Arquivo da categoria: artigos

Soberba Tarifada

A situação comercial internacional do Brasil entrou em uma fase crítica. A imposição de tarifas pelos EUA representa golpe duro à já fragilizada economia brasileira. Entretanto, mais alarmante que a ação externa é a postura interna: a diplomacia brasileira, sob a liderança de Lula, tem falhado em oferecer uma resposta madura e estratégica. Ao contrário do que fizeram outros países, que buscaram canais para mitigar impactos, o Brasil opta pelo enfrentamento ideológico e pelo isolamento retórico. E isso custa caro.

Enquanto líderes mundiais tentam se articular em um cenário de transição geopolítica, Lula optou por uma postura temerária, marcada por decisões baseadas em convicções pessoais e crenças ultrapassadas que passam ao largo do interesse nacional e da realidade geopolítica atual. Donald Trump, mesmo com seu estilo imprevisível, já conversou com 34 líderes desde que reassumiu a Casa Branca, realizando 21 reuniões presenciais. Lula não está na lista. Mais do que ausência, há desinteresse. O próprio presidente brasileiro declarou que não teria “assunto” com Trump, ironizando que teria que “ficar contando piadas”. O que parece irreverência é, na prática, um grave sinal de uma diplomacia negligente.

Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria oferece uma medida concreta do impacto da nova onda tarifária. Segundo a entidade, o chamado “tarifaço” pode reduzir o PIB brasileiro em R$ 19,2 bilhões, ou seja, 0,16%. A estimativa é de que cerca de 110 mil postos de trabalho sejam perdidos. Um dano considerável, especialmente em uma economia que já sofre com baixo crescimento, juros elevados e déficit fiscal estrutural.

Os riscos não param por aí. O governo brasileiro acena, ainda que timidamente, com a possibilidade de restringir a remessa de dividendos ao exterior — uma medida que teria efeitos desastrosos sobre o investimento estrangeiro direto (FDI). Em um país que precisa desesperadamente de capital externo para financiar seu déficit em conta corrente, assustar multinacionais com ameaças à liberdade de repatriação de lucros é um erro grosseiro. As reservas internacionais do Brasil, embora robustas, não são infinitas. Sem o fluxo constante de FDI, elas não suportam uma pressão prolongada.

Lula parece ignorar que a geopolítica comercial não é guiada por discursos inflamados ou simbolismos ideológicos, mas por interesses pragmáticos. A retórica antiamericana, o desdém por abrir canais discretos de negociação e a insistência em alianças com regimes autoritários empurram o Brasil para uma posição marginal. Enquanto isso, países como México, Vietnã e Indonésia colhem os frutos de políticas externas mais sofisticadas, atraindo empresas que buscam alternativas à China, ao mesmo tempo que mantém bom relacionamento com Washington.

O Brasil, portanto, caminha perigosamente rumo ao isolamento das democracias ocidentais, comprometendo sua reputação, seus acordos comerciais e sua capacidade de atrair investimentos. O Brasil, ao abraçar a retórica antiamericana e regimes tóxicos, assina sua exclusão das cadeias globais de valor. Se o governo não recalibrar sua postura e adotar uma diplomacia menos ideológica e mais técnica, os custos econômicos serão ainda mais profundos e duradouros. A soberba tem preço, já evidenciada pelas tarifas — e a economia brasileira acabará mais uma vez pagando a conta.

A Democracia em Xeque: A Decisão da PET 14.129 e os Limites do Poder Judiciário

A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, proferida nos autos da PET 14.129/DF, que impõe medidas cautelares severas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, suscita uma série de preocupações jurídicas, institucionais e democráticas. Embora revestida de linguagem solene e guiada pela intenção declarada de proteger a soberania nacional e o Estado Democrático de Direito, a decisão expõe o Brasil a um paradoxo: ao buscar resguardar as instituições, pode estar contribuindo para corroê-las.

  1. A expansão do conceito de coação no curso do processo

O primeiro ponto que exige crítica é a interpretação extensiva do artigo 344 do Código Penal (coação no curso do processo). O texto legal exige uso de violência ou grave ameaça com o intuito de favorecer ou prejudicar parte no processo. No entanto, as manifestações públicas de Eduardo e Jair Bolsonaro — ainda que politicamente contestáveis — se deram no âmbito da liberdade de expressão e do ativismo político internacional, sem evidência direta de ameaça física, pessoal ou institucional ao juízo natural da causa.

A tentativa de vincular tais atos ao tipo penal desconsidera jurisprudência consolidada que protege a liberdade de expressão, inclusive na crítica a decisões judiciais. Extrapolar esse limite equivale a criminalizar a dissidência.

  1. A fragilidade do argumento de obstrução de justiça

O art. 2º, §1º da Lei 12.850/2013 exige que se demonstre ato concreto para impedir investigação de organização criminosa. O envio de mensagens nas redes sociais ou diálogos políticos com lideranças internacionais não se configura, por si só, como interferência processual direta. Ademais, o envio de recursos financeiros entre pai e filho, mesmo sendo vultoso, não foi vinculado a nenhum ato material que tenha, de fato, interrompido, postergado ou contaminado a ação penal em trâmite.

A imputação, nesse caso, parece se basear mais em juízo de intenção e alinhamento ideológico do que em provas concretas de obstrução.

  1. A incoerência da tese de atentado à soberania nacional

O argumento mais ousado da decisão é a suposta violação ao art. 359-I do Código Penal (negociar com governo estrangeiro para atos hostis contra o Brasil). Ora, a imposição de sanções por parte do governo norte-americano — ainda que grave — é um ato soberano daquele Estado. Mesmo que Bolsonaro e seu filho tenham pleiteado tal ação, não há evidência de que tivessem capacidade de “induzir” ou “controlar” uma política externa de um país independente como os EUA.

