Arquivo da categoria: artigos

Venezuela de Maduro vira um vexame internacional para Lula

A atuação do presidente Lula na questão venezuelana fragilizou sua imagem internacionalmente. Ficou evidente que Lula não exerce a influência sobre Nicolás Maduro que muitos acreditavam. A ideia de que o Brasil, como o maior país da América Latina e tradicionalmente um líder regional, poderia mediar a crise na Venezuela foi desafiada pela realidade.

Desde o início, a relação entre Lula e Maduro foi marcada por controvérsias. A primeira eleição de Maduro, ocorrida após a morte de Hugo Chávez, já foi contestada internacionalmente. O próprio Lula gravou vídeos de apoio a Maduro na época, e publicitários que trabalharam nas campanhas do PT participaram diretamente da campanha venezuelana a pedido do presidente brasileiro. Essa eleição, assim como as subsequentes, foi cercada de acusações de fraude, mas Lula e seu governo continuaram a apoiar Maduro, mesmo com as crescentes evidências de que a democracia na Venezuela estava sendo corroída.

Hoje, a situação é ainda mais crítica. Maduro se mantém no poder à força, sem qualquer preocupação com sua reputação internacional. Suas declarações recentes, citando teorias conspiratórias e alegando que o empresário Elon Musk teria invadido as urnas eletrônicas, mostram que ele está mais preocupado em manter o controle pela repressão do que em preservar qualquer aparência de legitimidade.

A falta de influência de Lula sobre Maduro é um problema sério para a diplomacia brasileira. Enquanto Lula se apresenta como um grande líder regional e um possível mediador de conflitos globais, como na Ucrânia e Gaza, sua incapacidade de exercer qualquer influência real sobre Maduro expõe as limitações de sua liderança. O Brasil, que Lula prometeu “trazer de volta” ao cenário internacional, está se mostrando incapaz de resolver até mesmo as questões em seu “quintal”.

Essa situação é um vexame para o governo Lula, que agora tenta desesperadamente encontrar uma solução para a Venezuela, não por uma preocupação genuína com a democracia ou com o povo venezuelano, mas para salvar as aparências. A realidade é que a influência que o Brasil acreditava ter sobre Maduro nunca existiu, e a ausência dessa força está ficando cada vez mais evidente, prejudicando a imagem internacional de Lula e do Brasil.

Depois de esperar atas eleitorais que jamais chegarão, Lula assistiu outros países reconhecendo a derrota de Maduro e tentando uma mediação para a transferência do poder. Resolveu dar outra cartada, a ideia estapafúrdia de novas eleições. Acabou com duas piadas no colo. A primeira é se Lula pretende que a Venezuela faça novas eleições até ele e Maduro gostarem do resultado. A segunda é que ele, vencedor por menos de 1% nas urnas, deveria seguir o próprio conselho e fazer um tira-teima. Poderia ter dormido sem essa.

O lulopetismo vai afundar com suas ditaduras amigas

A ideologia marxista – ou marxista-leninista – já não existe em lugar nenhum do mundo em sua forma original, tendo-se repartido por formas peculiares de esquerdismo; umas mais brandas, outras mais extremas e nefastas.

Algumas dessas ramificações ideológicas vão se prolongando para além dos seus fundadores, como é o caso do castrismo em Cuba ou do chavismo na Venezuela.

No Brasil, a principal ideologia de esquerda ainda é o lulopetismo. Por sobre o respaldo do embasamento sindical do seu início, essa sub-ideologia estendeu seus tentáculos pela sociedade com confessado objetivo gramsciano de hegemonia cultural.

Nesse objetivo, avançou bastante: uma parte da Igreja católica brasileira, vinculada à teologia da libertação, é francamente lulopetista; nas universidades o lulopetismo herdou o intenso ativismo político das décadas de 60 e 70 do século passado; na imprensa há lulopetistas confessos, inconfessos e mesmo os que o são inocentemente, sem nem se dar conta; no ambiente artístico e cultural dá-se o mesmo.

A força arraigada do lulopetismo manteve a viabilidade eleitoral de Lula mesmo quando ele esteve preso. Naquele momento, se fosse elegível, seria eleito mesmo dentro da cadeia.

Em tese, com a eleição de Lula em 2022, o lulopetismo, vitorioso, deveria se fortalecer. Mas é o contrário que está acontecendo; ele hoje definha e se esgarça.

O terceiro governo Lula tem decepcionado muitos entusiastas dos mandatos anteriores. Trata-se de um governo fraco e ruim; sofrível, quando muito. No PT, Lula é forte e age como autocrata; no governo, submete-se às chantagens dos fisiológicos do centrão e é mais governado do que governa.

Lula está desconstruindo rapidamente a tal frente ampla que o elegeu. Nessa desconstrução, aliás, o presidente conta com a peçonha transbordante das alas extremistas do lulopetismo, que atacam com furor qualquer pessoa ou entidade que apresente alguma discordância.

Se ele realmente for candidato à reeleição, a nova frente lulista avançará apenas do PT para as franjas mais extremistas da esquerda; as mesmas que, no meu entender, estão catalizando repulsas que levarão ao esgotamento do próprio lulopetismo.

Visão tosca, primitiva e retrógrada

Convém notar que a frente ampla que elegeu Lula não era uma frente pró-Lula propriamente dita, mas uma frente pró-democracia. A ameaça reacionária representada pelos aloprados bolsonaristas foi entendida, naquele momento, como mais perigosa para a democracia do que o retorno de Lula ao poder.

Por mero pragmatismo e não por convicção democrática, Lula aparenta internamente algum respeito às instituições. Isso porque ele sabe que não contaria com o apoio da sociedade se explicitasse seu ranço autoritário e empreendesse abertamente alguma manobra inconstitucional.

Restou para ele, então, admirar e bajular aqueles que conseguiram estabelecer, lá fora, em seus países, a ditadura que ele não logrou estabelecer aqui. Da Venezuela a Rússia, passando pelo pelo Irã, Lula aproximou o Brasil do que há de mais contrário à civilização, aos direitos humanos, à liberdade e à democracia.

Como corretamente afirmou o professor Denis Rosenfield, em recente artigo, “a sua convicção antidemocrática transparece principalmente em sua visão das relações exteriores”. 

William Waack também foi no ponto quando asseverou que Lula acredita estar do lado certo, inevitável e vitorioso da história, aquele que vai destruir o “imperialismo americano” com ajuda da China e da Rússia.

Lula e sua assessoria internacional, segundo Waack, “entendem a grande ruptura geopolítica atual em linha com um determinismo no sentido de que é inevitável o triunfo do ´Sul´ (os pobres, os emergentes, os espezinhados pela hipocrisia Ocidental) conduzido pela China. Essa visão de mundo parte da premissa de que valores como democracia ou direitos humanos são mero pretexto de países ocidentais para avançar seus interesses, sobretudo econômicos. E que sanções não passam de ferramentas para atrapalhar os contestadores dessa ordem. É uma visão tosca, primitiva e retrógrada.

As ditaduras latinas amigas

A fraude eleitoral na Venezuela foi escandalosa e a violência anunciada é praticada pelo ditador Maduro e seus esbirros sem nenhuma cautela ou pudor; mesmo diante de práticas tão abjetas, o lulopetismo extremista realça a “democracia” chavista e enaltece o ditador Maduro.

Tal discurso, expresso sem rodeios, esfrangalha a capa democrática com que o lulopetismo tradicional tentou se cobrir; e sem essa capa o lulopetismo torna-se imprestável e inviável.

No caso da Nicarágua, as violências da ditadura de Daniel Ortega contra o povo do seu país vieram a ter alguma resposta do governo brasileiro apenas quando a perseguição contra o clero católico chegou ao ponto de o próprio Papa Francisco pedir para Lula intervir.

Como se sabe, a ala progressista da Igreja Católica no Brasil é ponto de apoio do Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação. Mesmo que se deva considerar a reação tardia do governo brasileiro aos abusos perpetrados pelo regime nicaraguense, resta patenteada a ferocidade de um ditador que Lula defendeu por muito tempo e que o lulopetismo extremista continua a defender.

O presidente Lula e a ala do PT na qual restou algum juízo já dão mostras de perceber o potencial de desgaste devido ao acovardamento e a cumplicidade diante das tiranias latinas. Apenas por isso começam a esboçar reações diplomáticas um pouco mais condizentes com a bela tradição da escola do Barão do Rio Branco.

