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Risco Chinês

O Quarto Plenário do 20º Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCCh), que teve início a portas fechadas no Hotel Jingxi, em Pequim, não é apenas um evento rotineiro do ciclo político nacional. É um momento de engenharia estratégica de alto risco que visa redefinir o caminho do país num cenário global crescentemente hostil. Reunindo mais de 350 dirigentes, o foco central não é a governança partidária, mas a sobrevivência econômica e segurança nacional, materializada nas propostas para o 15º Plano Quinquenal (2026-2030).

O teor central do Plenário, realizado em um momento de acentuada desaceleração econômica (com PIB abaixo das expectativas) e de colapso no investimento estrangeiro, foi a mudança brusca de prioridade: do crescimento a todo custo para segurança e autossuficiência. Sob a liderança de Xi Jinping, o Partido Comunista busca construir uma China menos vulnerável às pressões externas. 

O objetivo passa por investimentos massivos em inteligência artificial, tecnologia quântica, semicondutores e energia limpa, enquanto a modernização de indústrias tradicionais busca competitividade global. Contudo, a alocação seletiva de recursos para setores estratégicos, em detrimento de uma recuperação econômica ampla, repete os erros de planos passados, que frequentemente sacrificaram resiliência em favor de prioridades políticas. A crise da dívida local e o colapso do setor imobiliário, problemas herdados do 14º Plano, continuam a desafiar a estabilidade chinesa, e a insistência do regime em soluções centralizadas revela uma incapacidade real de promover reformas estruturais profundas, sufocando a inovação genuína.

Ao fim e ao cabo, vemos que longe da retórica de “modernização socialista”, a estratégia adotada esconde riscos sistêmicos e geopolíticos de longo prazo que merecem uma análise crítica no Brasil e no mundo. O redirecionamento massivo de crédito dos setores tradicionais (como a construção civil, em crise) para a manufatura avançada, sem um consumo interno que absorva essa produção, pode simplesmente transferir e agravar a sobrecapacidade industrial, desestabilizando os mercados globais.

Além disso, ao forçar a autossuficiência em tecnologias sensíveis, a China acelera a fragmentação dos padrões tecnológicos globais. Isso não apenas dificulta o comércio, mas também pode forçar empresas estrangeiras a escolherem entre o mercado chinês e o resto do mundo, dividindo as cadeias de valor e aumentando os custos logísticos e de produção para todos os países, incluindo o Brasil.

O comunicado final consolida diretrizes inquestionáveis, mas a visão do PCCh, ancorada em controle rígido, levanta sérias dúvidas sobre sua sustentabilidade. A centralização excessiva, que reprime vozes dissidentes e inovações não sancionadas, contrasta com a promessa de prosperidade e expõe a fragilidade de um sistema que teme a abertura. Comparado aos planos quinquenais do passado, que, apesar de falhas, beneficiaram-se de um ambiente global mais favorável, o 15º Plano enfrenta um mundo mais hostil, onde a desconfiança gerada pelo autoritarismo do PCCh mina a cooperação internacional. O custo dessa abordagem — isolamento econômico, tensões geopolíticas e erosão da coesão social interna — pode superar as ambições do regime, revelando um modelo que, sob a fachada de força, camufla profundas vulnerabilidades, aquilo que se transformou no verdadeiro risco chinês.

Político palestino critica ativistas como Greta, que ficam em silêncio sobre execuções do Hamas

Os mesmos ativistas que, durante meses, gritaram “Palestina livre” nas ruas e nas redes, desapareceram quando a paz chegou. Nenhum gesto de celebração, nenhuma palavra de alívio. A conquista que deveria representar o triunfo da causa se tornou um constrangimento. A paz desarma não apenas os fuzis, mas também as narrativas. Quando o Hamas rompeu o próprio acordo e voltou a executar palestinos em público, os que se diziam defensores da liberdade simplesmente calaram. O silêncio não foi neutralidade, foi revelação.

Enquanto o Ocidente fazia de conta que não via, uma voz palestina expôs o absurdo. Ahmed Al Khalidi, político nascido em Jerusalém, advogado e professor universitário, publicou um artigo contundente sobre a hipocrisia dos ativistas ocidentais que dizem lutar por justiça, mas terminam servindo à tirania. “Eu me sinto profundamente intrigado por um certo fenômeno ocidental: os ativistas climáticos, defensores dos direitos humanos e autoproclamados progressistas que, de alguma forma, acabam repetindo as falas do Hamas”, escreveu.

Al Khalidi desmonta o que chama de modelo mental da confusão moral ocidental. Ele explica que boa parte desses militantes precisa de uma história simples, com mocinhos e vilões. É mais fácil viver num mundo dividido entre oprimidos e opressores do que lidar com a complexidade das tragédias humanas. Para eles, os palestinos são automaticamente as vítimas, e o Hamas, a resistência. “Eles não precisam de fatos, precisam de clareza moral, mesmo que seja falsa.”

