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’Terras Raras’ no Contencioso Comercial Estados Unidos/China

Cério (Ce), Disprósio (Dy), Érbio (Er), Escândio (Sc), Európio (Eu), Gadolínio (Gd), Hólmio (Ho), Itérbio (Yb), Ítrio (Y), Lantânio (La), Lutécio (Lu), Neodímio (Nd), Praseodímio (Pr), Promécio (PM), Samário (Sm), Térbio (Tb) e Túlio (Tm). Ao todo, dezessete são os elementos químicos popularmente conhecidos como terras raras, assim chamados porque dificilmente encontrados em grandes depósitos, mas, sim, misturados com outros elementos mais abundantes. Isso dificulta e encarece sua exploração comercial, muito embora sejam hoje as terras raras indispensáveis à fabricação de magnetos (ímãs) excepcionalmente potentes e duradouros, presentes em produtos de alta tecnologia com um sem-número de aplicações cotidianas: motores elétricos, turbinas eólicas, veículos elétricos, discos rígidos de computadores, sistemas de orientação de mísseis e aeronaves, baterias de telefones celulares, lâmpadas fluorescentes compactas, diodos emissores de luz (LEDs), amplificadores de sinais em linhas de fibra óptica (transporte de dados via internet e telefonemas de longa distância), lasers, câmaras digitais etc.

O contraste entre o valor de mercado das terras raras e o de outros materiais é um indicativo eloquente de sua preciosidade: enquanto um quilograma de minério de ferro custa por volta de 70 centavos, um quilo de neodímio ou de praseodímio pode valer até R$ 5.500!

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Como começou a dependência da humanidade ante as terras raras? Há cerca de 40 anos o cientista japonês Marato Sagawa inventou um magneto contendo neodímio. Essa invenção hoje serve de base para os superímãs industriais de hoje. Naquele tempo, o Japão era o maior produtor mundial de terras raras, mas os custos elevados para sua produção logo desanimaram os investidores privados. Para a China comunista, isso não era problema, e, assim, o governo planejou e executou um programa de prospecção, extração, refino e exportação que agora sustenta a primazia do país nesse setor altamente ‘sensível’. O ‘império do meio’ produz todos esses 17 elementos. A maior mina do mundo (Bayan Obo) se localiza no Norte da China, e sua produtividade é seguida de longe pelos depósitos de Mount Weld, na Austrália, e de Kavanefjeld, na Groenlândia, controlada pela Dinamarca, mas cujo potencial tem despertado a cobiçosa atenção do governo dos Estados Unidos….

A dependência japonesa em relação às terras raras chinesas ganhou a atenção mundial com um incidente naval. Em 2009, o Japão importava dos chineses 85% de sua necessidade desses elementos. No ano seguinte um barco de pesca chinês colidiu com uma patrulha da guarda costeira japonesa ao largo das ilhas Senkaku (ou Diaoyu, para a China), no Mar da China Oriental, arquipélago controlado por Tóquio e reivindicado por Pequim. O governo nipônico chegou a prender por um tempo o capitão do pesqueiro. A China retaliou reduzindo exportasse terras raras, processados pela indústria japonesa. Desde então, o Japão procurou diversificar seu leque de fornecedores. A maior iniciativa nesse sentido foi uma joint venture com a mineradora australiana Lynas Rare Earths, que, mesmo assim, resultou insuficiente para abalar o predomínio chinês. A Japan Organization for Metals and Energy Security (Jogmec) e a trading company Sojitz Corporation emprestaram 225 milhões de dólares, mas o projeto australiano não conseguiu assegurar volumes adequados de terras raras ‘pesadas’ (disprósio, érbio, Gadolínio, Hólmio, Itérbio, Lutécio, Térbio e Túlio), ainda menos comuns que as modalidades mais ‘leves’. Até o ano passado, os japoneses dependiam dos fornecimentos da China para suprir 70% de sua demanda por magnetos industriais para produtos eletrônicos, automóveis e armamentos. Depois daquele incidente marítimo de 2010, grandes mineradoras do Japão se associaram a fabricantes de magnetos na China, na esperança de evitar novas chantagens minerais. Um desses maiores empreendimentos conjuntos é a parceria, celebrada em 2013, entre a TDK, de Tóquio, e a estatal chinesa Rising Nonferrous Metals Share. 

Por sua vez, a União Europeia (UE) depende da China para 100% de suas necessidades de terras raras pesadas, enquanto os Estados Unidos importa dos chineses o equivalente a dois terços da sua demanda pelos 17 elementos.

Pequim frustra parcialmente o tarifaço de Trump – Bastou a ameaça do governo de Xi Jinping de reduzir drasticamente suas exportações de terras raras ao Ocidente, para que a administração Trump suspendesse as restrições ao acesso chinês a equipamentos sensíveis e de uso dual (civil e militar), como os semicondutores (chips) “H20” da Nvidia, atualmente a maior empresa dos Estados Unidos e do mundo, que fabrica esses componentes essenciais ao desenvolvimento dos modelos de inteligência artificial (IA) de última geração.

Quanto ao comércio bilateral propriamente dito, na hipótese de aplicação de todas as tarifas alfandegárias anunciadas por Trump desde março deste ano, as mercadorias chinesas serão gravadas em 145% ( tarifa punitiva pela exportação indiscriminada de fentanil [inicialmente de 10%, depois majorada para 20%] + tarifa “recíproca” de 10% + tarifa específica contra a China [115%]). O poder de barganha conferido aos chineses pelas terras raras explica a ‘trégua’ de maio último nas negociações bilaterais durante 90 dias. Essa trégua expira no dia 12 de agosto, quando se espera a celebração de novo acordo comercial entre os 2 países. Até o presente momento, as tarifas norte-americanas sobre produtos chineses em geral variam entre 30% e 50%. O valor supera aqueles negociados pela administração Trump com o Vietnã, o Japão e a Indonésia.

