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Foto: Divulgação/Flickr White House

O Negociador

Apesar de Donald Trump ainda não ter assumido formalmente a presidência dos EUA, seu governo claramente já começou. Desde a indicação dos novos secretários, passando pelos encontros com líderes de outras nações e finalmente enviando recados pelas redes sociais, vemos que seu protagonismo político já está presente no cotidiano dos americanos e se faltam as formalidades da posse, de maneira informal, já assumiu o comando do país.

O Presidente que chegará à Casa Branca é muito diferente daquele de 2017. Ele agora possui controle pleno do Partido Republicano, maioria na Câmara, Senado e também na Suprema Corte. Ajudou os candidatos de seu partido a saírem vencedores nas disputas pelos governos da maioria dos estados em 2024 e lidera um movimento que transcende as fronteiras da política, fornecendo voz e vez a uma legião de americanos que se sentiam esquecidos. Trump tornou-se símbolo de um contramovimento que encontra ressonância em diversas partes do mundo.

Uma das razões que levaram o empresário a vencer as duas disputas presidenciais, tanto de 2016, quanto em 2024, foi o fato de que ele jamais participou ativamente da política partidária. Jamais ocupou qualquer cargo público ou envolveu-se em disputas eleitorais. Disputou apenas a Presidência. Sua trajetória é marcada pela vida empresarial e postura midiática, algo que sempre foi um traço de seu comportamento no mundo dos negócios. Este é Donald Trump. Um operador agressivo que gosta de assumir riscos, empresário midiático que usa sua exposição e figura pública como elemento central na arte da negociação.

Esta é uma leitura que falta aos analistas e jornalistas políticos de um modo geral, algo que acaba por limitar o entendimento de seus gestos ou o encaminhamento de suas estratégias. Trump jamais será moldado pelo Salão Oval, bastidores do Capitólio ou salões diplomáticos, pelo contrário, moldará a Casa Branca a sua imagem e semelhança, impondo seu tom e dinâmica ao cargo. Isto significa que temos no comando dos EUA um negociador agressivo do mercado imobiliário de Nova York, nascido no bairro do Queens, filho de um empresário do ramo da construção civil, originário do Bronx, longe dos quatrocentões que formaram tradicionalmente a elite da cidade e a política do país.

Exatamente por estas características, Trump soube dar voz a uma legião de americanos, criando algo muito além de uma vitória eleitoral, mas o molde de um movimento que pode mudar profundamente os alicerces da política americana, segundo ele, longe dos vícios do sistema. O trumpismo já delineou os contornos do novo Partido Republicano e busca levar sua mensagem muito além destas fronteiras.

Ao falar em retomar o Canal do Panamá, renomear o Golfo do México, tornar o Canadá o 51º estado americano ou comprar a Groenlândia, Trump está levando seu estilo de negociador empresarial agressivo do mercado imobiliário para a arena internacional, algo pedido pelo eleitor nas últimas eleições. Como resultado de sua pressão inicial pré-posse, o governo dinamarquês já propôs o aumento da presença militar dos EUA na Groenlândia a fim de cessar as falas do republicano sobre tomar a região. Como vemos, melhor do que ser um bom jogador, talvez seja possuir a habilidade de mudar as regras do jogo, um traço característico no novo Presidente dos EUA.

Trump quer seu rosto no Monte Rushmore

A escolha de Donald Trump como personalidade do ano pela revista Time não poderia ser mais óbvia. Qualquer outro nome em seu lugar seria trocar os fatos por uma decisão editorial enviesada pela ideologia. A Time, ressalte-se, nunca fez boa avaliação do presidente eleito dos Estados Unidos. Esnoba-lo, entretanto, ainda mais diante de uma vitória tão contundente, resultaria em perda de reputação. Em comunicado, a revista justificou a definição do prêmio para Trump “por liberar um retorno de proporções históricas, por conduzir um realinhamento político único em uma geração, por remodelar a presidência americana e alterar o papel dos Estados Unidos no mundo”.

Imaginava-se que depois da derrota eleitoral de 2020 e as investigações movidas contra ele, Trump estaria morto na política americana. Mas o magnata manteve o controle das bases republicanas avançando para isolar os integrantes tradicionais que lhe fizeram frente em 2016 e durante seus quatro anos de mandato. O movimento Make America Great Again (MAGA) cresceu de tal forma que as “prévias” do partido foram figurativas. Ele as venceu sem mover uma palha, e escolheu como vice alguém completamente leal e comprometido com sua visão de mundo.