O segundo ponto de sua análise é o mais incômodo: a projeção de culpa. O Ocidente, carregado de remorso por séculos de colonialismo e racismo, transforma causas “anti-imperialistas” em rituais de absolvição. “Eles se veem como aliados dos oprimidos, mas, na verdade, não estão nos ajudando, estão lavando a própria consciência.” É uma caridade estética, feita para exibição.

Mas há algo ainda mais profundo, e Al Khalidi toca na ferida: a atração pela intensidade emocional. Para jovens que cresceram em vidas fáceis, sem frustração real, o sofrimento alheio virou palco de experimentação moral. “Eles anseiam por luta moral como outros anseiam por aventura. Confundem destruição com profundidade.” É o mesmo narcisismo que transforma causas em acessórios, slogans em identidade e o drama de povos inteiros em espetáculo.

A geração que se diz rebelde confunde exibicionismo com luta, operações de marketing com ações de libertação, palavras com ação. Criados na era do elogio automático, acostumados a nunca ouvir “não” e a receber aplausos de pais frágeis e uma imprensa deslumbrada, acreditam que postar frases, fazer dancinhas ou usar um keffieh os torna parte de uma revolução. Querem aventura, mas não sabem nem lavar um copo.

Foram jovens da mesma idade que, em 1944, desembarcaram na Normandia para libertar a Europa do nazismo. Eram meninos que enfrentaram metralhadoras, lama e medo para restaurar a dignidade humana. No século XXI, os descendentes dessa coragem acreditam estar libertando povos enquanto repetem o discurso dos opressores. É o triunfo da pose sobre a consciência.

Al Khalidi conclui: “Quando vejo esses ativistas marchando com slogans que defendem o Hamas, não vejo solidariedade. Vejo confusão psicológica disfarçada de moralidade”, A frase resume um tempo em que a empatia virou performance e o sofrimento, matéria-prima para autopromoção.

A esquerda internacional, que se diz defensora dos oprimidos, ignora que o principal inimigo dos palestinos é o próprio Hamas. E o Ocidente, em seu conforto culpado, prefere a ilusão de pureza à responsabilidade moral de enxergar o real. O artigo de Ahmed Al Khalidi é mais que uma crítica: é um espelho incômodo. O Ocidente criou uma geração de supostos defensores dos direitos humanos incapazes de qualquer tipo de empatia com vítimas reais.

Nobel para María Corina expõe para o mundo a farsa lulista de defesa da democracia

Há ironias que a história se encarrega de narrar com perfeição. O Prêmio Nobel da Paz de 2025, concedido à venezuelana María Corina Machado, é uma delas. A líder liberal, cassada e perseguida pelo regime chavista, foi reconhecida por sua luta pela restauração da democracia na Venezuela. O gesto do comitê norueguês tem peso simbólico: o prêmio mais prestigiado do mundo foi entregue a uma mulher que enfrentou o ditador Nicolás Maduro, o mesmo homem que Luiz Inácio Lula da Silva ajudou a sustentar e continua a defender.

María Corina dedicou o prêmio a Donald Trump, gesto que escancarou um ponto incômodo para o progressismo internacional. O ex-presidente americano, que durante anos foi retratado como símbolo da polarização e do autoritarismo, conseguiu um feito diplomático que parecia impossível: negociar o fim da guerra na Faixa de Gaza com a devolução de todos os reféns israelenses. O acordo, mediado com o Egito e os Emirados Árabes, encerrou meses de terror e de impasse humanitário. María Corina fez questão de sublinhar isso em sua fala: “A paz real só existe quando a liberdade vence o medo”.

O gesto não foi apenas gratidão. Foi uma mensagem política clara: a coragem de enfrentar ditadores e negociar a paz exige princípios, não slogans. A atuação de Trump na resolução do conflito no Oriente Médio e na pressão direta sobre a ditadura de Maduro, incluindo novas sanções e congelamento de ativos da elite chavista, foi decisiva para enfraquecer o regime e abrir espaço para a resistência democrática venezuelana. Foi, portanto, também um reconhecimento indireto de que a liberdade na América Latina não virá dos discursos de esquerda, mas de quem ousa desafiar a tirania com resultados concretos.

O constrangimento para Lula foi inevitável. O presidente brasileiro é um dos principais aliados de Nicolás Maduro no Ocidente. Fez campanha pública por ele, aparecendo em anúncios de televisão na Venezuela. Parte dos presos da Lava Jato delatou que recursos desviados pelo PT no Brasil foram usados para financiar campanhas do chavismo. Os marqueteiros Mônica Moura e João Santana admitiram, em delação premiada, que receberam dinheiro de corrupção do Partido dos Trabalhadores para atuar na campanha de Nicolás Maduro. Em outras palavras, Lula não é apenas cúmplice político da ditadura venezuelana, ele contribuiu diretamente para instalá-la.

Enquanto María Corina Machado arriscava a própria vida para enfrentar um regime que persegue, prende e tortura opositores, Lula ironizava sua cassação. Em 2023, afirmou que o episódio era um “problema interno da Venezuela”, expressão usada há décadas por autocratas para justificar repressões. Também foi irônico e machista ao tirar sarro, dizendo que ela estava chorando demais, deveria escolher outro candidato quando Maduro impediu sua candidatura. A mulher que ele desprezou tornou-se agora símbolo mundial de coragem e democracia.

