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Venezuela de Maduro vira um vexame internacional para Lula

A atuação do presidente Lula na questão venezuelana fragilizou sua imagem internacionalmente. Ficou evidente que Lula não exerce a influência sobre Nicolás Maduro que muitos acreditavam. A ideia de que o Brasil, como o maior país da América Latina e tradicionalmente um líder regional, poderia mediar a crise na Venezuela foi desafiada pela realidade.

Desde o início, a relação entre Lula e Maduro foi marcada por controvérsias. A primeira eleição de Maduro, ocorrida após a morte de Hugo Chávez, já foi contestada internacionalmente. O próprio Lula gravou vídeos de apoio a Maduro na época, e publicitários que trabalharam nas campanhas do PT participaram diretamente da campanha venezuelana a pedido do presidente brasileiro. Essa eleição, assim como as subsequentes, foi cercada de acusações de fraude, mas Lula e seu governo continuaram a apoiar Maduro, mesmo com as crescentes evidências de que a democracia na Venezuela estava sendo corroída.

Hoje, a situação é ainda mais crítica. Maduro se mantém no poder à força, sem qualquer preocupação com sua reputação internacional. Suas declarações recentes, citando teorias conspiratórias e alegando que o empresário Elon Musk teria invadido as urnas eletrônicas, mostram que ele está mais preocupado em manter o controle pela repressão do que em preservar qualquer aparência de legitimidade.

A falta de influência de Lula sobre Maduro é um problema sério para a diplomacia brasileira. Enquanto Lula se apresenta como um grande líder regional e um possível mediador de conflitos globais, como na Ucrânia e Gaza, sua incapacidade de exercer qualquer influência real sobre Maduro expõe as limitações de sua liderança. O Brasil, que Lula prometeu “trazer de volta” ao cenário internacional, está se mostrando incapaz de resolver até mesmo as questões em seu “quintal”.

Essa situação é um vexame para o governo Lula, que agora tenta desesperadamente encontrar uma solução para a Venezuela, não por uma preocupação genuína com a democracia ou com o povo venezuelano, mas para salvar as aparências. A realidade é que a influência que o Brasil acreditava ter sobre Maduro nunca existiu, e a ausência dessa força está ficando cada vez mais evidente, prejudicando a imagem internacional de Lula e do Brasil.

Depois de esperar atas eleitorais que jamais chegarão, Lula assistiu outros países reconhecendo a derrota de Maduro e tentando uma mediação para a transferência do poder. Resolveu dar outra cartada, a ideia estapafúrdia de novas eleições. Acabou com duas piadas no colo. A primeira é se Lula pretende que a Venezuela faça novas eleições até ele e Maduro gostarem do resultado. A segunda é que ele, vencedor por menos de 1% nas urnas, deveria seguir o próprio conselho e fazer um tira-teima. Poderia ter dormido sem essa.

Lula e a “reeleição” de Maduro na Venezuela

A questão com Maduro representa o maior desafio diplomático que o governo Lula já enfrentou. A resposta de Lula à eleição de Maduro talvez não signifique muito para a Venezuela, onde a situação é complicada, mas é de extrema importância para o Brasil. A maneira como o governo Lula se posicionará indicará o que ele considera ser uma democracia.

É claro que muitos dirão que já sabiam, que Lula sempre demonstrou suas intenções. Mas a situação agora é diferente. Classificar situações diferentes como iguais é um erro, e precisamos evitar sermos dominados por políticos que se aproveitam dessa confusão. No momento, a questão é: o que o governo Lula fará?

Lula conseguiu enviar um emissário para observar as eleições na Venezuela, algo que outros líderes, como Boric, Milei e Lacalle Pou, não fizeram. Lula declarou que se esforçaria para que o processo fosse democrático. No entanto, se seu enviado disser que as eleições não foram democráticas, isso representará uma derrota gigantesca para Lula, colocando-o em uma sinuca de bico.

Até agora, o comunicado do Itamaraty afirmou que o processo foi pacífico, o que contradiz os relatos de prisões, desaparecimentos e mortes. Lula ainda está indeciso sobre qual caminho tomar. Se optar por apoiar Maduro, ele pode se alinhar às grandes ditaduras, mas isso terá um preço alto para o Brasil, incluindo consequências econômicas e políticas.

Os países ditatoriais enfrentam bloqueios e boicotes internacionais que afetam profundamente suas populações. Caso o Brasil se alinhe a essas ditaduras, a população brasileira também sofrerá as consequências, incluindo aqueles que fazem oposição ao governo.

Portanto, a declaração de Lula sobre a Venezuela é crucial para nós. Se ele aceitar a fraude eleitoral na Venezuela, isso indicará os movimentos futuros do Brasil. Não importará se você gosta ou não de Lula; todos nós estaremos nesse barco. A questão agora é: o povo brasileiro tem maturidade para pressionar o governo a não reconhecer como democrática uma eleição fraudada ou preferirá ver o circo pegar fogo apenas para dizer “eu avisei”?

Qual é, afinal, o lado de Lula na invasão da Ucrânia?