O caminho para o retorno triunfal de Trump à Casa Branca passa por uma série de fatores, sendo o mais importante o desastrado governo Joe Biden. O eleitorado médio foi convidado a fazer uma escolha plebiscitária entre os dois modelos de governo, uma vez que a eleição de 2024 seria uma reedição da de 2020, novamente com Trump e Biden na disputa. Mas a busca de reeleição do atual ocupante da Casa Branca se revelou um erro político medonho dos Democratas, já que ele dava sinais evidentes de declínio cognitivo, o que se acentuou no trágico debate entre os dois.

A incapacidade de Biden resultou na troca burocrática pela vice Kamala Harris, uma figura insossa e rejeitada. Mesmo com toda a mobilização da máquina Democrata, não houve meios de lhe maquiar algum carisma. À medida que sua exposição aumentou, se evidenciaram suas fraquezas. Trump surfou em cima da inabilidade de Harris, colando-a nos erros da administração rejeitada de Biden. Nesse meio tempo, Trump sobreviveu a não uma, mas duas tentativas de assassinato.

Além do contexto político e econômico, Trump explorou até a vitória sobre a morte, materializada na poderosa foto em que surge com o punho cerrado de sangue, cercado de agentes do serviço secreto e sob a sombra da bandeira americana. Uma imagem destinada a entrar para os livros de história.

Trump é tudo, menos imodesto. Quer, como Churchill, “caminhar com o destino”. Se pudesse, ele mesmo mandaria esculpir sua face no Monte Rushmore ao lado de Abraham Lincoln, George Washington, Thomas Jefferson e Theodore Roosevelt. Para tanto, terá de ser bem sucedido nos múltiplos objetivos que traçou. Dentre suas ambições está a de recolocar a economia americana nos trilhos e acabar com a guerra da Ucrânia usando sua capacidade nata de realizar acordos. Sendo bem-sucedido, melhor para seu ego, e também o mundo.

O México tem uma janela estreita para redefinir o relacionamento com os EUA

Nenhum parceiro dos EUA pode perder tanto com a abordagem de soma zero de Donald Trump quanto o México, e nenhum está tão despreparado para navegar em um governo Trump. No cargo apenas desde 2 de outubro, a presidente Claudia Sheinbaum herdou um país debilitado com o crime organizado em ascensão e sua perspectiva de crédito rebaixada nas últimas semanas.

Agora, Sheinbaum pode estar subestimando a profundidade dos desafios para o México que um governo Trump representa, dizendo ao seu país no dia seguinte à eleição dos EUA que “não há razão para se preocupar” e tomando ações que só aprofundarão as preocupações dos EUA sobre o México.

Sheinbaum pode acreditar que pode replicar a gestão bem-sucedida de seu antecessor na primeira presidência de Trump, mas sua resposta pública à promessa de Trump de impor uma tarifa de 25% ao México em seu primeiro dia no cargo, na qual ela leu uma carta a Trump alertando sobre as consequências, sugere que ela não tem os instintos políticos do presidente Andrés Manuel López Obrador, que frequentemente optou por não responder publicamente a Trump. López Obrador também acumulou capital político suficiente para poder satisfazer as demandas de Trump sem ser enfraquecido internamente. Embora Sheinbaum tenha vencido de forma esmagadora, ela não comanda a lealdade de seu partido Morena e deve sua posição em grande parte a López Obrador.

Sua abordagem à diplomacia é motivada pela ideologia, como visto em sua decisão de excluir o rei Felipe VI da Espanha de sua posse. E sua equipe de política externa tem experiência limitada com os Estados Unidos e não fez incursões com a nova administração.

Além disso, a natureza do desafio para o México é mais aguda do que há oito anos. Durante seu primeiro governo, Trump ameaçou impor tarifas e fechar passagens de fronteira, mas sua principal prioridade com o México era a construção de um muro na fronteira, o que foi visto como uma afronta pelo governo mexicano, mas não ameaçou a economia do México. Desta vez, Trump está mais determinado a impor tarifas, deportar milhões de trabalhadores indocumentados e atacar cartéis, e suas nomeações para o Gabinete buscarão esses objetivos de forma mais decisiva do que seus indicados para o primeiro mandato.

A inexperiência de Sheinbaum é perigosa para o México em um momento em que ele precisa de uma liderança experiente. No entanto, ela tem uma oportunidade estreita de demonstrar que entende a urgência da situação. Ao tomar a iniciativa e trabalhar para abordar as preocupações dos EUA em algumas áreas críticas, ela poderia potencialmente evitar algumas das medidas mais punitivas.

Uma área em que o governo de Sheinbaum está tomando medidas na direção certa, mas precisa fazer mais, é o investimento chinês. As preocupações dos EUA sobre a China usar o México para obter acesso livre de tarifas ao mercado dos EUA, especialmente na fabricação de automóveis, ameaçam inviabilizar a renovação do acordo comercial USMCA em 2026. Grande parte do investimento da China é ocultado pelo uso de entidades offshore em terceiros países e, segundo uma estimativa, o investimento chinês é, na verdade, seis vezes maior do que os números oficiais.

