Arquivo da categoria: artigos

Extrema direita ou extrema esquerda? Qual ameaça mais o Brasil?

Ao participar de um café da manhã com jornalistas, em 23 de abril, o presidente da República antecipou uma possível pergunta sobre a última manifestação de apoiadores de Bolsonaro, realizada em Copacabana, e afirmou que não viu o ato, porque não lhe importava “o ato dos fascistas”.

De minha parte, tenho pouco apreço e até mesmo um pouco de repulsa com relação a manifestações bolsonaristas, mas é preciso convir que chamar os manifestantes de fascistas é uma generalização despropositada que não ajuda em nada o Brasil e que escamoteia o fato de que Bolsonaro só consegue mobilizar ainda tanta gente porque há uma insatisfação generalizada com o atual governo petista, com o ativismo político do Supremo Tribunal Federal e com o sistema político brasileiro como um todo.

Acredito que, do ponto de vista da pesquisa acadêmica, é até razoável investigar quão próximo o bolsonarismo estaria ou não de uma tendência fascista. Há artigos sobre o assunto pululando por aí, embora sejam, na maioria, análises desonestas, rasgadamente parciais e ideologicamente apaixonadas. De todo modo, analisar características fascistas do bolsonarismo enquanto fenômeno político é diferente de xingar todos os manifestantes de fascistas.

O uso aleatório e irresponsável desse conceito no debate público é perigoso. Já faz tempo que “fascismo” não significa nada mais do que um xingamento verbalizado contra pessoas à direita no espectro político ou um rótulo colado por políticos de extrema esquerda em seus adversários.

Eu mesma já processei a universidade estadual na qual lecionava, em 2018, por ter sofrido perseguição ideológica e assédio moral. Segundo alguns colegas professores e alunos, eu precisava de uma resposta à altura por ser alegadamente apoiadora de uma “corja fascista.”

Relembro esse caso pessoal por julgá-lo sintomático dos nossos dias e porque, tanto no Brasil, quanto no restante do mundo, a intolerância da extrema esquerda, fantasiada com a sua retórica de falsas virtudes, tem se tornado cada vez mais ostensiva e agressiva, saindo do assédio, da perseguição tácita e da agressão verbal, para o incitamento da violência física, quando não para a violência física propriamente dita.

Aniquilamento de liberais e apoio ao Hamas

No dia 17 de abril, um integrante de um movimento político liberal (MBL) foi expulso da Câmara Federal aos empurrões e pontapés por um deputado do Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Após a agressão, o deputado discursou em uma audiência pública sobre a greve nas universidades e defendeu uma mobilização contínua contra os “fascistas”; mobilização essa que deveria ser, em suas palavras, “traduzida no aniquilamento daqueles que querem destruir os institutos federais e as universidades públicas brasileiras: os liberais e fascistasde plantão.

No dia 24 de abril, esse mesmo deputado, Glauber Braga (Psol), presidiu a audiência pública “Crise humanitária na faixa de Gaza”, por ocasião da qual um homem vestido com uma camisa do grupo terrorista islâmico Hamas distribuiu panfletos tranquilamente, sem ser sequer admoestado, como se fosse a coisa mais natural do mundo alguém ostentar, dentro de um Parlamento, o slogan de um grupo que prega o extermínio do povo judeu e que cometeu recentemente um dos ataques mais bárbaros, cruéis e bestiais de que se tem notícia, assassinando covardemente, além de homens inocentes, mulheres, idosos, crianças e bebês.

A hipocrisia do ódio do bem

Por mais que haja hoje, no Brasil, uma extrema direita radicalizada, fanatizada, reacionária e agressiva, há de se convir que ela é muito mais confrontada e menos tolerada do que a extrema esquerda radicalizada, fanatizada, revolucionária e agressiva.

Jornalistas de grandes emissoras e seus especialistas convidados costumam tomar ares de muita seriedade, expressando grande preocupação ao analisarem a movimentação da direita brasileira no âmbito internacional, mas pouco analisam – e muitas vezes sequer noticiam – a articulação cada vez maior do Brasil com Rússia, China, Irã e ditaduras menores, que vem transformando o nosso país em uma espécie de satélite que orbita em torno do novo Eixo do mal.

No mesmo café da manhã para jornalistas, no qual chamou os manifestantes de Copacabana de fascistas, o presidente Lula defendeu uma estratégia internacional para enfrentar o crescimento de movimentos de extrema-direita no mundo. Lula citou casos de violência e intolerância no Brasil e disse que há um ódio estabelecido que não existia no país e agora virou uma coisa corriqueira. Na sua retórica, esse ódio só existe na direita.

Para ficarmos só em um caso, suficiente para desmascarar a hipocrisia da sua fala, relembremos, à guisa de exemplo, o caso do empresário Carlos Alberto Bettoni, que foi agredido anos atrás em frente ao Instituto Lula por Maninho do PT e teve traumatismo craniano.

O fato por si só já sugere até onde pode ir a violência de um militante de extrema esquerda, mas a fala de Lula sobre o caso, em 2022, mostra que não se trata da violência isolada de um militante maluco, mas de uma violência respaldada pelo maior líder da esquerda no Brasil.

Lula simplesmente agradeceu ao petista que empurrou contra um caminhão o homem que o criticava: “Esse companheiro Maninho, por me defender, ficou preso sete meses, porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto”, discursou Lula.

Tempos extremos e sombrios

A ideia de uma esquerda pacífica, defensora dos direitos humanos, tolerante, moderada e humanista é normalmente uma falácia. Essa esquerda até existe e precisa ser valorizada e distinguida da extrema esquerda. Mas ela é minoritária no Brasil e definitivamente não é representada pelo presidente Lula e seu partido.

Vivemos tempos extremos e sombrios. A tolerância, princípio liberal por excelência, tem sido negligenciada até mesmo por aqueles que se dizem liberais. Há uma tentativa contínua, à direita e à esquerda, de manipular a linguagem para estabelecer um discurso único, homogêneo e hegemônico.

O que defendemos, porém, é uma democracia real, com pluralismo enriquecedor e debates honestos. Em uma democracia, os adversários políticos não são inimigos a serem “aniquilados”; em um Estado democrático de direito, o juiz não pode ser um tirano.

Está tudo fora de ordem no Brasil. E, em meio ao caos, há quem queira vencer pela força ou pela perfídia.

Defesa do Hamas em universidades de elite mostra poder do eixo político autoritário

Nos últimos dias, universidades de elite nos Estados Unidos estão em uma crise causada por manifestações, erroneamente nomeadas em muitos lugares como pró-Palestina. Não são. São pró-Hamas e pedem abertamente o assassinato de mais judeus.

É um caso em que uma minoria barulhenta e violenta clama pelo direito de não respeitar nenhuma regra democrática e consegue obrigar os demais a se curvarem à defesa da barbárie.