Ainda assim, são reações eivadas de cinismo. Celso Amorim, por exemplo, declarou em recente entrevista à GloboNews que não tem confiança nas atas disponibilizadas pela oposição venezuelana. Falta-me a paciência quando leio na imprensa que isso é prudência diplomática. Não é. É maldade, cara de pau, falta de caráter e hipocrisia.

Correção de Rota (da Seda)

Gigantes empresariais da América, Europa e Japão dominaram o comércio global em tempos recentes, porém há sinais de que esta realidade vem mudando. Empresas chinesas avançam com voracidade em direção ao Sul global e isto tem mexido com o antigo equilíbrio das cadeias externas. Estas novas indústrias, que vão desde vestuário a automóveis, estão se expandindo com velocidade surpreendente causando enorme impacto nas economias do mundo em desenvolvimento.

Para os consumidores isto promete uma bonança de bens e serviços que mudará vidas. Entretanto, para o Ocidente, trata-se de uma lição desconfortável tanto na frente econômica como política. As multinacionais ocidentais, que há muito tempo são os principais agentes do comércio e investimento transfronteiriços, estão cedendo terreno nos mercados mais populosos e de crescimento mais rápido do mundo para Pequim.

Isto significa que à medida que o Ocidente se voltou para dentro, a China e o resto do mundo emergente aproximaram-se, especialmente usando o financiamento da Nova Rota da Seda. Algo que se tornou um risco, porém, uma forma de suprir uma clara necessidade dos países em desenvolvimento, que carecem de recursos para realizar investimentos. Apesar dos perigos inerentes, existe a oportunidade de enriquecer os próprios consumidores, criar empregos e promover inovação e concorrência. Porém, para atingir este objetivo é necessário oscilar de forma inteligente entre protecionismo e passividade.

Os resultados da Nova Rota da Seda estão longe de ser uma unanimidade na esfera internacional, com a transformação de algumas nações em meras marionetes dos interesses de Pequim nos fóruns internacionais e celeiros de corrupção. A sabedoria talvez esteja na habilidade de receber recursos de forma inteligente sem criar laços que tornem o país vulnerável ou subserviente, focado em resultados e orientado pela diversificação de investidores em diferentes setores. Na verdade, o mecanismo precisa de correções, uma espécie de ajuste de rota (da seda).

Esta correção de rumo pode surgir no Brasil, o que seria um ganho enorme para os dois lados, tanto em Brasília como em Pequim. Explico. Diversos países vêm adotando políticas de avaliação de investimento, preservando setores da economia do risco de monopólios privados, promovendo mecanismos de concorrência para áreas estratégicas, aquilo que ao fim e ao cabo produz desenvolvimento e inovação aliado a preservação da soberania política e econômica. Uma forma de receber investimentos necessários de forma saudável e eficaz.     

A China pode muito bem concordar com isso. Ao longo dos anos, as multinacionais americanas e japonesas perceberam os benefícios de uma relação sadia e próxima de seus mercados. Desta forma, as empresas chinesas poderão enxergar os benefícios de estabelecer raízes mais profundas no mundo emergente, exercendo inclusive uma influência política de forma inteligente, longe dos erros cometidos na África e na Ásia, que deixaram um rastro de ressentimento e insatisfação. Uma correção de rota, que pode começar a ser desenhada em parceria com o Brasil.

As lições de Bangladesh para a Venezuela e o Brasil

O poder não dura para sempre. Este é um dos ensinamentos mais claros que emergem da recente crise em Bangladesh, onde uma primeira-ministra de quatro mandatos, que já havia sido presa por corrupção, cai diante de uma onda de protestos massivos em que sua polícia assassinou mais de 200 estudantes. Isso traz lições tanto para a Venezuela quanto para o Brasil.

Em Bangladesh, a polarização política é intensa e intervenções militares são frequentes. A atual primeira-ministra, Sheikh Hasina, é filha do pai fundador da pátria, Sheikh Mujibur Rahman. Ele foi o primeiro presidente do país, apeado do poder pelo assassinato. Também foi o líder da guerrilha socialista que conseguiu a independência do Paquistão, numa guerra sangrenta.

Depois de um primeiro mandato conturbado, no final do século XX, Sheikh Hasina estabeleceu uma polarização com outra ex-primeira-ministra, Khaleda Zia. A violência escalou ao ponto de uma intervenção militar e uma campanha anti-corrupção dos militares que assumiram o poder. As duas acabaram presas.

Depois, as duas foram soltas para concorrer às eleições. Sheikh Hasina ganhou com folga e permaneceu durante 15 anos no poder. A situação foi se deteriorando até a gota d’água em junho. O país tinha uma cota de 30% do funcionalismo público para descendentes de quem lutou pela independência. Isso caiu em 2018 e agora a ex-primeira ministra pretendia reinstituir.

Estudantes de algumas universidades começaram a protestar, o movimento ganhou as ruas e a repressão foi violentíssima, com 200 assassinatos, além de sequestro e tortura de líderes do movimento. Nessa altura, nossa primeira-dama, Janja da Silva, recebeu a embaixadora do país, posou para fotos e usou até um figurino presenteado por ela na reunião internacional da Aliança de Combate à Fome.

A situação de Bangladesh se tornou insustentável. As próprias Forças Armadas concluíram que não valia a pena sustentar o regime com um país conflagrado, era uma situação sem saída. Foi providenciada a fuga da primeira-ministra para a Índia e sua saída do poder.

Para a Venezuela, a lição é clara: o poder de Nicolás Maduro, sustentado por eleições questionáveis e uma repressão violenta, é igualmente frágil. A recente crise eleitoral na Venezuela, com denúncias de fraude e repressão, evidencia a falta de legitimidade do governo Maduro. Em 2017, o país viu uma onda de protestos bastante ativa e com repressão brutal. Naquela época, a população ainda tinha alguma esperança de que mudanças no sistema eleitoral pudessem resolver a crise, mostrando à comunidade internacional as fraudes de Maduro nas eleições. Hoje, essa esperança foi perdida.

A oposição venezuelana conseguiu mostrar ao mundo as irregularidades do processo eleitoral, outros países reconheceram a fraude, mas Maduro segue no poder. As manifestações atuais são diferentes das de 2017, pois agora a população não espera mais que pequenas reformas eleitorais tragam mudanças. As pessoas estão nas ruas não para tentar derrubar um ditador que não possui a mesma liderança militar que Hugo Chávez tinha. A população está desesperançada e ciente de que a situação só mudará com uma pressão imensa e contínua.

Maduro também corre o risco de se tornar um problema para as Forças Armadas. Se o país continuar conflagrado, a solução dos militares pode ser semelhante à de Bangladesh. A oposição também não tem sobre os militares a mesma ascendência de Hugo Chávez, dependeria deles para se manter no poder.

Para o Brasil, a situação serve como um alerta. O governo de Lula, ao se alinhar com regimes autocráticos e figuras controversas, arrisca comprometer sua própria legitimidade e a posição do Brasil no cenário internacional. Lula é próximo de Maduro. Janja posava alegremente com a embaixadora de Bangladesh enquanto a primeira-ministra massacrava manifestantes em seu país.

Talvez seja inabilidade diplomática. Ou talvez o governo Lula esteja mesmo se alinhando ao pólo das grandes ditaduras internacionais.

Regimes políticos na América Latina

(com a colaboração de Renato Cecchettini)

Como classificar os regimes dos países da América Latina? As melhores classificações dos regimes políticos do mundo são a do V-Dem Institute (V-Dem) e a da The Economist Intelligence Unit (EIU). Poderíamos, simplesmente, aplicá-las a 21 países da América Latina. Mas antes seria interessante ver os problemas dessas classificações.

CLASSIFICAÇÕES DE REGIMES POLÍTICOS

O V-Dem classifica os regimes em quatro tipos: Liberal Democracy (Democracia Liberal), Electoral Democracy (Democracia Eleitoral), Electoral Autocracy (Autocracia Eleitoral) e Closed Autocracy (Autocracia Fechada). O regime brasileiro é classificado como Electoral Democracy. O V-Dem adota seis índices: Democracia Liberal (uma espécie de síntese, chamado LDI), Democracia Eleitoral, Componente Liberal, Componente Igualitário, Componente Participatório, Componente Deliberativo.