Acusar cidadãos brasileiros de atentarem contra a soberania por exercerem lobby político, ainda que inoportuno, abre um precedente perigoso: qualquer atuação internacional de oposição política pode ser interpretada como crime contra o Estado.

  1. Medidas cautelares desproporcionais

A imposição de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e proibição de uso de redes sociais — sem que haja condenação — equivale a um estado de exceção não declarado. Viola o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF), desconsidera o princípio da proporcionalidade e compromete o livre exercício de direitos civis fundamentais.

Além disso, a vedação de contato com embaixadas estrangeiras fere a liberdade de locomoção e o direito à articulação política internacional, comum em qualquer democracia vibrante.

Um Risco à Imagem Internacional da Democracia Brasileira

As implicações dessa decisão vão além do caso concreto. A adoção de medidas penais restritivas baseadas em manifestações políticas e diplomáticas não apenas fragiliza o debate democrático interno, como também compromete a imagem do Brasil perante a comunidade internacional.

Países que criminalizam a oposição política, cerceiam a liberdade de expressão e instrumentalizam o Judiciário contra adversários são classificados como regimes iliberais. Ao seguir essa trilha, o Brasil arrisca se afastar dos valores que diz proteger — a soberania nacional, o Estado de Direito e a separação dos Poderes.

Conclusão

A decisão na PET 14.129/DF, embora redigida com o verniz da legalidade, padece de excessos interpretativos e carência de base fática sólida. Em vez de fortalecer a democracia, revela um ativismo judicial que agride o devido processo legal e coloca em xeque o próprio Judiciário, ao politizar suas ações.

O Brasil precisa, mais do que nunca, de equilíbrio entre os Poderes, respeito à Constituição e preservação das liberdades civis — inclusive para os que estão em lados opostos do espectro político. Só assim nossa democracia será respeitada no mundo.

Brics, “sul global” e a arenga ideológica entre Lula e Trump

A política externa do presidente norte-americano Donald Trump é estupidamente imprevisível; já a política externa do presidente brasileiro Lula da Silva é previsivelmente estúpida: a soma das duas diplomacias idiossincráticas deu no questionamento de Trump sobre a Justiça brasileira e na imposição de uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA.

Tudo isso, aparentemente, foi para salvar o ex-presidente Jair Bolsonaro de iminente condenação no STF e rasgar uma brecha qualquer para seu retorno à Presidência da República do Brasil.

Entretanto, parece claro que Bolsonaro serviu apenas de pretexto, sendo o principal motivo, por trás dessa atitude, o incômodo de Donald Trump em relação ao Brics, ora sob a presidência temporária de Lula.

Não se previa um tão estabanado ataque jurídico-político-tarifário como esse deflagrado por Trump contra o Brasil. Todavia, era previsível que as constantes provocações de Lula contra os EUA não haveriam de terminar em coisa boa.

A maluquice tarifária de 50% contra o Brasil não tem razão econômica, sendo abertamente político-ideológica; e o que veio a acender o pavio curto de Trump foi a Cúpula do Brics 2025, realizada no Rio de Janeiro.

Brics 

Na sua conformação atual, o Brics tem 11 países membros plenos (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Indonésia, Irã) e 10 países em estado probatório para admissão plena, ditos “parceiros” (Belarus, Bolívia,Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbesquistão, Vietnã).

Tanto entre os membros plenos quanto entre os parceiros, a maioria é composta por países de regimes autoritários (alguns, ditaduras escancaradas, outros, ditaduras disfarçadas).

De todo modo, o grupo forma um conjunto desarmônico de países de condições sócio-econômica e política muito desiguais e com interesses díspares ou conflitantes. No desequilíbrio, dois países, pela força econômica e/ou poderio militar, dominam: China e Rússia.

O presidente brasileiro tem feito grande esforço para alcançar um patamar de liderança no Brics; e o aspecto mais destacado desse esforço tem sido as provocações aos EUA, especialmente aquela que mais irrita Trump, que é a campanha para rifar o dólar como moeda padrão internacional.

Além disso, Lula – no Brics e fora do Brics – tem sido muito ativo na vassalagem ao tirano russo Vladimir Putin e à teocracia islâmica fundamentalista e perversa do Irã.

Sul global

Em entrevista concedida ao jornal nacional, para falar sobre o tarifaço de Donald Trump, Lula disse com todas as letras: “O Brics trabalha pelo Sul Global. Nós cansamos de ser subordinados ao Norte.”

O termo Sul Global” vai muito além de uma classificação meramente geográfica: trata-se de uma categoria político-ideológica, gestada em um caldeirão de ressentimentos e atavismos antiocidentais, que contesta a ordem internacional democrática-liberal liderada por EUA e Europa.

As fontes teóricas e intelectuais que sustentam a ideologia do “Sul global” à qual o presidente brasileiro declaradamente aderiu são as teorias do pós-colonialismo e a teoria decolonial, que defende coisas tais como uma “crítica à hegemonia epistêmica ocidental”, “denúncia da colonialidade do poder, do saber e do ser” e outras esquisitices que visam subordinar o conhecimento à ideologia.

No que há de mais refinado, pode-se dizer que as críticas à democracia liberal ocidental inspiram-se indiretamente em Carl Schmitt, um jurista que defendeu o nazismo e cuja crítica ao universalismo liberal tem eco naqueles que afirmam valores que contrastam com o humanismo e o cosmopolitismo.