Paralisar uma universidade, como ocorreu em Columbia, seria algo justificável por uma questão que move a maioria dos estudantes. Só que não é o caso. O problema tem se repetido em outras universidades de elite, com Yale e Harvard.

Chegamos ao absurdo de ver estudantes impedindo estudantes judeus de entrarem no campus. Há vídeos em que assediam estudantes judeus que tentam voltar aos próprios dormitórios. Felizmente não são a maioria. Tristemente, mesmo sendo minoritários conseguem dominar o cenário da vida real e narrativa exposta na imprensa.

A Universidade de Harvard faz uma pesquisa periódica sobre as preocupações dos estudantes. Diante do caos instaurado, podemos pensar que a maioria deles está preocupada com a Faixa de Gaza. No entanto, é a 15a preocupação em ordem de grandeza. Bem acima dela, em 7o lugar, está a proteção da democracia.

É um cenário distópico. Tem ganhado mais direitos e mais poder os que querem defender uma ditadura teocrática tocada por um sanguinário grupo terrorista. Há protestos com cantos de amor ao Hamas, pedindo que sejam assassinados mais soldados de Israel e que Telaviv seja destruída. Israel é a única democracia do Oriente Médio. No entanto, o grupo majoritário que quer defender a democracia não tem o mesmo espaço dentro das universidades.

Tendemos a medir muitas questões políticas pela adesão que ganham. É uma visão míope. Questões que se tornam majoritárias ao longo da história começam a ser defendidas por grupos minoritários.

A defesa do Hamas é circunstancial. Provavelmente, a maioria que engaja nisso mal saberia apontar a Faixa de Gaza em um mapa. Só que esse pessoal tem voz, está sendo ouvido pela mídia mainstream e é capaz de moldar a cultura.

O contexto também é importante. São eufemismos para os defensores de terroristas e hipérboles para a única democracia do Oriente Médio. Eufemismos para os meus e hipérboles para os seus é uma tática bem manjada, mas ainda funciona.

Em seu estatuto, o Hamas defende o assassinato de todos os judeus pelo mundo e a extinção de Israel. Praticou atos terroristas bárbaros contra civis e fez questão de propagandear com vídeos transmitidos pela internet. Assassinatos, estupros, tortura e decapitações eram celebrados. Agora ainda resiste a devolver as dezenas de civis que mantém reféns.

Para o Hamas, o eufemismo. Estão defendendo o povo palestino, brigam por terras, querem uma solução de dois Estados. O estatuto do grupo diz ser contra qualquer solução nesse sentido, o único objetivo é destruir Israel.

Só que isso vai muito além do Hamas e do presente conflito. Se estende no tempo e no espaço. Este é mais um dos grupos jihadistas financiados e armados pela teocracia do Irã. Se há um lugar em que os direitos humanos e fundamentais andaram para trás, é ali.

Basta pesquisar fotos de Teerã antes e depois da revolução islâmica para entender qual a proposta dos aiatolás. Nem o mundo árabe, que tem conflitos históricos com Israel, apóia as ideias jihadistas da teocracia persa. No último ataque do Irã contra Israel, tanto Arábia Saudita quanto Jordânia ajudaram a interceptar mísseis e drones que cruzaram seu espaço aéreo.

Não foram ataques do Hamas, foram dos outros grupos fomentados pelo Irã, Hezbollah no Líbano e Houthis no Iêmen. Tudo começa quando Israel e Arábia Saudita estão prestes a fechar um acordo histórico e depois que Israel e Emirados Árabes fecharam um.

A batalha vai além do Oriente Médio, é a geopolítica mundial. Pelas redes sociais, China e Rússia fomentam as narrativas do Irã defendendo os jihadistas.

Isso ocorre num contexto de clara rivalização entre dois eixos. De um lado está o mundo livre, as democracias liberais. De outro estão países como Irã, China, Rússia e Coreia do Norte. A guerra é também de narrativas.

Já foi atingido o objetivo de rachar por dentro as democracias liberais. O discurso do eixo autoritário tem sido repetido por grupos minoritários no ocidente, mas com influência no mainstream, capacidade de se fazer ouvir e possibilidade de moldar a cultura.

O jogo de eufemismos contra hipérboles favorece o eixo autoritário. É feito, curiosamente, por grupos que dizem defender a democracia, os direitos humanos e as minorias. Na prática, replicam tudo aquilo que favorece autocracias, eliminação de direitos humanos e esmagamento das minorias.

Estamos diante de uma dissonância cognitiva. O grupo diz defender algo mas age no sentido diferente. Diante disso, o lógico parece ser encarar o resultado das próprias ações e mudar de atitude. Não é, no entanto, o que tende a ocorrer.

Pense em uma seita do fim do mundo. A data do apocalipse é marcada mas o mundo não acaba. O que fazem os membros? O esperado é que culpem o líder e deixem a seita. A experiência mostra o oposto, a seita tende a ser mais fortalecida e seus seguidores investem em buscar desculpas para o erro na previsão.

É assim com os supostos progressistas que defendem grupos de terroristas. Primeiro usavam eufemismos para a barbárie perpetrada pelo Hamas. Agora já pedem abertamente o assassinato de judeus. Qual será o próximo passo?

Não é difícil imaginar, é replicar todas as teses dos jihadistas e minimizar a dignidade humana e os direitos de todos os demais grupos. Ano passado, o Irã chegou a presidir um fórum de direitos humanos na ONU. O escândalo normalizado acaba corrompendo a linguagem, relativizando o que as democracias entendem por defesa de direitos humanos. É uma busca para encaixar nesse conceito o que os aiatolás praticam. Não tem como, portanto a tendência é relaxar o conceito.

Um dos principais desafios das democracias é conter os grupos que, exercendo seus direitos democráticos, pretendem implodir a própria democracia. O sucesso deles começa pela corrupção da linguagem. É assim que transformam o inaceitável em novo normal.

O fenômeno antissemita nas universidades de elite dos Estados Unidos não pode ser subestimado e precisa ser contido. Ele tem o potencial de se estender a outros grupos e minar por dentro a democracia. Comecemos por dar às coisas o nome que elas têm.

Defesa da Palestina não pode ser confundida com defesa do assassinato de judeus. Também precisa ser vista como o que é, a defesa de uma autocracia. Ninguém pode defender uma autocracia e, ao mesmo tempo, desfrutar da fama de democrata ou progressista. É um trabalho árduo, que exige constante vigilância.

Levante Populista

Estamos diante de um delicado movimento político que encontra eco em diversas partes do mundo. Insurgentes e populistas ganharam protagonismo mediante uma avalanche de votos e ao mesmo tempo (e também por consequência disso) vivemos um hiato de bons quadros e lideranças políticas no debate público. Este desequilíbrio no sistema deve chegar em breve ao Reino Unido, mudando a configuração de forças no país.

Quando o outono chegar, o país deve enfrentar eleições gerais e os prognósticos deixam os conservadores cada vez mais preocupados. Existe a possibilidade de uma avalanche que pode balançar os pilares de seu partido, com avanço significativo dos trabalhistas. Um movimento tão devastador que pode incluir a derrota do Primeiro-Ministro Rishi Sunak em seu distrito, no norte de Yorkshire, deixando-o sem assento no parlamento.