O mercado internacional de terras raras tem se comportado com extrema volatilidade durante esse período. Em junho último, o volume total exportado pela China caiu 38% em um ano. De maio de 2024 a maio de 2025, a queda foi ainda maior (74%). Em junho deste ano, a China vendeu ao mundo 3,2 milhões de quilos de terras raras, quase o triplo da quantidade exportada em maio (1,2 milhão de quilos), bem abaixo da média mensal de 2024: 4,8 milhões de quilos, depois de Pequim ter ordenado um alívio de alguns controles de exportações em troca da permissão norte-americana para a venda dos superchips aos chineses.

Para os Estados Unidos, as exportações de terras raras continuaram a cair drasticamente em junho (353 quilos, 52% a menos que no mesmo período de 2024). Em maio, essas vendas registraram um declínio ainda mais acentuado (93% a menos que em maio de 2024).

Mesmo com a recente trégua até 12 de agosto, as indústrias ocidentais reclamam não estar recebendo quantidade suficiente de magnetos, de vez que o processo burocrático de análise dos pedidos pela burocracia chinesa agora está levando semanas (as autoridades verificam ‘com lupa’ as aplicações declaradas pelos importadores). Paralelamente, Pequim intensificou sua vigilância a fim de evitar o contrabando. O Ministério do Comércio requisitou às mineradoras baseadas na China a entrega de listas de funcionários técnicos especializados, de modo a barrar o compartilhamento de segredos comerciais. E o Ministério da Segurança Estatal está acusando as agências de inteligência estrangeiras de furtar terras raras….


À espera da ‘mão visível’ do governo – Os empresários norte-americanos assinalam que o maior obstáculo à autossuficiência do seu país em terras raras são as montanhas de dólares necessárias para o desenvimento de projetos dedicados a obter uma quantidade relativamente pequena de matérias-primas e cujo prazo de maturação é, em média, de 10 anos. Os Estados Unidos possuem, sim, depósitos naturais desses elementos; o que falta é segurança para bancar essa aposta em um ramo amplamente dominado pela China. Esse poder de mercado que Pequim levou décadas para construir, no seu próprio território e também em outros países, desencoraja as mineradoras da América.

Mais recentemente, essas empresas se animaram com as restrições chinesas criando dificuldades para gigantes automobilísticos como a Ford, o que acendeu um sinal de perigo no governo Trump. As mineradoras esperam que isso, finalmente, estimule a União a dar-lhes uma ‘mãozinha’…. Alguns passos iniciais nesse sentido estão sendo dados. Um acordo entre o Pentágono e a firma MP Materials, de Nevada, prevê bilhões de dólares em empréstimos, um contrato de garantia de compra da produção e uma subscrição de ações que fará do Departamento de Defesa o sócio majoritário do empreendimento. A Ramaco, que extrai carvão no Kentucky, acaba de inaugurar sua mina de terras raras no Wyoming. As ações da American Rare Earths, com sede em Sydney, Austrália, dobraram de valor em uma semana graças ao anúncio de um contrato com o Eximbank dos Estados Unidos que poderá chegar a 456 milhões de dólares. A companhia agora espera que as autoridades estaduais do Wyoming acelerem o licenciamento para a entrada em operação da sua Cowboy State Mine — e que isso também apresse a decisão dos investidores privados a colocarem meio bilhão de dólares nesse projeto. (Levantamentos geológicos detectam que o sítio contém neodímio, praseodímio, disprósio e Térbio.


O problema é que a política do governo federal para o setor não tem demonstrado um histórico consistente. Os créditos fiscais da Lei de Redução da Inflação, sancionada pelo ex-presidente Joe Biden, começarão a expirar em 2030, como consequência da nova lei tributária e de gastos que Donald Trump acaba de assinar. Paralelamente, o manifesto desinteresse da atual administração Republicana na fabricação de veículos elétricos e em projetos de energia renovável lança novas incertezas no horizonte de longo prazo da demanda por terras raras. 

Parece que ainda por um bom tempo, no contexto da grande ‘recessão geopolítica’ atual, a China comunista continuará controlando o mercado internacional desses preciosos e raros elementos.

Preço do Populismo

A resposta do governo Lula diante das tarifas de Trump revela uma perigosa cartilha populista que tem guiado o Palácio do Planalto. Em vez de buscar soluções estruturais, negociações robustas ou ajustes para aumentar a competitividade, a administração petista aposta na reedição irresponsável de mecanismos emergenciais e na expansão do crédito estatal – um caminho pavimentado com demagogia que desestabiliza as contas públicas e hipoteca o futuro do Brasil em nome da reeleição em 2026.

O plano de contingência imaginado pelo governo espelha-se no Benefício Emergencial (BEm), criado para o cenário da pandemia. Aplicar esse remédio de guerra a um desafio comercial é um absurdo econômico. Ressuscitar um programa que reduz jornada e transfere para os cofres públicos o pagamento de parte dos salários representa uma intervenção massiva e distorciva no mercado de trabalho. Não resolve o problema de competitividade gerado pelas tarifas e apenas mascara seus efeitos imediatos com dinheiro público, criando uma dependência insustentável.

Além disso, o governo planeja lançar uma enxurrada de novos programas sociais e ampliar outros usando o tarifaço como justificativa. Medidas que, na verdade, têm por objetivo único inflar a popularidade presidencial para a próxima disputa eleitoral. Ao todo, Lula planeja ao menos seis novos programas. Estamos falando da ampliação do Minha Casa, Minha Vida para aqueles que ganham até R$ 12 mil, juros subsidiados na liberação de crédito para reformas residenciais, vale-gás para 16 milhões de famílias, crédito para motos elétricas mediante linhas facilitadas aos entregadores de aplicativos e medidas de auxílio aos caminhoneiros. Uma farra fiscal pré-eleitoral.

O setor produtivo também entrou em campo para colher benesses e deseja flexibilizar as leis trabalhistas durante a vigência do tarifaço. Ao mesmo tempo pleiteia uma linha de crédito que permita às companhias exportadoras honrar seus ACCs (adiantamentos de contrato de câmbio), aliado a medidas de facilitação de crédito, algo que por mais que soe como uma medida paliativa razoável, significa alarmante expansão descontrolada do crédito estatal.