O conceito de Sul Global, portantoé, antes de tudo, uma categoria estratégica e simbólica que visa articular um bloco de poder alternativo, fundado na crítica ao liberalismo político e econômico e cujas raízes intelectuais são diversas, indo do pensamento pós-colonial à crítica conservadora do liberalismo, tendo por marca político-ideológica principal a resistência aos valores e instituições do Ocidente.

A ala radicalizada e autoritária da esquerda brasileira – formada, em parte, por intelectuais marxistas – entende realmente o Brics com ponta de lança do Sul Global e trabalha para que o presidente brasileiro assuma uma liderança compartilhada com China, Rússia e Irã.

O Irã é um caso especial do desvario ideológico sul-globalista, pois sendo protótipo de regime atrasado é indicado pela esquerda mais alucinada como farol de libertação para a humanidade.

Não surpreende que, no comunicado final da Cúpula do Brics, tenha sido destacado a “violação do direito internacional nos ataques ao Irã” e condenados “nos termos mais fortes” os “ataques contra pontes e ferrovias que visaram deliberadamente civis nas regiões russas de Bryansky, Kursk e Voronezh”.

Não foi dito que o Irã tem apoiado, financiado e armado grupos terroristas que atacam Israel; nem foi dito que a Rússia invadiu e bombardeia constantemente a Ucrânia. Tal imoralidade diplomática era previsível.

É tão previsível a política externa petista que, embora todos concordem que a desavença com os Estados Unidos seja muito ruim para o Brasil, lulistas não conseguem esconder a alegria com que vislumbram os gordos dividendos político-eleitorais que o confronto com Trump pode lhes render.

Lula e a parte extremista da esquerda afundaram-se, com Brics e tudo, em um buraco ideológico. Importa agora evitar que uma circunstância derivada de um surto de estupidez trumpista-bolsonarista permita que Lula e a esquerda radical continuem arrastando o Brasil para um buraco cada vez maior.

Como sonhar ainda não foi proibido pelo STF, podemos até sonhar que dessa bagunça toda resulte, nas eleições de 2026, um Brasil livre tanto do lulismo quanto do bolsonarismo.

Diplomacia Inflamável

A eleição de Lula em 2023 trouxe uma mudança radical no fluxo comercial de combustíveis entre Brasil e Rússia. De importações praticamente inexistentes, o Brasil catapultou-se para o posto de maior comprador mundial de diesel russo em poucos meses. Segundo dados da Kpler e do Comex Stat, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o Brasil injetou impressionantes US$ 12,54 bilhões na economia russa, sendo o diesel o carro-chefe dessas transações. Essa súbita dependência coincide não apenas com a volta de Lula ao poder, mas também com o período em que a Rússia, sob pesadas sanções ocidentais por sua invasão da Ucrânia, buscava desesperadamente novos mercados para financiar seu esforço de guerra. A coincidência temporal é gritante: o dinheiro brasileiro flui para Moscou exatamente quando o Kremlin mais precisa para sustentar sua máquina bélica.

Este fluxo financeiro maciço não ocorre num vácuo geopolítico. Ele se entrelaça com a ativa participação do Brasil no BRICS. Lula tem sido um vocal articulador de iniciativas dentro do grupo que desafiam a ordem ocidental, notadamente a proposta de substituir o dólar nas transações entre os membros. A compra em grande escala de diesel russo, potencialmente facilitada por mecanismos financeiros alternativos que contornam o sistema Swift (alvo de sanções), aparece como uma concretização prática desse alinhamento estratégico e econômico. Paralelamente, o governo Lula manteve postura ambígua e de não condenação clara à invasão russa, recusando-se a fornecer armas à Ucrânia e frequentemente equiparando agressor e vítima em seus discursos, o que desagradou profundamente às democracias ocidentais.

A estratégia brasileira, porém, tem um preço elevado no tabuleiro internacional. Ao se aproximar energeticamente e politicamente da Rússia agressora e ao minar esforços de isolamento econômico, o Brasil enfraquece sua credibilidade diante das principais democracias do mundo. Essa postura gera desconfiança e mina décadas de construção de uma reputação de defensor da ordem internacional. O impacto mais imediato e tangível desse desgaste recai sobre o já frágil Acordo Mercosul-União Europeia. Países europeus, especialmente França e Áustria, veem com extrema preocupação o aumento das relações comerciais e o alinhamento político do Brasil com a Rússia. A ratificação do acordo, já complexa, torna-se politicamente inviável para os europeus enquanto o Brasil for visto como um financiador indireto da guerra através de suas compras de energia.

Em suma, a explosão das importações brasileiras de diesel russo sob o governo Lula é muito mais do que uma simples transação comercial. É um ato geopolítico de profundo significado. Ao injetar bilhões na economia de um país que viola flagrantemente o direito internacional, ao alinhar-se com a agenda desestabilizadora do BRICS liderada por Putin e Xi Jinping, e ao minar sua própria credibilidade junto a democracias aliadas, o Brasil não apenas financia indiretamente a invasão da Ucrânia, mas compromete suas relações estratégicas mais importantes, abrindo o flanco inclusive para sofrer sanções. O combustível russo pode baratear temporariamente o preço na bomba, mas o custo para a posição internacional e o futuro econômico do Brasil, especialmente no tocante ao Mercosul e ao acordo com a UE, pode se revelar exorbitante e de longo prazo, marcando uma opção clara por um eixo que o distancia do Ocidente.