Há anos circula em Brasília um rumor persistente: o grande sonho de Lula é ganhar o Nobel da Paz. Organizações e movimentos ligados ao PT insistem nessa indicação e ele se envaidece com a ideia. Quer ser visto como o mediador universal, o estadista do diálogo, o líder que pacifica o mundo com discursos. Mas os fatos teimam em contradizê-lo. Desde que voltou ao poder, duas mulheres que enfrentaram ditadores amigos de Lula ganharam o prêmio. Em 2023, a iraniana Narges Mohammadi, presa por denunciar a opressão dos aiatolás. Em 2025, María Corina Machado, vítima do chavismo que ele ajudou a financiar.

O Nobel, neste caso, é mais que um prêmio. É um veredito. Mostra ao mundo que a verdadeira defesa da democracia não vem de cúpulas governamentais nem de líderes que se proclamam pacificadores enquanto aplaudem tiranos. Vem de quem paga o preço da liberdade com a própria vida.

A esquerda adora repetir que está do lado certo da história. O problema é que a história, de vez em quando, decide responder. E quando o faz é implacável. O Nobel da Paz de 2025 mostrou o que o marketing lulista tenta esconder: enquanto Lula cultiva a fantasia de pacificador global, são as vítimas de seus aliados que conquistam o reconhecimento moral do mundo. A história, afinal, tem um senso de justiça que nenhum comitê partidário é capaz de manipular.

Depor Maduro é o caminho certo a seguir

Nicolás Maduro perdeu as eleições presidenciais de julho de 2024 e governa sem legitimidade. Ele é responsável por sofrimento generalizado e repressão política, forçando 8 milhões de venezuelanos ao exílio. O desgoverno de seu regime, combinado com sua aliança com organizações criminosas transnacionais, desestabilizou toda a região. Maduro chegou a ameaçar invadir a vizinha Guiana. Por essas razões, o fim do regime de Maduro seria transformador para a Venezuela e a América Latina.

É importante ressaltar que a Venezuela possui uma oposição democrática capaz — liderada por María Corina Machado e o presidente eleito Edmundo González — que está preparada para governar com responsabilidade.

No entanto, a atual mobilização militar do governo Trump no Caribe parece ter como objetivo principal sinalizar a determinação dos EUA e expandir o leque de opções de Washington, em vez de se preparar para uma mudança de regime.

O governo pode estar tentando pressionar Maduro a fazer concessões, mas seus objetivos específicos permanecem ambíguos. Mesmo com a intensificação da retórica e o fim do canal diplomático com o regime, o governo continua coordenando voos de deportação com o regime e mantém uma licença que permite à Chevron exportar petróleo venezuelano.

Qualquer tentativa de remover Maduro do poder à força exigiria uma preparação extensa: angariar apoio no Congresso, reunir uma coalizão de parceiros regionais, pré-posicionar forças substancialmente maiores e desenvolver planos detalhados para a estabilização pós-regime. O governo compreende os profundos riscos envolvidos — particularmente os danos catastróficos à credibilidade dos EUA caso tal operação fracasse ou resulte em um conflito prolongado.

O Nobel da Paz de María Corina Machado — um prêmio à liberdade e um constrangimento ao autoritarismo

A decisão de conceder o Prêmio Nobel da Paz de 2025 à líder venezuelana María Corina Machado é mais do que uma homenagem pessoal. É um gesto de coragem política e uma denúncia pública contra o regime de Nicolás Maduro, que há anos sufoca a democracia na Venezuela. O prêmio, concedido a uma mulher que enfrenta perseguição, censura e ameaça, é uma mensagem clara ao mundo: lutar pela liberdade em tempos de opressão é, em si, um ato de paz.

Não há contradição alguma em conceder o Nobel da Paz a uma pessoa que resiste a um regime autoritário. Pelo contrário. A verdadeira paz não se resume à ausência de guerra — ela exige justiça, liberdade e respeito aos direitos humanos. É nesse sentido que a escolha de María Corina se torna profundamente simbólica: ela representa milhões de venezuelanos que há anos vivem sob repressão, exílio forçado e miséria provocada por um governo que destruiu as instituições democráticas em nome de um projeto de poder.

O reconhecimento internacional da luta de María Corina reforça as denúncias contra o regime chavista, acusado por organizações como a ONU e a Human Rights Watch de violações sistemáticas de direitos humanos, manipulação eleitoral e perseguição política. O Nobel não apenas confirma a legitimidade das vozes que denunciam essas práticas, mas também amplia o alcance de sua causa — transforma a dor venezuelana em um chamado global por liberdade e dignidade.

Ao mesmo tempo, o prêmio é um constrangimento direto para os que ainda sustentam Maduro, seja por afinidade ideológica, seja por conveniência política. Apoiar ou relativizar um regime que prende opositores, censura a imprensa e manipula o voto popular é, na prática, fechar os olhos para o sofrimento humano. O Nobel impõe um espelho incômodo a esses aliados: de que lado da história eles querem estar?