Sheinbaum pediu a redução da dependência de importações chinesas e seu governo entrou em contato com fabricantes americanos e internacionais no México pedindo ajuda para substituir produtos e peças importados da China por peças fabricadas localmente. Para conseguir isso, ela precisará ir mais longe e buscar políticas que apoiem a fabricação local. Ela também pode aumentar a confiança trabalhando para fornecer maior clareza em torno dos dados do governo sobre o investimento chinês.

A nova presidente do México também pode se distanciar de seu antecessor em segurança. A estrutura de segurança que ela anunciou após assumir o cargo contém alguns elementos positivos, mas ela deve ir mais longe. A ênfase de López Obrador em abordar fatores socioeconômicos em vez de enfrentar criminosos e sua suspensão da maior parte da cooperação de segurança com os Estados Unidos levaram à expansão do crime organizado no México, onde ele está cada vez mais assumindo economias legais, como a agricultura.

Sheinbaum esperava melhorar a situação da segurança durante seus primeiros meses no cargo, mas, em vez disso, a violência aumentou à medida que as facções lutam pelo controle do cartel de Sinaloa. Reconstruir a confiança entre os dois países em questões de segurança levará tempo, mas investir nas capacidades investigativas degradadas da polícia mexicana e renovar a cooperação de segurança com os Estados Unidos seria um sinal bem-vindo.

Finalmente, o apoio de Sheinbaum aos regimes autoritários na região certamente antagonizará a nova administração. Embora vá contra seus compromissos ideológicos, trabalhar para se alinhar mais de perto com as políticas dos EUA em relação a Cuba, Nicarágua e Venezuela é uma das medidas menos custosas que ela poderia tomar para melhorar o relacionamento EUA-México e que renderia dividendos imediatos.

Tomar medidas práticas nesse sentido envolveria algum risco político para Sheinbaum internamente, mas criaria boa vontade com os colegas dos EUA e ajudaria a mudar a narrativa sobre o México. Uma abordagem proativa poderia ter um efeito moderador na dinâmica do relacionamento, demonstrando que os Estados Unidos têm um parceiro no novo governo do México e não precisam depender de medidas unilaterais para atingir os objetivos da nova administração.

Negócio da China

A eleição de Donald Trump levou o governo de Pequim a adotar um amplo pacote de estímulo econômico de US$ 1,4 trilhão com o objetivo de combater possíveis consequências na relação futura com os americanos. As ameaças de Trump de tarifas de até 60% sobre produtos chineses ocorrem em um momento delicado para o país oriental, que já está lidando com uma grave crise imobiliária, gastos fracos do consumidor e uma crescente dependência de exportações.

Nem tudo são flores em Pequim. Em resposta à ameaça iminente de tarifas elevadas, os formuladores de políticas chineses estabeleceram um pacote de resgate substancial. O Congresso Nacional do Povo aprovou o plano como uma contramedida para estabilizar a economia, com foco no refinanciamento da dívida e no reforço de projetos de infraestrutura para mitigar o impacto das políticas comerciais de Trump.

Apesar do estímulo, o plano alcança apenas uma fração da dívida oculta chinesa, estimada pelo Fundo Monetário Internacional em mais de US$ 8 trilhões. O retorno de Trump já impactou os mercados financeiros: as ações chinesas caíram, enquanto as ações dos EUA subiram, refletindo preocupações dos investidores sobre a escalada das tensões comerciais. A ação de Pequim com vistas a implementar o estímulo expõe sua preparação para uma rivalidade econômica prolongada.

Enquanto o presidente eleito Donald Trump se prepara para reimpor tarifas sobre a China, o líder chinês Xi Jinping busca fortalecer laços com países do porte do Brasil. A ideia de Pequim é fomentar um relacionamento construído em interesses econômicos compartilhados. Logo após a cúpula do G20 foram anunciados 37 acordos abrangendo agricultura, comércio, tecnologia e energia, que desenham um volumoso modelo de interdependência econômica.

O Brasil é o maior fornecedor de soja, minério de ferro e carne bovina da China, enquanto a China fornece ao Brasil semicondutores, fertilizantes e peças automotivas. Ficou claro que, mediante estes laços, a China busca mitigar os efeitos das tarifas dos EUA, usando o Brasil como instrumento de sua disputa comercial com os americanos.

De qualquer forma, apesar das relações profundas que desenha com Pequim, o Brasil ainda se mostra cauteloso sobre o alinhamento total com a China. Embora Xi tenha como objetivo que o Brasil se junte integralmente à Nova Rota da Seda, Lula esclareceu que seu governo não planeja integração total, mas “estabelecer sinergias entre a Iniciativa da Rota da Seda e as estratégias de desenvolvimento do Brasil”. Este movimento evidencia a estratégia global da China de aprofundar parcerias e redes comerciais para aliviar as suas próprias pressões econômicas internas.