O abalo do tradicional Partido Conservador se explica por uma série de fatores, porém um deles em especial: cerca de 66 deputados do partido anunciaram que estão se retirando da política e deixarão de disputar a reeleição. O número, entretanto, deverá ser maior, uma vez que se estima que mais de uma centena tomem este caminho, ou seja, praticamente um terço da bancada atual. Entre os nomes que desejam deixar a política encontram-se inclusive ex-chefes de governo, como Theresa May.

Diante de uma derrota praticamente certa, o partido agora se mobiliza para evitar um desastre, similar ao que aconteceu em 1993 no Canadá. Naquele episódio, além de perder as eleições, o partido que ocupava o governo, progressista conservador, perdeu 169 das suas cadeiras no parlamento canadense, restando apenas duas. Praticamente um extermínio político. Os Tories britânicos temem por algo parecido.

Isto é explicado não somente pelo crescimento dos adversários ou pela debandada de políticos tradicionais, mas pela crescente popularidade dos populistas, que ao angariar votos e apoio, deslocam os conservadores moderados do espectro político, passando a ocupar seu lugar. Nigel Farage e seu Reform UK ocupam este espaço e seu sucesso com os eleitores passou a corroer as estruturas do Partido Conservador.

Explico. Hoje existe um confronto interno dentro do partido que opõe de um lado aqueles que defendem um alinhamento com as ideias populistas defendidas por setores mais extremados, próximos do discurso de Farage, uma vez que rendem votos, e os moderados, que defendem o pragmatismo e seu papel como defensores das tradições reformistas, do gradualismo, ou seja, os conservadores reais na verdadeira acepção do termo. A luta entre ambos pela alma do partido será até a morte.

A infiltração dos conservadores pelos populistas e a defesa de que o partido deve pender ao radicalismo dissocia os tories da sua essência moderada, eixo do conservadorismo britânico. Os populistas hoje se confundem com a direita na cabeça do eleitor e ao conseguir assumir este lugar, deslocam a tradicional centro-direita conservadora para fora do jogo político, o que explica a aposentadoria de tantos parlamentares. Restará saber que partido sobreviverá, ou seja, aquele da moderação tradicional ou apenas o apêndice de um populismo insurgente e radical.  

Verdade e liberdade: John Milton ou Alexandre de Moraes?

Há dois tipos de leitores: aqueles que querem ler o que ainda não sabem, confrontar suas ideias prévias e ampliar sua compreensão das coisas e aqueles que querem ler o que já sabem para ter mais certeza de que estão certos e confrontarem com mais confiança os que pensam diferente.

O debate público no Brasil é majoritariamente protagonizado por esse tipo que quer impôr sua verdade. São pessoas que adotam determinado ponto de vista sobre questões complexas e, em vez de ponderarem sua análise e refinarem sua opinião, apressam-se para encontrar e reproduzir interpretações reducionistas que corroborem a sua estreita visão.

O debate atual em torno de fake news, tentativa de golpe de estado, defesa da democracia, discurso de ódio, liberdade de expressão e seu alegado cerceamento suscita questões para as quais não há resposta rápida, fácil, única e definitiva.

A despeito disso, quando nuances do debate são apresentadas, o analista que ousou não aderir prontamente às narrativas em voga é execrado pela militância com o neologismo de “isentão”, criado pelos radicais que querem evitar a dissidência e homogeneizar o discurso.

Muitos dos que hoje se arrogam defensores da liberdade de expressão são reacionários autoritários que demonizam os seus adversários e que tentariam calá-los se tivessem poder para isso; muitos dos que tiveram suas contas nas redes sociais suspensas usaram-na, de fato, para pregar uma ruptura institucional.

Eles não querem que isso seja dito. Bolsonaristas ficam incomodados quando esses detalhes são trazidos ao debate. Eles querem ir ao exterior denunciar cerceamento da liberdade de expressão no Brasil sem tocar no mérito do tipo de expressão que está sendo cerceada; querem denunciar ao mundo que a democracia brasileira está sob ataque do Judiciário sem fazer menção ao ataque contra a democracia intentado pelo Executivo.

Por outro lado, aqueles que retoricamente se pintam como mais afeitos à democracia também incorrem em fake news, discursos de ódio e manifestações violentas sem que, no entanto, sofram a mesma retaliação jurídica. Se a força da lei só incide sobre o lado A e faz vista grossa para o lado B, quem assim instrumentaliza a lei é quem mais descaracteriza a democracia que diz querer preservar.

O ministro Alexandre de Moraes tomou para si a prerrogativa de vigiar e punir toda e qualquer suposta ameaça à democracia, mas, como bem resumiu Felipe Moura Brasil, ao usar “decisões obscuras em inquéritos viciados para censurar e pôr no mesmo saco publicações legítimas (fato incômodo, crítica, opinião) e criminosas (calúnia, ameaça etc.)” ele “permite que delinquentes virtuais se limpem na sujeira dele, em nome da liberdade de expressão”.

A democracia brasileira é ainda precária, frágil e disfuncional. Sua engrenagem atual retroalimenta um Estado corrupto que mantém um sistema de privilégios. O que havia de melhor nela era a liberdade que tínhamos para denunciar, criticar e, assim, manter a esperança de reformá-la gradualmente. Agora, porém, sob o pretexto de preservar o regime que torna a liberdade possível, a liberdade possível de criticar o regime está sendo minada.

Há intolerantes de ambos os lados, esquerda e direita, que querem homogeneizar o discurso, calar a oposição e, para piorar, há juízes censores que querem o poder de editar esse debate extremamente polarizado e caótico.

Política e verdade

Apesar da impaciência que talvez o estimado leitor possa ter com a filosofia e a literatura, tendo em vista a urgência política, teimarei em finalizar esse texto trazendo para a conversa uma filósofa e um poeta.

Para Hannah Arendt, a pretensão de verdade absoluta no âmbito político é uma pretensão tirânica porque política é lugar de doxa (opinião) e não de episteme (conhecimento teórico absoluto e rígido). Não deve haver verdade dogmática no âmbito político, mas há um outro tipo de verdade que a política não pode negligenciar: a verdade factual.

O fato é a matéria bruta da opinião e a opinião é a matéria-prima da política. Não se deve confundi-los. Quando uma opinião é considerada fato e um fato é considerado mera opinião, o pensamento político representativo e plural perde a sua base de apoio.

A opinião, diz Arendt, requer a verdade factual como suporte e a própria “liberdade de opinião é uma farsa, a não ser que a informação factual seja garantida.

A mentira ou, em linguagem mais atual, a disseminação de fake-news é, pois, um problema ou um desafio a ser enfrentado pela democracia. Ocorre, porém, que a censura não resolve e ainda piora o problema.