The Economist Intelligence Unit classifica os regimes em quatro tipos: Full Democracy (Democracia Plena), Flawed Democracy (Democracia Defeituosa), Hybrid Regime (Regime Híbrido) e Authoritarian Regime (Regime Autoritário). O regime brasileiro é classificado como Flawed Democracy. A EIU adota cinco índices: Processo Eleitoral e Pluralismo, Funcionamento do Governo, Participação Política, Cultura Política e Liberdades Civis.

Comecemos com algumas perguntas problematizadoras: Democracias (apenas) eleitorais são regimes da mesma natureza que democracias liberais? E podem ser chamadas propriamente de democracias? O que fazer com os 58 regimes que o V-Dem classifica como democracias eleitorais (1)? O que fazer com os 48 regimes que a The Economist Intelligence Unit (EIU) chama de democracias defeituosas (flaweds democracies) (2) e, ainda, com os 36 regimes que a EIU chama de híbridos (3)?

Não parecem ser todos a mesma coisa. Ainda que sejam considerados (pelo V-Dem) democracias eleitorais, o regime de Portugal não se parece com o da Bolívia e o regime do Canadá não se parece com o do México. Ainda que sejam considerados (pela EIU) democracias defeituosas, o regime da República Checa não se parece com o do Brasil e, menos ainda, com o da Nigéria (hybrid). Quais as diferenças entre eles?

Em primeiro lugar é preciso ver que esses regimes não são democracias (liberais).

Em dados de 2022, as mais avançadas democracias do planeta são as 32 democracias liberais (segundo o V-Dem) (4) ou as 24 democracias plenas (segundo a The Economist Intelligence Unit) (5).

Liberal, no sentido político do termo é quem toma a liberdade (e não a ordem, nem que seja a ordem mais justa imaginável do universo) como sentido da política. Os primeiros democratas atenienses, nesse sentido originário do conceito de liberdade, eram democratas liberais.

Nos termos de hoje um regime é democrático na medida em que observa o princípio liberal da democracia, que implica uma visão negativa do poder político: não propriamente a capacidade do governo de se impor à sociedade, mas a possibilidade da sociedade de controlar o governo. Bons exemplos são as democracias liberais na classificação do V-Dem (4) ou as democracias plenas na classificação da The Economist Intelligence Unit (5).

Claro que um regime democrático liberal tem um grau de liberalismo maior do que um regime democrático (apenas) eleitoral (na classificação do V-Dem). Um regime democrático pleno tem um grau de liberalismo maior do que um regime democrático defeituoso ou do que um regime híbrido (na classificação da The Economist Intelligence Unit).

Quando falamos de democracia estamos falando, no sentido pleno do conceito, de democracia liberal.

Isso porque democracia, nesse sentido forte do conceito, equivale à sociedade democrática (aquela que é capaz de controlar o governo). Isso sugere um exame das classificações correntes de regimes políticos. Aquelas categorias que são chamadas de democracias eleitorais (V-Dem) ou de democracias defeituosas e regimes híbridos (The Economist Intelligence Unit) não deveriam ser chamadas, no sentido pleno do conceito, de democracias e sim de regimes eleitorais em transição. Essa transição pode ser democratizante ou autocratizante na medida em que esses regimes se aproximam ou se afastam das democracias (liberais).

Mas há regimes eleitorais não autoritários (não-iliberais) e há regimes eleitorais autoritários (iliberais). Destrinchando a classificação do V-Dem, há democracias eleitorais não parasitadas por populismos (Canadá, Portugal, Malta), há democracias eleitorais parasitadas por neopopulismos, o populismo atual dito de esquerda (Bolívia, Colômbia, México) e há democracias eleitorais parasitadas por populismos-autoritários, o populismo atual dito de direita ou de extrema-direita, também chamado de nacional-populismo (El Salvador, Armênia, Bulgária). E ainda há democracias eleitorais parasitadas por dois populismos (ditos de esquerda ou de direita ou extrema-direita), como é o caso do Brasil afetado pelo lulopetismo e pelo bolsonarismo. Assim como há autocracias eleitorais neopopulistas (Venezuela, Nicarágua, Angola) e autocracias eleitorais populistas-autoritárias (Hungria, Turquia, Índia).

A diagram of political groups

Description automatically generated with medium confidence

Share

Regimes eleitorais não-autoritários podem ser considerados Estados democráticos de direito, mas isso não significa que correspondam, necessariamente, à sociedades democráticas. Em outras palavras, nem todos os Estados democráticos de direito possuem (ou melhor, são possuídos por) sociedades capazes de controlar o governo. Por exemplo, em regimes eleitorais não-autoritários parasitados por populismos, há um déficit de democratização da sociedade que impede que eles se convertam em democracias liberais, quer dizer, em democracias no sentido pleno do conceito.

Democracias (apenas) eleitorais (não-liberais) ou democracias defeituosas, enquanto estão sob o domínio de governos populistas, são impedidas de se converter em democracias liberais.

Regimes eleitorais autoritários não são Estados democráticos de direito. Está em aberto a questão de se poderiam ser chamados de Estados de direito (mesmo quando há império da lei). Eles se enquadram mais perfeitamente na categoria de autocracias eleitorais (usada pelo V-Dem).

Há também regimes não-eleitorais (Cuba, China, Arábia Saudita). Sobre esses, na época atual, não há dúvidas. Não são Estados democráticos de direito, nem mesmo Estados de direito (e neles não há império da lei e sim o mando absoluto do líder autocrata ou da sua organização). São as autocracias plenas.

Uma classificação mais condizente com as considerações deste artigo pode ser intentada. Por exemplo, no diagrama abaixo:

A diagram of a political system

Description automatically generated

Share

A classificação acima é referenciada no conceito de populismo (que é um comportamento político não-liberal). Mas nem todo regime eleitoral não-liberal é populista. Existem regimes eleitorais que não são parasitadas por populismos e que podem ser considerados transições mais próximas para uma democracia (considerando-se que toda democracia propriamente dita é liberal). Em contrapartida, todas os regimes eleitorais parasitados por populismos, conquanto não sejam autocracias, são transições mais próximas para uma autocracia populista (considerando-se que nem toda autocracia é populista, uma vez que autocracias não-eleitorais não são populistas).

Tudo isso, porém, ainda está longe, bem longe, de uma classificação adequada, que deveria ser centrada no conceito de liberalismo, lato sensu, como política que tem como sentido a liberdade, a rigor incluindo, portanto, o paleo-liberalismo dos primeiros democratas (atenienses), o liberalismo clássico (dos reinventores modernos da democracia) e, quem sabe, um futurível liberalismo pós-moderno (a aparecer – se aparecer – numa quarta onda de democratização que poderia ser considerada uma terceira invenção da democracia) (6).

UMA CLASSIFICAÇÃO POLÍTICA DOS REGIMES POLÍTICOS

Sintetizando, regimes políticos podem ser: A) eleitorais ou B) não-eleitorais.

A) Se forem eleitorais podem ser: Aa) liberais ou Ab) não-liberais.

Se forem liberais serão Aa1) democracias (propriamente ditas ou plenas).

Se forem não-liberais podem ser: Ab1) regimes em transição democratizante (democracias formais), Ab2) regimes em transição autocratizante (só benevolamente chamados ainda de democracias) ou Ab3) regimes eleitorais autoritários (autocracias eleitorais: as novas ditaduras).

Em geral, os regimes eleitorais não-liberais em transição autocratizante são parasitados por populismos (quer pelo populismo-autoritário, dito de extrema-direita, quer pelo neopopulismo, considerado de esquerda).

B) Se forem não-eleitorais serão autocracias fechadas (as velhas ditaduras).

Essa classificação surgiu a partir de modificações das principais classificações adotadas pela Freedom House (FH), pela The Economist Intelligence Unit (EIU) e, principalmente, pelo V-Dem. Ela contempla cinco tipos de regimes políticos:

1) Democracias propriamente ditas (correspondendo ao estrato superior dos Free Countries da FH, às Full Democracies da EIU e parte das Liberal Democracies do V-Dem), que são regimes eleitorais liberais.

2) Regimes em transição democratizante (uma parte dos Free Countries da FH, uma parte das Flaweds Democracies da EIU e uma parte das Electoral Democracies do V-Dem), que são regimes eleitorais não-liberais formais (em geral não parasitados por populismos).