PT não tem gabinete do ódio, é gabinete do amor

O governo Lula parece querer repetir uma tática que deu certo no passado: destruir reputações. Em 2014, o alvo foi Marina Silva, e a estratégia deu a vitória a Dilma Rousseff. Mas agora o cenário é outro. Depois de mais de uma década convivendo com campanhas difamatórias, tanto no campo político quanto na indústria de “influencers” e perfis de fofoca, o público aprendeu a reconhecer esse tipo de manobra.

A tentativa da vez é contra o deputado Hugo Motta. A máquina foi acionada: perfis aliados, “jornalistas” que operam como assessores e blogueiros amigos se uniram para fazer o serviço sujo. Resultado? O nome de Hugo Motta cresceu. A ofensiva teve o efeito oposto ao planejado.

Não é nem uma avaliação moral. É uma constatação prática: não colou. E não vai colar. Não há campanha de rede social que convença o brasileiro a ir pra rua pedir mais imposto.

Ainda mais depois de ver a Controladoria-Geral da União abrir mão de bilhões em multas de empreiteiras envolvidas na Lava Jato ou o perdão dado a parte da dívida das Lojas Americanas. Se o governo não tivesse perdoado essas dívidas de bilionários e amigos, não estaria tão desesperado por arrecadação. Mas é mais fácil atacar adversários do que rever prioridades.

O ridículo chegou ao ponto de fundar o “gabinete do amor” dentro da Fundação Perseu Abramo, a fundação partidária do PT. Uma rede de comunicação paralela, bancada com verba pública e partido, que imita o que diz combater: ataques coordenados, slogans vazios, manipulação de pauta. Entenda como o PT entra nisso lendo o artigo de Wilson Lima. “Congresso inimigo do povo” virou mote, como se fosse possível reeditar a vibe AI-5 com lacração progressista.

Érika Hilton propaga fake news dizendo que Lula aprovou um benefício que ele mesmo vetou. Boulos solta frases desconectadas da realidade sobre “povo invadindo banco”. E os influenciadores repassam. Uma narrativa mal feita e que subestima a inteligência da população. A tal taxação dos “super-ricos” virou apelido para qualquer aumento de imposto.

E isso não é porque a direita opera ataquer melhor que a esquerda. Nem bolsonaristas conseguem mais fazer esse tipo de campanha funcionar. Carlos Bolsonaro, por exemplo, tentou me atacar de novo semana passada. Em 2019, isso escalava. Gente seguindo minha família na rua, ameaças reais, recado no para-brisa do carro. Hoje, a mesma tática não passa de xingamento patético nas redes. A máquina perdeu a força. Nem a direita radical está conseguindo produzir o efeito que produzia anos atrás.

E Lula? Lula está ainda mais fraco. O Lula de 2003 ou 2007 teria reagido rápido à derrota do IOF. No dia seguinte almoçaria com os presidentes da Câmara e do Senado, realinhado a base. O de agora demorou, vacilou, e quando finalmente se moveu, já era tarde. O estrago estava feito. E pior: foi causado pelo próprio governo. O ataque contra Hugo Motta saiu pela culatra. Lula saiu menor do que entrou.

Se esse é o “marketing” pró-governo, a oposição pode tirar férias. O próprio governo já está fazendo o trabalho dela.

Democratas, populistas e autocratas

Boric (do Chile) é de esquerda, eu apoio Boric. Lacalle Pou (do Uruguai) é de direita, eu apoiava Pou. Agora Orsi (que sucedeu Boric no Uruguai) é de esquerda, eu apoio Orsi. Úrsula (da União Europeia) é dita de direita, eu apoio Úrsula. Por quê? Porque não são populistas nem autocratas. Estou pouco ligando se se dizem ou são ditos de esquerda ou de direita.

Lula (do Brasil) é de esquerda, eu não apoio Lula. Bolsonaro (do Brasil) se diz de direita, eu não apoio Bolsonaro. Petro (da Colômbia) é de esquerda, eu não apoio Petro. Trump (dos EUA) se diz de direita, eu não apoio Trump. E não apoio nenhum desses não porque sejam de esquerda ou de direita e sim porque são populistas.

Também não apoio Xi Jinping (da China), Canel (de Cuba) e Kim Jong-un (da Coreia do Norte) não porque sejam de esquerda e sim porque são autocratas. E não apoio igualmente Orbán (da Hungria), Erdogan (da Turquia) e Bukele (de El Salvador) não porque sejam de direita e sim porque são autocratas.

Contra autocratas, como é óbvio, só temos a democracia. Mas contra populistas, o que já não é tão óbvio, também só temos a democracia. Os novos populismos do século 21 são adversários da democracia, ainda que a parasitem. Não são propriamente ideologias e sim comportamentos políticos baseados na divisão da sociedade em uma única clivagem (povo x elites), no encorajamento de uma polarização política a partir dessa divisão (a política praticada como guerra do “nós contra eles”) e na ideia (majoritarista) de que é preciso fazer maioria em todo lugar, acumulando forças para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido (ou de um grupo ideológico que faz as vezes de partido). Em alguns casos, não todos, os populismos são mais rudes e querem chegar ao governo pelo voto para, em seguida, acabar com o regime político democrático, seja erodindo progressivamente a democracia – desativando seus mecanismos de freios e contrapesos, seja, até, desferindo um golpe de Estado (ou auto-golpe) a partir do governo. Não é relevante que os populistas que se comportam assim se digam ou sejam ditos de esquerda ou de direita.