Os pedidos se acumulam. O governo foi demandado para ampliar o Acredita Exportação, programa que ajuda micro e pequenas empresas brasileiras com a restituição de 3% das receitas de vendas ao exterior. O pleito agora é que o benefício seja estendido a companhias de todos os portes. A prioridade aparente não é fortalecer a economia brasileira para enfrentar desafios globais, mas sim comprar paz social e apoio político no curto prazo, custe o que custar ao Erário.

Lula escolheu o atalho populista. Em vez de liderar o país em um necessário esforço de modernização e eficiência para enfrentar as tarifas e os desafios globais, opta por queimar o futuro fiscal do Brasil como combustível para fazer funcionar sua máquina eleitoral. É uma estratégia miope, egoísta e profundamente danosa. A conta desse festival de irresponsabilidade recairá inevitavelmente sobre a população. Seja através de impostos mais altos, serviços públicos ainda mais precários ou um novo ciclo recessivo forçado por um ajuste inevitável. O Brasil não pode se dar ao luxo de mais um ciclo de ilusão populista seguido de amargo despertar. O preço será catastrófico.

Bolsonarismo não é conservadorismo. É estorvo para o Brasil

A direita brasileira tem um relacionamento tóxico com o bolsonarismo. Nem sempre é fácil perceber que se está em um relacionamento desse tipo, mas reconhecer os padrões é o primeiro passo para impor limites e, quem sabe, fechar um ciclo e se abrir para relacionamentos mais saudáveis.

Uma das características do relacionamento tóxico é o controle excessivo. “Não existe direita sem Bolsonaro”, diz a parte abusiva, querendo impor sua autoridade e hegemonia, além de ditar quem são os amigos e quem são os inimigos a serem combatidos.

Nos relacionamentos abusivos tampouco a vítima percebe o quanto seus projetos são desprezados pelo seu carrasco, que só reconhece como legítimas suas próprias aspirações. O abuso, em tal relacionamento, é deliberado, sistemático e tem como objetivo o controle e o poder sobre o outro.

Desde 2019, Bolsonaro, seus filhos e seu séquito se impõem sobre uma direita passiva, subserviente, incapaz de confrontar esse agrupamento político que vem arruinando o país ao retroalimentar com seu radicalismo e sua estupidez a popularidade e o poder do outro espectro político que dizem combater.

A bem da verdade, muitos políticos de direita, inclusive aqueles que têm ambição presidencial, desejam intimamente que Jair seja preso, Eduardo fique morando com o Michey, Michelle volte para seus cultos e salões, Flávio se recolha à sua mansão milionária antecipadamente quitada, Carlos permaneça longe das redes sociais…torcem, enfim, pelo expurgo de toda a família Bolsonaro da vida pública, mas não dizem isso por um misto de covardia e autointeresse. 

É que eles esperam herdar o espólio eleitoral do bolsonarismo e, com esse intuito, não cumprem com a obrigação moral de condená-lo publicamente e, assim, tentar recuperar um mínimo de dignidade para a direita brasileira.

Com qualquer pessoa minimamente conhecedora das ideias políticas será capaz de constatar, as práticas bolsonaristas dificilmente poderiam ser encaixadas no que seriamente se entende por conservadorismo político.

Pouco importa o número de edições do CPAC (Conservative Political Action Conference) que Eduardo Bolsonaro conseguiu organizar no Brasil; importa analisar se as atitudes dos que se autoproclamam conservadores são, de fato, compatíveis com os princípios do conservadorismo.

De saída, já nos deparamos com um problema: estamos em busca dos princípios conservadores, mas, ao analisar as ações da família Bolsonaro, constatamos que se trata de uma família que carece de princípios.

Agir por princípio significa orientar as próprias ações com base em normas ou valores considerados fundamentais, universais ou racionais, independentemente das consequências imediatas ou das conveniências pessoais. Trata-se de um compromisso com o que se considera certo em si mesmo, não apenas útil ou vantajoso.

Dito isso, fazer conchavo com ministro da alta corte para blindar o filho que fez “rachadinha” não é agir por princípio. Aliás, fazer “rachadinha” não é agir por princípio. Tentar interferir na Polícia Federal (PF) a fim de obstruir operações que envolvem aliados e filhos não é agir por princípio. Sabotar a CPI da Lava Toga, ou seja, inviabilizar a possibilidade legal de frear os abusos autoritários do STF por interesse pessoal e depois incentivar a turba contra essa mesma instituição não é agir por princípio.

São tantos os exemplos da falta de princípio nas ações do clã Bolsonaro que seria fastidioso para o estimado leitor se eu continuasse a elencá-los. Retornemos, pois, para a questão da incompatibilidade entre bolsonarismo e conservadorismo.

Phrónēsis (φρόνησις), prudência, discernimento, a sabedoria prática enaltecida por Aristóteles é princípio basilar do conservadorismo, o que leva a um instintivo repúdio a falas e ações que almejem a convulsão social.

Que dizer, pois, de um autointitulado “conservador” que sai da sua pátria para conspirar incansavelmente com uma potência estrangeira até conseguir que esta imponha contra o seu país taxação exorbitante e injusta e que, após consumada a traição, repercute o seu feito com as seguintes frases:

“Às vezes é necessário tacar fogo na floresta inteira”; “Várias famílias vão chorar, vai haver sofrimento”; “Se houver cenário de terra arrasada, pelo menos eu estarei vingado”; “Vai vir mais sacrifício”; “Eu sou o cara do Lula Livre na direita”.

Interessante que uma expressão parecida com a “terra arrasada” – que Eduardo Bolsonaro antevê como consequência da sua vingança – aparece no livro “o mínimo sobre conservadorismo”, de Bruno Garschagen. Veja o que escreve ali o referido cientista político: 

Quando a terra está devastada, os homens sensatos usarão aquilo que têm de melhor para reconstruí-la. Não podem agir, portanto, como arautos da salvação revolucionária porque assim serão parte da degradação em curso.