Há, no entanto, quem critique a escolha de María Corina, alegando que ela representa um confronto político e não a “paz”. Mas é exatamente aí que se revela a profundidade dessa decisão. Em um país onde votar é um risco, onde pensar diferente é crime, resistir pacificamente é o maior ato de paz possível. A luta de María Corina não é por poder, mas por liberdade — a base de toda convivência pacífica e democrática.

É importante também separar duas posturas muito diferentes: a de quem defende a liberdade, e a de quem defende ideologias que suprimem essa mesma liberdade. A primeira exige coragem e compromisso com a verdade. A segunda, disfarçada de discurso “revolucionário” ou “anti-imperialista”, serve apenas para justificar a perpetuação da tirania. María Corina representa a primeira — e o Nobel deixa claro que o mundo reconhece isso.

Mais do que um prêmio, essa escolha é uma advertência: regimes autoritários podem controlar fronteiras, censurar vozes e reprimir opositores, mas não conseguem silenciar o desejo universal de liberdade. E, para aqueles que ainda insistem em relativizar ditaduras, o Nobel da Paz de 2025 será lembrado como o momento em que o mundo reafirmou que não há verdadeira paz sem democracia.

Em última análise, o reconhecimento a María Corina Machado é uma vitória moral — não apenas dela, mas de todos que acreditam que a paz nasce quando a liberdade vence o medo.

O valor e a humildade de Maria Corina Machado

Pela primeira vez, fiquei emocionada após a divulgação de um prêmio Nobel da paz. A honraria, algo sempre tão distante, pareceu-me, dessa vez, ter sido concedida a alguém que me era próximo. Não estranhei minha reação. Sou mesmo emotiva; meus olhos marejam facilmente.

A razão logo acorreu, justificando-me: claro que se tratava de alguém próximo. A pessoa laureada era alguém cuja luta observo há mais de uma década, alguém cuja coragem me inspira e com cujos ideais me identifico. Ademais, é uma mulher. E é latina. Chama-se Maria, esse nome simples e familiar.

Maria Corina Machado receceu o Prêmio Nobel da Paz, 2025, “por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”, conforme as palavras do Comitê Nobel norueguês.

Ela “é um dos mais extraordinários exemplos de coragem civil na América Latina nos últimos tempos”, acrescentou o comitê.

Assisti ao vídeo em que o diretor do Instituto Nobel Norueguês, Kristian Berg Harpviken, compartilhou com Corina, por ligação telefônica, a notícia de sua premiação, antes que fosse anunciada ao mundo. Foi bem tocante. Não apenas ela, mas o próprio representante do Instituto estavam emocionados.

Ah! A emoção genuína e nobre! Não a emoção confusa, patética e febril advinda de impulsos irracionais e primitivos, mas a emoção suave, espécie de abalo sutil e desabafo da alma que se sente movida por e impulsada para valores altos, universais e eternos.

Ambos, Corina e Harpviken se emocionaram, naquele momento, porque estavam provavelmente envolvidos pelo mesmo sentimento moral.

Segundo o filósofo Max Scheler (1874-1928), há um universo de valores hierarquicamente organizados, que são percebidos pela visão emocional ou intuição sentimental. 

Há basicamente quatro níveis nessa hierarquia. No terceiro nível, abaixo apenas dos valores religiosos (sagrado-profano), estão os valores culturais ou espirituais, dentre os quais os valores ético-jurídicos (justo-injusto).

Nem todos são capazes de perceber a manifestação no mundo dos valores espirituais. Isso porque estão ainda embotados, ora seduzidos por valores hierarquicamente inferiores, ora emocionalmente conturbados por ideologias.

Para aqueles, porém, dotados de certa sensibilidade, a premiação de Maria Corina foi um tributo à coragem, à liberdade e à justiça, valores objetivos que a sua luta política representa. 

O prêmio emociona porque, ao reconhecer valores morais onde eles realmente existem, o mundo se mostra um pouco menos doente.

Foi feliz o editorial do Estadão ao escrever que, ao premiar Corina, “o Comitê Norueguês do Nobel lembrou a todos que a luta pelo regime das liberdades ainda exige firmeza de caráter e sacrifício pessoal

Sim! Sacrifício. Isso se dá porque a percepção dos valores espirituais leva à clara evidência de que os valores inferiores devem ser sacrificados perante eles. 

O colega Duda Teixeira foi igualmente feliz quando destacou, no programa Papo Antagonista, transmitido no mesmo dia da divulgação do prêmio Nobel, que, de forma alguma, Corina é movida por um projeto pessoal de poder:

Ela está realmente se doando para a causa da democracia na Venezuela. E, de fato, a vida dela toda, está em função disso. A Maria Corina tem três filhos e um marido. Os filhos estão em diferentes países por questão de segurança. O marido também já não vive com ela, pois ela vive praticamente na clandestinidade devido a ameaças constantes e reais da ditadura. Então, essa é uma mulher que não tem momento de ócio, de lazer com a família, de descontração. A vida dela é vinte e quatro horas por dia fugir da ditadura e lutar por democracia”.