Falta clareza no posicionamento internacional do presidente Lula, e o país merece essa clareza. Lula frequentemente afirma que seu único lado na guerra da Ucrânia é a paz, mas suas ações e discursos indicam outra coisa. Ele repete os mesmos argumentos dos aliados de Vladimir Putin, sem nunca responsabilizar diretamente o líder russo pelas atrocidades cometidas, principalmente contra civis.

Lula evita se posicionar contra Putin, nunca chama a invasão de invasão, e trata a guerra como se houvesse dois lados igualmente válidos, ignorando que um lado está invadindo um território sem justificativa. A tradição diplomática do Brasil sempre foi de neutralidade, sendo reconhecido como um país que pode comandar forças de paz. Agora, Lula parece desviar dessa trajetória, sem admitir claramente suas intenções.

O Brasil historicamente não se posiciona de um lado ou de outro em conflitos internacionais, mantendo uma postura de neutralidade. No entanto, Lula não está sendo transparente se pretende mudar essa postura.

No caso da Ucrânia, Lula se posiciona de forma semelhante aos aliados de Putin, ignorando sanções do Tribunal Penal Internacional contra o líder russo. Putin foi condenado por genocídio na Ucrânia por subtrair crianças ucranianas de suas famílias para serem criadas por famílias russas – uma forma de genocídio reconhecida internacionalmente. Lula, no entanto, fala sobre apoiar queixas de genocídio contra Israel, mas nunca chama Putin de genocida.

A postura do governo Lula precisa ser mais clara em relação aos planos internacionais para o Brasil. Lula está se aliando a ditaduras como a Rússia, China e Irã, ao mesmo tempo em que faz um discurso progressista internamente. Essa incongruência precisa ser resolvida. O que será feito? O que é dito no discurso é para acalmar progressistas, ou estamos realmente nos alinhando a blocos geopolíticos que não prezam pelos direitos humanos?

O presidente Lula precisa ser claro sobre isso, pois sua ambiguidade está se arrastando tanto que parece proposital. O Brasil merece saber qual é o verdadeiro posicionamento de seu líder na arena internacional.

Em Defesa da Ucrânia

Em oposição direta ao mundo livre, o Brasil preferiu não assinar a declaração final da Cúpula de Paz realizada na Suíça com objetivo de mobilizar a comunidade internacional pelo fim da invasão da Ucrânia. Assim, nosso país coleciona mais um equívoco na lista de erros cometidos pela nossa política externa, especialmente em um momento que os países democráticos deveriam se unir em prol do respeito às regras internacionais e a estabilidade das relações entre as nações.

O comunicado final do encontro “reafirma a integridade territorial” de Kiev e apela à troca completa de prisioneiros de guerra, bem como o regresso das crianças deportadas da Rússia. Os pontos são claros, justificados e objetivos. Isso explica a razão de 84 países terem firmado o documento, incluindo neste rol a Comissão Europeia, Conselho da Europa e o Parlamento Europeu. O resultado deixou muito claro uma cisão entre as nações democráticas e aquelas que flertam com o autoritarismo e suas derivações.

O Brasil perdeu uma grande oportunidade de reorientar sua bússola moral na esfera externa. Nosso país rejeitou o convite suíço pelo fato de a cúpula não ter a participação da Rússia, a nação agressora que invadiu de forma ilegal a Ucrânia. Ao adotar tal postura, indiretamente, o Brasil adota a narrativa russa, perfilando-se ao lado dos interesses do Kremlin, em claro confronto com a ampla maioria da comunidade internacional. 

Além do Brasil, que participou do evento como observador, Cuba, Nicarágua, Venezuela, El Salvador, Haiti, Indonésia, Índia, África do Sul, Honduras, Bolívia, México e Arábia Saudita não assinaram a declaração final. Todos são ditaduras, governos autoritários ou simplesmente autocráticos e países parasitados por regimes populistas. Certamente não causa qualquer surpresa que nossos colegas de BRICS estejam nesta lista.

A divisão entre signatários do documento e aqueles que preferiram ficar de fora expõe o atual estado de coisas, ou seja, o conflito entre países democráticos e aqueles que flertam ou vivem em nações autocráticas e autoritárias. Há um claro alinhamento de diversos países sob a liderança de Rússia e China de um lado, enquanto de outro nações democráticas, sejam de direita ou esquerda, estão perfiladas aos valores defendidos e liderados pelos Estados Unidos e União Europeia.

Existem movimentos coordenados claros entre estes eixos de liderança e infelizmente tudo leva a crer que o Brasil, além de deixar de pensar em si, segue uma política clara de subserviência a um dos lados. Desde o governo passado, mediante um apoio indireto ao governo russo, passando pelo atual, em alinhamento silencioso, tudo indica que para além da direita ou esquerda, nosso país trilha um caminho pouco virtuoso, longe do convívio sadio com outras democracias.