3) Regimes em transição autocratizante (o estrato inferior dos Free Countries e dos Partly-Free Countries da FH, uma parte das Flaweds Democracies e uma parte dos Hybrid Regimes da EIU e partes das Electoral Democracies e das Electoral Autocracies do V-Dem), que são regimes eleitorais não-liberais, em geral parasitados por populismos.

4) Regimes eleitorais autoritários (os Not-Free Countries da FH, algumas das Flawed Democracies e dos Hybrid Regimes da EIU e parte das Electoral Autocracies do V-Dem).

5) Regimes não-eleitorais autóritários (os Not-Free Countries da FH, os Authoritarian Regimes da EIU e as Closed Autocracies do V-Dem).

Um diagrama compreensível segue abaixo:

Não se sabe o valor de X e Y, apenas o da sua soma. Mas a análise política tem revelado, caso a caso concreto, os regimes eleitorais não-liberais considerados democracias eleitorais com governos populistas que estão se alinhando ao eixo autocrático. Por exemplo, África do Sul, Brasil, Bolívia, México, Colômbia, Gâmbia, Indonésia, Namíbia, Níger, Senegal, Serra Leoa subscreveram ou apoiaram a iniciativa do eixo autocrático, via África do Sul, de condenar Israel por genocídio. Politicamente, esses países não estão no mesmo campo dos regimes eleitorais não-liberais também considerados democracias eleitorais (porém sem governos claramente populistas), como, por exemplo, Austria, Bulgária, Canadá, Croácia, Georgia, Grécia, Lituânia, Malta, Moldova, Paraguai e Portugal.

Ou seja, o V-Dem classifica na mesma categoria (democracia eleitoral) tipos de regime que têm comportamentos políticos diferentes, o que dificulta a operacionalização política da classificação. Entende-se que a chamada ciência política não deva ser instrumentalizada politicamente para apontar ou justificar enquadramentos classificatórios que não derivem de critérios objetivos como os adotados pelo V-Dem:

Para os pesquisadores do V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, “o princípio liberal da democracia enfatiza a importância de proteger os direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria. O modelo liberal adota uma visão “negativa” do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites impostos ao governo. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente e freios e contrapesos efetivos que, juntos, limitam o exercício do poder executivo” (7).

Parece evidente que, com a ascensão dos populismos do século 21, esse princípio exige uma nova formulação:

O princípio liberal da democracia enfatiza a importância de proteger os direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria (sendo, portanto, contrário ao majoritarismo e ao hegemonismo). Contempla a afirmação de modos-de-vida preferidos pela sociedade expressos pelos desejos das comunidades políticas democráticas, ensejando que a sociedade controle o governo (e nunca o contrário). Adota uma visão “negativa” do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites e condicionamentos impostos às instituições do Estado. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente [e contido em suas funções], freios e contrapesos efetivos, uma cultura política que valoriza a pluralidade política (compreendendo, inclusive, o reconhecimento das oposições democráticas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime, não encorajando a polarização introduzida pelos populismos) e a abertura para a interação com a sociedade que, juntos, limitam o exercício do poder executivo e balizam o funcionamento dos demais poderes estatais (8).

Regimes eleitorais não-liberais parasitados por populismos, mesmo que sejam chamados de democracias eleitorais, respondem muito fracamente ao quesito em tela (o princípio liberal da democracia). Algum elemento liberal sempre haverá, a rigor, em qualquer regime (enquanto existir sociedade humana).

No diagrama acima vê-se que o que chamamos (quer dizer, o V-Dem chama) de democracias eleitorais denominam duas coisas diferentes: regimes em transição democratizante (não-parasitados por populismos) e regimes em transição autocratizante (parasitados por populismos). Os regimes eleitorais não-liberais que chamamos de democracia são, na verdade transições entre democracia (a democracia propriamente dita, quer dizer, a democracia liberal) e autocracia (eleitoral).

Nos regimes em transição democratizante (não parasitados por populismos) há mais elementos de liberalismo (político) do que nos regimes em transição autocratizantes (parasitados por populismos). Porque os populismos derruem os elementos liberais dos regimes eleitorais (como, por exemplo, a aceitação do pluralismo) (9). Nos dias de hoje (ou sob a terceira onda de autocratização) quase nenhum regime eleitoral vira um regime eleitoral autoritário (uma autocracia eleitoral) sem ter sido parasitado por um populismo (como aconteceu na Venezuela, com o neopopulismo chavista e na Hungria, com o populismo-autoritário orbanista). Claro que pode virar, isto sim, um regime não-eleitoral autoritário (uma autocracia fechada) se for vítima de um golpe de Estado em termos tradicionais (como aconteceu recentemente no Niger), mas estes casos estão longe de ser os mais frequentes atualmente.

REGIMES POLÍTICOS NA AMÉRICA LATINA SEGUNDO O V-DEM

Vamos nos concentrar no ranking gerado pela aplicação do Índice de Democracia Liberal (LDI) do V-Dem 2023 aos seguintes 21 regimes da América Latina:

  1. Costa Rica 0,816
  2. Chile 0,786
  3. Uruguai 0,770
  4. Brasil 0,692
  5. Argentina 0,690
  6. Suriname 0,631
  7. Peru 0,576
  8. Panamá 0,571
  9. Colômbia 0,565
  10. Equador 0,467
  11. República Dominicana 0,438
  12. Paraguai 0,426
  13. Honduras 0,394
  14. Guatelmala 0,309
  15. Bolívia 0,353
  16. México 0,299
  17. El Salvador 0,111
  18. Haiti 0,066
  19. Cuba 0,058
  20. Venezuela 0,055
  21. Nicarágua 0,027

Além do retrato é preciso ver o filme: a evolução (na verdade as modificações) desses regimes ao longo do tempo.

A graph showing the political system

Description automatically generated with medium confidence

Share

A graph showing the different colored lines

Description automatically generated

Share

Claro que temos problemas com os levantamentos do V-Dem. Como ele consulta especialistas de cada país ou região, em alguns casos (como o do Brasil, por exemplo), os critérios adotados não parecem levar em conta que a maioria dos acadêmicos consultados tem uma tendência fortemente de esquerda – o que, pode distorcer o foco das suas avaliações.

Outro problema é que os relatórios baseados em indicadores estáticos não levam em conta os processos em andamento. São fotografias e não o filme. Por exemplo, o caso da Ucrânia, que era uma democracia eleitoral e virou uma autocracia eleitoral segundo o V-Dem, mas que decaiu em razão da guerra. País invadido é inexoravelmente compelido a restringir direitos políticos e liberdades civis. Não valeria classificar o seu regime com base em indicadores normais.

RECLASSIFICANDO OS REGIMES POLÍTICOS DA AMÉRICA LATINA

À luz do que foi exposto acima é possível reclassificar os regimes políticos dos países da América Latina, conforme a tabela abaixo:

A table with text overlay

Description automatically generated

Share

1 e 2 | AUTOCRACIAS FECHADAS | Cuba [1] é uma autocracia fechada, uma ditadura de esquerda típica do século 20 – um regime não eleitoral. O Haiti [2] também é uma autocracia fechada, mas não se pode dizer com certeza que é o mesmo tipo de regime do cubano: não se aplica a ele a distinção (anacrônica) esquerda x direita. O regime do Haiti é o caos político.

3, 4 e 5 | AUTOCRACIAS ELEITORAIS | Venezuela [3] e Nicarágua [4] são autocracias eleitorais ditas de esquerda, que começaram seu processo de autocratização depois de serem parasitadas por uma forma de populismo que surgiu no dealbar do século 21, sobretudo na América Latina (o chamado neopopulismo). El Salvador [5] também é uma autocracia eleitoral, dita de extrema-direita, que começou seu processo de autocratização ao ser parasitado por uma forma de populismo que emergiu a partir da segunda década do século 21 (o chamado populismo-autoritário ou nacional-populismo).

6, 7, 8, 9, 10 e 11 | REGIMES ELEITORAIS PARASITADOS POR POPULISMOS | México [6], Colômbia [7], Honduras [8], Bolívia [9] e Brasil [10] são regimes eleitorais, ainda chamados de democracias (apenas eleitorais, segundo o V-Dem ou defeituosas, segundo a EIU), atualmente parasitados por governos neopopulistas (ditos de esquerda). Não viraram ainda autocracias, mas estão sob risco de entrar em transição autocratizante. Argentina [11] é um regime eleitoral também parasitado por um governo populista (dito de direita). Não se sabe ao certo se é um governo populista-autoritário ou nacional-populista (como o de Orbán, na Hungria). Sabe-se, porém, que o regime argentino não decaiu para uma autocracia, embora possa entrar em risco de.