Ou seja, os homens sensatos (segundo Garschagen,os conservadores) não são nem aqueles que, como Eduardo, contribuem para arrasar ou devastar a terra, tampouco aqueles que se apresentam como salvadores no cenário de destruição, mas são aqueles que dão o melhor de si para reconstruir o que os irresponsáveis destruíram.

Infelizmente a falta de cultura é tão grande em nosso país que radicais são aceitos como legítimos defensores de uma vertente política que sequer compreendem e, assim, o bolsonarismo vai se passando como se conservadorismo fosse.

Não nos custa nada, porém, chamar atenção para o equívoco e alertar a direita que ainda tem algum juízo da necessidade premente de se afastar de vez desse sectarismo nefasto.

Em honra do verdadeiro conservadorismo, deixo o arremate do texto para quem entende do assunto e concluo o artigo citando novamente Garschagen:

Um ambiente caótico, instável, desequilibrado é anticonservador e só favorece aqueles que se alimentam e crescem com a desordem. Um conservador, quando entra na luta política, deve agir com inteligência, estratégia, destemor e eficiência, não com bravatas inócuas, indignação seletiva, brigas permanentes e lacração ´à direita´.

Assim, quando a sandice é a norma, o conservador deve agir com lucidez; quando a irracionalidade é a regra, o conservador deve agir com racionalidade; quando a paixão política é o padrão, o conservador deve agir com ceticismo; quando a destruição é o hábito, o conservador deve agir como construtor, mesmo que tudo ao seu redor seja instabilidade, crise, desolação. É dever do conservador construir a ordem e vencer a desordem”.

Do Palanque ao Prejuízo

A relação entre Brasil e Estados Unidos atravessa sua pior crise em décadas, resultado direto da política de confronto adotada por Lula contra Donald Trump. Desde a eleição norte-americana de 2024, Lula transformou fóruns internacionais em palanques de hostilidade, rompendo padrões diplomáticos. Chamou Trump de “criminoso que deveria estar na cadeia” (ONU, setembro/2024), “monstro que ameaça a humanidade” (Planalto, novembro/2024) e “símbolo do fascismo moderno” (Deutsche Welle Brasil, março/2025). O ponto crítico, porém, foi sua ofensiva contra o dólar, propondo nos BRICS criar uma nova ordem financeira “sem hegemonia do dólar americano”, iniciativa que sequer encontrou endosso da Rússia: “Esta é uma ideia exclusiva de Lula”, disse Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores de Putin.

A resposta veio em maio de 2025: tarifas de 50% sobre produtos estratégicos brasileiros, como etanol, celulose e grãos – afetando US$ 10 bilhões em exportações. Ao contrário do discurso oficial que fala em “agressão à soberania”, trata-se de uma retaliação previsível à hostilidade sistemática de Lula, que misturou ataques pessoais a Trump, desprezo às instituições dos EUA e iniciativas geopolíticas antagônicas.

Pela primeira vez, os EUA reagiram às bravatas de um presidente latino-americano com força comercial. E Lula, acostumado a discursos sem consequências, agora enfrenta perdas reais. Após o tarifaço, dobrou a aposta: “Trump usa o comércio como arma porque não tem moral para negociar com democracias verdadeiras”, disse. Mas essas falas apenas reforçam o isolamento diplomático do Brasil. Washington interpretou a declaração como provocação frontal e o USTR iniciou investigação sobre o Brasil com base na Seção 301 do Trade Act de 1974, que analisa práticas comerciais consideradas injustas, discriminatórias ou restritivas.

Ao invés do confronto, outros países buscaram o diálogo: a França negociou quando ameaçada por tarifas e a China manteve canais abertos mesmo sob sanções bilionárias. Já o Brasil, por escolha política, se absteve de qualquer contato com o governo Trump. O Itamaraty ignorou o diálogo e transformou a diplomacia em trincheira ideológica.

Com suas próprias palavras, Lula isolou o país e fragilizou setores chave da economia. Produtores de etanol relatam perdas imediatas e exportadores de celulose veem contratos suspensos. “Isso é culpa do protecionismo dos ricos”, alega Lula, mas o custo recai sobre trabalhadores, não sobre os autores da retórica.

A soberania não se fortalece com discursos inflamados em cúpulas ideológicas, mas com diplomacia técnica e pragmática. O governo Lula apostou na retórica e ignorou o risco real de retaliações comerciais. O resultado não é apenas econômico – é político. Pela primeira vez, os EUA trataram o Brasil não como um parceiro complicado, mas como adversário estratégico. As tarifas de 50% são mais do que uma medida econômica: são o custo de uma política externa construída sobre confronto, bravatas e isolamento.

Para além de Bolsonaro, Moraes e STF, a imposição de tarifas contra o Brasil é resultado daquilo construído pela verborragia lulista. Trata-se de retaliação direta e calculada ao ambiente de instabilidade e beligerância verbal cultivada de forma irresponsável pelo Presidente brasileiro. Uma conta que será paga com desemprego, inflação e isolamento.

Tarifas e pressões: Brasil e um mundo convulsionado

O mundo está em rápida reacomodação de forças. O multilateralismo institucionalizado com sua previsibilidade de regras está rapidamente substituído por uma política internacional ainda não bem definida, em suas regras de funcionamento e por definição de baixa previsibilidade. E nesse contexto o Brasil está estrategicamente numa posição dividida entre os dois centros de poder global, nominalmente nossa maior fonte de Investimentos Estrangeiros Diretos, os Estados Unidos e nosso maior parceiro comercial a China.