A defesa da integridade territorial da Ucrânia é peça fundamental do tabuleiro de poder internacional, pois sua queda pode resultar no desmonte da sustentação do concerto europeu com o avanço russo de forma inequívoca para o continente. Cabe a todas as democracias unirem-se neste esforço para que a estabilidade global permaneça intacta sem qualquer movimento em suas placas tectônicas. Ao desequilibrar este conceito, a ingenuidade e a malandragem de certas nações podem colocar o mundo em uma situação cada vez mais delicada.

Contra os direitos humanos: Brasil em defesa da Rússia e do Irã

A diplomacia brasileira cometeu mais duas ignomínias: na última quinta-feira, 4 de abril, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Brasil absteve-se na votação sobre a extensão do inquérito sobre crimes de guerra na Ucrânia e sobre a violação de direitos das mulheres no Irã.

Apesar das covardes e indecentes abstenções do Brasil, felizmente ambas as resoluções foram aprovadas. Não podemos, porém, deixar que o nosso país se preste a ser o anteparo diplomático dos regimes mais opressores do mundo sem expor e criticar tal hipocrisia.

Diplomacia lulista em defesa da Rússia

Em seu perfil do X, o diplomata, doutor em ciências sociais e escritor Paulo R. de Almeida adjetivou de “escabrosa” e “um acinte completo”, a justificativa apresentada pela delegação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos para não apoiar as investigações sobre violações cometidas pela Rússia na Ucrânia.

O representante do Itamaraty admitiu o deslocamento forçado de crianças ucranianas e o ataque a civis, mas julgou a resolução “desequilibrada.”

Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, declarou que o país manifesta “profunda preocupação” com a situação na Ucrânia, “particularmente com as alegadas violações envolvendo crianças deslocadas e deportadas, ataques a civis e o crescente número de mortes. No entanto, permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região.

O que se pode inferir da mal formulada crítica do representante brasileiro à resolução do Conselho da ONU é que o Brasil estaria descontente porque o texto não condena também a Ucrânia por ter sido invadida, por ter seus civis assassinados, suas mulheres estupradas e suas crianças sequestradas.

Como se não bastasse, o embaixador brasileiro também criticou o texto da resolução por mencionar as iniciativas jurídicas contra a Rússia no Tribunal Penal Internacional e na Corte Internacional de Justiça. Segundo o embaixador de Lula, as menções seriam “prejudiciais” ao diálogo.

O governo de Lula, como bem explicou Carlos Graieb, está se esmerando em uma diplomacia assassina, desmontando os mecanismos de dissuasão de que o mundo dispõe contra perpetradores dos piores crimes: “Lula transformou o Itamaraty em escritório de advocacia de todos os tiranos que atropelaram os direitos humanos nas duas últimas décadas. Pôs a diplomacia brasileira a serviço de açougueiros que planejam e executam as piores atrocidades mundo afora”, escreveu Graieb, aqui em O Antagonista.

Enquanto o mundo livre se alarma com as irresponsáveis ameaças nucleares de Putin e se prepara para as consequências de uma vitória russa sobre a Ucrânia e de um possível ataque russo contra a Otan, Lula se prepara para receber o ditador megalomaníaco no Brasil com tapete vermelho, por ocasião da reunião de cúpula do G20, que ocorrerá em novembro.

Diplomacia lulista em defesa do Irã

No que concerne à resolução que estende as atividades do relator especial da ONU no Irã na investigação da violação de direitos contra mulheres, crianças e minorias étnicas, o embaixador brasileiro, Tovar da Silva Nunes, justificou a abstenção do Brasil alegando que o governo iraniano estaria cooperando com as investigações iniciadas em 2022.

Em 2022, como se sabe, a jovem iraniana, Mahsa Amini, de 22 anos, foi detida e espancada pela polícia moral do Irã por usar de forma inadequada o hijab, véu para cobrir a cabeça, de uso obrigatório, segundo a lei islâmica. Ela morreu sob custódia policial, ou seja, foi assassinada pelo regime teocrático que o Brasil acaba de defender na ONU.

Sua morte desencadeou uma onda de protestos em todo o Irã e sua imagem tornou-se um símbolo de resistência feminina contra a opressão. Parte da população, desafiando o regime teocrático do aiatolá Ali Khamenei, saiu às ruas entoando o slogan “mulheres, vida e liberdade”.

Como reação aos protestos, “todo o aparelho do Estado foi mobilizado com as forças de segurança utilizando armas de fogo, resultando em feridos e mortes”, disse Sara Hossain, presidente da Missão Internacional de Apuração de Fatos sobre o Irã, dirigindo-se ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.

A Missão Internacional concluiu que ocorreram, na ocasião, cerca de 551 mortes, sendo pelo menos 49 mulheres e 68 crianças.

Sara Hossain disse também que muitos manifestantes “removiam o seu hijab em locais públicos como um ato de desafio contra leis e práticas discriminatórias de longa data” e que “as forças de segurança dispararam contra os manifestantes e também contra os transeuntes a distâncias muito curtas e de forma direcionada, causando ferimentos nas cabeças, pescoços, troncos, áreas genitais, mas particularmente nos olhos” e acrescentou: “descobrimos que centenas de manifestantes sofreram ferimentos que mudaram suas vidas, com muitos deles agora cegos.

