A política externa do presidente norte-americano Donald Trump é estupidamente imprevisível; já a política externa do presidente brasileiro Lula da Silva é previsivelmente estúpida: a soma das duas diplomacias idiossincráticas deu no questionamento de Trump sobre a Justiça brasileira e na imposição de uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA.
Tudo isso, aparentemente, foi para salvar o ex-presidente Jair Bolsonaro de iminente condenação no STF e rasgar uma brecha qualquer para seu retorno à Presidência da República do Brasil.
Entretanto, parece claro que Bolsonaro serviu apenas de pretexto, sendo o principal motivo, por trás dessa atitude, o incômodo de Donald Trump em relação ao Brics, ora sob a presidência temporária de Lula.
Não se previa um tão estabanado ataque jurídico-político-tarifário como esse deflagrado por Trump contra o Brasil. Todavia, era previsível que as constantes provocações de Lula contra os EUA não haveriam de terminar em coisa boa.
A maluquice tarifária de 50% contra o Brasil não tem razão econômica, sendo abertamente político-ideológica; e o que veio a acender o pavio curto de Trump foi a Cúpula do Brics 2025, realizada no Rio de Janeiro.
Brics
Na sua conformação atual, o Brics tem 11 países membros plenos (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Indonésia, Irã) e 10 países em estado probatório para admissão plena, ditos “parceiros” (Belarus, Bolívia,Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbesquistão, Vietnã).
Tanto entre os membros plenos quanto entre os parceiros, a maioria é composta por países de regimes autoritários (alguns, ditaduras escancaradas, outros, ditaduras disfarçadas).
De todo modo, o grupo forma um conjunto desarmônico de países de condições sócio-econômica e política muito desiguais e com interesses díspares ou conflitantes. No desequilíbrio, dois países, pela força econômica e/ou poderio militar, dominam: China e Rússia.
O presidente brasileiro tem feito grande esforço para alcançar um patamar de liderança no Brics; e o aspecto mais destacado desse esforço tem sido as provocações aos EUA, especialmente aquela que mais irrita Trump, que é a campanha para rifar o dólar como moeda padrão internacional.
Além disso, Lula – no Brics e fora do Brics – tem sido muito ativo na vassalagem ao tirano russo Vladimir Putin e à teocracia islâmica fundamentalista e perversa do Irã.
Sul global
Em entrevista concedida ao jornal nacional, para falar sobre o tarifaço de Donald Trump, Lula disse com todas as letras: “O Brics trabalha pelo Sul Global. Nós cansamos de ser subordinados ao Norte.”
O termo “Sul Global” vai muito além de uma classificação meramente geográfica: trata-se de uma categoria político-ideológica, gestada em um caldeirão de ressentimentos e atavismos antiocidentais, que contesta a ordem internacional democrática-liberal liderada por EUA e Europa.
As fontes teóricas e intelectuais que sustentam a ideologia do “Sul global” à qual o presidente brasileiro declaradamente aderiu são as teorias do pós-colonialismo e a teoria decolonial, que defende coisas tais como uma “crítica à hegemonia epistêmica ocidental”, “denúncia da colonialidade do poder, do saber e do ser” e outras esquisitices que visam subordinar o conhecimento à ideologia.
No que há de mais refinado, pode-se dizer que as críticas à democracia liberal ocidental inspiram-se indiretamente em Carl Schmitt, um jurista que defendeu o nazismo e cuja crítica ao universalismo liberal tem eco naqueles que afirmam valores que contrastam com o humanismo e o cosmopolitismo.
O conceito de Sul Global, portanto, é, antes de tudo, uma categoria estratégica e simbólica que visa articular um bloco de poder alternativo, fundado na crítica ao liberalismo político e econômico e cujas raízes intelectuais são diversas, indo do pensamento pós-colonial à crítica conservadora do liberalismo, tendo por marca político-ideológica principal a resistência aos valores e instituições do Ocidente.
A ala radicalizada e autoritária da esquerda brasileira – formada, em parte, por intelectuais marxistas – entende realmente o Brics com ponta de lança do Sul Global e trabalha para que o presidente brasileiro assuma uma liderança compartilhada com China, Rússia e Irã.
O Irã é um caso especial do desvario ideológico sul-globalista, pois sendo protótipo de regime atrasado é indicado pela esquerda mais alucinada como farol de libertação para a humanidade.
Não surpreende que, no comunicado final da Cúpula do Brics, tenha sido destacado a “violação do direito internacional nos ataques ao Irã” e condenados “nos termos mais fortes” os “ataques contra pontes e ferrovias que visaram deliberadamente civis nas regiões russas de Bryansky, Kursk e Voronezh”.
Não foi dito que o Irã tem apoiado, financiado e armado grupos terroristas que atacam Israel; nem foi dito que a Rússia invadiu e bombardeia constantemente a Ucrânia. Tal imoralidade diplomática era previsível.
É tão previsível a política externa petista que, embora todos concordem que a desavença com os Estados Unidos seja muito ruim para o Brasil, lulistas não conseguem esconder a alegria com que vislumbram os gordos dividendos político-eleitorais que o confronto com Trump pode lhes render.
Lula e a parte extremista da esquerda afundaram-se, com Brics e tudo, em um buraco ideológico. Importa agora evitar que uma circunstância derivada de um surto de estupidez trumpista-bolsonarista permita que Lula e a esquerda radical continuem arrastando o Brasil para um buraco cada vez maior.
Como sonhar ainda não foi proibido pelo STF, podemos até sonhar que dessa bagunça toda resulte, nas eleições de 2026, um Brasil livre tanto do lulismo quanto do bolsonarismo.