A tradição diplomática brasileira é se mover com muita habilidade e muita discrição em períodos como esse, buscando maximizar o interesse nacional, um exemplo clássico dessa estratégia é a equidistância pragmática que o Brasil manteve durante os momentos iniciais da Segunda Guerra Mundial. E nesse momento os dois pólos de atração tentam influenciar o comportamento brasileiro, os Estados Unidos usando incentivos coercitivos aplicando tarifas às exportações brasileiras para os EUA e provavelmente uma série de restrições tecnológicas. A China por sua vez aproveita para aumentar sua participação em Investimentos Diretos no Brasil, sobretudo, com suas fabricantes de veículos elétricos e produtos eletrônicos.

Quando analisamos as questões internacionais não podemos ceder à tentação de ignorar que os decisores políticos são humanos, o que implica dizer que as decisões não são construídas com estratégias perfeitas e são afetadas por inúmeros fatores desde a qualidade e idoneidade das informações que embasam as decisões, passando pelas características de personalidade e visões de mundo dos decisores.

Goste-se ou não do presidente Lula é uma característica da atuação política uma facilidade para o diálogo e a capacidade de alternar entre os discursos inflamados e a negociação pragmática. Goste-se ou não do presidente Trump é uma característica desse, também a negociação a alternância entre o discurso inflamado e a busca por um acordo. São duas figuras capazes de inspirar a mesma medida que são polarizadores.

E não podemos ignorar o impacto das divisões internas causam na Política Externa Brasileira, não somente por que elementos da oposição ao governo ativamente buscam por sanções e tarifas a serem aplicadas ao Brasil, mas por que essas divisões também limitam o espaço de manobra do governo ao ter que fazer concessões aos setores mais confrontacionais de sua base de sustentação.

Nesse contexto, tanto a conjuntura de política interna dos dois países, quanto a personalidade dos líderes contribuem para um cenário que coloca em risco as relações estratégicas e na maior parte do tempo harmônicas entre Brasil e EUA. E trazem prejuízos que podem ser extremamente danosos à economia, sobretudo nos setores exportadores Há muito mais em risco do que as justificativas oficiais, como uma suposta preocupação com a qualidade da democracia brasileira que a despeito do que a oposição alardeia é muito mais ponto de pressão extra do que motivador dessa pressão coercitiva, no centro de tudo, está a disputa entre as grandes potências.

Estamos sendo puxados, mais uma vez, para romper a equidistância pragmática. Assim, a Política Externa Brasileira precisará ser nos próximos meses eficaz e serena, para navegar nesse mar bravio. A figura de linguagem de uma encruzilhada é uma imagem recorrente nas análises internacionais, mas isso não a faz menos didática, estamos numa encruzilhada com inúmeros caminhos possíveis. Serão capazes nossos líderes políticos de defender o interesse nacional acima de suas disputas político-eleitorais? Ou os interesses privados de pouquíssimos políticos trarão enormes prejuízos e desemprego para o Brasil? A ideologia vencerá o pragmatismo necessário para lidar com nações grandes, poderosas e aparentemente dispostas a usarem seu poder?

Soberba Tarifada

A situação comercial internacional do Brasil entrou em uma fase crítica. A imposição de tarifas pelos EUA representa golpe duro à já fragilizada economia brasileira. Entretanto, mais alarmante que a ação externa é a postura interna: a diplomacia brasileira, sob a liderança de Lula, tem falhado em oferecer uma resposta madura e estratégica. Ao contrário do que fizeram outros países, que buscaram canais para mitigar impactos, o Brasil opta pelo enfrentamento ideológico e pelo isolamento retórico. E isso custa caro.

Enquanto líderes mundiais tentam se articular em um cenário de transição geopolítica, Lula optou por uma postura temerária, marcada por decisões baseadas em convicções pessoais e crenças ultrapassadas que passam ao largo do interesse nacional e da realidade geopolítica atual. Donald Trump, mesmo com seu estilo imprevisível, já conversou com 34 líderes desde que reassumiu a Casa Branca, realizando 21 reuniões presenciais. Lula não está na lista. Mais do que ausência, há desinteresse. O próprio presidente brasileiro declarou que não teria “assunto” com Trump, ironizando que teria que “ficar contando piadas”. O que parece irreverência é, na prática, um grave sinal de uma diplomacia negligente.

Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria oferece uma medida concreta do impacto da nova onda tarifária. Segundo a entidade, o chamado “tarifaço” pode reduzir o PIB brasileiro em R$ 19,2 bilhões, ou seja, 0,16%. A estimativa é de que cerca de 110 mil postos de trabalho sejam perdidos. Um dano considerável, especialmente em uma economia que já sofre com baixo crescimento, juros elevados e déficit fiscal estrutural.

Os riscos não param por aí. O governo brasileiro acena, ainda que timidamente, com a possibilidade de restringir a remessa de dividendos ao exterior — uma medida que teria efeitos desastrosos sobre o investimento estrangeiro direto (FDI). Em um país que precisa desesperadamente de capital externo para financiar seu déficit em conta corrente, assustar multinacionais com ameaças à liberdade de repatriação de lucros é um erro grosseiro. As reservas internacionais do Brasil, embora robustas, não são infinitas. Sem o fluxo constante de FDI, elas não suportam uma pressão prolongada.

Lula parece ignorar que a geopolítica comercial não é guiada por discursos inflamados ou simbolismos ideológicos, mas por interesses pragmáticos. A retórica antiamericana, o desdém por abrir canais discretos de negociação e a insistência em alianças com regimes autoritários empurram o Brasil para uma posição marginal. Enquanto isso, países como México, Vietnã e Indonésia colhem os frutos de políticas externas mais sofisticadas, atraindo empresas que buscam alternativas à China, ao mesmo tempo que mantém bom relacionamento com Washington.

O Brasil, portanto, caminha perigosamente rumo ao isolamento das democracias ocidentais, comprometendo sua reputação, seus acordos comerciais e sua capacidade de atrair investimentos. O Brasil, ao abraçar a retórica antiamericana e regimes tóxicos, assina sua exclusão das cadeias globais de valor. Se o governo não recalibrar sua postura e adotar uma diplomacia menos ideológica e mais técnica, os custos econômicos serão ainda mais profundos e duradouros. A soberba tem preço, já evidenciada pelas tarifas — e a economia brasileira acabará mais uma vez pagando a conta.

