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Sarajevo, 2023

Em 1914, Sarajevo assistiu incrédula a um ato de terrorismo, o assassinato daquele que provavelmente seria o próximo Imperador da Austro-Hungria, Franz Ferdinand. A morte do Arquiduque levou a Europa a um processo que acabou por desencadear aquela que ficou conhecida como “A Grande Guerra”, depois rebatizada de “1º Guerra Mundial”. Pouco mais de um século depois, vivemos o mesmo drama.

A ação terrorista do Hamas contra Israel tem potencial para significar algo muito similar ao assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro. Isto significa que uma cadeia de apoios e alianças entre aliados e opositores, em ambas as partes, tem potencial para atingir uma escala muito maior do que é desenhado até o momento. Assim como nas semanas pós-Sarajevo, vivemos tempos que podem prenunciar um conflito de maior dimensão.

O ataque do Hamas contra Israel foi desenhado longe de Gaza e certamente tem digitais iranianas, mas passa também pela Síria, Hezbollah e as conexões de todos com Moscou. Vemos uma clara cadeia que passa por aliados que possuem interesses em comum e usam Israel como vértice de uma estratégia que visa mudar as placas de estabilidade da geopolítica internacional como conhecemos.

Os contornos do ataque terrorista do Hamas estão conectados ao desejo iraniano de evitar o avanço dos acordos celebrados por Israel com diversos países muçulmanos e que inevitavelmente chegaria aos sauditas em pouco tempo. O Irã deseja o controle regional, enquanto os russos desejam um novo front de batalha para o Ocidente e o Hamas, como milícia, atinge o objetivo de atacar Israel. Tudo muito bem calculado.

O risco, entretanto, é enxergar o conflito sair do controle, com envolvimento direto das forças ocidentais na batalha, o que obrigará Irã e Rússia também a entrarem de forma oficial na guerra. Um conflito de escala regional, cresceria para uma frente continental, envolvendo a Ucrânia, impulsionando o surgimento de golpes e revoltas em países satélites, em especial na África, enquanto a Europa, refém dos extremistas, pode experimentar a face mais perigosa do terror, gerando insegurança e medo às vésperas das Olimpíadas de Paris.

Isto não significa uma previsão, mas um risco que precisa ser calculado, especialmente em períodos sombrios como este que vivemos, onde casas e negócios de judeus já surgem marcados com a estrela de Davi na Alemanha e Rússia quase oito décadas após o final da 2ª Guerra Mundial. Um período onde o antissemitismo criminoso fantasiado de apoio palestino perdeu a vergonha e tomou as ruas de diversas capitais do mundo.

Até o momento, os mecanismos internacionais se mostraram mais uma vez ineficazes diante dos jogadores do poder global, uma impotência que pode custar muito caro. O risco de envolvimento mundial no conflito é real e isto pode levar o mundo para uma escalada inimaginável da guerra, assim como ocorreu em 1914, com o assassinato do Arquiduque, por mais que muitos considerassem o risco como ingenuidade. A cadeia de acontecimentos de 2023, iniciada com a carnificina do Hamas em Israel, tem potencial para envolver as grandes potências e levar a geopolítica internacional a um conflito de escala global.

Verdade Inconveniente

Ao contrário do que muitos pensam, a realidade política que se desenha por trás do ataque do Hamas está muito além das análises realizadas nestes primeiros dias. Aquilo que está em jogo é um movimento da geopolítica internacional da qual o grupo terrorista é apenas um instrumento para desestabilizar os pilares institucionais internacionais como conhecemos. A causa palestina, usada como cortina de fumaça, se tornou apenas um peão neste jogo de xadrez que se colocou em movimento.

O Hamas é uma milícia que realizou um golpe para chegar ao poder na Faixa de Gaza, expulsando os grupos ligados a OLP – organização legítima que controla a Cisjordânia e celebrou os acordos de Oslo. O Hamas, portanto, jamais teria capacidade de colocar em marcha um ataque desta envergadura como vimos nos últimos dias. O grupo terrorista é uma milícia que precisaria necessariamente de respaldo e apoio externo para atos tão ousados. Jamais agiria sem conhecimento de atores como Rússia, Síria e Irã. Diante desta realidade e analisando o movimento geopolítico, todos os indícios levam ao Irã em um primeiro plano e a Rússia em segunda escala como partícipes do massacre.

Na verdade, o ato do Hamas teve um claro objetivo que vai muito além de atacar de forma covarde a população civil de Israel. A ação foi no sentido de provocar uma guerra de larga escala no Oriente Médio para assim consolidar Irã e Rússia como poderes hegemônicos na região. Sabemos que Putin há tempos vem selando laços profundos com os atores deste cenário e que Teerã, principal força xiita, deseja impor seu domínio.

Uma delegação do Hamas viajou duas vezes a Moscou no ano passado para encontros com a cúpula do governo Putin. A promessa russa foi clara: “trabalhar para enfraquecer o Ocidente”. As conexões da milícia, que começam no Oriente Médio, estão muito além da região e se encaixam perfeitamente com o caos provocado por seus ataques. 

Entretanto, Israel também vinha se mobilizando no cenário político internacional, selando acordos com países árabes. Desde 2020, Israel firmou os chamados Acordos de Abraão com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão e estava diante de um acerto histórico com a Arábia Saudita, que teria reflexos negativos para a estratégia iraniana, uma vez que tinha potencial para remodelar o equilíbrio de forças no Oriente Médio. Os ataques terroristas perpetrados pelo Hamas tentam isolar Israel neste jogo.

Como vemos, a recente carnificina de civis em Israel não possui qualquer relação com a defesa da causa palestina. Suas práticas distanciam os palestinos de seu objetivo como nação. Ao agir como testa de ferro do Irã, o Hamas usa a causa palestina como falsa justificativa para ataques que servem unicamente aos interesses dos aiatolás, tornando-se um braço armado por Teerã para atacar Israel e desestabilizar a região.

Isso explica por que a resposta em Gaza, está além de atingir o Hamas, pois tem como claro objetivo enviar um recado para Teerã. Este será apenas o primeiro capítulo de reação israelense. Outros grupos e até países entraram na mira de Israel.

Estamos diante de um movimento profundo da geopolítica mundial, um realinhamento de forças, uma ação orquestrada e com respaldo profundo de grandes potências. Isto significa que a reação de Israel, a única democracia da região representa muito mais do que a simples defesa de seu território. O país, na verdade, está lutando por todo Ocidente.