Contrariamente ao que alegou o embaixador brasileiro, a Missão afirmou que não houve cooperação alguma por parte do governo iraniano, mas que, apesar disso, conseguiu recolher mais de 27.000 elementos de prova.

O Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos no Irã também apresentou o seu relatório. Dentre as violações mais graves registradas, Javaid Rehman destacou o aumento nas penas de morte e execuções, incluindo crianças, além de repressão contínua aos direitos das mulheres.

O Brasil admitiu a existência de pena de morte contra crianças no Irã e até esboçou alguma preocupação com isso, mas, em nome do diálogo construtivo com os infanticidas e feminicidas, resolveu se abster:

O Brasil continua muito preocupado com a aplicação da pena de morte no país, inclusive contra crianças”, declarou o embaixador brasileiro, mas acrescentou: “Ao entender que o Irã se esforçará para melhorar a situação dos direitos humanos e baseado no espírito construtivo, o Brasil se abstém.

Não há indício algum de que o Irã passará a se preocupar com direitos humanos, simplesmente porque essa noção não faz parte da sua visão de mundo fundamentalista. O Irã é uma teocracia que aplica a lei islâmica contra indivíduos sob acusações vagas. Não há direitos individuais, logo não há direitos humanos. No Irã é crime insultar o profeta, ter relações homossexuais, cometer adultério, consumir álcool ou deixar de usar um maldito véu. E o Estado pode te matar por causa disso.

A única coisa da qual o Irã deu indício nos últimos dias é que está disposto a entrar em guerra contra Israel. Após um ataque ao consulado iraniano na Síria, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, ameaçou: O perverso regime sionista será punido pelos nossos homens corajosos.”

Se a terceira guerra mundial se iniciar, o Brasil – graças aos esforços de Lula e seus assessores internacionais – já estará devidamente alinhado com eixo do mal.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Lula: cai a máscara democrática de um tirano

Lula tem uma habilidade ímpar de transmutar seu discurso ao gosto do ouvinte, adequando-o ao público que o ouve. É um príncipe. O príncipe, de Maquiavel. Aquele que não tem rigidez moral, mas se move de acordo com as circunstâncias. A ética, para ele, não é uma camisa de força como o é para os tolos que tentam efetivamente agir com retidão e justiça e, tendo isso em vista, agem dentro de determinados parâmetros, sem abrir mão de princípios.

Lula e seus asseclas estão de volta ao poder porque, para eles, o poder sempre foi a meta. Eles são mais eficientes na sua conquista porque não impõem restrições morais a esse objetivo. Para voltar ao poder no Brasil, foi necessário colocar a máscara do democrata. Tarefa difícil para quem, além de ter sido condenado por corrupção, deu apoio político e financeiro aos regimes ditatoriais de esquerda da América Latina.

O figurino de democrata só voltou a colar porque surgiu um palhaço maior na República que, não tendo o ardil de esconder seu pendor antidemocrático, seduziu, com a retórica inflamada dos loucos, aqueles que já estavam saturados do teatro petista de décadas.

O tal “Sul global”

pomposa cerimônia do 8 de janeiro   – que comemorou uma democracia supostamente inabalada e ungiu Lula como seu defensor perpétuo – deu a ele a confiança necessária para pôr de lado a incômoda fantasia. Ciente do êxito do espetáculo e da força do conluio que o sustém, Lula pode agora passar para uma nova fase na qual sua lógica ideológica e pendor autoritário não precisam de justificação.

O endosso formal de Lula à infundada acusação de que Israel está cometendo genocídio mostra que ele já não se importa em ser visto por todo o mundo livre como mais um populista inconsequente. Ele não se importa porque acredita que pode liderar o tal “Sul global”, um bloco formado por ditadores e autocratas, que, sob a bandeira do vitimismo, tentam confrontar o Ocidente.

A atitude foi tão despropositada e tão contrária à tradição diplomática brasileira que conseguiu a proeza de fazer com que EstadãoO Globo e até mesmo a Folha de S.Pauloescrevessem editoriais criticando-a. 

Para o Estadão, a denúncia contra Israel por genocídio, apresentada à Corte Internacional de Justiça (CIJ) pela África do Sul e endossada pelo Brasil, “não leva em conta o fato de que Israel foi atacado por um grupo terrorista cuja missão declarada é exterminar os judeus”, portanto, explica o jornal, “não tem bases fáticas e jurídicas sólidas”.

A banalização do genocídio

A acusação de que Israel — o país que foi fundado para oferecer segurança aos judeus depois que 6 milhões deles foram exterminados pelo nazismo — estaria cometendo genocídio é extremamente grave. Ela banaliza o termo, uma tipificação de crime que foi criada justamente como “resposta da comunidade internacional à dimensão extraordinária do Holocausto”, lembra o jornal.

A argumentação do editorial O Globo segue o mesmo tom duramente crítico: “Ao atender ao pedido do embaixador palestino no Brasil, Lula viola a tradição de equilíbrio da diplomacia brasileira, banaliza uma acusação que só deveria ser feita com a maior parcimônia, em atitude que fortalece a vertente mais insidiosa do antissemitismo contemporâneo“.