Brics, “sul global” e a arenga ideológica entre Lula e Trump

A política externa do presidente norte-americano Donald Trump é estupidamente imprevisível; já a política externa do presidente brasileiro Lula da Silva é previsivelmente estúpida: a soma das duas diplomacias idiossincráticas deu no questionamento de Trump sobre a Justiça brasileira e na imposição de uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA.

Tudo isso, aparentemente, foi para salvar o ex-presidente Jair Bolsonaro de iminente condenação no STF e rasgar uma brecha qualquer para seu retorno à Presidência da República do Brasil.

Entretanto, parece claro que Bolsonaro serviu apenas de pretexto, sendo o principal motivo, por trás dessa atitude, o incômodo de Donald Trump em relação ao Brics, ora sob a presidência temporária de Lula.

Não se previa um tão estabanado ataque jurídico-político-tarifário como esse deflagrado por Trump contra o Brasil. Todavia, era previsível que as constantes provocações de Lula contra os EUA não haveriam de terminar em coisa boa.

A maluquice tarifária de 50% contra o Brasil não tem razão econômica, sendo abertamente político-ideológica; e o que veio a acender o pavio curto de Trump foi a Cúpula do Brics 2025, realizada no Rio de Janeiro.

Brics 

Na sua conformação atual, o Brics tem 11 países membros plenos (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Indonésia, Irã) e 10 países em estado probatório para admissão plena, ditos “parceiros” (Belarus, Bolívia,Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbesquistão, Vietnã).

Tanto entre os membros plenos quanto entre os parceiros, a maioria é composta por países de regimes autoritários (alguns, ditaduras escancaradas, outros, ditaduras disfarçadas).

De todo modo, o grupo forma um conjunto desarmônico de países de condições sócio-econômica e política muito desiguais e com interesses díspares ou conflitantes. No desequilíbrio, dois países, pela força econômica e/ou poderio militar, dominam: China e Rússia.

O presidente brasileiro tem feito grande esforço para alcançar um patamar de liderança no Brics; e o aspecto mais destacado desse esforço tem sido as provocações aos EUA, especialmente aquela que mais irrita Trump, que é a campanha para rifar o dólar como moeda padrão internacional.

Além disso, Lula – no Brics e fora do Brics – tem sido muito ativo na vassalagem ao tirano russo Vladimir Putin e à teocracia islâmica fundamentalista e perversa do Irã.

Sul global

Em entrevista concedida ao jornal nacional, para falar sobre o tarifaço de Donald Trump, Lula disse com todas as letras: “O Brics trabalha pelo Sul Global. Nós cansamos de ser subordinados ao Norte.”

O termo Sul Global” vai muito além de uma classificação meramente geográfica: trata-se de uma categoria político-ideológica, gestada em um caldeirão de ressentimentos e atavismos antiocidentais, que contesta a ordem internacional democrática-liberal liderada por EUA e Europa.

As fontes teóricas e intelectuais que sustentam a ideologia do “Sul global” à qual o presidente brasileiro declaradamente aderiu são as teorias do pós-colonialismo e a teoria decolonial, que defende coisas tais como uma “crítica à hegemonia epistêmica ocidental”, “denúncia da colonialidade do poder, do saber e do ser” e outras esquisitices que visam subordinar o conhecimento à ideologia.

No que há de mais refinado, pode-se dizer que as críticas à democracia liberal ocidental inspiram-se indiretamente em Carl Schmitt, um jurista que defendeu o nazismo e cuja crítica ao universalismo liberal tem eco naqueles que afirmam valores que contrastam com o humanismo e o cosmopolitismo.

O conceito de Sul Global, portantoé, antes de tudo, uma categoria estratégica e simbólica que visa articular um bloco de poder alternativo, fundado na crítica ao liberalismo político e econômico e cujas raízes intelectuais são diversas, indo do pensamento pós-colonial à crítica conservadora do liberalismo, tendo por marca político-ideológica principal a resistência aos valores e instituições do Ocidente.

A ala radicalizada e autoritária da esquerda brasileira – formada, em parte, por intelectuais marxistas – entende realmente o Brics com ponta de lança do Sul Global e trabalha para que o presidente brasileiro assuma uma liderança compartilhada com China, Rússia e Irã.

O Irã é um caso especial do desvario ideológico sul-globalista, pois sendo protótipo de regime atrasado é indicado pela esquerda mais alucinada como farol de libertação para a humanidade.

Não surpreende que, no comunicado final da Cúpula do Brics, tenha sido destacado a “violação do direito internacional nos ataques ao Irã” e condenados “nos termos mais fortes” os “ataques contra pontes e ferrovias que visaram deliberadamente civis nas regiões russas de Bryansky, Kursk e Voronezh”.

Não foi dito que o Irã tem apoiado, financiado e armado grupos terroristas que atacam Israel; nem foi dito que a Rússia invadiu e bombardeia constantemente a Ucrânia. Tal imoralidade diplomática era previsível.

É tão previsível a política externa petista que, embora todos concordem que a desavença com os Estados Unidos seja muito ruim para o Brasil, lulistas não conseguem esconder a alegria com que vislumbram os gordos dividendos político-eleitorais que o confronto com Trump pode lhes render.

Lula e a parte extremista da esquerda afundaram-se, com Brics e tudo, em um buraco ideológico. Importa agora evitar que uma circunstância derivada de um surto de estupidez trumpista-bolsonarista permita que Lula e a esquerda radical continuem arrastando o Brasil para um buraco cada vez maior.

Como sonhar ainda não foi proibido pelo STF, podemos até sonhar que dessa bagunça toda resulte, nas eleições de 2026, um Brasil livre tanto do lulismo quanto do bolsonarismo.

