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Foto: ANAS BABA/GETTY IMAGES

Israel X Hamas e o macro cenário internacional 

A compreensão do atual estado de beligerância entre Israel e o Hamas deve remontar à criação do Estado de Israel em 1948, auspiciada por resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que também previa a criação de um Estado palestino. A região da Palestina, território escolhido para os novos Estados, estava sob mandato britânico desde 1923. A criação de Israel, impulsionada pelo movimento sionista, foi desde o início contestada pelos palestinos e pelos países islâmicos. Os palestinos sentiram-se esbulhados em seus direitos territoriais, o que causou uma rivalidade geopolítica, ao lado da tradicional rivalidade religiosa entre judeus e islamitas. Ademais, Israel adotou política de instalar assentamentos que são vistos pelos palestinos como ofensa e provocação.

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas (“Movimento de Resistência Islâmica” em árabe), organização terrorista com base na faixa de Gaza, financiado principalmente pelo Irã, mas também pelo Catar, atacou Israel com inusitada amplitude de meios – por terra, pelo mar e pelo ar. Essa ação colheu os órgãos de informação e de defesa de Israel de surpresa, o que causou estranheza, porque tanto os serviços de informação quanto as forças armadas israelenses têm reputação de excelência e são tecnologicamente muito avançados. Pelo menos duas hipóteses podem ser aventadas para as falhas dos órgãos de informação. De um lado, o excesso de confiança em recursos eletrônicos para obter dados sobre o Hamas, em detrimento da capacidade analítica dos agentes de informação, o que teria levado a uma inanição do sistema, incapaz de levar informações suficientes aos níveis decisórios. De outro lado, o sistema teria sido inundado com excesso de informações, além de sua capacidade de processamento, ou seja, os canais de informação estariam sobrecarregados e, portanto, pouco operantes. Outra possibilidade é que informações teriam chegado à cúpula do estado israelense, que, assoberbado pela crise política envolvendo o próprio Primeiro Ministro, não teria tomado as decisões adequadas em resposta ao ataque do Hamas.  Por fim, a dimensão e a eficiência do ataque do Hamas demonstram que houve uma longa e cuidadosa preparação, que não teria sido detectada pelos israelenses. Não é crível que o Hamas tenha empreendido um ataque dessa envergadura sem o conhecimento e até mesmo o consentimento de seu principal patrocinador e financiador, o Irã. 

Potência regional, o Irã foi aliado das potências ocidentais e dos Estados Unidos até a Revolução Islâmica de 1979, quando se instalou uma teocracia sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini. Detentor de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, com bem equipadas forças armadas de mais de 500 mil homens, o Irã beneficiou-se da invasão norte-americana do Iraque, que terminou com o equilíbrio de poder regional entre Irã e Iraque, ao ocupar este último e anular sua capacidade bélica. Além do Hamas, o Irã também apoia o grupo radical xiita Hezbollah, que atua principalmente no Líbano e que também lançou foguetes contra Israel, que tem conseguido diminuir suas perdas pela utilização do sofisticado sistema defensivo “Iron Dome” que detecta e destrói foguetes antes de atingirem seu território. Deve-se registrar que tanto o Hamas quanto o Hezbollah atuam como partidos políticos em seus territórios.

O Irã é ator fundamental no cenário do Oriente Médio, pois, além de potência regional inimiga de Israel e das potências ocidentais, margeia o estreito de Ormuz, uma das principais rotas do petróleo e do gás do mundo e que pode ser facilmente fechado. Os Estados Unidos, tradicional aliado de Israel, enviaram dois porta-aviões e o Reino Unido enviou uma força naval para as imediações de Israel. Essa mobilização parece visar mais a uma dissuasão ao Irã do que a uma eventual defesa direta de Israel.

Com o ataque do Hamas, Israel tomou represálias imediatas bombardeando a faixa de Gaza e empreendendo depois uma invasão terrestre que apresenta graves dificuldades, dentre as quais a necessidade de realizar combate urbano em área populosa e a existência de ampla rede de túneis construídos pelo Hamas. Israel tem manifestado o desejo de exterminar o Hamas, objetivo difícil de ser atingido, porque os ressentimentos entre os palestinos e os judeus são muito enraizados e se refletem nos países islâmicos. 

Além dos ataques do Hamas e do Hezbollah, os Hutis, também lançaram foguetes contra o território israelense. Trata-se de um grupo xiita do Iêmen, apoiado pelo Irã e combatido por coalizão liderada pela Arábia Saudita, aliada dos EUA.