Folha de S.Paulo, por sua vez, expõe o duplo padrão moral de Lula: 

“Relatório recente da Human Rights Watch aponta a oscilação de líderes mundiais quando se trata de condenar violações dos direitos humanos. Eles tendem a fazer vista grossa quando os perpetradores são governos aliados e a carregar nas tintas contra adversários. Um dos criticados pela organização global, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acaba de oferecer novo subsídio para a tese.”

O mundo passa por uma grande turbulência. O presidente americano, Joe Biden, em discurso de apoio a Israel, logo após o início da guerra, fez a seguinte declaração: “O Hamas e Putin representam ameaças diferentes, mas têm algo em comum: ambos querem aniquilar completamente uma democracia vizinha”.

Como entender que um presidente que quer se passar por democrático coloque o Brasil não ao lado das democracias ameaçadas por grupos terroristas e por tiranos, mas ao lado dos que as querem exterminar? 

Como interpretar o descaso de Lula pelo acordo Mercosul-União Europeia e o seu empenho com o BRICS no qual se congregam os países mais liberticidas e antidemocráticos do mundo senão como a deposição da máscara de democrata e a assunção da essência de um tirano?

Rotas do petróleo e o conflito Israel-Hamas

As grandes potências e as potências regionais estão tendo um comportamento comedido em relação ao conflito entre Israel e o Hamas, com exceção dos Estados Unidos e do Reino Unido, que enviaram forças tarefas navais para a região.

A Rússia, que está preocupada com a guerra contra a Ucrânia e vem lutando para superar os problemas causados pelas sanções, procura não se envolver no atual conflito no Oriente Médio. A Rússia tem presença forte na Síria e apoia militarmente o regime sírio, ameaçado desde 2011, no contexto da Primavera Árabe. Aumentando a complexidade do problema do Oriente Médio, Israel revidou ataques de milicianos iranianos em território sírio, e os EUA, que têm três mil soldados na Síria, também reagiram a ataques a seu pessoal militar no país.

Os americanos e os britânicos, por sua vez, embora manifestem sua lealdade a Israel e contribuam com o fornecimento de equipamentos bélicos e informações, não pretendem se engajar em operações de combate. Ademais, têm procurado exercer uma função moderadora em relação à intensidade dos ataques de retaliação de Israel em Gaza, pois as perdas de civis têm sido elevadas e têm causado uma onda de mal estar e protestos contra os israelenses na comunidade internacional.

Apesar da rivalidade com Israel, a liderança do Hezbollah, organização política e militar sediada no Líbano, tem se contido e evitado declarar guerra aberta contra os judeus.

Um fator que pode levar a uma maior intensidade da crise diz respeito aos ataques dos rebeldes Hutis do Iêmen contra navios de várias bandeiras, incluindo porta containers, cargueiros, e principalmente petroleiros que trafegam pela costa iemenita. Os Hutis são financiados pelo Irã xiita, ao passo que o Governo iemenita é apoiado pela sunita Arabia Saudita.

Os ataques hutis têm feito que as embarcações dos principais armadores do mundo deixem de utilizar a rota que passa pelo canal de Suez e passem a utilizar a rota via que circunavega o continente africano pela Cidade do Cabo na África do Sul, caminho mais longo e com maiores custos operacionais. A empresa petrolífera britânica BP e a transportadora dinamarquesa Maersk, uma das maiores operadoras de contêineres do mundo, já utilizam a via do Cabo, com significativo aumento de despesas, o que se reflete na elevação do preço dos fretes.

Embora o aumento de custos se reflita nos preços do petróleo e do transporte de outras mercadorias, não se verificou, pelo menos por enquanto, um pânico no mercado do petróleo e do gás, tal como ocorreu na crise do petróleo de 1973, na esteira da Guerra do Yom Kippur, que afetou a economia mundial e atingiu fortemente o Brasil. Na ocasião, o governo brasileiro reagiu prontamente e foi pioneiro na busca de combustível alternativo, instituindo o Proálcool; atualmente, o etanol é fabricado em larga escala no país. Apesar de a nossa dependência energética do exterior ter diminuído consideravelmente, e a produção nacional de petróleo ter aumentado muito, ainda importamos petróleo devido à deficiência de refino. Ademais, nossa economia é fortemente dependente do transporte rodoviário.

As ameaças às rotas marítimas no Oriente Médio causam distúrbio em vários fluxos de comércio, prejudicando as chamadas cadeias globais de produção e distribuição, o que pode prejudicar o Brasil. Com uma economia que se apoia principalmente nas exportações de commodities (sobretudo produtos agrícolas e minerais), o Brasil é dependente de importação de fertilizantes e, para tanto, carece de vias marítimas seguras. No setor industrial, temos a importação de componentes eletrônicos de alta tecnologia, que também podem sofrer com perturbações nas rotas oceânicas, a depender da evolução da situação no Oriente Médio.