Como já foi dito, as controversas decisões censórias do ministro Alexandre de Moraes incorreram no grave erro de não fazer as devidas distinções entre fato, opinião, fake news e incitação ao crime.

Analisar é separar, distinguir. Diante da dificuldade de assim proceder, optou-se pela via fácil da repetição, generalização e ausência de fundamentação das decisões. Para não deixar passar nada, o ministro censurou tudo. Ao fazê-lo, violou direitos e garantias fundamentais de alguns cidadãos.

Milton contra Moraes

As redes sociais trazem novos desafios às sociedades democráticas, que são, antes de tudo, sociedades plurais e abertas, nas quais há heterogeneidade, profusão de discursos, conflito de ideias, oposição e dissenso. A polêmica atual em torno da regulamentação das redes favorece uma rápida digressão final, na forma de retorno a um clássico liberal.

Em 1644, John Milton publicava Areopagítica, um opúsculo contra a pretensão do parlamento inglês de reestabelecer a censura. Nessa obra, Milton tentou mostrar que a determinação do verdadeiro e do falso, do que deve ser publicado ou suprimido, não pode estar nas mãos de poucos homens que são, em geral, de juízo vulgar. Sua argumentação mais forte, porém, aponta para o valor intrínseco da liberdade.

A censura é ruim não apenas porque é ineficaz no combate ao erro e ao vício, mas porque viola a liberdade, que é um valor positivo e necessário para o progresso do conhecimento. A censura impede que, no confronto com o erro, a verdade possa emergir, uma vez que a verdade e a falsidade precisam lutar para que a primeira venha a se estabelecer, ainda que provisoriamente. Milton já apontava, portanto, a necessidade do pluralismo para o progresso da coletividade e registrava sua rejeição à autoridade dos censores.

Optar pela censura é o mesmo que dizer que as pessoas devem ser tratadas como crianças necessitadas de tutela. “Serão elas levianas, imorais, sem formação sólida, doentes, debilitadas, num estado de tão pouca fé e fraco discernimento que não seriam capazes de engolir nada que não passasse pelo filtro de um censor?”, pergunta John Milton, em 1644.

Seremos os brasileiros tão ingênuos, infantilizados, manipuláveis e ignorantes que não somos capazes de julgar por nós mesmos uma postagem em rede social sem precisar do filtro do censor Alexandre de Moraes? Perguntamos nós, em 2024.

Nitidez Geopolítica

O ataque iraniano contra Israel serviu para cortar os interlocutores, grupos terroristas contratados pelo regime dos aiatolás, e colocar no tabuleiro o real enfrentamento que se escondia no Oriente Médio por trás de Hamas, Hezbollah, Houthis e outros grupos que trabalham em favor do regime de Teerã. Neste tabuleiro de xadrez internacional, o movimento do Irã trouxe respostas importantes do novo desenho geopolítico da região e terminou por reposicionar o jogo por trás do conflito.

A ofensiva dos iranianos, em um primeiro momento, serviu como uma clara assunção de autoria dos ataques de outubro perpetrados pelo Hamas em território israelense. Isto posto, apesar de já ser algo notório, escancara as intenções dos aiatolás e mostra, mesmo aos mais ingênuos, que as ações operadas pelo grupo terrorista de Gaza sempre estiveram longe da causa palestina e extremamente próximas dos objetivos espúrios e perigosos desenhados pelo governo de Teerã.

Portanto, se de um lado do conflito estava Israel e do outro uma confluência de grupos terroristas operando desde Gaza, passando pelo Líbano e desaguando no Iêmen, depois deste ataque, qualquer dúvida se dissipou, ou seja, o agressor veio à tona, assumindo sua posição. Se de um lado temos Israel, do outro, agora está o Irã.

Por mais que esta situação fosse clara nos corredores da política internacional, a nitidez do cenário ajuda a trazer respostas para diversas perguntas geopolíticas. O ataque do Irã, por exemplo, escancarou também seus aliados, fazendo com que iniciassem um movimento de blindagem de seus interesses nos fóruns internacionais. Como já era esperado, os dois principais pilares antidemocráticos, Pequim e Moscou, se alinharam aos aiatolás. Do outro lado, as democracias ocidentais ficaram apoiaram Israel.

Porém, a teia de influência, cooperação e interdependência econômica criada ao longo dos anos mais profundamente pela China e em certa medida pela Rússia, aliada aos seus instrumentos de desinformação, passaram a cobrar alinhamento e subserviência, onde se incluem membros do BRICS, autocracias, autoritários e ditaduras. O Brasil, estranho membro deste clube, ao se omitir, bateu palmas para os iranianos e deixou de condenar mais uma vez as violações cometidas pelo regime dos aiatolás.

Para além disso, foi importante perceber que a defesa de Israel contra o massivo ataque iraniano foi muito além de suas defesas, contando com o apoio logístico e efetivo dos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e inclusive Jordânia e indiretamente a Arábia Saudita. Esta ampla aliança política costurada ao longo dos anos com apoio dos Estados Unidos foi essencial para fornecer segurança coletiva e possui lastro nos acordos de Abraão, que vinham trazendo normalização política na região.

Como vemos, o jogo geopolítico ficou mais nítido depois dos aiatolás do Irã assumirem suas posições no tabuleiro do Oriente Médio, o que serve em certa medida para melhor entendimento do conflito mais amplo entre democracias e autocracias e o real significado das razões dos recentes ataques contra Israel. Cabe neste momento a Israel e seus aliados desenharem de forma inteligente uma maneira de isolar os iranianos no cenário político internacional, enfraquecendo também as posições de nações antidemocráticas lideradas por Pequim e Moscou neste novo equilíbrio de poder.   

Com Quem Será? Em busca do(a) Vice de Donald Trump

Até os anos 70 do século passado, os candidatos à vice-presidência dos Estados Unidos eram anunciados ao final das convenções partidárias que oficializavam o número 1 das respectivas chapas.

Mais tarde, como ensina Joel K. Goldstein na importante obra The White House Vice-Presidency: the Path to Significance, Mondale to Biden, de 2016, com a consolidação do sistema de eleições primárias, o desfecho das convenções passou a ser conhecido antes da realização das mesmas, e isso também ‘adiantou’ o processo da escolha do número dois.

Sempre de acordo com  Goldstein, em artigo recente para o boletim “Sabato’s Crystal Ball, do Centro de Política da Universidade da Virgínia, no ano de 1984, o candidato Democrata à Casa Branca, Walter Mondale, que tinha sido vice de Jimmy Carter e acabou ‘tratorado’ por Ronald Reagan quando este conquistou seu segundo mandato, foi o primeiro a revelar quem seria sua companheira de chapa, pouco antes da convenção: a deputada federal por Nova York Geraldine Ferraro.