12, 13, 14, 15, 16 e 17 | REGIMES ELEITORAIS FORMAIS | Panamá [12], Paraguai [13], Guatemala [14], República Dominicana [15], Equador [16] e Peru [17] também são, atualmente, regimes eleitorais formais (democracias apenas eleitorais ou defeituosas), quer dizer, não notadamente parasitados por governos populistas. Não estão sob grande risco – neste momento – de entrar em transição autocratizante e poderiam entrar em transição democrátizante convertendo-se em democracias liberais (embora isso também não seja muito provável no curto prazo).

18, 19, 20 e 21 | DEMOCRACIAS LIBERAIS | Costa Rica [18], Chile [19], Uruguai [20] e Suriname [21] são democracias propriamente ditas, ou seja, democracias liberais – as quatro únicas da América Latina.

Notas

(1) Electoral democracies (V-Dem 2023):

  1. Argentina
  2. Armenia
  3. Austria
  4. Bhutan
  5. Bolivia
  6. Botswana
  7. BiH
  8. Brazil
  9. Bulgaria
  10. Canada
  11. Cape Verde
  12. Colombia
  13. Croatia
  14. Dominican Republic
  15. Ecuador
  16. Gambia
  17. Georgia
  18. Ghana
  19. Greece
  20. Guyana
  21. Honduras
  22. Indonesia
  23. Jamaica
  24. Kenya
  25. Kosovo
  26. Lesotho
  27. Liberia
  28. Lithuania
  29. Malawi
  30. Maldives
  31. Malta
  32. Mauritius
  33. Mexico
  34. Moldova
  35. Mongolia
  36. Montenegro
  37. Namibia
  38. Nepal
  39. Niger
  40. North Macedonia
  41. Panama
  42. Paraguay
  43. Peru
  44. Poland
  45. Portugal
  46. Romania
  47. Tomé & P.
  48. Senegal
  49. Sierra Leone
  50. Slovenia
  51. Solomon Islands
  52. South Africa
  53. Sri Lanka
  54. Suriname
  55. Timor-Leste
  56. Trinidad and Tobago
  57. Vanuatu
  58. Zambia

(2) Flaweds democracies (EIU 2022):

  1. Albania
  2. Argentina
  3. Belgium
  4. Botswana
  5. Brazil
  6. Bulgaria
  7. Cabo Verde
  8. Colombia
  9. Croatia
  10. Cyprus
  11. Czech Republic
  12. Dominican Republic
  13. Estonia
  14. Ghana
  15. Greece
  16. Guyana
  17. Hungary
  18. India
  19. Indonesia
  20. Israel
  21. Italy
  22. Jamaica
  23. Latvia
  24. Lesotho
  25. Lithuania
  26. Malaysia
  27. Malta
  28. Moldova
  29. Mongolia
  30. Montenegro
  31. Namibia
  32. North Macedonia
  33. Panama
  34. Philippines
  35. Poland
  36. Portugal
  37. Romania
  38. Serbia
  39. Singapore
  40. Slovakia
  41. Slovenia
  42. South Africa
  43. Sri Lanka
  44. Suriname
  45. Thailand
  46. Timor-Leste
  47. Trinidad and Tobago
  48. United States of America

(3) Hybrid regimes (EIU 2022):

  1. Armenia
  2. Bangladesh
  3. Benin
  4. Bhutan
  5. Bolivia
  6. Bosnia and Hercegovina
  7. Côte d’Ivoire
  8. Ecuador
  9. El Salvador
  10. Fiji
  11. Gambia
  12. Georgia
  13. Guatemala
  14. Honduras
  15. Hong Kong
  16. Kenya
  17. Liberia
  18. Madagascar
  19. Malawi
  20. Mauritania
  21. Mexico
  22. Morocco
  23. Nepal
  24. Nigeria
  25. Pakistan
  26. Papua New Guinea
  27. Paraguay
  28. Peru
  29. Senegal
  30. Sierra Leone
  31. Tanzania
  32. Tunisia
  33. Turkey
  34. Uganda
  35. Ukraine
  36. Zambia

(4) Liberal democracies (V-Dem 2023):

  1. Australia
  2. Barbados
  3. Belgium
  4. Chile
  5. Costa Rica
  6. Cyprus
  7. Czech Republic
  8. Denmark
  9. Estonia
  10. Finland
  11. France
  12. Germany
  13. Iceland
  14. Ireland
  15. Israel
  16. Italy
  17. Japan
  18. Latvia
  19. Luxembourg
  20. Netherlands
  21. New Zealand
  22. Norway
  23. Seychelles
  24. Slovakia
  25. South Korea
  26. Spain
  27. Sweden
  28. Switzerland
  29. Taiwan
  30. United Kingdom
  31. Uruguay
  32. USA

(5) Full democracies (EIU 2022):

  1. Australia
  2. Austria
  3. Canada
  4. Chile
  5. Costa Rica
  6. Denmark
  7. Finland
  8. France
  9. Germany
  10. Iceland
  11. Ireland
  12. Japan
  13. Luxembourg
  14. Mauritius
  15. Netherlands
  16. New Zealand
  17. Norway
  18. South Korea
  19. Spain
  20. Sweden
  21. Switzerland
  22. Taiwan
  23. United Kingdom
  24. Uruguay

(6) Cf. a conclusão do meu artigo de 27/07/2023, As três ondas de democratização e de autocratização: uma nova abordagem, disponível em <https://dagobah.com.br/as-tres-ondas-de-democratizacao-e-de-autocratizacao-uma-nova-abordagem/>.

(7) Cf. Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018), no fundamental artigo Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes <https://doi.org/10.17645/pag.v6i1.1214>.

(8) Franco, Augusto (2023). Como as democracias nascem. São Paulo: Casas da Democracia, 2023.

(9) Cf. o artigo de Juraj Medzihorsky & Stafan I. Lindberg (2023), Walking the Talk: How to Identify Anti-Pluralist Parties. Sage Journals (17/05/2023).

Defesa de Maduro e a demência fanática da extrema esquerda

A eleição presidencial já não é mais a questão central no drama atual da Venezuela, dado que a fraude já se consumou. O episódio de 28 de julho tornou-se pano de fundo catalisador nos discursos de mobilização das partes em luta: de um lado, o povo lutando por liberdade e democracia; do outro, a repressão de uma ditadura cujo objetivo é aquele de todas as tiranias: manter-se no poder.

A repressão de Maduro avança no prometido “banho de sangue”, assassinando dezenas de cidadãos. O ditador inflama seus sequazes bradando que já prendeu mais de 2 mil opositores e prenderá outros mais, enviando-os para prisões de segurança máxima (onde são praticadas torturas).

A sacrificada luta do povo venezuelano impõe-se como objeto de maior preocupação dos países democráticos de todo o mundo e à consciência das pessoas que sinceramente defendem a liberdade e os direitos humanos. Não é o caso do presidente do Brasil, nem dos seus assessores internacionais, nem do seu partido.

Internacionalmente, cresce a repulsa democrática, humanista e civilizatória a uma ditadura assassina, fraudulenta, mentirosa, corrupta e bizarra que é esta do ditador Nicolás Maduro. Inúmeros países já reconhecem Edmundo Gonzáles como o legítimo vencedor das eleições na Venezuela. Vergonhosamente, o Brasil não está entre eles.

É bem verdade que há certa pressão da imprensa, de políticos e da sociedade civil para que Lula não escancare de vez sua índole autoritária e devolva o Brasil aos trilhos da civilização, dando um passo atrás na sua diplomacia do mal. Não menos verdade, porém, é que há uma pressão do lado oposto.

A esquerda fanática

Mario Vitor Santos, por exemplo – que já foi ombudsman da Folha e hoje é colunista e apresentador de um site desprezível cujo nome nem convém citar – escreveu o espantoso texto “Maduro, não entregue as atas.”

Dirigindo-se retoricamente ao tirano da Venezuela como “presidente” que acabou de ter uma “vitória consagradora”, o militante escreve que “alguns inimigos inexplicavelmente inclusive o Brasil, se juntaram a seus arquinimigos para humilhá-lo e a seu povo”.