Diplomacia Inflamável

A eleição de Lula em 2023 trouxe uma mudança radical no fluxo comercial de combustíveis entre Brasil e Rússia. De importações praticamente inexistentes, o Brasil catapultou-se para o posto de maior comprador mundial de diesel russo em poucos meses. Segundo dados da Kpler e do Comex Stat, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o Brasil injetou impressionantes US$ 12,54 bilhões na economia russa, sendo o diesel o carro-chefe dessas transações. Essa súbita dependência coincide não apenas com a volta de Lula ao poder, mas também com o período em que a Rússia, sob pesadas sanções ocidentais por sua invasão da Ucrânia, buscava desesperadamente novos mercados para financiar seu esforço de guerra. A coincidência temporal é gritante: o dinheiro brasileiro flui para Moscou exatamente quando o Kremlin mais precisa para sustentar sua máquina bélica.

Este fluxo financeiro maciço não ocorre num vácuo geopolítico. Ele se entrelaça com a ativa participação do Brasil no BRICS. Lula tem sido um vocal articulador de iniciativas dentro do grupo que desafiam a ordem ocidental, notadamente a proposta de substituir o dólar nas transações entre os membros. A compra em grande escala de diesel russo, potencialmente facilitada por mecanismos financeiros alternativos que contornam o sistema Swift (alvo de sanções), aparece como uma concretização prática desse alinhamento estratégico e econômico. Paralelamente, o governo Lula manteve postura ambígua e de não condenação clara à invasão russa, recusando-se a fornecer armas à Ucrânia e frequentemente equiparando agressor e vítima em seus discursos, o que desagradou profundamente às democracias ocidentais.

A estratégia brasileira, porém, tem um preço elevado no tabuleiro internacional. Ao se aproximar energeticamente e politicamente da Rússia agressora e ao minar esforços de isolamento econômico, o Brasil enfraquece sua credibilidade diante das principais democracias do mundo. Essa postura gera desconfiança e mina décadas de construção de uma reputação de defensor da ordem internacional. O impacto mais imediato e tangível desse desgaste recai sobre o já frágil Acordo Mercosul-União Europeia. Países europeus, especialmente França e Áustria, veem com extrema preocupação o aumento das relações comerciais e o alinhamento político do Brasil com a Rússia. A ratificação do acordo, já complexa, torna-se politicamente inviável para os europeus enquanto o Brasil for visto como um financiador indireto da guerra através de suas compras de energia.

Em suma, a explosão das importações brasileiras de diesel russo sob o governo Lula é muito mais do que uma simples transação comercial. É um ato geopolítico de profundo significado. Ao injetar bilhões na economia de um país que viola flagrantemente o direito internacional, ao alinhar-se com a agenda desestabilizadora do BRICS liderada por Putin e Xi Jinping, e ao minar sua própria credibilidade junto a democracias aliadas, o Brasil não apenas financia indiretamente a invasão da Ucrânia, mas compromete suas relações estratégicas mais importantes, abrindo o flanco inclusive para sofrer sanções. O combustível russo pode baratear temporariamente o preço na bomba, mas o custo para a posição internacional e o futuro econômico do Brasil, especialmente no tocante ao Mercosul e ao acordo com a UE, pode se revelar exorbitante e de longo prazo, marcando uma opção clara por um eixo que o distancia do Ocidente.

PT não tem gabinete do ódio, é gabinete do amor

O governo Lula parece querer repetir uma tática que deu certo no passado: destruir reputações. Em 2014, o alvo foi Marina Silva, e a estratégia deu a vitória a Dilma Rousseff. Mas agora o cenário é outro. Depois de mais de uma década convivendo com campanhas difamatórias, tanto no campo político quanto na indústria de “influencers” e perfis de fofoca, o público aprendeu a reconhecer esse tipo de manobra.

A tentativa da vez é contra o deputado Hugo Motta. A máquina foi acionada: perfis aliados, “jornalistas” que operam como assessores e blogueiros amigos se uniram para fazer o serviço sujo. Resultado? O nome de Hugo Motta cresceu. A ofensiva teve o efeito oposto ao planejado.

Não é nem uma avaliação moral. É uma constatação prática: não colou. E não vai colar. Não há campanha de rede social que convença o brasileiro a ir pra rua pedir mais imposto.

Ainda mais depois de ver a Controladoria-Geral da União abrir mão de bilhões em multas de empreiteiras envolvidas na Lava Jato ou o perdão dado a parte da dívida das Lojas Americanas. Se o governo não tivesse perdoado essas dívidas de bilionários e amigos, não estaria tão desesperado por arrecadação. Mas é mais fácil atacar adversários do que rever prioridades.

O ridículo chegou ao ponto de fundar o “gabinete do amor” dentro da Fundação Perseu Abramo, a fundação partidária do PT. Uma rede de comunicação paralela, bancada com verba pública e partido, que imita o que diz combater: ataques coordenados, slogans vazios, manipulação de pauta. Entenda como o PT entra nisso lendo o artigo de Wilson Lima. “Congresso inimigo do povo” virou mote, como se fosse possível reeditar a vibe AI-5 com lacração progressista.

Érika Hilton propaga fake news dizendo que Lula aprovou um benefício que ele mesmo vetou. Boulos solta frases desconectadas da realidade sobre “povo invadindo banco”. E os influenciadores repassam. Uma narrativa mal feita e que subestima a inteligência da população. A tal taxação dos “super-ricos” virou apelido para qualquer aumento de imposto.

E isso não é porque a direita opera ataquer melhor que a esquerda. Nem bolsonaristas conseguem mais fazer esse tipo de campanha funcionar. Carlos Bolsonaro, por exemplo, tentou me atacar de novo semana passada. Em 2019, isso escalava. Gente seguindo minha família na rua, ameaças reais, recado no para-brisa do carro. Hoje, a mesma tática não passa de xingamento patético nas redes. A máquina perdeu a força. Nem a direita radical está conseguindo produzir o efeito que produzia anos atrás.