O que não muda é a busca de um(a) companheiro(a) que possa ‘compensar’ as deficiências do cabeça de chapa em termos demográficos e regionais. Para o pleito de novembro deste ano, a pergunta é: o Republicano Donald Trump, virtual candidato de sua legenda e que se caracteriza por ser um ‘ponto fora da curva’ em quase tudo, seguirá este script? Em 2016, vale lembrar, Trump se manteve fiel a ele, buscando em Mike Pence, ex-governador de Indiana e antigo apoiador do presidenciável texano Ted Cruz, um ‘abra-te, sésamo’ para eleitorado conservador evangélico. Desta vez, porém, não existe a menor possibilidade de a dobradinha se repetir em vista da recusa de Pence, no papel constitucional de presidente do Senado, a seguir seu chefe na feroz contestação dos resultados eleitorais do pleito de 2020, que levou à vitória da chapa Democrata Joe Biden/Kamala Harris.

Poucas dúvidas há de que a personalidade nada convencional de Trump vai se  refletir na escolha do(a) seu(sua) novo(a) companheiro(a) de chapa. O estilo abrasivo do ex-presidente, que, durante as primárias, referiu-se sarcástica e até grosseiramente a competidores como o governador da Flórida Ron DeSantis e a ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora às Nações Unidas (governo Trump) Nikki Haley, alienou de tal maneira esses dois correligionários que ambos já declararam não estar interessados em compor a chapa trumpista. DeSantis chegou a criticar a preferência de Trump por um(a) vice identificado(a) com uma política identitária e ‘lacradora’. O governador do Texas, Gregg Abbot, também já manifestou seu desinteresse.

Se o critério orientador da seleção do vice de Trump for a ideologia, a governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem; o senador pela Carolina do Sul Tim Scott (o único Republicano negro do Senado); e o senador por Ohio J. D. Vance (autor da autobiografia que deu origem ao filme “Hillbilly Elegy”/“Era uma Vez um Sonho”) são nomes fortes. Chances menores, porém nada desprezíveis, teriam a deputada federal por Nova York Elise Stefanik e o senador pela Flórida Marco Rubio, que, em 2016, se declarou desinteressado em ser o vice de Trump. É improvável, agora que seu domicílio eleitoral é na Flórida, que ele escolha para vice alguém do mesmo estado. A emenda constitucional número 12, promulgada em 1804, exige que o presidente e seu vice sejam domiciliados em estados diferentes.

Como já observado acima, porém, naquele ano, Trump, ao escolher seu companheiro de chapa, orientou-se menos pela identidade e mais pela ‘complementaridade’. E, naquela época, antes de se fixar em Mike Pence, o magnata chegara a sondar o então governador de Ohio, John Kasich.

O autor Goldstein lembra que, quando o presidenciável é uma cara nova em Washington, é natural que sua escolha do vice recaia sobre alguém que sinalize experiência política (os Democratas Carter & Mondale; os Republicanos George W. Bush & Dick Cheney). A recíproca é verdadeira se o titular da chapa for uma ‘figura carimbada’ e quiser sinalizar algum ímpeto renovador, a exemplo de Jack Kemp, antigo astro do futebol americano e deputado Republicano reformista por Nova York (vice da chapa do veterano senador pelo Kansas, Bob Dole, em 1996); Sarah Palin, então governadora do Alaska e estrela em ascensão da ala ultraconservadora do GOP (companheira do senador Republicano moderado pelo Arizona, John McCain); e Paul Ryan, então jovem deputado  pelo Wisconsin (na chapa Republicana encabeçada por Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, hoje senador pelo Utah). Rara mesmo sempre foi a seleção de um número dois sem prévia experiência eleitoral. Exceções: Henry Wallace (ex-secretário de Agricultura do Democrata Franklin D. Roosevelt, quando da segunda reeleição deste, em 1940); e o Democrata Sargent Shriver, ex-diretor do Peace Corps, ex-embaixador à França e cunhado de John F. Kennedy (companheiro da chapa encabeçada pelo senador de Dakota do Sul George McGovern), em 1972. A candidatura McGovern/Shriver amargaria um retumbante fracasso: naquele ano, o Republicano Richard Nixon conquistou a reeleição vencendo em todos os estados, à exceção de Massachusetts.

Observe-se que Trump, no pleito de 2016, foi o primeiro presidente eleito sem experiência anterior em cargo público algum (civil ou militar), embora já fosse amplamente conhecido em todo o país, sobretudo graças ao reality show televisivo “O Aprendiz”.

De um modo geral, assinala Goldstein, presidenciáveis Democratas e Republicanos ‘pescam’ seus vices em diferentes águas: os primeiros dão preferência a senadores (foram 16 entre 19 desde 1940); os segundos tendem a selecionar governadores, como Spiro Agnew (Maryland, vice de Nixon na eleição de 1968); Sarah Palin (Alaska, 2008); e Pence (Indiana, 2016). Mas isso não quer dizer que senadores Republicanos nunca tenham concorrido ao segundo cargo mais poderoso do mundo: Nixon (vice de Dwight D. Eisenhower, 1952 e 1956); Bob Dole (vice de Gerald Ford, 1976). Poucas vezes, em contraste com os Democratas, o GOP apresentou candidatos à vice-presidência provenientes de altos escalões do serviço público (Henry Cabot Lodge Jr., ex-embaixador às Nações Unidas e companheiro de chapa de Richard Nixon em 1960, no pleito vencido por John Kennedy e Lyndon Johnson; e George H. W. Bush, ex-diretor da CIA, eleito e reeleito na chapa de Ronald Reagan, em 1980 e 1984).

Os dois grandes partidos quase nunca recorrem à Câmara de Representantes em busca do número 2 (exceções: o deputado William Miller, em 1964, na malograda campanha Republicana de Barry Goldwater, senador conservador do Arizona; e o já citado Paul Ryan, em 2012. Ele e Mitt Romney foram derrotados no pleito que reelegeu os Democratas Barack Obama e Joe Biden.) O último deputado federal eleito vice-presidente foi o Democrata John Nance Garner, companheiro de Franklin Roosevelt quando da primeira eleição deste, em 1932. Assim, se o passado tem alguma serventia como preditor do futuro, escassas são as probabilidades de Trump vir a escolher a deputada Stefanik (NY) ou sua colega do estado da Geórgia e também Republicana Marjorie Taylor Greene.

Seja como for, o(a) futuro(a) vice-presidente de Trump, caso este se eleja novamente, vai encarar desafios (e oportunidades) incomuns. Como a Constituição veda a eleição de um presidente pela terceira vez, consecutiva ou não, seu(sua) companheiro(a) poderá concorrer à Casa Branca daqui a apenas quatro — e não oito — anos. E se Trump, mesmo eleito, vier a ser impedido de continuar na presidência por causa de seus muitos, digamos problemas com a Justiça, o(a) vice virá a sucedê-lo a qualquer momento do próximo quadriênio.

Ocidente livre condena o Irã. O Brasil torna-se cúmplice

Israel está sob ataque. Isso significa que a sociedade livre, configurada dentro dos parâmetros civilizacionais, norteada pelos direitos humanos e defensora das liberdades individuais está sendo, mais uma vez, atacada.