O patético texto foi pinçado aleatoriamente como uma amostra do grau de retração intelectual ao qual a mentalidade de certa parte da esquerda está submetida.

Mario Vitor acha que a cumplicidade do governo Lula com a ditadura de Maduro é de pouca monta e exige uma entrega total aos caprichos do ditador. Ele é a espécime de um tipo. Um tipo fanático, intolerante, autoritário e liberticida.

Ao permitir a nota do PT parabenizando Nicolás Maduro pela sua vitória, Lula estava testando a força dessa ala mais radical e extrema; ao declarar cinicamente que o pleito eleitoral na Venezuela foi “teoricamente pacífico”, um processo que “não tem nada de grave, nada de assustador”, Lula estava testando até que ponto ele pode continuar tratando os brasileiros como idiotas.

Como Lula não é burro, já deve ter percebido que não será tão fácil quanto ele esperava construir uma narrativa por meio da qual Nicolás Maduro se mantenha no poder sem que isso implique para ele (Lula) uma grande perda de popularidade.

Não é pragmatismo; é cumplicidade cínica

Muitas vozes da esquerda já se levantaram contra Maduro e sua fraude eleitoral. Até mesmo alguns lulopetistas notórios repeliram Maduro abertamente. Tudo isso é bem-vindo porque torcemos pelo aumento da pressão contra o ditador, venha ela de onde vier.

É preciso, porém, perceber as nuances da forma como a crítica contra Maduro está sendo apresentada pela esquerda. Como bem disse o jornalista Rodolfo Borges, em recente artigo em O Antagonista, o “governo Lula não é mediador na Venezuela, é cúmplice.”

Isso deveria estar óbvio, mas chama atenção os vários artigos que circularam nos quais se tenta passar a ideia de que a diplomacia do Brasil, em relação à Venezuela, estaria sendo prudente e pragmática.

Na análise da jornalista Eliane Cantanhêde, para citar um exemplo, Lula, Celso Amorim e Mauro Vieira sabem que Maduro perdeu a eleição e conversam sobre isso a portas fechadas, mas a portas abertas “é preciso manter a frieza e aguentar firme a pancadaria interna para buscar soluções.”

Para Cantanhêde, esses homens virtuosos “estão agindo com cautela e estratégia para não romper pontes com Maduro”. Segundo ela, eles estariam muito preocupados em evitar o prometido banho de sangue ou um golpe militar. Como se ambas as coisas já não tivessem acontecido! Como se o país já não fosse há anos uma ditadura militar e como se o banho de sangue já não estivesse em curso.

Em um artigo posterior ao acima citado, Cantanhêde continua batendo na mesma tecla: o Brasil aliou-se a México e Colômbia “para manter o diálogo” com a ditadura venezuelana com “o sonho de chamar Maduro à razão”.

A jornalista reconhece a inegável fraude, a “coragem impressionante” dos oposicionistas e a loucura autoritária de Maduro, mas insiste em colar no governo Lula uma boa intenção que claramente não existe.

A intenção do PT, de Celso Amorim e de Lula sempre foi garantir a perpetuação do poder de Nicolás Maduro e criar justificativas que tornassem essa ignomínia um pouco menos indigesta aos eleitores brasileiros.

A tese da colunista de que Maduro fez “todo mundo de bobo” não é apenas infantil, é também perniciosa porque escamoteia a verdade e tenta manter na cara de Lula a máscara de democrata e humanista que o mundo todo está vendo cair.

Espero, realmente, que o governo brasileiro não se deixe arrastar pelo surto de demência fanática da extrema-esquerda, saia das cordas do acovardamento diplomático e venha a cumprir o papel que pode cumprir na transição de poder de Maduro para a oposição vitoriosa.

Espero isso porque torço pela libertação da Venezuela e porque acredito no instinto de sobrevivência do animal político Lula e não porque acredito nas suas boas intenções em relação a um povo que ele mesmo ajudou a escravizar.

Marionete de Caracas

Enganam-se aqueles que acreditam estarmos diante de um governo ditatorial clássico liderado por Maduro na Venezuela. Geralmente ditadores são dotados de poderes despóticos e irrestritos, assim como ocorre na Rússia de Putin, na Cuba de Miguel Díaz-Canel ou na China de Xi Jinping e na Coréia de Norte de Kim Jong-un. Na Venezuela tudo é um pouco diferente. Maduro é o Presidente de um país autoritário, porém não reside nele a concentração total de poder que se imagina de um ditador.

O modelo bolivariano implantado pelo antecessor Hugo Chávez está calcado em uma grande casta que sustenta o regime, basicamente formada por militares que controlam todos os setores importantes ou estratégicos do país. Maduro é seu fantoche e uma espécie de para-raios de um regime militar que usa sua imagem como líder nacional. Maduro não é elemento essencial para continuidade do chavismo, porém se tornou uma peça importante ao aceitar o papel de preposto do sistema executando de maneira fiel a cartilha bolivariana.

Isto significa que o país na verdade é governado por uma casta militar com um rosto civil, onde se destacam nomes como os Generais Padrino López, Néstor Reverol, Efraín Velasco e Diosdado Cabello, entre outros, todos servis e leais ao chavismo que os enriqueceu ao longo de décadas no poder. Chávez entendeu que para sobreviver, especialmente depois da tentativa de deposição sofrida em 2002, teria de incorporar os militares em funções políticas e sociais rentáveis. Assim, as principais estatais foram para as mãos dos militares, como, por exemplo, a PDVSA e a linha que separava militares e políticos foi cortada com autorização para que fardados assumissem cargos eletivos. Formas de cooptação que sedimentaram o apoio da caserna.

Ao mesmo tempo, o sistema de promoções na esfera militar cresceu na medida que a parceria com Cuba se intensificou. Hoje a Venezuela conta com 2,5 mil generais, dentro de um contingente entre 95 mil a 150 mil oficiais. Os cubanos se infiltraram e montaram um serviço robusto de vigilância dentro dos quartéis que sustenta a lealdade dos militares. Hugo Chávez e Fidel Castro fizeram um acordo para monitorar chavistas e não chavistas e detectar possíveis pontos de dissidência. Em troca, o petróleo que jorra dos poços venezuelanos alimentaria o regime cubano.

Ao mesmo tempo, o governo chavista fez alianças militares com Moscou e econômicas com Pequim. Com a Rússia existe uma aliança sedimentada, que tornou a Venezuela a principal porta de entrada para seu armamento na América Latina, aproveitando o país também para fazer girar a máquina de desinformação russa no continente. Com a China, Caracas optou pela dependência tradicional e os chineses compraram grande parte da dívida do país, que reside hoje nas mãos de Xi Jinping.

Isto significa que uma mudança de regime na Venezuela é um movimento bastante difícil, beirando o improvável. Estamos falando de um regime respaldado por ditaduras e assentado em uma estável casta militar corrupta que detém o controle da força e monitorada de forma sistemática pelo modelo de inteligência cubano. Tudo isso, financiado pelo petróleo. Entretanto, se a pressão internacional se tornar insuperável, nada impede que o regime rife a figura de Maduro, substituindo-o por outra marionete, mediante uma operação de maquiagem política com vistas a sobrevivência do sistema. Como vemos, as raízes do problema são muito mais profundas do que imaginamos.

A Venezuela continuará a viver dias difíceis enquanto esta intrincada teia não se desfizer.

Crônica de uma Fraude Anunciada

Não foi uma surpresa quando, na madrugada de 29 de julho, o presidente da CNE, Elvis Amoroso, anunciou falsamente que Maduro tinha vencido as eleições com 51,20%. A Ata em mãos da oposição demonstrou o contrário ao apontar uma vitória esmagadora de Edmundo González.

María Corina Machado, líder do movimento de oposição, negou publicamente a mentira do partido no poder Elvis Amoroso, respondendo-lhe “Temos um Presidente eleito. É Edmundo González Urrutia. Vencemos e todos sabem disso. “Vencemos em todos os estados do país.” Quando levantou triunfalmente a mão ao vencedor, estava acompanhada pelos mais proeminentes líderes da Plataforma Unitária. No seu discurso concluiu “A verdade é que Edmundo obteve 70% dos votos enquanto Maduro apenas 30%”.