Olhando por esse ângulo, enfatizado por Duda Teixeira, a concessão do Nobel da Paz a Maria Corina torna-se ainda mais importante. Ele dá a quem enfrentou e enfrenta, de peito aberto, uma brutal ditadura, um enorme respaldo internacional que lhe servirá também como forma de proteção. 

A inveja de Lula e Trump

A inesperada premiação de Maria Corina recebeu, naturalmente, atenção internacional. As reações foram de fortes elogios a críticas histéricas. Tanto se fala sobre esse assunto que o silêncio de quem cala se torna eloquente.

Tem quem faça pior e não fale nem silencie, mas apenas enrole; foi o caso do governo brasileiro, que se escondeu na omissão, mas mandou o secretário Celso Amorim falar qualquer coisa.

Amorim, contumaz adulador do ditador Nicolás Maduro, tentou desmerecer Maria Corina dizendo que, em detrimento da paz, o Prêmio Nobel havia priorizado a política. Ele estava apenas repetindo o que a Casa Branca – revelando a mágoa do presidente Donald Trump por não ter sido o premiado – havia exposto horas antes.

Ora, o Prêmio Nobel da Paz é geralmente considerado a mais importante honraria política do mundo; isto porque um dos principais instrumentos para a construção da paz é justamente a política. Mas o prêmio costuma honrar a boa política, aquela que a baixa envergadura moral do atual governo brasileiro não permite reconhecer.

María Corina e Donald Trump, no entanto, logo se acertaram. Pessoas humildes não têm muita dificuldade em lidar com pessoas vaidosas, pois não disputam com elas. Sabem do próprio valor e não precisam ostentá-lo, mas tentam até diminuí-lo para que outros brilhem em seu lugar.

A líder venezuelana dedicou seu prêmio primeiramente ao povo venezuelano, mas também ao vaidoso presidente norte-americano, a fim de mitigar-lhe a mágoa de ter sido preterido. Em seguida, conversaram por telefone. Trump referiu-se à conversa nos seguintes termos:

A pessoa que recebeu o Prêmio Nobel hoje me ligou e me disse: ‘Estou aceitando isso em sua homenagem, porque realmente você merecia’. Foi algo muito amável da parte dela. Eu não disse ‘então me dê’, embora eu ache que ela poderia ter feito isso. Ela foi muito legal“, disse o presidente americano.

Chega a ser cômico o contraste entre um perfil e outro. Corina é comunicada do prêmio e afirma, emocionada ao diretor do Instituto Nobel: “Esta é uma conquista de toda uma sociedade. Eu sou apenas, sabe, uma pessoa. Eu certamente não mereço isso”. Trump, por sua vez, clama aos quatro ventos que o merece.

É como diz canção de Vinícius: “O homem que diz sou (não é); porque quem é mesmo é (não sou)”. 

A verdadeira virtude é silenciosa, não se afirma; é descoberta, revelada. E, algumas vezes, merecidamente premiada.

Por que a mídia não fala do genocídio cristão na Nigéria?

Bill Maher não é conhecido por suavizar opiniões. Comediante, roteirista e apresentador de televisão, há décadas provoca polêmica em seu programa Real Time with Bill Maher na HBO. Frequentemente ácido em relação à fé cristã, surpreendeu parte da audiência ao destacar, em setembro, uma tragédia que raramente ocupa espaço no noticiário internacional: o massacre de cristãos na Nigéria.

“Não sou cristão, mas eles estão matando sistematicamente os cristãos na Nigéria”, afirmou Maher. “Eles já mataram mais de 100 mil desde 2009. Já queimaram 18 mil igrejas. Isso é muito mais uma tentativa de genocídio do que o que está acontecendo em Gaza. Eles estão literalmente tentando exterminar a população cristã de um país inteiro. Onde estão os jovens protestando contra isso?”

A contundência da fala quebrou o silêncio ensurdecedor da grande imprensa. E a pergunta se espalhou rapidamente pelas redes sociais: por que uma crise humanitária dessa magnitude só veio ganhar visibilidade porque um comediante ateu a mencionou na televisão? Onde estão os correspondentes internacionais, os repórteres investigativos e as manchetes indignadas que surgem quando o tema interessa às agendas de poder?

Os dados estão disponíveis há anos. A Open Doors, organização internacional dedicada a apoiar cristãos perseguidos, coloca a Nigéria como o sétimo pior país do mundo para quem professa a fé em Cristo. Não é um ranking simbólico: ali morrem mais cristãos do que em qualquer outro lugar do planeta. O último relatório da entidade afirma que os ataques não são episódios isolados, mas parte de uma campanha sistemática de extermínio religioso. Boko Haram, ISWAP e milícias de pastores Fulani seguem um roteiro conhecido: homens executados em praça pública, mulheres sequestradas e violentadas, aldeias inteiras queimadas, igrejas demolidas. O saldo é um país com milhões de deslocados internos, famílias vivendo em campos improvisados, sem comida, sem abrigo e sem perspectivas.