Outra frente que se abriu no conflito foi com foguetes vindos do território sírio, que atingiram as Colinas do Golã, as quais faziam parte de território sírio ocupado por Israel desde a Guerra dos Seis Dias de 1967. A Síria, desde a Primavera Árabe de 2011, tem visto seu Governo ser contestado, mas o regime não caiu porque tem contado com o apoio decisivo do Hezbollah, da Rússia e do Irã. O Irã tem fornecido drones utilizados pela Rússia em ataques na Ucrânia. 

De sua parte, a Turquia, que é membro da OTAN desde a Guerra Fria mas que tem mantido uma política de equilibro entre o Ocidente e sua liderança islâmica, condenou a represália de Israel na Faixa de Gaza como terrorismo. 

A China apoia a solução de dois estados para Israel e Palestina, mas tem adotado um perfil discreto. A caminho de consolidar-se como uma superpotência rivalizando com os EUA, a China tem interesse em uma situação internacional sem grandes transtornos, para não prejudicar seus fluxos de comércio nem suas linhas de suprimento de matérias primas, alimentos e petróleo. O gigante asiático é grande comprador de petróleo da Rússia, do Irã e da Venezuela. 

Esse quadro mostra a complexidade e a extensão das alianças de países que estão imediatamente interessados na disputa Israel-Hamas, ou potencialmente podem ser envolvidos na situação de beligerância, o que pode levar a um aumento dos países intervindo no conflito. Outro fator que pode contribuir fortemente para o espraiamento da luta Israel-Hamas é o crescimento do antissemitismo, bem como do sentimento anti-islâmico, que potencialmente poderá levar os governos, pressionados pela opinião pública, a contemplarem participação mais direta no conflito.

O Itamaraty e a Força Aérea Brasileira vêm realizando operação de repatriação de brasileiros, com êxito parcial. Não há perspectiva, contudo, de que o governo brasileiro possa atuar como mediador para a solução da crise, mesmo porque o Brasil não tem peso específico internacional para agir em cenário em que estão interessadas diretamente as grandes potências.  

A ONU tem se mostrado ineficaz na missão precípua de seu Conselho de Segurança, que é a manutenção da paz. Uma das razões preponderantes é o sistema de poder de veto das potências-membro, os Estados Unidos, a China, a Rússia, o Reino Unido e a França. As Nações Unidas têm funcionado como fórum de repercussão das posições, e têm atuado também para amenizar a crise humanitária. 

Barril de Pólvora

A brutal ação terrorista do Hamas em Israel abriu a caixa de pandora do antissemitismo com uma onda de covardes demonstrações contra judeus ao redor do mundo que nos remetem ao horror vivido pela humanidade nos tempos de Hitler. Travestidas de ações em favor dos palestinos, os protestos buscam esconder a razão principal de seu ódio, focada nos judeus, em Israel e no modo de vida ocidental.

Já escrevi desde o início deste conflito que a guerra travada por Israel vai muito além de suas fronteiras. Ao enfrentar o Hamas, Tel Aviv defende todo o Ocidente, suas políticas, democracia, liberdades e tolerância. Tudo aquilo que o Hamas e seus apoiadores ao redor do mundo repudiam e desejam eliminar da agenda internacional e das práticas nacionais nas mais diferentes nações que defendem este arcabouço de valores.

Chega a ser bizarro enxergar manifestações em favor do Hamas e outros grupamentos de terroristas, em especial por mulheres e grupos LGBTQIA+, maiores focos de políticas de opressão de países que abrigam essas facções criminosas transnacionais. Fato é que curiosamente os manifestantes usam as garantias liberais de liberdade de expressão do Ocidente para realizar protestos – ações que jamais poderiam ocorrer em solo controlado pelos terroristas, em uma espécie de bizarro pacto suicida.

Entretanto, barcos com refugiados continuam a chegar lotados na Europa. Foram os primeiros a celebrar em solo europeu o ataque do Hamas, ainda sob guarda das autoridades portuárias. Em ato contínuo, imigrantes árabes tomaram as ruas das principais cidades europeias pedindo extermínio de judeus, como sempre disfarçados sob o manto da causa palestina, de Londres a Berlim, passando por Copenhague, Paris, Viena e Roma.