O resultado obtido pela oposição não foi uma surpresa, mas confirmou o que já se sabia e que foi confirmado pela presença massiva nas mobilizações espontâneas durante a campanha, pelas sondagens sérias e pelos resultados obtidos à saída. Tudo isto é o resultado da formação de um fenómeno político e espiritual de unidade num arco-íris democrático formado a partir das bases de independentes, liberais, socialistas, democratas-cristãos, chavistas dissidentes, militantes de partidos históricos de esquerda, centro e direita.

No dia 28 de Julho e nos dias seguintes, nem os abusos nem as ameaças do Regime de incutir o medo atingiram o seu objectivo. A esperança de alcançar a desejada mudança pacífica após 25 anos de dominação autoritária e empobrecedora esteve presente em todos os momentos.

O anúncio do militante do PSUV Elvis Amoroso, proclamando Maduro como Presidente, desviando a verdade eleitoral, é o mesmo representante que como Controlador desqualificou ilegalmente María Corina, para continuar a persegui-la nas suas funções no Poder Eleitoral.

O inaceitável ataque contra Edmundo González e María Corina em 28 de julho e nos dias seguintes, por parte da CNE, do Procurador, do Supremo Tribunal de Justiça, da Assembleia Nacional, mostra como as instituições dominadas pelo Presidente reeleicionista seguem incondicionalmente o objetivo que permanece em poder por “gancho ou bandido”. A partir de 29 de julho, eles demonstraram sua decisão de se apegar ao poder “da maneira mais difícil”.

A resposta internacional exigindo transparência esteve presente antes e depois das eleições. Para a oposição, foi encorajador ver que os governos de esquerda democrática na América Latina – que antes – se identificavam como aliados internacionais de Maduro, desta vez não quiseram retratar-se incondicionalmente. com um modelo que repetia que não sairia do poder de forma alguma, com uma narrativa inaceitável de ameaças de guerra civil, banhos de sangue, perseguições, intimidações e outras artimanhas muito distantes dos princípios eleitorais democráticos estabelecidos na Constituição Bolivariana e nos Acordos Internacionais subscrito.

O Presidente Boric foi claro desde o início em relação aos direitos humanos e à democracia na Venezuela. A advertência do presidente Lula, recomendando que Maduro não continue com as ameaças e respeite os resultados, coincidiu com a proposta do presidente Petro da Colômbia ou do ex-presidente Mujica do Uruguai, que deram lições de alto nível sobre a necessidade de reconhecer o resultado eleitoral sem armadilhas . Cristina Kirschner exigiu, em memória de Chávez, que Maduro cumprisse entregando a Ata, enquanto o inesperado “desconvite” como observador do ex-presidente da Argentina Alberto Fernández, por exigir transparência, seguiu o mesmo padrão do “desconvite” da União delegação da União Europeia e dos observadores do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil que, devido aos insultos de Maduro ao sistema eleitoral do país vizinho, decidiram não comparecer. Ex-presidentes como Michelle Bachelet, Ernesto Samper e Leonel Fernández também marcaram o seu distanciamento do totalitarismo.

Se estes confrontos foram dirigidos contra governos e líderes de esquerda, com maior veemência atacaram convidados do candidato da oposição e de María Corina do centro ou da direita, que vieram simplesmente como convidados para acompanhá-los neste momento histórico. A fúria excessiva do Regime foi contraproducente porque deu mais visibilidade ao nervosismo prevalecente.

Descumprimento da cortesia internacional ao impedir a presença dos ex-presidentes Vicente Fox (México) Tuto Quiroga (Bolívia) Miguel Ángel Rodríguez (Costa Rica) Mireya Moscoso (Panamá) da ex-vice-presidente da Colômbia, Marta Lucia Ramírez. A expulsão da delegação de 10 senadores, deputados e eurodeputados do PP, bem como da ex-prefeita de Bogotá Claudia López, dos senadores chilenos José Edwards e Felipe Kast, da senadora colombiana Angélica Lozano, e dos senadores argentinos Francisco Paoltroni e do político Bongiovanni. O parlamentar da VOX Victor Gonzalez, que entrou como turista, foi revistado pelos serviços de inteligência do Hotel, assediado, despojado e expulso no dia seguinte, o que mostra o espírito totalitário e primitivo das autoridades. Por sua vez, presidentes como Luis Lacalle Pou, ou ex-presidentes como o paraguaio Mario Abdo Benitez e seu ex-chanceler Luis Alberto Castiglioni, ou personalidades peruanas dos mais variados partidos, ou o Senado chileno, condenaram estes acontecimentos, apresentando claramente a realidade .

Perante estas escandalosas expulsões de personalidades ilustres, o Presidente da CNE e outros dirigentes tiveram a audácia de salientar que tinham sido expulsos por serem traficantes de droga e corruptos, insultando descaradamente personalidades proeminentes apenas pelo facto de aceitarem o convite de o binômio Maria-Edmundo.

Poucos dias depois, a arrogância madurista também expulsou sete missões diplomáticas da América Latina, pelo simples fato de seus Governadores não aceitarem o resultado fraudulento até que os resultados fossem publicados com base nas Atas estabelecidas pela Lei Eleitoral Venezuelana. Desde aquele momento não existem Embaixadas da Argentina, Chile, Costa Rica, Equador, Panamá, Peru, República Dominicana, além daquelas que já estavam proibidas como Estados Unidos, Canadá e Paraguai.

A firme reação de 17 Líderes Latino-Americanos na Sessão da OEA convocada para decidir sobre as eleições na Venezuela ficou evidenciada em suas intervenções, e se junta a outras posições adotadas pelo G7, pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, pelo Center Carter, pela União Europeia e outras instituições que demonstram o repúdio ao que foi anunciado pelo Sr. Amoroso e pelas autoridades do Regime.

A pesar de no lograr la mayoría requerida por la abstención de algunos países del Caribe, y por la posición de Brasil, México y Colombia, quienes han suscrito una declaración que muestra el papel “negociador” que aspira jugar esta Troika, especialmente como interlocutor con os Estados Unidos. A importância destes três países é inegável, mas a influência do Fórum de São Paulo ou do Grupo de Puebla, ou do PT que já se manifestaram a favor de Maduro, e que podem influenciar os seus governantes a procurarem uma “paz” que, em essência, seria garantir o “status quo” da permanência no poder dos perdedores. Igualmente preocupantes são as posições de alguns conselheiros daquela Troika, que procuram excluir María Corina, a grande dirigente e estrategista da oposição, de futuras “negociações” que a separem da bem-sucedida parceria com Edmundo, o que estaria repetindo a desqualificação ilegítima, desta vez a nível internacional, o que seria inaceitável para os venezuelanos, porque ela é a grande líder eleita com 93% dos votos nas sessões plenárias e o grande fenômeno político do país.

A proposta da falsa solução “institucional” baseada no que decidem os órgãos controlados pelo PSUV não é aceitável, porque já se conhece a sua total submissão à permanência de Maduro no poder, e por outro lado, pela corajosa resposta popular de apoio para Maria Corina e Edmundo, que se repetiu no dia 3 de agosto em toda a Venezuela apesar dos assassinatos, das ordens de prisão da dupla vencedora, das ameaças a dirigentes ou simples trabalhadores, da repressão e de mais de mil detidos, e que mesmo assim, milhares de os manifestantes responderam ao apelo para exigir que a veracidade do resultado eleitoral fosse conhecida.

A situação continua muito fluida e é prematuro saber como evoluirá a grave situação venezuelana. Mas o que é certo é que a mudança é irreversível e que esta é uma “corrida de resistência” e não uma “corrida de velocidade”.

Alckmin ladeado por terroristas e Lula dizendo que “eleição” do Maduro é normal

A recente visita de Geraldo Alckmin, vice-presidente do Brasil, ao Irã trouxe à tona questões delicadas e preocupantes sobre a postura do governo brasileiro em relação a líderes terroristas e teocracias. Alckmin foi fotografado e filmado ao lado de líderes de grupos terroristas como Hamas, Hezbollah, Houthis e Jihad Islâmica. Este evento, por si só, já fala bastante sobre as alianças e as companhias que o governo brasileiro está disposto a manter.