Cada lado nesse conflito precisa ser avaliado não apenas pelo que expressa em seu governo atual, mas também pelo que sua trajetória política e jurídica expõe enquanto organização social.

O Estado de Israel configurou-se como uma democracia plena, tanto quanto é possível sê-lo dentro das limitações e imperfeições humanas.

O modelo democrático do Ocidente não é apenas um regime político ocidental, mas um regime político adequado ao processo de amadurecimento político de qualquer civilização.

O que entendemos por democracia, porém, não é um mero conceito que pode ser instrumentalizado na retórica populista de líderes atrasados e obtusos.

O espírito democrático de um povo é seu anseio por liberdade e justiça, pela igualdade através de normas e pelo livre comércio entre as nações que, em assim se relacionando, optam pelo diálogo e pelas trocas, em detrimento da beligerância e do expansionismo que leva à destruição e ao sofrimento.

A posição do mundo livre e a posição do Brasil

O Ocidente assentou o seu projeto político nas boas ideias de equidade e liberdade. Ainda que não sejam totalmente cumpridas, as metas e os ideais que norteiam as civilizações livres sinalizam aquilo que vai no íntimo de seus cidadãos, como um germe em maturação de uma sociedade mais justa.

Ao nos transpormos para o lado da barbárie, perdemos o prumo e o norte adequado de conduta; ao compactuarmos com regimes tirânicos e despóticos, abrimos mão das conquistas civilizacionais que já deveríamos ter internalizado.

A posição do Brasil frente a um conflito bélico dessa magnitude deveria ser nem tanto a neutralidade, mas a aceitação do óbvio comprometimento da nossa nação com aquelas outras cujas bandeiras se erguem em defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Não é esse o caso do Irã, não é o caso da China, não é o caso da Rússia, não é o caso da Venezuela, para citarmos apenas alguns dos países em relação aos quais a diplomacia brasileira tem não apenas contemporizado, mas também se acumpliciado.

Após o ataque do Irã a Israel, o mundo livre respondeu em uníssono condenando o Irã e respaldando Israel:

Condeno os ataques do Irã nos termos mais fortes possíveis e reafirmo o firme compromisso da América com a segurança de Israel”, escreveu o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Condeno nos termos mais veementes o ataque imprudente do regime iraniano contra Israel. Estes ataques correm o risco de inflamar tensões e desestabilizar a região. O Irã demonstrou mais uma vez que pretende semear o caos no seu próprio quintal”, escreveu primeiro ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.

O ataque ao território israelense que o Irã lançou esta noite é injustificável e altamente irresponsável. O Irã arrisca uma nova escalada na região. A Alemanha apoia Israel”, escreveu o Chancelar da Alemanhã, Olaf Scholz

Condeno nos termos mais veementes o ataque sem precedentes lançado pelo Irã, que ameaça desestabilizar a região. Expresso minha solidariedade ao povo israelense e o empenho da França na segurança de Israel”, escreveu o presidente Francês, Emmanuel Macron.

A Austrália condena os ataques do Irã a Israel esta manhã. O Irã ignorou o nosso apelo, e o de muitos outros países, para não prosseguir com estes ataques imprudentes. Qualquer pessoa que se preocupe com a proteção de vidas inocentes deve ser contra estes ataques”, escreveu o primeiro-ministro da Austrália.

O Gabinete do presidente Javier Milei expressa sua solidariedade e compromisso inabalável só o Estado de Israel, frente aos ataques iniciados pela República Islâmica do Irã. A República argentina […] respalda enfaticamente Israel na defesa de sua soberania, em especial contra regimes que promovem o terror e buscam a destruição da civilização ocidental”, escreveu o presidente argentino.

Agora vejam a diferença de tom da nota pífia do nosso Itamaraty:

O Governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria. Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã”.

A nota usa o eufemismo “envio de drones e mísseis” para substituir ataque e, logo em seguida, justifica retoricamente o ataque ao sugerir que se trata de uma resposta a um suposta alastramento de hostilidades provocado por Israel. Para um bom leitor fica claro que a nota culpa Israel por ter sido atacado.

O que esperamos do Brasil não é uma participação bélica decisiva, mas uma postura equilibrada, condizente com a nação livre que ainda somos e que almejamos continuar a ser.

Não podemos, portanto, naturalizar a diplomacia irresponsável do atual governo brasileiro que se coloca em linha de sintonia com as teocracias e ditaduras do oriente, com o expansionismo do tirano russo e com os grupos terroristas islâmicos.

Israel é um escudo contra o terrorismo islâmico

O islamismo, por mais que tentemos escusá-lo enquanto religião, é uma filosofia de vida opressora, que visa não à emancipação do ser humano, mas à sua subjugação. Ao justificá-lo reiteradamente, chegamos ao ponto de renegar nossos valores que lhes são incompatíveis.

A antítese do islamismo não é o judaísmo, mas é qualquer religião que aponte para uma verdade mais alta do que o tribalismo que ainda mobiliza seus fervorosos adeptos. O islamismo é uma religião tribal; enquanto não passar por uma reforma, continuará sendo incompatível com os valores fundamentais de uma sociedade aberta.

Se hoje o Islã se choca contra os judeus, amanhã ele se chocará contra toda a civilização cristã porque o projeto de dominação apregoado é o da dominação total e não o da pacificação inter-religiosa.

O Estado de Israel é ainda um anteparo contra esse choque de civilizações. É ele que recebe a carga de ódio dos que querem servir ao profeta derramando o sangue dos infiéis. Se Israel cair, o mundo estará mais vulnerável ao extremismo bárbaro do fundamentalismo islâmico.

É irresponsável compactuarmos ideologicamente com pensamentos liberticidas como estamos fazendo nos dias atuais. As críticas, muitas vezes pertinentes, a processos históricos injuriosos contra povos marginais não pode ser pretexto para uma denegação absoluta dos nossos próprios valores.

O Ocidente precisa se reencontrar em seu equilíbrio humanitário, sem ceder às ideologias que negam a história espiritual do próprio Ocidente. O niilismo moderno foi um terreno fértil para a colonização de mentes por religiões políticas. Lutamos não apenas por segurança. Lutamos pelos princípios eternos de justiça e liberdade.

Ataque iraniano contra Israel escancara conflito de décadas

O ataque com drones feito pelo Irã contra Israel apenas dá um contorno mais evidente a um conflito que se estende através das décadas. Ele apenas vem sendo travado de forma terceirizada por uma das partes. É de conhecimento notório o financiamento prestado pelo regime dos Aiatolás aos grupos terroristas que tem como objetivo varrer o Estado Judeu do mapa. A ação do Hamas ocorrida em outubro de 2023 ao sul de Israel foi arquitetada com apoio financeiro e logístico de Teerã, que lhe fornece recursos e armamentos.