Em junho, o massacre no Estado de Benue escancarou mais uma vez essa realidade. Milicianos armados atacaram comunidades cristãs durante a noite e deixaram mais de duzentos mortos. “Eles mataram muitos do nosso povo, incluindo vários da família do meu marido”, relatou Imma, sobrevivente que perdeu parentes diante de seus olhos. Outro sobrevivente, chamado Simon, descreveu como os militantes incendiaram armazéns onde mulheres e crianças dormiam. O fogo consumiu tudo. O terror, porém, não se limita a esses números: cada ataque deixa comunidades inteiras deslocadas, aterrorizadas e sem condições de recomeçar.

Nada disso é um acidente histórico. Desde a independência, a Nigéria viveu como uma república costurada às pressas. Em 1914, os britânicos unificaram territórios que até pouco antes compunham o império islâmico do Califado de Sokoto. Após a Primeira Guerra Mundial, a incorporação do norte dos Camarões aumentou ainda mais a população muçulmana do país. Essas linhas de tensão nunca foram resolvidas. Quando, em 1999, o retorno da democracia permitiu que doze estados do norte instituíssem a sharia, a perseguição religiosa tornou-se política de Estado. Blasfêmia e apostasia passaram a ser crimes punidos com violência, criando terreno fértil para que grupos terroristas atuassem com a complacência ou a omissão das autoridades.

O resultado é o que se convencionou chamar de genocídio silencioso. Dezenas de milhares de cristãos foram assassinados na Nigéria apenas neste século por causa da fé. As cifras são brutais e contínuas. A cada semana, igrejas são atacadas, missas interrompidas por explosões, aldeias invadidas. A cada mês, centenas de viúvas e órfãos engrossam um êxodo invisível aos olhos do noticiário global.

E aqui entra a contradição mais gritante. O Reino Unido, os Estados Unidos e a União Europeia, que fazem discursos inflamados sobre a defesa de minorias, mantêm-se praticamente em silêncio sobre a perseguição de cristãos na África. As mesmas vozes que se levantam para denunciar o antissemitismo, a islamofobia ou a homofobia não parecem se comover com a realidade de cristãos negros assassinados em massa. A indignação é seletiva. O discurso da inclusão, que deveria ser universal, se dobra diante de interesses geopolíticos e narrativas convenientes.

Por que a imprensa brasileira também escolheu ignorar essa realidade? Se não há Israel ou judeus no meio, não interessa? Ou será que, no imaginário das redações, negros cristãos na África não se encaixam na categoria de minoria digna de proteção? Seriam os “defensores de minorias” racistas enrustidos? São perguntas incômodas mas inevitáveis. Porque, enquanto editoriais discutem hashtags e causas passageiras, homens e mulheres são executados na Nigéria apenas por professar a fé em Jesus.

O genocídio cristão na Nigéria não é uma nota de rodapé, é um dos maiores dramas humanitários do século XXI. Expõe a hipocrisia de quem se apresenta como guardião da diversidade, mas fecha os olhos para o massacre de uma comunidade inteira. Silenciar diante disso é, no mínimo, cumplicidade. Afinal, quantos corpos precisam se acumular para que a palavra “genocídio” seja usada com a mesma veemência que já se aplica a outras causas? Até quando a vida dos cristãos africanos será considerada descartável na lógica seletiva da indignação ocidental?

Dois anos do terror do Hamas: a urgência de não esquecer e apoiar Israel

Neste 7 de outubro, completam-se dois anos desde que o grupo terrorista Hamas desencadeou uma série de ataques brutais contra Israel que chocaram o mundo. O grau de violência desses atos, que incluíram assassinatos indiscriminados, sequestros e ataques a civis, é difícil de dimensionar, mas impossível de ignorar. Até hoje, 48 pessoas permanecem reféns nas mãos desses terroristas, vítimas de uma violência que não conhece limites.

O que agrava ainda mais essa tragédia é a indiferença, a relativização e, em alguns casos, o apoio explícito de líderes ao lado terrorista. Não é aceitável que autoridades, inclusive de governos como o brasileiro, minimizem ou justifiquem ações que atentam contra a vida humana. Esse tipo de postura contribui para a perpetuação do terror e para o sofrimento das vítimas.

É essencial lembrar que Israel é a única democracia da região, um país que respeita a liberdade individual, os direitos humanos e a coexistência pacífica de diversas culturas e religiões. A luta de Israel contra o Hamas não é apenas uma questão de segurança nacional; é uma defesa da própria civilização contra o extremismo e o ódio.

Ao mesmo tempo, é preciso contextualizar historicamente as questões territoriais com a Palestina. Várias tentativas de criação de dois estados foram propostas ao longo das décadas, mas foram rejeitadas sistematicamente pelo lado árabe. O reconhecimento dessa realidade é fundamental para que o debate sobre a paz seja realista e justo.

A verdadeira busca pela paz não passa por um cessar-fogo que apenas garante a continuidade do terror, mas pela eliminação do Hamas, que oprime a própria população da Faixa de Gaza e impede qualquer possibilidade de progresso social e econômico. Apoiar Israel em sua luta legítima contra o terrorismo é reconhecer a necessidade de proteger vidas, punir os culpados e abrir espaço para uma paz duradoura, baseada na segurança, na justiça e no respeito à história.

