos que dela tanto se utilizaram com afetação nacionalista.

De fato, como falar em soberania quando o Estado não detém o monopólio da força, mas o divide com criminosos que têm seu próprio “tribunal” e impõe suas “leis” em território no qual a população mais pobre vive como refém?

Aqueles que, em nome dos Direitos Humanos, se mostram tão preocupados com os alvos da ação policial, acaso mostram a mesma preocupação com os moradores da comunidade cujo direito de ir e vir é rotineiramente suspenso por barricadas?

Aqueles que apontam “barbárie” na ação da polícia contra o Comando Vermelho não consideram barbárie as torturas perpetradas contra moradores inocentes e contra rivais como prática sistemática de punição e controle territorial?

Aqueles que acusam a polícia de agir seletivamente contra “pobres” se solidarizaram com os milhares de pobres expulsos de suas próprias casas pelas facções?

O êxodo imposto pelas facções teve um crescimento espantoso no meu estado, Ceará, há mais de dez anos governado pelo Partido dos Trabalhadores. Uma reportagem recente da mídia local dá conta de que as facções criminosas expulsaram moradores de pelo menos 49 bairros de Fortaleza.

Em entrevista no papo Antagonista, o ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, comentou algo que foi motivo de indignação aqui em Fortaleza: a polícia não garantiu a segurança para que os moradores continuassem em suas próprias casas após receberem ameaças das facções, mas garantiu escolta para que abandonassem suas casas em segurança.

Certa noite, em setembro, eu estava em casa com meu filho quando sobreveio o barulho de uma expressiva e inusitada queima de fogos que durou vários minutos. Ele se agitou um pouco, eu fechei as janelas. Imaginei que era alguma vitória de time de futebol, Fortaleza ou Ceará. No outro dia, li que tinha sido a celebração do Comando Vermelho pela conquista de novo território.

Foi também aqui, em Fortaleza, o caso da cozinheira executada a facadas e tiros na frente dos seus filhos, por membros do Comando Vermelho, por ter se recusado a envenenar a comida de policiais. Esses e outros crimes de uma violência bárbara tornaram-se cada vez mais comuns.

O caso do Ceará mostra que o crime organizado está se expandindo com força total para todo o Brasil e que não se trata mais de problema restrito ao Rio de Janeiro.

Ao dar visibilidade a isso, a Operação Contenção forçou a sociedade a se posicionar. A questão lançada é a seguinte: o brasileiro comum quer que o Estado continue fazendo vista grossa para a expansão do crime organizado ou quer que ele seja efetivamente enfrentado?

Para espanto de boa parte da bolha esquerdista, as pesquisas apontaram claramente a disposição do brasileiro para o enfrentamento.

Segundo o instituto AtlalIntel, 62,2% da população da cidade do Rio de Janeiro e 55,2% da população brasileira aprovaram a Operação Contenção.

O dado mais significativo, porém, é que, entre os moradores de favelas do Rio, 87,6% aprovaram a operação e entre os moradores de favelas do Brasil, a aprovação foi de 80,9%.

Esses dados mostram uma enorme dissonância entre o discurso da elite progressista em nome dos pobres e o que os pobres realmente desejam para si.

“Massacre”, “genocídio”, “barbárie policial”, “extermínio de pobres”, escreveram os especialistas progressistas, e pulularam notas de condenação à operação que sequer mencionavam o nome Comando Vermelho, como se policiais do BOPE, entediados, tivessem resolvido subir o morro para matar pobres por diversão, como se jogassem uma partida de vídeo game.

A deputado Jandira Fechali (PCdoB/RJ) escreveu no X que “é possível combater o crime sem dar um tiro”.

Uma professora da UFF, ouvida como “especialista em segurança pública” tornou-se chacota nacional devido às suas análises do tipo: “um criminoso com um fuzil na mão é facilmente rendido por uma pistola e até por uma pedra na cabeça”.

intelligentsia progressista prestou solidariedade à professora e colocou o deboche na conta de misoginia e do preconceito contras cabelos laranjas, optando por permanecer descolada da realidade.

Como costuma acontecer no Brasil, o debate que deveria ser técnico e estratégico — como recuperar o território, como enfraquecer o poder das facções, como preservar vidas inocentes — foi tragado por paixões políticas.

Uma análise dos discursos expõe também o simplismo das duas visões de mundo extremistas que tentam moldar a política e se impor à sociedade: a que tende a ver o criminoso como vítima da sociedade e a que o vê como encarnação do mal a ser sumariamente executado.

Ambas as posições são confortáveis porque dispensam a complexidade. A primeira dissolve a culpa individual no sistema; a segunda apaga a necessária linha de contenção do Estado.