Um relatório feito pelo site Homeland Security Today, especializado em segurança, aponta o nível de comprometimento do Irã com as atividades do Hamas e de outras organizações sediadas em países como Síria, Líbano e Iraque. Por meio dessa rede, criou-se um verdadeiro cerco a Israel. Segundo a Foundation for Defense of Democracies, o Irã gasta mais de 16 bilhões de dólares anualmente apoiando grupos terroristas e regimes ditatoriais extremistas em outros países. Desse total, cerca de 800 milhões são para o Hezbollah e outros 100 milhões se dividem entre o Hamas e a Jihad Islâmica palestina.

A aproximação de Israel com a Arábia Saudita e outras nações Árabes certamente causou apreensão entre o líderes iranianos, que, temendo o isolamento na região, agiram para tentar impedir a viabilidade dos acordos que estavam sendo desenhados. E nesse particular foram efetivos. A escalada de violência obedece essa lógica, incluindo o ataque do Hamas e agora o envio dos drones. A instabilidade impede o diálogo e obriga Israel a tomar providências que lhe afastam de uma aproximação com países islâmicos.

O Irã justificou seu ataque como uma resposta ao bombardeio israelense ao que seria o consulado do país em Damasco. Na operação militar, ocorrida no início de Abril, as Forças de Defesa de Israel mataram vários membros do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, incluindo Mohammed Reza Zahedi, personagem central na articulação do Irã com a rede de organizações terroristas. As potenciais ocidentais já sabiam que haveria reação, inclusive porque isso fora antecipado pelo próprio Ali Khamenei, líder supremo do Irã. O que talvez não se imaginava era o quão audaciosa ela seria.

As imagens de drones e mísseis sendo interceptados nos céus de Jerusalém é assustadora, ao mesmo tempo que inédita. A cidade que deu origem para três das maiores religiões do mundo sempre foi preservada nos conflitos frequentes que assolama região. Não mais. Se o sistema de defesa de Israel não fosse suficientemente eficiente, o fogo e a destruição se espalhariam no local sagrado, e talvez corpos se avolumassem até mesmo diante do Muro das Lamentações. E isso apenas denota a deterioração das relações geopolíticas no Oriente Médio, que parece caminhar para um conflito muito mais amplo do que apenas na Faixa de Gaza.

As implicações políticas do affair Musk versus Alexandre

Não é surpresa ver bolsonaristas pegando uma carona nas falas de Elon Musk e lulopetistas indignados com o bilionário sul-africano e defendendo o Alexandre. Nem os bolsonaristas, nem o Musk, nem o PT têm a ver com a democracia. Tudo isso é fruto da vil polarização populista.

A polarização já capturou as interpretações sobre a controvérsia Elon Musk x Alexandre de Moraes. O que está em discussão, do ponto de vista da democracia, nada tem a ver com Musk ser dito de extrema-direita, se apoia ou não Trump por baixo dos panos, sabe-se lá se anarco-capitalista, libertarista ou defensor de uma impossível liberdade irrestrita, racista ou supremacista. Nem tem a ver com as origens de Alexandre de Moraes, com suas ligações pregressas com dirigentes do quase-extinto PSDB e agora estar alinhado ao PT ou com o fato de ter sido indicado ao STF por Michel Temer. Envereda-se por essas alegações para reduzir tudo ao jogo bipolar extrema-direita x esquerda, reacionários fascistas x progressistas, golpistas x defensores do Estado de direito, bilionários imperialistas nos EUA x defensores da soberania nacional do Brasil, apoiadores da liberdade de expressão x proto-ditadores que querem extingui-la; para resumir: bolsonaristas x lulopetistas. Assim fica fácil não responder as questões. Se Musk é bolsonarista (e tudo mais que não presta) ou se Alexandre é petista (idem), então estão resolvidas todas as questões.

Mas as questões que realmente importam não estão respondidas. São, basicamente, as seguintes. O império da lei em uma democracia se traduz pelo império das instituições encarregadas de aplicá-la? A soberania popular em uma democracia pode ser exercida por alguma instituição considerada soberana? Existem entes soberanos em uma democracia? Os indivíduos em uma democracia são cidadãos ou súditos de um poder tido por supremo? O STF é chamado de suprema corte porque não há nenhum outro tribunal acima dele a quem os cidadãos possam recorrer, ou porque é um poder supremo mesmo? E há mais questões conexas. A democracia se reduz à obediência às normas que regem o Estado de direito e, por decorrência, às instituições encarregadas de fazer valer tais normas? Estado de direito é a mesma coisa que democracia? Por último, cabe a um tribunal ou aos seus membros assumir um papel militante em defesa da sua concepção de democracia (sobretudo quando essa concepção não foi referendada pelo voto dos cidadãos)? Em nome dessa defesa da democracia membros de um tribunal podem acumular as funções de investigar, acusar e julgar, constitucionalmente assinaladas a poderes distintos e independentes?

Não sabemos se o X poderá ser bloqueado no Brasil. Nunca foi bloqueado em uma nação democrática. Sim, em 18 anos de existência, nenhuma democracia bloqueou o Twitter. Isso só aconteceu em ditaduras como a China, a Coreia do Norte, o Irã, a Rússia, o Turcomenistão e Mianmar. O PT e o STF querem colocar o Brasil nessa lista das piores autocracias do planeta?

Se o bloqueio não acontecer agora, num rompante prepotente de quem confunde a soberania da lei com a sua própria soberania, tudo vai depender do rumo que as coisas tomarem nos próximos meses. Se o lulopetismo tiver um resultado muito adverso nas próximas eleições, o PT vai turbinar essa espécie de guerra civil fria para a qual foi feito e na qual se sente confortável. E será correspondido pelo bolsonarismo. Ou seja, os populistas, ditos de esquerda ou de direita, vão acelerar o tudo ou nada visando apenas vencer as eleições de 2026 a qualquer preço para se delongar no poder ou para voltar ao poder. E com esse crescimento da polarização, poderão vir, sobretudo da parte de quem controla o Estado, inevitáveis restrições de direitos políticos e liberdades civis. affaire Alexandre versus Musk nos obriga a acender o alerta amarelo.

Não houve, até agora, desbloqueio de contas censuradas pelo STF, nem bloqueio do Twitter, mas algo mudou na conjuntura. O mundo agora está tomando conhecimento de que existe alguma coisa errada ou, pelo menos, discutível, no papel militante que a suprema corte brasileira vem assumindo em nome da defesa da sua visão particular da democracia. Alguns ministros, não raro, reduzem a democracia à obediência às normas que regem o Estado de direito e, por decorrência, às instituições encarregadas de fazer valer tais normas. Mas não são a mesma coisa. Repetindo, então, pela importância do dito. A democracia é o império da lei e não o império das instituições encarregadas de aplicá-las. Nenhuma instituição pode ser soberana em uma democracia e os cidadãos não podem virar súditos de qualquer instituição, nem mesmo da chamada ‘corte’ dita ‘suprema’ (duas designações, aliás, pouco consonantes com o espírito da democracia).