Não podemos esquecer os horrores desses dois anos. Não podemos fechar os olhos para o sofrimento dos reféns. E, sobretudo, não podemos ignorar a importância de apoiar uma democracia que luta diariamente contra o terror. A paz verdadeira só será possível quando o Hamas for derrotado e a liberdade voltar a florescer para todos na região.

Clube de Leitura das Distopias

As distopias são livros-chave para decifrar códigos de programação da rede social. Dois esclarecimentos preliminares são necessários:

Quando falamos de rede social não estamos querendo nos referir às mídias sociais. Redes sociais são pessoas interagindo por qualquer meio (mídia) enquando estão interagindo: não plataformas, sites, programas, algoritmos, dispositivos.

Investigar as distopias não se baseia na ideia de que no futuro vão acontecer mundos parecidos com os descritos pelos autores distópicos. Investigar as distopias é importante porque aspectos desses mundos descritos pelos autores distópicos estão acontecendo agora.

Os mesmos padrões hierárquicos de organização e os mesmos modos autocráticos de regulação de conflitos aventados pelos distopistas estão presentes em muitos mundos sociais realmente existentes e adjacentes aos nossos, mas nem sempre somos capazes de reconhecê-los.

As distopias são construções imaginativas que realçam, em alguns casos levando ao paroxismo, as deformações no fluxo da convivência social, evidenciando as principais perturbações no campo interativo e com isso permitindo a identificação de características autoritárias e totalitárias que dificilmente seriam percebidas nas rotinas dos mundos em que vivemos.

Elas fornecem, assim, os esquemas e as disposições teoréticas e simbólicas do que pode se manifestar quando configurações sinérgicas (ou seja, estruturas e dinâmicas que condicionam o fluxo interativo de modo congruente) são replicadas.

É claro que a realidade é sempre mais ousada do que as criações dos ficcionistas distópicos. Nenhuma distopia conseguiu antever ou agravar a deformação promovida nas sociedades soviéticas durante o período do Grande Expurgo stalinista. Nenhum dos livros que possamos examinar chegou perto do que se faz nos dias que correm na Coreia do Norte. Nenhum autor conseguiu imaginar um horror semelhante ao que se instalou em Raka, ocupada pelo Estado Islâmico.

Mas essas exacerbações de formas de comportamento político anti-humano são singularidades que podem acabar cumprindo o perigoso papel de nos alienar do essencial. E o essencial é perceber na nossa vida cotidiana, aceita como normal, as manifestações desses padrões.

Não é mera coincidência que muitos dos padrões do livro 1984 (Nineteen Eighty-Four) de Orwell estejam presente num treinamento ideológico realizado por grupos jihadistas ou que o duplipensar orwelliano esteja presente em qualquer discussão com militantes de organizações políticas autocráticas.

Nem é por acaso que os argumentos simplórios de A Nova Utopia de Jerome K. Jerome (1891) estejam sendo reproduzidos pela militância de protoditaduras latino-americanas em plena terceira década do século 21, ou seja, mais de um século depois. Ou que a subordinação da liberdade à igualdade ou a substituição da liberdade pela felicidade como ideal utópico ainda constituam o centro articulador do pensamento autoritário em todo mundo.

Como escreveu Ernst Bloch (1935) em The Heritage of Our Times, “nem todas as pessoas existem no mesmo Agora”. Essa teoria blochiana da “não-contemporaneidade” só se torna, porém, compreensível, quando percebemos que as pessoas são emaranhados sociais (e não indivíduos isolados) e que a época em que elas vivem depende da configuração dos ambientes em que convivem.

As distopias, são, dessarte, livros-chave para decifrar códigos de programação da rede social em qualquer época.

Na medida em que rede é fluxo (ou seja, metabolismo-e-corpo, dinâmica-e-estrutura) a programação da rede é também uma reprogramação do tempo e por isso é tão difícil estabelecer sintonias com certas pessoas que estão vivendo em outros ambientes. Porque – mesmo estando co-presentes, inclusive na nossa vizinhança – elas estão vivendo em outro tempo.

É preciso estimular a descoberta de pistas de deciframento para aprender a reconhecer padrões autocráticos onde quer que eles se manifestem, inclusive na nossa vida cotidiana (1).

Nossa experiência indica que, do ponto de vista pedagógico (e talvez não só), é sempre melhor começar com a leitura e exploração das distopias, pelas razões expostas a seguir.