Isto nos leva a perguntar que tipo de Europa temos diante de nós. Um continente que ao defender a tolerância, se tornará em breve refém dos intolerantes. Países defensores de um progressismo que aos poucos corrói as estruturas de sua própria sociedade e seus valores. A Eurabia aos poucos se torna realidade e os protestos massivos nas grandes capitais europeias mostraram a clara medida da onda que tomou o velho continente. A Europa se tornou o barril de pólvora prestes a explodir logo depois do Oriente Médio.

Curiosamente, refugiados e imigrantes que chegam na Europa e reforçam os protestos a favor do Hamas relutam em imigrar para os grandes centros árabes e muçulmanos. São 49 países de maioria muçulmana, 23 países que são Estados islâmicos e 15 países sob a lei da Sharia. Uma das grandes questões que se desenha são as razões daqueles que defendem o radicalismo e protestam a favor do Hamas e contra Israel, preferirem enfrentar todas as barreiras imigratórias de costumes, língua e cultura na Europa ao invés de rumar para uma nação com suas tradições. Esta resposta é essencial para entendermos os movimentos geopolíticos que veremos adiante.

O Ocidente precisa refletir sobre sua subserviência ao radicalismo e o uso da tolerância e das nossas liberdades para corroer e arruinar nossas instituições e nosso modelo de sociedade. Estamos diante de um desafio imenso e uma encruzilhada que oferece o caminho da submissão e da involução ou a defesa intransigente de nossas liberdades e direitos. Afinal, como dizia Burke, “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.

Israel x Hamas: direito de defesa com proteção aos civis

Há uma meta a ser cumprida na guerra Israel-Hamas: a eliminação do grupo terrorista que que invadiu Israel, exterminou e sequestrou civis. Ceder agora é ser passivo diante da monstruosidade perpetrada, é condescender com a barbárie.  

O direito de resposta de Israel à ignomínia à qual seu povo foi exposto é inegável. Não há corrente do Direito Internacional que não reconheça a legitimidade da resposta, uma vez que as fronteiras do país atacado de forma vil e selvagem estão expostas aos terroristas, que não respeitam leis ou tratados.

O direito de defesa pressupõe, no entanto, o respeito às normas internacionais que regem as relações entre os povos. Os civis devem ser protegidos tanto quanto os combatentes do Hamas devem ser alcançados. A estratégia para isso deve ser a entrada em Gaza por terra, uma vez que o bombardeio aéreo indiscriminado daria vitória a Israel, mas à custa de muitas vidas inocentes.

A invasão por terra não será fácil; haverá muitas baixas israelenses. Ou seja, Israel exporá a vida dos seus filhos para resguardar a vida de civis palestinos. Como isso pode ser moralmente equivalente às atrocidades perpetradas pelo Hamas?

Não se trata aqui de guerra comum, onde duas nações se enfrentam por questões econômicas e geopolíticas, mas de conflito no qual há um abismo entre a bestialidade de um ataque terrorista deliberado, com grau de crueldade inimaginável, e a resposta de guerra a ele.

Ambos os eventos são traumáticos, ambos levam ao luto e ao sofrimento, mas um responde à agressão iníqua e está respaldado pelo direito e pelas leis, outro rege uma orquestra demoníaca de vozes enfurecidas que berram contra o fim de Israel e o extermínio dos judeus.

Uma vez nos calamos e demoramos a retaliar. Uma vez esperamos para ver até onde o mal poderia ir. A resposta veio como a máquina infernal da SS, com seus fanáticos enfileirados; a resposta veio com os campos de concentração; a resposta foi a morte de milhões de inocentes. Milhões de judeus.

Não nos cabe agora repreender Israel pelos seus erros no antigo problema com os palestinos. Não cabe porque esse é um problema diplomático, que só poderá ser resolvido se houver diplomacia, algo impossível em um Estado islâmico, uma teocracia na qual o pensamento mundial deve se curvar a Allah e aos seus fiéis.

O mundo ocidental está brincando com o risco da sua própria aniquilação. A impressão que dá é que luta nas ruas, universidades e redes sociais para ser subjugado por um poder despótico e cruel.

O movimento político-ideológico que sustenta o Hamas tem ramificações enormes, por isso a mídia ainda não se colocou formalmente ao lado de Israel, banindo de seus quadros aquele que manifeste inclinações antissemitas e favoráveis aos terroristas. Mas é imperioso que emissoras e redações condenem formal e explicitamente um discurso cujo resultado já vimos no passado.

O holocausto foi possível porque a máquina de propaganda nazista foi eficaz, porque a aquilo que há de pior na espécie humana foi catalisado por líderes através do imenso poder da propaganda.