Mas os democratas nada temos a ver com Elon Musk. E o Twitter, aliás, nem foi invenção dele. Cada um deve publicar naquela mídia o que bem entender, assumindo as responsabilidades por isso. O fato do Musk ser dono do agora chamado X e nele emitir opiniões contrárias ao que acreditamos não viola a democracia, ainda que suas opiniões possam ser antidemocráticas. Também não cabe a nós fazer avaliações morais sobre Musk, dizer que ele é hipócrita porque critica Alexandre, mas não critica a China. Ora, o presidente do Brasil, Lula, também não critica a China, a Rússia e outras ditaduras enquanto posa de salvador da democracia. Ou dizer, como fez ontem o Guga Chacra na Globo News, que ele é um babaca. Muitos proprietários de empresas cujos serviços utilizamos também poderiam ser avaliados por alguém como babacas. E daí? É como não querer pegar um avião num aeroporto construído pela Odebrecht porque não gostamos de seus donos ou reprovamos os crimes que cometeram. Por último, não nos cabe – para sabujar o PT – abrir uma guerra contra Musk, investigando sua vida privada ou profissional para ver se ele bateu na babá, roubou dinheiro do pai ou censurou seus próprios funcionários. Ninguém vai casar com o Musk. Ademais, o Twitter é apenas uma mídia, quer dizer, um meio de interação social, que podemos usar ou não.

Procedimentos jurídicos de exceção por parte do STF foram admitidos ou tolerados para preservar a democracia dos ímpetos golpistas de Bolsonaro. Mas aquela ameaça foi desarmada. Treze meses depois da cenográfica intentona de 8 de janeiro, não há mais perigo iminente para a democracia (se é que algum dia realmente houve, pois querer dar um golpe não significa que ele seria bem-sucedido). O STF vem se comportando como se estivéssemos em 2021 ou 2022 ou na passagem de 2022 para 2023, mas o fato é que já estamos em abril de 2024, com um presidente eleito exatamente porque se colocou contra as ideias e práticas do bolsonarismo. E esse novo presidente está governando sem contestações disruptivas da ordem democrática. Estão esticando uma configuração passada para torná-la eterna de modo a justificar a adoção de medidas excepcionais, inclusive a inconstitucional censura. Ou o STF acorda para isso ou vai continuar investindo na polarização e na guerra civil fria que sobrevirá – com alto risco, aí sim, de enveredarmos por um caminho de autocratização da democracia brasileira. Passou da hora de voltar à normalidade.

Terminamos o presente artigo com esse apelo aos membros do STF. É hora de parar com isso. Em qualquer hipótese o desfecho será desfavorável para a instituição e para o país. Não importa se os populistas (de direita e de esquerda) estejam querendo explorar o caso Musk para turbinar a polarização. Urge voltar à normalidade.


P. S. (10/04/2024). Uma mensagem no X a partir do que ficamos sabendo pela imprensa depois do artigo acima ser publicado.

Só uma pergunta. O governo Lula está criando uma teoria da conspiração para dizer que as diatribes de Musk na verdade são parte de uma grande articulação da extrema-direita internacional com parlamentares bolsonaristas para atacar o PT, a soberania do Brasil e o Sul Global?

Só uma resposta. Ora, é óbvio que os bolsonaristas pegariam uma carona nas falas de Elon Musk e que os lulopetistas ficariam indignados com o bilionário sul-africano e defenderiam o Alexandre. Não precisa de conspiração nenhuma para isso acontecer.

Uma reflexão final. ‘Não reunir é a derradeira ordenação’ (uma lição de Frank Herbert). A “orquestração” não precisa ser organizada. Ela é processada pela polarização. Temos de entender que a polarização é um programa, isso quer dizer que ela programa os aglomerados. É um programa de fazer lados.

Instabilidade Chinesa

As notícias vindas de Pequim estão longe de serem boas. A mais recente indica forte e acentuada queda no investimento direto estrangeiro no país oriental. Este é mais um dos problemas encarados pelo governo Xi Jinping, que tem enfrentado uma sequência de crises internas recentemente e pode colocar em xeque a estratégia do regime diante de suas zonas de influência pelo mundo.

Se em 2023 o mundo assistiu a primeira queda de investimento direto estrangeiro na China em 25 anos, em 2024 este vetor acelerou, mostrando o primeiro índice negativo de IDE do país asiático em duas décadas. O movimento sugere que as empresas podem estar diversificando suas cadeias de fornecimento para reduzir riscos, porém, a suspeita é que este movimento vai além e pode indicar que os investidores estão buscando alternativas à China, inseguros com os rumos tomados pelo governo de Pequim.

Ao mesmo tempo, alguns analistas lembram que tudo isto pode indicar apenas um redirecionamento na repatriação de lucros que habitualmente eram reinvestidos. Pode ser, entretanto, todo o contexto indica algo mais preocupante, uma vez que as saídas líquidas de investimento ocorrem exatamente no momento que Pequim está tentando abrir seu setor industrial para novas captações. A sensação no mercado internacional é que a China não tem conseguido atrair capital externo, uma vez que suas políticas não têm conseguido mitigar os riscos embutidos no país.

Existem tentativas para tentar virar este jogo. O Ministério do Comércio, por exemplo, pediu aos governos locais que eliminassem políticas discriminatórias enfrentadas pelas empresas estrangeiras, numa tentativa de estabilizar a confiança dos investimentos. O resultado, entretanto, foi pífio. Ao mesmo tempo houve a recomendação para que os subsídios para veículos movidos a novas energias não se limitem às marcas nacionais. Outra medida que surtiu um efeito prático muito pequeno. Os investidores estrangeiros na verdade expressaram uma “fadiga de promessas” em meio ao ceticismo em relação aos movimentos do governo de Pequim.

Investir na China tem riscos altos. Além do plano geopolítico, as empresas também recuaram diante do aumento dos custos de produção e obstáculos de regulação. Outro problema tem sido a burocracia sobre empresas estrangeiras devido a preocupação com a segurança nacional. Fatores que prejudicam a percepção do ambiente de negócios, um tipo de confiança muito difícil de restaurar.

A falta de investimento entre as empresas globais na China pode ter efeitos de longo alcance na segunda maior economia do mundo, especialmente quando falamos de seus próprios aportes ao redor do globo, como a Nova Rota da Seda, abandonada em alguns países e redefinida depois de muitos cortes em outros. Além disso, o desequilíbrio de sua economia também afeta a capacidade de compra de comodities. Em ambos os casos a economia brasileira pode sofrer abalos significativos.

A economia chinesa enfrenta período sensível, agravada pela falta de transparência de orçamento, gestão da dívida, instabilidade no mercado financeiro e desaceleração do setor imobiliário, gerando abalo na confiança do setor privado e diminuição do volume de investimento estrangeiro. A ausência de democracia e liberdade geram instabilidade e risco. A China vem aprendendo isso da forma mais difícil.