O humanitarismo da esquerda transformou-se em uma moral de absolvição. O traficante, o ladrão, o homicida tornam-se “vítimas do sistema”, enquanto o sistema — um ente abstrato e sempre culpado — substitui a responsabilidade pessoal.

Em nome da “justiça social” a narrativa da esquerda absolve os algozes dos pobres e condena a polícia que tenta assegurar o direito básico à segurança

Mas a direita não fica atrás em cegueira quando rotula toda e qualquer crítica a abusos policiais como “defesa de bandido”. Já há políticos brasileiros querendo viajar para El Salvador para aprender o modus operandi de Nayib Bukele.

Quando o poder público celebra o número de mortos como troféu, é preciso ficar alerta. Gosto daquela frase de Nietzsche, em “Para além de bem e mal”: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro”.

Certamente há uma posição mais sóbria entre o humanismo de gabinete e o punitivismo de palanque.

Não estamos mais diante de delinquência comum, mas de forças organizadas com comando, hierarquia, território, armamento pesado e vínculos econômicos com o Estado. O Brasil vive, ainda que não o reconheça oficialmente, uma forma de guerra civil.

O Comando Vermelho e o PCC são poderes paralelos com estrutura administrativa, logística e capacidade de arrecadação. Controlam serviços, impõem tributos, administram conflitos e exercem soberania sobre milhões de brasileiros.

Em várias regiões, são o único poder presente. O Estado, por omissão e covardia, cedeu o território e contentou-se com discursos e propaganda.

O governo federal culpa os estados; os estados culpam o Supremo; o Supremo culpa a polícia; a polícia culpa as leis. E o crime, em meio disso, se expande.

A Operação Contenção, no entanto, nos fez enxergar. Enxergar que a guerra já começou, que a soberania já foi fragmentada e que a segurança pública não deve ser teatro ideológico porque é questão de sobrevivência civilizacional.

Elite do Leblon critica, mas quase 90% dos moradores de favelas do Rio aprovam operação da polícia

Partido dos Trabalhadores é praticamente o único a ter governado o Brasil neste século. Foram quatro mandatos presidenciais e um quinto já no final. Nesse período, o crime organizado, que surgiu nos anos 1990, se tornou uma potência internacional. Hoje, segundo levantamentos oficiais, cerca de 26% do território nacional, incluindo parte do Rio de Janeiro, está sob domínio de facções criminosas. Só a título de comparação, na Colômbia e Nicarágua o percentual de território do crime não chega a 10%. É o retrato de um país onde o Estado foi sendo substituído por organizações armadas que impõem leis próprias, arrecadam “impostos” via extorsão, controlam o território e desafiam abertamente a autoridade pública.

A megaoperação realizada nos Complexos da Penha e do Alemão foi a mais letal da história do Rio de Janeiro. O saldo de 117 mortos expôs uma realidade que há anos vinha sendo ignorada. De acordo com a Polícia Civil, 109 corpos já foram identificados, e 78 dos mortos tinham histórico de crimes graves, incluindo homicídios e tráfico de drogas. Mais da metade dos suspeitos era de outros estados, confirmando que as favelas cariocas se tornaram o quartel-general do Comando Vermelho. Ali, as facções realizavam treinamentos de tiro e recrutamento de novos integrantes, que depois eram enviados para expandir o domínio da organização.

Pela primeira vez, os policiais foram recebidos por criminosos armados com drones que lançavam explosivos. A cena simboliza a nova escala de poder do crime organizado no Rio e reacende um debate urgente: até quando será possível tratar essas facções como simples organizações criminosas e não como grupos terroristas? Quatro policiais morreram.

Mesmo diante da violência e da tragédia, a população mais afetada demonstrou apoio à ação. Segundo pesquisa AtlasIntel, 87,6% dos moradores de favelas do Rio aprovaram a operação. São pessoas que vivem diariamente sob o medo imposto por criminosos e que sabem o custo real da ausência do Estado. Enquanto isso, parte da elite progressista do Rio, especialmente nos bairros do Leblon, da Gávea e de Ipanema, reagiu com indignação moralista.

É uma elite que gosta de posar como consciência crítica do país, mas que não tem coragem de enfrentar a realidade. Do alto de seus apartamentos, multiplica discursos sobre “genocídio” e “violência policial”, sem jamais pisar num beco dominado por fuzis. Defendem o povo, mas condenam qualquer tentativa de garantir o direito mais básico: viver sem medo. Falam de empatia, mas se recusam a ouvir quem realmente sofre com o domínio das facções.