Os que hoje silenciam frente ao horror do atentado contra os israelenses, silenciariam na terrível noite dos cristais; os que hoje comemoram o que consideram uma façanha do Hamas, comemorariam os expurgos de Hitler. A desumanidade quando vista e não condenada abre espaço para desumanidades maiores e cada vez mais aberrantes.

Não há que se negar a boa fé e o senso de justiça dos que verdadeiramente almejam a paz entre os dois povos, mas há que se considerar que, uma vez que o mal tomou o caminho deliberado de negá-la, o bem não pode silenciar e esconder-se. Trata-se de uma resposta humana, dentro da humana falibilidade.

O mundo não é o paraíso celeste de espíritos redimidos. O mundo é o que é: um lugar de lutas e aprendizados, expiações e provas, dores e resgates. É neste quadro que devemos nos mover. E quando a guerra começa é preciso saber para que lado ir. O meu lado é o da civilização.

A desinformação de guerra dominou o debate público do Brasil

A palavra desinformação já é daquelas que o pessoal chama de “gatilho”. Foi tão solapada e usada de forma partidária que cada um dá a ela um significado diferente. Ela tem, no entanto, um significado formal. São operações de manipulação e distorção da realidade.

Muita gente, devido ao debate atual, imagina que isso seja natural da política ou das redes sociais. Não é, trata-se de estratégia militar tão antiga quanto os próprios exércitos.

Estamos no meio de duas guerras, a invasão da Ucrânia e a iniciada com o atentado terrorista em Israel. Narrativas de desinformação criadas por países que apóiam essas guerras já começam a aparecer de forma sutil em todo o debate público.

A guerra da Ucrânia já foi útil para que o mundo fizesse uma linha divisória entre civilização e barbárie. Os líderes do mundo civilizado condenaram a invasão para tomada de território com amplo massacre de civis. Vladimir Putin já foi condenado por genocídio por sequestrar crianças ucranianas e levar à Rússia.

Há líderes que simplesmente apóiam a Rússia e pronto. Outros, no entanto, apóiam mas não podem falar. Aí é que entra a desinformação. O discurso deles é o mesmo, parece feito pela mesma pessoa. Eles repetem essas ideias em qualquer lugar que possam encaixar.

A tática para ficar a favor da Rússia sem dizer isso começa por minimizar a invasão e atribuir igual culpa aos dois lados. “Quando um não quer, dois não brigam”, já dizia o povo que justificava espancamento de mulher. A outra tática é equiparar a reação de defesa militar Ucraniana ao massacre de civis promovido por Putin.

Na guerra de Israel, as coisas não são muito diferentes. O discurso para apoiar o Hamas sem pagar o preço de compactuar com terrorismo é o mesmo. A forma mais esperta de fazer é condenar os ataques do Hamas sem falar o nome do grupo e sem dizer explicitamente que é terrorismo. Depois, se houver muita pressão popular, dizer que o ataque foi terrorismo mas jamais chamar o Hamas de terrorista.

No caso de Israel, parece se consolidar a nova divisão do mundo em blocos. Falamos de um ataque à única democracia liberal da região, circundada por diversas ditaduras, algumas delas teocráticas.

As democracias liberais já se colocaram ao lado de Israel, já que essa é a visão de mundo que defendem. Outro bloco, no entanto, se colocou contra Israel, seja abertamente ou de forma velada.

Já sabemos em que bloco estamos agora.

Um fato curioso do discurso de desinformação ocorreu esta semana, em um tema que nada tem com a guerra, o levantamento de bloqueios comerciais norte-americanos contra a Venezuela.

O presidente Lula fez o seguinte tuíte: “Recebi com satisfação a notícia de que o governo dos EUA retirou sanções contra a Venezuela, depois que o governo e a oposição venezuelanos assinaram um acordo para eleições justas no ano que vem. Sanções unilaterais prejudicam a população dos países afetados e dificultam processos de mediação e resolução de conflitos. O levantamento total e permanente de sanções contribui para normalizar a política venezuelana e estabilizar a região” (grifo meu).

Por que eu selecionei essa frase? Porque ela é uma ideia que tem sido pisada e repisada pelo bloco que apóia a Rússia na invasão da Ucrânia. As sanções europeias não são mais polêmica e temos outra guerra, então o tema parece que sumiu do noticiário. Só que ele continua muito vivo.

Esta semana houve um encontro dos países da Road and Belt Initiative, a nova Rota da Seda, um projeto de mais de US$ 1 trilhão para estabelecer liderança chinesa internacional. Vladimir Putin foi o destaque entre os convidados de Xi Jinping para o evento em Pequim.