Os populistas vicejam em regimes eleitorais – chamados ainda de democracias, mesmo que não sejam liberais – porque esses regimes têm falhas “genéticas”: não têm proteção eficaz contra o discurso inverídido, não têm proteção eficaz contra o uso da democracia (notadamente das eleições) contra a própria democracia, não têm proteção eficaz contra a destruição das normas não escritas que estão abaixo do sistema legal-institucional e o sustentam e não têm proteção eficaz contra a falsificação da opinião pública a partir da manipulação das mídias sociais, que desabilita qualquer razão comunicativa, destruindo o espaço discursivo de interação de opiniões. Pouco importa se os populistas que penetram por essas brechas se declarem ou sejam considerados de esquerda ou de direita.

Então vamos simplificar tudo. Passou da hora de jogar fora no lixo esse papo de esquerda e direita. Os líderes e suas forças políticas podem ser classificados hoje basicamente em três tipos: democratas, populistas e autocratas.

A diagram of the political party

AI-generated content may be incorrect.

Share

Democratas (como Frederiksen, da Dinamarca e Merz, da Alemanha) não são populistas, nem autocratas. Não importa se a primeira é dita de esquerda (ou progressista) e o segundo é dito de direita (ou conservador).

Populistas podem ser autocratas (como Maduro, da Venezuela e Bukele, de El Salvador) – e não importa se o primeiro se diz de esquerda e o segundo é dito de direita. Mas populistas podem também não ser autocratas (como Xiomara, de Honduras e Fico, da Eslováquia) – e não importa se a primeira se identifica com a esquerda e o segundo com a direita.

Autocratas podem não ser populistas (como Chính, do Vietnam e Min Aung Hlaing, de Mianmar) – e não importa se o primeiro se diz de esquerda (e socialista) e o segundo é considerado de direita (um ditador militar).

Note-se que, nos pares citados acima como exemplos, sempre um é dito de esquerda e o outro de direita. Isso é para mostrar que não há diferença relevante entre eles em termos de comportamento político.

É claro que se pode detalhar a classificação proposta aqui para revelar as diferenças entre dois tipos de democratas, dois tipos de populistas e dois tipos de autocratas, como na imagem abaixo:

A diagram of different colors of circles

AI-generated content may be incorrect.

Entre os democratas, temos os democratas liberais (como Rodrigo, da Costa Rica) e os democratas apenas eleitorais (como Plenkovic, da Croácia).

Entre os populistas, temos os neopopulistas (como Arce, da Bolívia) e os populistas-autoritários ou nacional-populistas (como Modi, da Índia).

Entre os autocratas, temos os autocratas eleitorais (como Putin, da Rússia) e os autocratas não-eleitorais (como bin Salman, da Arábia Saudita).

Claro que, como já foi dito, há uma interseção entre populistas e autocratas (no caso, autocratas eleitorais). O neopopulista Ortega (da Nicarágua) e o nacional-populista Erdogan (da Turquia) são também autocratas eleitorais.

Mas essas subclassificações não alteram a divisão básica entre democratas, populistas e autocratas.

Também não ajuda classificar as forças políticas em conservadores, liberais e socialistas – colocando os dois últimos como progressistas (quando muitos que se declaram socialistas são regressistas). Além disso, essa classificação ideológica exclui a possibilidade da existência de liberal-conservadores. As forças políticas não podem ser classificadas pelas ideologias confessadas por seus líderes e sim pelo comportamento político do conjunto de seus agentes.

Lula e a política tribal 

Para melhor analisar algumas atitudes políticas recentes, é preciso distinguir duas concepções fundamentais de política. A primeira delas advém da tradição clássica e se desenvolve por um viés democrático e liberal; a segunda advém da ruptura moderna perpetrada por Maquiavel e se desenvolve por um viés autoritário antiliberal. 

Na primeira concepção, a política está vinculada à ética, como busca do bem comum e do melhor regime, sendo um meio para a realização da justiça, tornada concretamente possível  dentro de humanos limites  pelo direito e pela moral, instâncias que circunscrevem o certo e o errado. 

Na segunda concepção, a política está desvinculada da ética e identificada ao exercício do poder, sendo o direito e a moral um meio para realização da razão do Estado, instância que circunscreve o certo e o errado. 

Saindo um pouco da argumentação puramente abstrata, a fim de não enfadar o leitor com excessos especulativos, analisemos os concretos gestos políticos aos quais me referi.

Cristina Kirchner

No começo deste mês, Lula foi à Argentina expressar apoio à ex-presidente Cristina Kirchner, que está presa em regime domiciliar, após ser condenada por corrupção. Lula se deixou fotografar com ela segurando um cartaz que dizia “Cristina libre”.

Com essa atitude, o presidente do Brasil intrometeu-se em um processo judicial da Argentina, em favor daquela por quem tem “uma amizade de muitos anos que vai muito além da relação institucional. Um carinho e afeto de amigos, companheiros de campo político”, conforme escreveu Lula em suas redes sociais. 

Poucos dias depois, o presidente dos Estados Unidos mostrou que ele também não vê problema nenhum em se meter em assuntos jurídicos internos de outros países para defender seu companheiro de campo político  no caso Jair Bolsonaro que, segundo ele, é apenas um “perseguido”. Para Trump, o ex-presidente do Brasil “não é culpado de nada, exceto de ter lutado pelo povo”

Qual a diferença entre o “Deixem Bolsonaro em Paz”, de Donald Trump, e o “Cristina libre” de Lula? Nenhuma. Ambos estão defendendo seus aliados políticos e se lixando para a justiça, para a verdade e para a soberania do país nos quais estão se intrometendo. 

Lula, entretanto, afetou grande indignação contra a postagem de Trump nas redes sociais e, com a hipocrisia que lhe é peculiar, escreveu:

A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito.” 