A distância entre quem diz defender o povo e o que o povo quer é abissal. O brasileiro comum, inclusive o morador das comunidades, quer trabalhar, estudar, criar os filhos em paz e andar na rua com segurança. Quer ver o Estado recuperar o controle. Mas a elite militante insiste em enxergar cada ação policial como opressão e cada criminoso como vítima. O discurso serve para sinalizar virtude, não para enfrentar o problema.

O fenômeno é político e cultural. Durante décadas, o PT e seus aliados sustentaram a ideia de que combater o crime com firmeza seria autoritarismo. Essa visão contaminou as universidades, as redações e o debate público. Criou-se a fantasia de que o Estado deve compreender o criminoso, não reprimi-lo. O resultado é um país onde o tráfico financia campanhas, compra autoridades e dita regras em um quarto do território nacional.

A megaoperação no Rio expôs o que os brasileiros já sabiam: a paciência acabou. As pessoas estão cansadas de ser usadas como biombo moral por quem vive em segurança e lucra com a narrativa da desigualdade. Cansaram da elite que se comporta como flanelinha de minoria, oferecendo indignação sob demanda para manter prestígio entre os pares.

A segurança pública será o calcanhar de Aquiles da esquerda nas eleições do próximo ano. Porque, enquanto essa elite performa virtude, o povo real, que mora onde o Estado se ausentou, sabe que a paz só virá quando a lei voltar a valer para todos.

Mexicanização Brasileira

O poderio do crime que motivou a ação policial no Rio de Janeiro não é um caso isolado. É a tradução de uma doença metastática que consome o Brasil. O que se vê no Rio hoje é apenas o ensaio geral, a prévia mais avançada do que todo o país experimentará amanhã se não acordarmos para a realidade brutal: o crime não mais opera à margem do Estado: ele se infiltrou em suas veias e diversificou seus negócios em escala industrial.

O conceito de crime organizado transcende em muito aquele já conhecido como ilícito comum. Estamos falando de um conglomerado infiltrado nas instituições públicas, com gestão corporativa, que sistematicamente corrompe e coopta o Estado para garantir a impunidade e expandir seus impérios. Esta não é uma teoria conspiratória. É a prática documentada de facções como o PCC e o Comando Vermelho, que hoje controlam cadeias inteiras do poder público. A infiltração é a nova arma, agora eficaz e silenciosa. As fraudes em concursos públicos, criminosos eleitos para parlamentos e um judiciário leniente são as provas cabais de êxito desta estratégia.

Além disso, é um erro reduzir o poder do crime apenas ao tráfico de drogas. Atualmente uma vasta e complexa teia econômica lava seus recursos e financia sua expansão. Facções dominam o contrabando de cigarros, comercialização de vapes, adulteração de combustíveis em escala nacional e, de forma mais visível, parcelas do lucrativo mundo das apostas que envolvem influenciadores. Segundo a Receita Federal, apenas 27 das 134 empresas do setor possuem registro regular, criando um ambiente fértil para lavagem de dinheiro.

Enquanto o Rio de Janeiro chama a atenção pela visibilidade, vastas regiões do Norte e Nordeste do país já vivem sob um silencioso e férreo controle das facções. Inúmeras cidades têm seu comércio, transporte e até a vida social ditados pelo crime. Prefeitos governam sob a tutela de grupos criminosos ou fazem parte deles, enquanto a população vive sob a lei do silêncio, sabendo que o Estado, quando aparece, é muitas vezes apenas uma extensão do poder do tráfico e das milícias. Segundo o Monitor da Violência, 15% dos municípios brasileiros relataram episódios de guerra entre facções em 2023, um aumento de 40% em relação a 2020. São batalhas pelo domínio territorial.

Este cenário é a materialização do que especialistas chamam de “mexicanização”. Não se trata de uma simples importação cultural, mas da adoção de um modus operandi onde os cartéis não apenas disputam mercados ilícitos, mas contestam o monopólio estatal da força e controlam porções significativas do território e da economia formal e informal.  O destino lógico e aterrador deste caminho é o nascimento de um modelo de narcoestado, onde as decisões de política pública, as nomeações para cargos-chave e a agenda econômica são influenciadas pelos interesses escusos que, além do crime, controlam parcelas do comércio, política, entretenimento, energia e outros setores. 

A ação no Rio é um sintoma de uma guerra civil assimétrica, um conflito armado onde o Estado reage à superfície do problema, mas perde a guerra silenciosa nos corredores do poder e no campo econômico. Enquanto não houver uma estratégia nacional, unindo inteligência, investigação financeira, combate implacável à lavagem de dinheiro e, sobretudo, a desinfecção da máquina pública cooptada por essas milícias e facções, estaremos apenas enxugando gelo. O Brasil está caminhando a passos largos para se tornar o que o Rio já é: a tradução de um Estado falido.