A tônica da fala do líder chinês foi uma condenação aos esforços de países do ocidente para depender menos da economia chinesa. Muitos países temem ficar nas mãos da China porque suas cadeias de fornecimento dependem demais do país.

Outra reclamação foi sobre embargos como o que sofre a Rússia depois que invadiu a Ucrânia. Isso acontece também com a China, mais pontualmente. Um exemplo concreto é a indústria de painéis solares, que evita os produtos feitos por campos de concentração da minoria Uigur. Eram os suprimentos que dominavam o mercado.

No dia em que Joe Biden pisou em Israel, Xi Jinping fazia seu discurso e chamava Putin de querido amigo. “Nós nos opomos a sanções unilaterais, coerção econômica, desvinculação e interrupção das cadeias de suprimentos”, disse o líder chinês. Dias depois, o presidente Lula repete a mesma ideia.

Seria algo natural caso fosse um raciocínio lógico. Não é, é uma narrativa. Lula mente quando diz que é contra embargos unilaterais. Em agosto, por exemplo, o Brasil vetou venda até de ambulâncias para a Ucrânia. O discurso é repetido apenas para alinhar posições. Cada vez veremos esse método ser repetido com mais maestria.

Sarajevo, 2023

Em 1914, Sarajevo assistiu incrédula a um ato de terrorismo, o assassinato daquele que provavelmente seria o próximo Imperador da Austro-Hungria, Franz Ferdinand. A morte do Arquiduque levou a Europa a um processo que acabou por desencadear aquela que ficou conhecida como “A Grande Guerra”, depois rebatizada de “1º Guerra Mundial”. Pouco mais de um século depois, vivemos o mesmo drama.

A ação terrorista do Hamas contra Israel tem potencial para significar algo muito similar ao assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro. Isto significa que uma cadeia de apoios e alianças entre aliados e opositores, em ambas as partes, tem potencial para atingir uma escala muito maior do que é desenhado até o momento. Assim como nas semanas pós-Sarajevo, vivemos tempos que podem prenunciar um conflito de maior dimensão.

O ataque do Hamas contra Israel foi desenhado longe de Gaza e certamente tem digitais iranianas, mas passa também pela Síria, Hezbollah e as conexões de todos com Moscou. Vemos uma clara cadeia que passa por aliados que possuem interesses em comum e usam Israel como vértice de uma estratégia que visa mudar as placas de estabilidade da geopolítica internacional como conhecemos.

Os contornos do ataque terrorista do Hamas estão conectados ao desejo iraniano de evitar o avanço dos acordos celebrados por Israel com diversos países muçulmanos e que inevitavelmente chegaria aos sauditas em pouco tempo. O Irã deseja o controle regional, enquanto os russos desejam um novo front de batalha para o Ocidente e o Hamas, como milícia, atinge o objetivo de atacar Israel. Tudo muito bem calculado.

O risco, entretanto, é enxergar o conflito sair do controle, com envolvimento direto das forças ocidentais na batalha, o que obrigará Irã e Rússia também a entrarem de forma oficial na guerra. Um conflito de escala regional, cresceria para uma frente continental, envolvendo a Ucrânia, impulsionando o surgimento de golpes e revoltas em países satélites, em especial na África, enquanto a Europa, refém dos extremistas, pode experimentar a face mais perigosa do terror, gerando insegurança e medo às vésperas das Olimpíadas de Paris.

Isto não significa uma previsão, mas um risco que precisa ser calculado, especialmente em períodos sombrios como este que vivemos, onde casas e negócios de judeus já surgem marcados com a estrela de Davi na Alemanha e Rússia quase oito décadas após o final da 2ª Guerra Mundial. Um período onde o antissemitismo criminoso fantasiado de apoio palestino perdeu a vergonha e tomou as ruas de diversas capitais do mundo.

Até o momento, os mecanismos internacionais se mostraram mais uma vez ineficazes diante dos jogadores do poder global, uma impotência que pode custar muito caro. O risco de envolvimento mundial no conflito é real e isto pode levar o mundo para uma escalada inimaginável da guerra, assim como ocorreu em 1914, com o assassinato do Arquiduque, por mais que muitos considerassem o risco como ingenuidade. A cadeia de acontecimentos de 2023, iniciada com a carnificina do Hamas em Israel, tem potencial para envolver as grandes potências e levar a geopolítica internacional a um conflito de escala global.