Embora atualmente a preocupação imediata seja o suprimento de petróleo, potencialmente o conflito Israel-Hamas pode vir a nos prejudicar em várias áreas da economia. Neste momento, cabe à diplomacia brasileira obter e processar informações sobre os vários cenários possíveis no desenvolvimento da crise, e o governo deve preparar planos de contingência para enfrentar os perigos que podem advir nesses cenários.

A disputa entre a Venezuela e a Guiana pela região do Essequibo. Há risco para o Brasil?

“É muito bom discutir acordos tendo por trás de si uma esquadra com credibilidade”. A frase proferida há mais de um século por José Maria da Silva Paranhos Júnior, patrono da diplomacia brasileira, ressoa no Itamaraty e nas Forças Armadas. A constatação do Barão do Rio Branco serve de alerta às autoridades pátrias de que Estados precisam ser fortes para defender a paz, motivo pelo qual é preciso agir de forma concertada e tempestiva diante de um iminente conflito entre a Venezuela e a Guiana por Essequibo, região que representa aproximadamente 70% do território guianense. A disputa por Essequibo, área da Guiana rica em petróleo e minérios que margeia a fronteira com o território venezuelano, é o estopim de uma desavença que pode transbordar os limites de ambos os países e representar risco às fronteiras setentrionais do Brasil.

O polêmico atrito envolvendo o Essequibo remonta ao século XIX. A região fazia parte da chamada capitania geral da Venezuela, durante o domínio espanhol, e passou a integrar o novo país após a independência da Venezuela em 1811. Em 1814, a Holanda cedeu formalmente aos britânicos o controle da área que viria a ser a Guiana inglesa, mas o acordo não trazia uma definição acerca da fronteira ocidental com a Venezuela. Cerca de vinte anos depois, o governo britânico começou a delimitar essa região e reivindicou Essequibo, o que levou os venezuelanos a denunciarem o Império Britânico por violação a sua soberania. Em 1899, uma arbitragem internacional em Paris proferiu decisão majoritariamente favorável aos britânicos, porém o laudo arbitral foi considerado fraudulento pela Venezuela, porquanto envolvia dois árbitros britânicos, dois norte-americanos (sendo um deles indicado pela Venezuela) e um russo (indicado pelos quatro anteriores). Quando a Guiana conquistou sua independência, em 1966, Venezuela e Reino Unido assinaram um tratado no qual reconheceram a existência de uma controvérsia pendente. Essequibo ainda integra o território da Guiana, mas o governo de Caracas deseja resolver a controvérsia de forma unilateral, em proveito de seu país e à revelia do direito internacional.

A disputa pela cobiçada região do Essequibo ganhou novo capítulo com a realização, pelo presidente venezuelano Nicolás Maduro, de referendo popular acerca da anexação, pela Venezuela, daquela área rica em reservas petrolíferas. É provável que a deterioração das condições econômicas na Venezuela tenha instigado Maduro a apostar em uma disputa internacional com o objetivo de desviar a atenção dos problemas domésticos e fortalecer-se politicamente por meio do estímulo ao sentimento nacionalista entre os venezuelanos.

Na votação de 3 de dezembro, os eleitores aprovaram as propostas da consulta, que incluem a criação do “Estado de Guiana Essequiba” como parte do território da Venezuela, além de um plano para conceder cidadania venezuelana aos seus habitantes. Após o resultado favorável, Maduro apresentou o novo mapa daquele país, onde a área do Essequibo aparece anexada ao território venezuelano, e anunciou a criação de uma “Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba”. Ademais, um general do exército foi designado provisoriamente como a única autoridade daquela área.

A Guiana tem um exército de apenas 3,4 mil soldados, com infraestrura e equipamentos defasados e precários, ao passo que a Venezuela conta com mais de 120

mil militares na ativa, 220 mil paramilitares e equipamentos bélicos russos e chineses. Essa enorme disparidade militar provavelmente influenciou o cálculo estratégico de Nicolás Maduro e seu projeto de expansão. O episódio reforça a constatação de que, por mais estáveis que sejam as relações interestatais em tempos de paz, o poderio militar- estratégico de um país serve como um garante de sua soberania, atuando como mecanismo de contenção e dissuasão contra possíveis ações hostis por parte de nações estrangeiras. A vulnerabilidade bélica de um Estado, em contraste, pode incentivar a cobiça dos vizinhos. Trata-se de um desdobramento prático do brocardo “si vis pacem para bellum”.

O presidente Nicolás Maduro terá reunião bilateral com o presidente russo Vladimir Putin, em Moscou, com data ainda a ser definida. No encontro, o governo da Venezuela deve solicitar à Rússia apoio político e militar a sua reivindicação territorial. As relações Venezuela-Rússia fortaleceram-se nas últimas décadas, na esteira da oposição do governo dos EUA ao regime do ex-presidente Hugo Chávez e das sanções do governo americano ao país sul-americano. Os russos passaram a fornecer equipamentos militares modernos e a realizar exercícios militares conjuntos com a Venezuela, o que lhes permitiu estabelecer uma cabeça de ponte na América do Sul. A Rússia tem ocupado o vácuo de poder deixado pelos EUA no país e tem interesse em fortalecer alianças globais no contexto de recrudescimento da rivalidade com os norte-americanos causado pelas posições antagônicas na guerra na Ucrânia iniciada em 2022.