Contradição

Seria uma postagem legítima e até louvável, caso tivesse sido escrita por alguém cujas atitudes fossem coerentes com aquilo que escreveu. Obviamente não é o caso. Lula defendendo rule of law é quase uma contradição performativa, tanto pelo seu histórico pessoal, quanto pela prontidão com que tenta blindar da aplicação da lei seus amigos corruptos. 

Se ninguém está acima da lei, por que mandar buscar, de avião da FAB, a ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia, condenada por lavagem de dinheiro? Se aqueles que atentam contra a liberdade não estão acima da lei, por que apoiar, proteger e adular tiranos facínoras como Nicolás Maduro e Vladimir Putin? Se preza o Estado de direito por que se aliar à teocracia fundamentalista islâmica do Irã?

É que a concepção política de Lula e de seu entorno é aquela concepção maquiavélica, de viés autoritário à qual me referi no início deste texto. Lula age politicamente tendo por critério a distinção entre amigo e inimigo, ou seja, a definição exposta por Carl Schmitt na obra “O conceito do político”.

Amigo e inimigo

Para Schmitt, cada esfera da atividade humana tem seu critério específico: na moral, é o bem e o mal; na estética, é o belo e o feio, na economia, é o útil e o inútil (ou o lucro e o prejuízo), na política, é o amigo e o inimigo.

O ilustre Prof. Dr. Carl Schmitt, que escreveu, em 1934, no Deutsche Juristen-Zeitung que “o Führer protege o Direito”, defende a política como uma esfera autônoma, com suas próprias regras, que se impõe sobre normas morais ou jurídicas.

Ele é um dos grandes críticos do liberalismo político, uma vez que a tentativa liberal de mediar conflitos pela discussão racional e pelo consenso é entendida como uma neutralização ou moralização do político, que enfraquece o Estado. 

Identificar o inimigo é uma questão de sobrevivência. A política aqui é vista pelo prisma do antagonismo e não da harmonia. 

Populismo

Importa notar que o conceito de político de Carl Schmitt caracteriza políticas tanto de direita quanto de esquerda. É antes de tudo uma caracterização que orienta políticas de cunho autoritário e totalitário, de um lado ou do outro do espectro. 

Não apenas a esquerda petista e a esquerda identitária se movem segundo tal concepção, mas também a direita populista e reacionária. Daí a semelhança das atitude de Trump e Lula, que estão se lixando para a justiça e para o estado de direito, embora vez ou outra utilizem tais conceitos para fins meramente retóricos. 

O famoso “nós contra eles”, que está voltando com força total, é uma forma menos erudita de se referir a esse tipo de política tribal. Donald Trump, Viktor Orbán, Nicolás Maduro, Jair Bolsonaro, Lula — cada qual, à sua maneira, faz uso dessa lógica política schmittiana. 

Qual o contraponto a isso? Claramente é a tradição democrática-liberal à qual pertencem moderados, tanto de direita quanto de esquerda, ou aqueles que não se identificam nem com a esquerda nem com a direita, mas apenas com os princípios basilares da civilização.

A fragmentação da sociedade em grupos identitários fechados, que muitas vezes não se reconhecem mutuamente como legítimos, recria o tipo de antagonismo existencial que Schmitt descreveu. 

Contra isso talvez seja necessário resgatar um universalismo ético-político, de viés kantiano, baseado na razão, na dignidade humana e na possibilidade de uma ordem moral e jurídica universal.

Consenso moral mínimo

Para isso é necessário, porém, um consenso moral mínimo. Por exemplo, não legitimar como luta política a ação de um grupo de terroristas que sequestra e degola bebês em nome da causa palestina; não admitir aliança com o regime que financia esses mesmos terroristas, enforca homossexuais e espanca mulheres que ousam mostrar os cabelos; não fazer notinha diplomática na cúpula do Brics condenando um país invadido em vez de condenar o país invasor.

Vê-se, pois, que os valores que movem a política externa do atual governo Lula não são universalizáveis, o que é outra forma de dizer que Lula se move no âmbito de uma concepção amoral da política, que a sua concepção de política cavalga a moral ou, dito de forma mais rude, que Lula tem a moral de uma cavalgadura. 

Um confronto entre as teorias de Carl Schmitt e Immanuel Kant é, em certo sentido, um confronto entre dois paradigmas opostos de filosofia política. O primeiro rejeita qualquer forma de universalismo político ou jurídico, enquanto o segundo defende um cosmopolitismo racional baseado no direito. 

Para Schmitt, o direito depende da decisão política; para Kant, a decisão política subordina-se ao direito e à exigência da razão. De um lado, o avanço de nacionalismos, guerras e discursos contra os inimigos (à la Schmitt); de outro, a defesa de direitos humanos e do direito internacional (à la Kant). 

Lula age à la Schmitt, mas discursa à la Kant. Isso porque, embora pouco letrado, ele é diplomado em cinismo e astúcia pela escola Nicolau Maquiavel. 

Trilhos Vulneráveis

A recente assinatura do memorando entre o Brasil e China para estudos da Ferrovia de Integração Bioceânica, ligando o porto chinês de Chancay, no litoral do Peru, ao porto Sul de Ilhéus, na Bahia, é apresentada como um marco de desenvolvimento. Contudo, sob o brilho da promessa de progresso logístico, escondem-se riscos profundos que demandam cautela. A parceria com Pequim não pode ser analisada isoladamente, mas sim à luz do histórico de projetos de infraestrutura chineses. Experiências internacionais servem como alerta: aquilo que começa como investimento frequentemente evolui para relações de codependência, onde a soberania nacional é moeda de troca.