A situação se agrava com a declaração do presidente Lula, afirmando que as eleições na Venezuela, conduzidas por Nicolás Maduro, foram “normais”. Esta afirmação contrasta fortemente com a observação de organismos internacionais, como o Carter Center, que caracterizou o processo eleitoral na Venezuela como não democrático e profundamente problemático. A Organização dos Estados Americanos (OEA) também criticou duramente o processo, destacando a falta de transparência e a violência associada às eleições.

A foto de Alckmin em Teerã, ladeado exclusivamente por terroristas, não deixa dúvidas sobre a postura do governo brasileiro em relação aos direitos humanos e ao terrorismo. Não se trata de uma foto com uma mistura de líderes internacionais respeitáveis e alguns elementos controversos, talvez num plano mais aberto fosse assim. Ocorre que Alckmin ficou num ângulo em que foi fotografado apenas entre figuras de grupos conhecidos por suas atividades terroristas. Esta escolha de companhia envia uma mensagem clara sobre onde o Brasil se posiciona no cenário internacional.

Além disso, a declaração de Lula sobre as eleições venezuelanas normaliza um processo que foi amplamente condenado por sua falta de legitimidade. Observadores internacionais relataram prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados e assassinatos de fiscais eleitorais. Mesmo diante dessas evidências, o governo brasileiro continua a pedir a validação das cédulas eleitorais de um regime que não permite nenhuma forma de escrutínio independente.

José Dirceu, um importante membro histórico da esquerda brasileira, fez uma comparação perturbadora entre a eleição de Maduro e a de Lula, sugerindo que as contestações à legitimidade eleitoral em ambos os casos são equivalentes. Isso implica uma admissão de que as eleições na Venezuela, mesmo com todas as irregularidades e fraudes, são vistas sob o mesmo prisma que as eleições no Brasil, um ponto de vista que deslegitima o próprio processo democrático brasileiro.

Os candidatos do PT pagarão este ano nas urnas o preço dessas declarações. A questão não é apenas uma divergência de opinião, mas um desafio direto à democracia e aos valores democráticos que o Brasil, teoricamente, defende. O alinhamento com ditaduras e regimes opressivos como o de Maduro, assim como a proximidade com grupos terroristas, coloca em risco a credibilidade e a posição do Brasil no cenário internacional.

A resposta do governo brasileiro às críticas internacionais e a sua insistência em validar eleições fraudulentas terão repercussões duradouras. Se a administração de Lula continuar nesse caminho, o Brasil poderá enfrentar sanções econômicas e políticas, além de uma crescente desconfiança internacional. A sociedade brasileira, independentemente de sua posição política, precisa reconhecer a gravidade dessas ações e unir-se para exigir uma postura mais firme e democrática do governo.

As eleições municipais em outubro serão um termômetro crucial para medir a reação popular a essas políticas. A maneira como os eleitores responderem será decisiva para determinar se Lula pode continuar a avançar com suas agendas controversas ou se precisará recalibrar suas alianças e declarações. A credibilidade do Brasil como uma democracia está em jogo, e a resposta a esses desafios será fundamental para o futuro do país.

Lula vai romper com Maduro ou ser cúmplice de uma carnificina?

A fraude na eleição de domingo passado, 28 de julho, na Venezuela não foi nenhuma surpresa, mas apenas a conclusão de um projeto criminoso que vinha transcorrendo a olhos vistos: olhares espantados, ingênuos ou cúmplices.

Meu olhar esteve sempre com os espantados; incluindo o espanto com a ingenuidade de democratas que insistiam em confiar nos bons propósitos do ditador candidato, mesmo diante de fraudes e violências escancaradas.

O presidente Lula e o PT não estão entre os ingênuos, são cúmplices.

O Brasil foi um dos fiadores do Acordo de Barbados, pactuado em outubro de 2023 entre o governo Maduro e grupos de oposição da Venezuela, que abriu caminho para a eleição presidencial de 2024.

Tratava-se de um acordo de boas intenções eleitorais. Uma das partes sendo um tirano – embora de uma tirania enfraquecida –, imponha-se muita cautela, mas também cabia alguma esperança e, de modo geral, achou-se que valia a pena tentar.

Rapidamente, porém, Maduro começou a exacerbar em seus métodos escusos: fraude após fraude, violência após violência, o ditador tentou acabar com as chances da oposição muito antes do pleito. Essa oposição, liderada pela corajosa María Corina Machado, resistiu. E resistiu, mesmo prevendo a monumental fraude em que se iria concluir o processo eleitoral, afinal, esta era a forma de luta política que lhe estava posta.

Agora, estando já escancarada a fraude, tornada oficial pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), essa luta política prossegue, com desdobramentos já assustadores e ainda mais imprevisíveis.

Cinismo e cumplicidade de Celso Amorim

Neste momento gravíssimo do povo venezuelano, tanto o governo brasileiro quanto o partido do presidente Lula assumem atitudes de cinismo e se prestam ao papel sujo de validação do projeto criminoso do ditador Maduro.

O governo brasileiro, diga-se, depois que Maduro ameaçou o povo venezuelano com um “banho de sangue”, passou a expressar sua cumplicidade bolivariana com alguma manha diplomática, como que se acautelando.

No domingo eleitoral, já no avançado das votações, falando de Caracas, o enviado de Lula, assessor especial Celso Amorim, saiu-se com uma fala enviesada da qual destaco os trechos seguintes:

“Estou acompanhando de perto o processo eleitoral venezuelano. Ainda há mesas de votação abertas. É motivo de satisfação que a jornada tenha transcorrido com tranquilidade, sem incidentes de monta;

“O presidente Lula vem sendo informado ao longo do dia. Vamos aguardar os resultados finais e esperamos que sejam respeitados por todos os candidatos”.

Antes do fim do dia, tiros disparados contra eleitores mataram uma pessoa na cidade de Guásimos, do estado de Táchira. Um dia depois já eram registradas mais de 10 mortes pela ação da repressão policial e de milícias chavistas.

Nesta terça-feira, 30, o Procurador Geral da Venezuela, Tarek William Saab, anunciou a prisão de 749 oposicionistas em protestos, acrescentando que foram presos por “terrorismo”.

Esse mesmo Saab prepara a prisão de María Corina, tendo acusado ela e mais dois líderes opositores – Leopoldo López e Lester Toledo – de serem responsáveis pelo “ataque ao sistema de transmissão do Conselho Nacional Eleitoral (CNE)”.

Sobre tais atrocidades não se tem notícia de qualquer manifestação do “tranquilo” Celso Amorim. Nem de Lula, que, segundo Amorim, está sendo informado sobre tudo.

A cumplicidade do PT

Se a cumplicidade do governo Lula se expressa com alguma cautela, a cumplicidade do PT revela-se ansiosa e apressada. Em nota, o PT diz que a escandalosa fraude do ditador venezuelano foi uma “jornada pacífica, democrática e soberana”; e destila lá outras tantas despudoradas sabujices.

No plano internacional, a fraude de Maduro teve apoio de ditaduras: Nicarágua, Cuba, China, Rússia, além da terrível teocracia iraniana e mais alguns regimes autoritários.

Quanto aos países democráticos, a maioria já denuncia a fraude; enquanto alguns permanecem na cautela da desconfiança e exigem transparência. O mesmo acontece com organismos multilaterais, como a ONU.

A OEA, por sua vez, avançou em uma condenação duríssima; bastando que se destaque o seguinte trecho:

“Ao longo de todo este processo eleitoral assistimos à aplicação, por parte do regime venezuelano, do seu esquema repressivo complementado por ações destinadas a distorcer completamente o resultado eleitoral, colocando esse resultado à disposição das mais aberrantes manipulações”.

Tensão nas ruas

No momento em que concluo este artigo, início da noite de terça-feira, 30 de julho, a situação na Venezuela é tensa, grave, quase explosiva.

Há manifestações chamadas tanto pela oposição quanto pelo regime ditatorial de Maduro. A oposição pediu manifestação pacífica, mas a repressão policial e as milícias chavistas irão armadas até os dentes.

Não se deve esquecer que Maduro prometeu um “banho de sangue”. Se há algo que talvez possa coibir a intenção sanguinária do tirano será a mais forte pressão internacional para que seja feita uma transição de regime e o poder seja entregue para o presidente verdadeiramente escolhido pelos venezuelanos: Edmundo González Urrutia.

O governo brasileiro não pode mais permanecer em acovardada cautela; tem de se decidir pela firme condenação do ditador aliado ou pela definitiva cumplicidade com a carnificina.