A histórica controvérsia envolvendo Essequibo havia sido enviada à Corte Internacional de Justiça (CIJ), o tribunal da ONU responsável por julgar disputas entre Estados nacionais, ainda em 2018. A Guiana chegou a pedir ao tribunal uma decisão cautelar de urgência para impedir a realização do referendo venezuelano. Em resposta, a Corte da Haia ordenou, na sexta-feira anterior à votação, que a Venezuela se abstivesse “de qualquer ação que altere a situação que prevalece no território em disputa, que a Guiana administra e controla”. No entanto, a CIJ não proibiu a realização do referendo, como pleiteavam os guianenses.

Diante de uma possível invasão e anexação venezuelana, o governo de Irfaan Ali, presidente da Guiana, vem intensificando gestões diplomáticas para tentar obter proteção. Além do apoio firme dos Estados Unidos, o governo da Guiana tem recorrido aos vizinhos sul-americanos e espera, sobretudo, uma postura de liderança do Brasil. O Brasil, que é uma potência regional e tradicionalmente consegue resolver problemas fronteiriços por meio de negociação e mediação, deveria exercer um papel importante na solução do conflito, por meio de sua diplomacia. O fato de ter fronteira com os dois países em litígio reforça a necessidade de o governo brasileiro exercer sua influência e liderar o caminho para a paz.

Urge não deixar que se chegue a uma situação mais grave, pois há claro interesse do governo venezuelano, imerso em difícil situação econômica, em realimentar a situação de tensão para usar a Guiana como inimigo externo e mobilizar a população, como já tem feito. A reunião entre os presidentes da Guiana e Venezuela prevista para breve seria uma boa oportunidade para o Brasil exercer a função moderadora que lhe cabe.

O Mercosul, por sua vez, demonstrou preocupação com a situação e emitiu comunicado conjunto no qual seus integrantes, além de Chile, Equador, Colômbia e Peru, manifestaram “profunda preocupação” com os desdobramentos da contenda entre

Venezuela e Guiana. O Brasil, que ocupa atualmente a presidência pro tempore do bloco, articulou politicamente a declaração dos países sul-americanos.

O conflito envolvendo Venezuela e a Guiana gera preocupação no Brasil, uma vez que a área em disputa se situa ao lado de Roraima, o que coloca em risco a integridade territorial brasileira. Como a região que liga a Venezuela a Essequibo é de densa floresta, uma possível intervenção militar da Venezuela contra a Guiana poderia ocorrer pelo norte (acesso pelo mar) ou pelo sul, atravessando o estado brasileiro de Roraima. A apreensão do governo brasileiro com uma possível transgressão fronteiriça, em violação de sua soberania, é intensificada pelo fato de que a invasão aconteceria em reserva indígena, a Raposa Serra do Sol, o que agrega complexidade política ao caso.

A tensão próxima a Roraima levou o exército brasileiro a reforçar as tropas naquele estado, com o envio de soldados e veículos blindados, elevando o número de militares no trabalho de patrulha e fiscalização na região de Pacaraima, município de Roraima mais próximo da Venezuela. Essa retaguarda militar é essencial enquanto o governo brasileiro exorta as partes em disputa a buscarem um deslinde pacífico para a questão.

Na cidade de Lisboa, capital de Portugal, há uma estátua que representa a diplomacia. Trata-se de uma figura feminina, com semblante sereno, que segura uma espada na mão esquerda e aponta uma pilha de livros e pergaminhos com a mão direita. O simbolismo da obra é perfeito para ilustrar o caso de Essequibo: o serviço exterior de um país deve orientar-se pelas normas do direito internacional e dos acordos pacíficos, porém não pode descuidar da garantia proveniente das armas para defender a justiça.

Alegoria à Diplomacia, de Maximiano Alves (1888-1954).

A estátua localiza-se na Sala das Sessões do Palácio de São Bento, sede do parlamento português em Lisboa, Portugal.

Fonte: https://app.parlamento.pt/visita360/pt/

Brasil-Argentina. Geopolítica na América do Sul

Às vésperas da posse do novo presidente argentino Javier Milei, cabe lembrar uma das mais audazes e bem sucedidas ações estratégicas da nossa diplomacia, pela qual o Brasil logrou superar uma rivalidade histórica que era ameaça constante à paz e à estabilidade na América do Sul. Na década de 1980, o Brasil tomou a iniciativa de aproximar-se da Argentina, seu tradicional adversário.

 A rivalidade entre brasileiros e argentinos data mesmo dos tempos coloniais, quando as Coroas portuguesa e espanhola buscavam a ocupação da América do Sul, e agravou-se com a Guerra da Cisplatina, de 1825 a 1828, na qual o Brasil, já independente, lutou contra as Províncias Unidas do Rio da Prata, que viriam a formar a Argentina. A antiga província brasileira da Cisplatina foi perdida, e, em 1825, o Império Britânico, com fortes interesses econômicos na Argentina e no Uruguai e também interessado na livre navegação do Rio da Prata, patrocinou a independência do Uruguai, com a intenção de estabelecer um buffer state, ou estado tampão, no território do Uruguai – que foi chamado de “um algodão entre dois cristais”.