E Lula? Lula está ainda mais fraco. O Lula de 2003 ou 2007 teria reagido rápido à derrota do IOF. No dia seguinte almoçaria com os presidentes da Câmara e do Senado, realinhado a base. O de agora demorou, vacilou, e quando finalmente se moveu, já era tarde. O estrago estava feito. E pior: foi causado pelo próprio governo. O ataque contra Hugo Motta saiu pela culatra. Lula saiu menor do que entrou.

Se esse é o “marketing” pró-governo, a oposição pode tirar férias. O próprio governo já está fazendo o trabalho dela.

Democratas, populistas e autocratas

Boric (do Chile) é de esquerda, eu apoio Boric. Lacalle Pou (do Uruguai) é de direita, eu apoiava Pou. Agora Orsi (que sucedeu Boric no Uruguai) é de esquerda, eu apoio Orsi. Úrsula (da União Europeia) é dita de direita, eu apoio Úrsula. Por quê? Porque não são populistas nem autocratas. Estou pouco ligando se se dizem ou são ditos de esquerda ou de direita.

Lula (do Brasil) é de esquerda, eu não apoio Lula. Bolsonaro (do Brasil) se diz de direita, eu não apoio Bolsonaro. Petro (da Colômbia) é de esquerda, eu não apoio Petro. Trump (dos EUA) se diz de direita, eu não apoio Trump. E não apoio nenhum desses não porque sejam de esquerda ou de direita e sim porque são populistas.

Também não apoio Xi Jinping (da China), Canel (de Cuba) e Kim Jong-un (da Coreia do Norte) não porque sejam de esquerda e sim porque são autocratas. E não apoio igualmente Orbán (da Hungria), Erdogan (da Turquia) e Bukele (de El Salvador) não porque sejam de direita e sim porque são autocratas.

Contra autocratas, como é óbvio, só temos a democracia. Mas contra populistas, o que já não é tão óbvio, também só temos a democracia. Os novos populismos do século 21 são adversários da democracia, ainda que a parasitem. Não são propriamente ideologias e sim comportamentos políticos baseados na divisão da sociedade em uma única clivagem (povo x elites), no encorajamento de uma polarização política a partir dessa divisão (a política praticada como guerra do “nós contra eles”) e na ideia (majoritarista) de que é preciso fazer maioria em todo lugar, acumulando forças para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido (ou de um grupo ideológico que faz as vezes de partido). Em alguns casos, não todos, os populismos são mais rudes e querem chegar ao governo pelo voto para, em seguida, acabar com o regime político democrático, seja erodindo progressivamente a democracia – desativando seus mecanismos de freios e contrapesos, seja, até, desferindo um golpe de Estado (ou auto-golpe) a partir do governo. Não é relevante que os populistas que se comportam assim se digam ou sejam ditos de esquerda ou de direita.

Os populistas vicejam em regimes eleitorais – chamados ainda de democracias, mesmo que não sejam liberais – porque esses regimes têm falhas “genéticas”: não têm proteção eficaz contra o discurso inverídido, não têm proteção eficaz contra o uso da democracia (notadamente das eleições) contra a própria democracia, não têm proteção eficaz contra a destruição das normas não escritas que estão abaixo do sistema legal-institucional e o sustentam e não têm proteção eficaz contra a falsificação da opinião pública a partir da manipulação das mídias sociais, que desabilita qualquer razão comunicativa, destruindo o espaço discursivo de interação de opiniões. Pouco importa se os populistas que penetram por essas brechas se declarem ou sejam considerados de esquerda ou de direita.

Então vamos simplificar tudo. Passou da hora de jogar fora no lixo esse papo de esquerda e direita. Os líderes e suas forças políticas podem ser classificados hoje basicamente em três tipos: democratas, populistas e autocratas.

A diagram of the political party

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Democratas (como Frederiksen, da Dinamarca e Merz, da Alemanha) não são populistas, nem autocratas. Não importa se a primeira é dita de esquerda (ou progressista) e o segundo é dito de direita (ou conservador).

Populistas podem ser autocratas (como Maduro, da Venezuela e Bukele, de El Salvador) – e não importa se o primeiro se diz de esquerda e o segundo é dito de direita. Mas populistas podem também não ser autocratas (como Xiomara, de Honduras e Fico, da Eslováquia) – e não importa se a primeira se identifica com a esquerda e o segundo com a direita.

Autocratas podem não ser populistas (como Chính, do Vietnam e Min Aung Hlaing, de Mianmar) – e não importa se o primeiro se diz de esquerda (e socialista) e o segundo é considerado de direita (um ditador militar).

Note-se que, nos pares citados acima como exemplos, sempre um é dito de esquerda e o outro de direita. Isso é para mostrar que não há diferença relevante entre eles em termos de comportamento político.

É claro que se pode detalhar a classificação proposta aqui para revelar as diferenças entre dois tipos de democratas, dois tipos de populistas e dois tipos de autocratas, como na imagem abaixo:

A diagram of different colors of circles

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Entre os democratas, temos os democratas liberais (como Rodrigo, da Costa Rica) e os democratas apenas eleitorais (como Plenkovic, da Croácia).

Entre os populistas, temos os neopopulistas (como Arce, da Bolívia) e os populistas-autoritários ou nacional-populistas (como Modi, da Índia).

Entre os autocratas, temos os autocratas eleitorais (como Putin, da Rússia) e os autocratas não-eleitorais (como bin Salman, da Arábia Saudita).

Claro que, como já foi dito, há uma interseção entre populistas e autocratas (no caso, autocratas eleitorais). O neopopulista Ortega (da Nicarágua) e o nacional-populista Erdogan (da Turquia) são também autocratas eleitorais.

Mas essas subclassificações não alteram a divisão básica entre democratas, populistas e autocratas.

Também não ajuda classificar as forças políticas em conservadores, liberais e socialistas – colocando os dois últimos como progressistas (quando muitos que se declaram socialistas são regressistas). Além disso, essa classificação ideológica exclui a possibilidade da existência de liberal-conservadores. As forças políticas não podem ser classificadas pelas ideologias confessadas por seus líderes e sim pelo comportamento político do conjunto de seus agentes.