As dificuldades de aprendizagem da democracia não têm nada a ver com falta de inteligência (ou de consciência). A conversão à democracia está um andar abaixo: os receptores não estão no solo e sim no subsolo das consciências onde remanescem matrizes míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas fundantes do tipo de civilização em que vivemos há cinco ou seis milênios. Mesmo que tenha lido ou ouvido tudo que foi escrito ou dito sobre democracia, uma pessoa continuará “sub-pensando”, para citar alguns exemplos, que o ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo, que o comportamento coletivo pode ser compreendido a partir do comportamento dos indivíduos, que nada pode ser organizado sem hierarquia, que sempre serão necessários líderes destacados para viabilizar qualquer ação coletiva etc. Só a interação recorrente, a conversação continuada de uma comunidade política sobre democracia, pode encontrar (por insistência, até por tentativa e erro – ou comportamento aleatório) esses receptores e, entrando nessa região escura que subjaz na mente coletiva ou na cultura que se replica automaticamente no tipo de civilização em que vivemos, alterar essas matrizes. Essas matrizes, que geram padrões autocráticos, pertencem ao modo de vida patriarcal e é por isso que se pode dizer, como fez Humberto Maturana (1993), em “Amar e brincar”, que a democracia foi uma brecha aberta no muro da cultura patriarcal que, entretanto, continua se replicando agora, milênios após o seu surgimento.

Ninguém nasce democrata, se torna. A conversão à democracia começa com uma emoção. Alguém se torna democrata, em primeiro lugar, não por um esforço intelectual e sim por uma inconformidade (e uma insuportabilidade) com o emocionar hierárquico e autocrático. Se torna democrata – no sentido forte do conceito de democracia, como processo de desconstituição de autocracia e no sentido amplo desse conceito, da democracia como modo-de-vida e não apenas como modo político de administração do Estado – quando passa a resistir a padrões autocráticos, quer dizer, a um modo de interagir com o mundo que reproduz a cultura patriarcal (lato sensu), ou seja, a que replica matrizes míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas.

Em suma, na base da conversão à democracia há um emocionar de insuportabilidade com a tirania que é mais difícil de comover quem não viveu sob um regime autoritário. A leitura das distopias tem mais chances de evocar essas emoções do que o estudo de textos teóricos sobre a democracia.

Máquina Eleitoral

Em um movimento que expõe as complexas e pragmáticas engrenagens do poder em Brasília, o bloco parlamentar conhecido como Centrão tem sido, paradoxalmente, um dos maiores aliados do governo Lula na construção de sua campanha à reeleição em 2026. A retórica ocasionalmente antiplanalto de seus partidos dissipa-se quando o assunto é a aprovação de uma enxurrada de benesses sociais e medidas fiscais que, juntas, presentearão o presidente com aproximadamente R$ 252 bilhões para aquecer a economia no auge do período eleitoral.

A estratégia é clara: bombear recursos na economia para criar uma sensação de bem-estar e amenizar qualquer desaceleração, tornando o caminho para a vitória significativamente mais fácil. Programas como Gás do Povo (1 botijão a cada dois meses para 15,5 milhões de famílias), Pé-de-Meia (poupança para 4 milhões de estudantes) e a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5.000 (beneficiando 10 milhões) não são meras políticas públicas, são as novidades de vitrine da campanha petista, com data de estreia marcada de acordo com o calendário eleitoral.

O apoio do Centrão, no entanto, vai além da expansão de gastos. Nos últimos dois anos e meio, congressistas alinhados a esse bloco foram cruciais para aprovar reformas que fortalecem o caixa do governo, garantindo a sustentabilidade fiscal para bancar esta onda de gastos. O novo arcabouço fiscal, a reforma tributária, a taxação de offshores e fundos exclusivos, a retomada do voto de qualidade no CARF e a taxação das apostas esportivas são exemplos de medidas que, em tese, aumentam a arrecadação e dão mais controle ao Executivo sobre o orçamento.

Até mesmo eventuais atritos, como a breve rebelião no Congresso contra o aumento do IOF, foram rapidamente contornados. O assunto, após uma rápida passagem pelo STF a pedido do governo, perdeu tração, mostrando onde reside a efetiva prioridade da base parlamentar.

Este cenário coloca a oposição, particularmente a direita, em situação desconfortável. Com Bolsonaro inelegível, o nome mais forte é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ironia das ironias, Tarcísio, que emerge como principal representante do Centrão no executivo estadual, alertou que evitar esta “derrama de benesses” era essencial para sua própria viabilidade como candidato presidencial – uma possibilidade que ele agora descarta. Na verdade o governador está diante de um dilema: desafiar um presidente armado com uma máquina de R$ 252 bilhões – dos quais R$ 175,7 bi em programas sociais diretos, R$ 31,3 bi em isenção de IR e outros R$ 21,87 bi em subsídios – ou recuar e aguardar por uma janela de oportunidade que pode não se abrir.

A conclusão é inescapável: a preços de hoje, Lula é o favorito claro. O Centrão, com seu pragmatismo característico, tem criado condições para que o Planalto siga pintado de vermelho pelo menos até 2030. A eleição pode estar a mais de um ano de distância, uma eternidade em política, mas o presidente já está com o pé na estrada, e o combustível de sua máquina eleitoral é o dinheiro que o próprio Congresso, inclusive seus críticos de ocasião, lhe fornecem sem qualquer culpa. Para Tarcísio e a verdadeira oposição, o caminho certamente ficou mais difícil, uma conta que pode e deve ser debitada do Centrão e suas lideranças, que colocam suas conveniências pessoais acima de um projeto nacional.