 Potências regionais que disputavam a hegemonia na América do Sul, o Brasil e a Argentina alimentavam uma rivalidade acerba. As forças armadas dos dois países mantinham importantes guarnições na fronteira, e os planos de estado maior dos militares dos dois países contemplavam sempre a hipótese de guerra. 

 Na década de 1970, o Brasil teve uma fase de crescimento acelerado de sua economia, ao passo que a Argentina, apesar de contar com uma agricultura pujante e com uma indústria relativamente avançada, sofria crescentemente com as consequências de medidas populistas que vinham sendo adotadas desde o peronismo na década de 1940.

A aceleração do crescimento do Brasil e a decadência argentina trouxeram a percepção de que, do ponto de vista econômico, o equilíbrio entre as duas potências regionais estava rompido, na medida em que o Brasil tomava a dianteira. Essa percepção tornou-se mais aguda no serviço diplomático brasileiro, onde se percebeu que o momento era propício a uma aproximação entre os dois países, embora os militares ainda continuassem com a convicção de que a Argentina era o nosso principal oponente.

No início dos anos oitenta, a diplomacia pátria elaborava estratégia para uma aproximação com a Argentina. Essa estratégia baseava-se na construção de uma rede de interesses comuns, fazendo que as áreas de concordância sobrepujassem os pontos de atrito e divergência. Buscou-se, ao mesmo tempo, diminuir a resistência das forças armadas a uma distensão com o país que consideravam potencial inimigo.

A reaproximação bilateral levou a um histórico encontro entre o presidente do Brasil, José Sarney, e o da Argentina, Raúl Alfonsín, em 30 de novembro de 1985. Na reunião, que ocorreu na fronteira entre Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú, Sarney e Alfonsín assinaram a “Declaração do Iguaçu”, base para o início de uma nova era de integração regional. Os chefes de Estado assinaram, ainda, a “Declaração Conjunta sobre Política Nuclear”, na qual as duas nações concordaram com o desenvolvimento pacífico de tecnologia nuclear conjunta.

O aprofundamento da chamada “diplomacia das cataratas”, por meio dos acordos diplomáticos em Iguaçu, consistiu em um marco do rapprochement, ou reaproximação, entre as duas potências regionais, que deixavam para trás a rivalidade histórica. Houve, no entanto, a necessidade de tomar diversas medidas para construir uma confiança mútua e sólida, as chamadas confidence building measures, pois o nível de suspicácia entre o Brasil e a Argentina estava em nível elevado e eram necessárias iniciativas que elevassem o grau de confiança entre as nações vizinhas. Entre as iniciativas, a mais importante foi a abertura de informações recíprocas sobre os programas nucleares das duas potências regionais, o que resultou na criação da Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade de Material Nuclear (ABACC). Essa medida contou com a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), das Nações Unidas, o que serviu para dar mais legitimidade ao arranjo, cujo objetivo precípuo era o de promover aproximação e confiança recíproca. 

A seguir tivemos, no cenário internacional, a derrocada da União Soviética e o fim da Guerra Fria, acontecimentos que abriram espaço para a aceleração da globalização. Nesse contexto, o governo brasileiro envidou esforços para a criação de uma zona de livre comércio Brasil-Argentina. Esse mecanismo de abertura comercial, a princípio restrito às trocas entre as duas potências sul-americanas, chamou a atenção dos vizinhos do Cone Sul, o Uruguai e o Paraguai. Outrora rivais históricos, os dois países solicitaram formalmente sua adesão à área de livre comércio, para não ficarem à margem da união entre as duas maiores economias da América do Sul.

Como consequência da aproximação diplomática entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, os quatro países assinaram, em 1991,  o Tratado de Assunção, que deu origem ao Mercosul, o Mercado Comum do Sul. Embora o Mercosul tenha enfrentado várias dificuldades, algumas como consequência da diversidade da dimensão das economias que o integram, outras derivadas dos entraves normais em todo processo de integração econômica, sua existência simboliza a paz na América do Sul, que algum tempo atrás estivera ameaçada por risco real de guerra entre as potências regionais.

A iniciativa diplomática do Brasil de se aproximar da Argentina a partir da década de 1980, neutralizando uma potencial e acirrada rivalidade, tem contribuído, desde então, para a paz e a estabilidade na América Latina como um todo. A superação da rivalidade histórica entre ambos não somente evitou um confronto bélico que seria destrutivo para o Cone Sul, como também representou o embrião de um projeto muito mais amplo de integração regional, o qual, por meio do chamado spillover effect, irradiou seus efeitos para o entorno geográfico, atraindo as parcerias de Paraguai e Uruguai, além de servir como base para novas iniciativas e arranjos de concertação política e econômica na região.