O modus operandi é preocupantemente familiar: empréstimos chineses, opacos em seus termos, financiam projetos executados por suas empresas estatais. O resultado é um desfecho com ares de neocolonialismo. O Sri Lanka, por exemplo, foi forçado a entregar o controle do porto de Hambantota por 99 anos à China após inadimplência. Na Malásia, o governo cancelou projetos ferroviários chineses devido a termos considerados leoninos e insustentáveis. O Laos mergulhou em crise de dívida colossal, hoje equivalente a quase 100% do seu PIB, impulsionada pela ferrovia China-Laos. A Etiópia viu seu principal aeroporto ameaçado de controle chinês. O padrão é o mesmo: endividamento insustentável seguido de perda de controle sobre ativos estratégicos.

No caso da Ferrovia Bioceânica, os riscos para a soberania brasileira são palpáveis. Os termos financeiros e operacionais, ainda desconhecidos, poderão conferir à China influência desproporcional sobre uma rota logística vital, transformando-a em um instrumento de pressão geopolítica. Isto significa que a dependência de financiamento e tecnologia chinesa podem minar a capacidade do Brasil de tomar decisões autônomas sobre sua infraestrutura estratégica, seus recursos naturais e até mesmo sua política externa, amarrando o país a interesses estranhos a nossa soberania.

Neste contexto, a urgência de um mecanismo robusto de avaliação de investimentos estrangeiros torna-se inegável. É aqui que ganha relevância o Projeto de Lei 1051/2025, de autoria do Deputado Hauly, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil. Este órgão seria um escudo essencial na análise de investimentos estrangeiros em setores estratégicos como infraestrutura crítica, energia e recursos naturais, avaliando riscos concretos à segurança nacional, à soberania e à estabilidade econômica do país. A Ferrovia Bioceânica seria um caso emblemático que demandaria o crivo rigoroso de avaliação, garantindo transparência nos contratos, sustentabilidade financeira e salvaguardas contra perda de controle.

A ambição de integrar o continente com uma ferrovia bioceânica é louvável. Contudo, o caminho proposto, pavimentado pelo modelo chinês de financiamento e execução, é repleto de armadilhas históricas. Ignorar os exemplos da África e da Ásia, onde projetos similares geraram endividamento insustentável e erosão da soberania, seria uma temeridade. O Brasil não pode trocar o progresso logístico pelo risco da dependência. É imperativo que o Congresso Nacional priorize a aprovação do PL 1051/2025 para que possamos negociar com segurança, assegurando que o desenvolvimento da nação não comprometa sua autonomia e seu futuro nas mãos de interesses estranhos. Os trilhos do progresso não podem custar nossa soberania.

A derrubada do IOF expôs mais do que um conflito fiscal — revelou uma crise política e moral

A recente derrubada, pelo Congresso Nacional, do decreto que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) desencadeou mais do que um impasse entre Legislativo e Executivo. A resposta de setores ligados ao governo — incluindo uma campanha coordenada por influenciadores digitais com o lema “Congresso Inimigo do Povo” — revela algo mais grave: a tentativa de deslegitimar uma decisão institucional legítima e democrática, apenas porque contraria os interesses do Planalto.

O aumento do IOF, proposto por decreto presidencial, visava arrecadar R$ 12 bilhões em 2025. Mas os impactos desse imposto, muitas vezes invisíveis à primeira vista, recaem com mais força sobre as camadas mais pobres da população. Empréstimos pessoais, cartão de crédito internacional, remessas de dinheiro para o exterior, compras parceladas e até consultas médicas fora do país ficariam mais caros. Pequenos empreendedores e consumidores já endividados seriam diretamente afetados.

É nesse contexto que o Congresso agiu: derrubou uma medida impopular, com impacto negativo para milhões de brasileiros, e cobrou do governo que apresentasse alternativas mais justas para recompor a receita. Ao contrário do que dizem os ataques orquestrados por influenciadores com forte alinhamento ao governo — e com possível financiamento partidário —, essa atitude não torna o Congresso um “inimigo do povo”, mas sim um freio necessário contra uma política fiscal injusta e mal planejada.

A campanha difamatória nas redes sociais, que tenta jogar a população contra o Legislativo, é perigosa por dois motivos: primeiro, porque alimenta uma crise institucional entre os Poderes, num momento em que o país precisa de diálogo e estabilidade; segundo, porque desvia o foco do verdadeiro debate: de onde virá o ajuste fiscal, e quem vai pagá-lo.

E é aqui que está a verdadeira urgência. O governo tem, sim, alternativas para fechar as contas sem penalizar os mais pobres. Pode, por exemplo:
• Rever renúncias fiscais que drenam mais de R$ 500 bilhões ao ano, muitas sem retorno social comprovado;
• Reduzir gastos supérfluos da própria máquina pública, como diárias, passagens, publicidade institucional e aluguéis desnecessários;
• Utilizar parte dos lucros das estatais, como Petrobras e bancos públicos, para proteger programas sociais essenciais.

Nada disso foi discutido com profundidade pelo governo antes da edição do decreto. Preferiu-se o caminho mais fácil — aumentar imposto sem debate. Quando o Congresso impôs o limite, reagiu-se com ataques, desinformação e tentativas de desmoralização.

A boa política fiscal precisa de equilíbrio, responsabilidade e justiça. Mas precisa também de respeito às instituições e à democracia. Criminalizar o Congresso por cumprir sua função constitucional é sinal de autoritarismo travestido de virtude popular. E o povo — o verdadeiro povo — não pode ser usado como escudo para más decisões econômicas ou para campanhas de ataque político.

O Congresso não é inimigo do povo. O verdadeiro inimigo é um governo que, diante de erros, prefere transferir a culpa a quem o corrige, em vez de corrigir sua rota. E o povo brasileiro, atento e maduro, já começa a perceber isso.

Guerra Fria eletrônica

Na disputa pela hegemonia econômica, tecnológica e militar do sistema internacional neste século, os Estados Unidos e a China lutam para ditar as regras de um padrão mundial de Inteligência Artificial (IA). Reportagem recente do Wall Street Journal focalizou os lances mais dramáticos dessa nova corrida armamentista da informação e do conhecimento. (**)

O segundo governo do Republicano Donald Trump, assim como o de seu antecessor Democrata Joe Biden, procura estreitar o espaço de manobra do rival chinês por meio de uma série de restrições que vão desde a proibição das exportações dos chips (semicondutores) de maior capacidade computacional aos chineses até novas barreiras à entrada de estudantes oriundos do “Império do Meio” em universidades norte-americanas e empresas do Vale do Silício. Trump, por exemplo, vetou a venda do superchip “HZO AI”, da Nvidia, mesmo ao custo de 10 bilhões de dólares em vendas não realizadas por essa companhia. O governo também veda o fornecimento de serviços públicos formatados pela DeepSeek, vedete chinesa de IA, e tramita no Capitólio um projeto de lei bipartidário proibindo as agências federais de usarem quaisquer produtos e serviços de IA made in China.

Um claro indicador desse processo de desacoplagem (decoupling) científico-tecnológica é a rápida e significativa queda dos investimentos americanos em empreendimentos chineses na área de IA. Em 2018, de acordo com levantamento do PitchBook citado pelo Journal, investidores dos Estados Unidos financiavam 30% desses empreendimentos na China, cujo total era então avaliado em 21,9 bilhões de dólares. Naquele mesmo ano, as vendas da Nvidia no mercado chinês somaram 9,7 bilhões de dólares. (O auge desses investimentos se deu em 2019, quando eles se aproximaram da marca de 40%.) A projeção para este ano de 2025 é que o financiamento americano não ultrapasse 5%.

A resposta do regime de Pequim à desacoplagem tem sido orientar e incentivar as empresas do país para que tornem suas cadeias de suprimentos cada vez mais independentes dos insumos da América.

Hoje em dia, a IA da China procura compensar a dianteira americana em inovação tecnológica, traduzida em maior rapidez de processamento e alimentadas por bilhões de dólares em pesquisa de ponta, oferecendo aos seus clientes no mundo inteiro (Oriente Médio, Ásia, África e mesmo Europa) uma mercadoria quase tão boa, a preços consideravelmente mais em conta. Por ora, o ChatGPT, da americana OpenAI, conta com 910 milhões de usuários ao redor do globo, contra 125 milhões atendidos pela chinesa DeepSeek. Todavia, os Large Language Models (LLM) da DeepSeek e de gigantes do comércio eletrônico chinês como Alibaba e Tencent têm fechado grandes negócios internacionais.

O banco britânico HSBC, e a Aramco (joint venture saudi-americana), maior petroleira do mundo, já rodam modelos da DeepSeek nos seus datacentros. E, a despeito de o cerco das proibições estar se fechando, até mesmo grandes marcas americanas em tecnologia da informação, como a Amazon Web Services, a Microsoft e o Google, oferecem DeepSeek aos seus clientes. A OpenAI contra-ataca abrindo cada vez mais filiais no continente europeu e na Ásia. Cerca de 85% dos clientes da IA made in USA estão em países estrangeiros. Enquanto isso a chinesa Zhipu AI fornece a assistência técnica a países do chamado Sul Global na montagem de suas infraestruturas de inteligência artificial.

Com um cerrado foco em aplicações práticas e baseando seus modelos em fontes abertas (open source), os modelos de IA da China possibilitam ampla adaptação às necessidades de cada cliente, de modo a disseminar sua adoção. Em contraste como os modelos ‘proprietários’ de companhias americanas como a Anthropic e a OpenAI, que os vendem a preços relativamente altos, os modelos chineses aliam boa qualidade a preços que podem ser até 17 vezes mais baratos, um atrativo muito importante para clientes geralmente parcos em capital como os do Brasil. Países mais ricos, como o Japão, tampouco se mostram insensíveis a esses diferenciais de preço e customização. O Ministério da Economia, da Indústria e do Comércio japonês, por exemplo, recebe consultoria de um desenvolvedor local que lhe fornece modelos open source baseados no “Qwen” da Alibaba. No mundo inteiro, o Qwen já serve de plataforma a mais de 100 mil modelos derivativos.

Tudo isso dito, para quem se preocupa com o destino da liberdade e da democracia neste admirável mundo novo, a expansão mundial da IA chinesa traz um grave inconveniente: aplicativos desenvolvidos sob a modelagem da DeepSeek produzem respostas ‘censuradas’ a questões que o Partido Comunista da China classifica como politicamente sensíveis, tais como a repressão aos budistas tibetanos ou aos muçulmanos da província de Xinjiang….

Seja como for, as empresas de tecnologia das duas superpotências sabem que aquilo que irá definir a vitória ou a derrota dos seus respectivos modelos será o número de usuários que seus respectivos modelos de IA conquistarão mundo afora.

(**) LIN, Liza et alii, “China is quickly gaining in AI race”, The Wall Street Journal, Wednesday, July 2, 2025 (capa e página A7).