É neste ponto que o Brasil precisa ser cauteloso, evitando a sinodependência comercial, a reedição de um novo pacto colonial e especialmente servir de contrapeso na economia chinesa em sua disputa com os americanos. Como mostram os números, a China carrega dívidas e uma situação que inspira cuidado. Atrelar nosso destino aos rumos traçados por Pequim pode se tornar um caminho perigoso, afinal, negócios da China muitas vezes escondem armadilhas difíceis de identificar.

Trump e o nó ucraniano

Os eleitores dos Estados Unidos deram uma vitória incontestável ao candidato republicano Donald Trump e ao movimento político que o cerca, conhecido pela sigla MAGA do slogan Make America Great Again usado pela primeira campanha de Trump. Em sua campanha Trump prometeu pacificar a Ucrânia no dia primeiro de sua gestão, descartando as hipérboles naturais de uma campanha eleitoral como se desenha, até o momento, a política do futuro governo para a Ucrânia.

É preciso ter em mente que a solução para a guerra na Ucrânia, ainda que negociada, não será uma reedição das conferências de Yalta e Potsdam nas quais os nascentes superpoderes decidiram os destinos de muitas nações ao findar da Segunda Guerra Mundial. E, qualquer construção negociada terá que balancear uma miríade de interesses alimentados por inúmeras correntes de opinião em cada um dos atores envolvidos. Em outras palavras, Trump e sua equipe terão que lidar com interesses internos de vários grupos nos EUA, com outros atores, incluindo aí, os aliados europeus e a China, além dos cálculos de Putin. E isso tudo sob forte escrutínio da imprensa, da opinião pública e das casas legislativas dos Estados Unidos.

Além de complexa, a situação ucraniana é dinâmica, ou seja, os interesses vão se adaptando aos movimentos dos atores e outras fontes de tensão extra-regional que influenciam e limitam a capacidade de ação dos envolvidos. A gestão Biden, por exemplo, teve dificuldade de implementar uma política de rápida ajuda militar para Ucrânia, uma vez que isso envolve o envio de equipamentos militares, em uso, ou da reserva das Forças Armadas Americanas, o que gera uma série de embaraços e reações no Congresso e na própria máquina burocrática.

A escassez de material bélico, por sua vez, propiciou a manutenção do lento e custoso, em termos de vidas humanas, avanço da Rússia e deu tempo para que o gigante eurasiático encontrasse maneiras de enfraquecer e subverter o isolamento internacional e as sanções. Construindo, por exemplo, seu acordo com a Coreia do Norte, para importação de armas e o envio de soldados.

Há relatos de múltiplas fontes sobre a concentração de forças russas na Ucrânia mostra que pode haver uma ofensiva russa de inverno, se as condições climáticas forem brandas, que deixa claro que para os russos a percepção é que um momento positivo nos esforços de guerra. No front interno a sociedade russa não dá sinais de inquietação e protestos massivos, mesmo com as elevadas perdas humanas e seu sistema econômico tem conseguido se manter funcionando. No contexto regional, a Europa não mostra sinais de compromisso em aumentar sua capacidade industrial bélica e todos esses fatores juntos apontam para uma Rússia, muito pouco disposta a negociar alguma resolução pacífica para a guerra.

O tema paz na Ucrânia tende a ocupar muito da agenda internacional do início de mandato de Trump e pode ser afetado por sua política comercial que tenciona aumentar tarifas dificultando as relações com aliados europeus e com a China, que muitos em seu movimento veem como o verdadeiro adversário estratégico dos EUA no mundo atual.

Diante desse cenário, não obstante uma eventual participação russa em fóruns, conferências e negociações bilaterais, esses esforços só obterão um acordo de paz, que preserve a independência ucraniana, se as circunstâncias pressionarem Putin a escolher a paz revertendo o cenário descrito acima, e esse é o nó que Trump precisa desatar.

Grand Chelem

No automobilismo, alcançar um hat trick é uma tarefa árdua, tanto quanto rara: significa conquistar a pole position, fazer a volta mais rápida e vencer a prova. Porém, ao transferir este roteiro para a política, a vitória de Donald Trump na corrida presidencial se encaixa perfeitamente em algo que transcende este feito, definido como Grand Chelem, ou seja, a corrida perfeita: quando um piloto faz a pole-position, marca a melhor volta e vence a prova liderando de ponta a ponta. Foi exatamente aquilo alcançado por Trump neste ciclo eleitoral. Explico.

O candidato republicano foi muito além daquilo que era projetado pelas pesquisas. Sedimentou seu controle sobre o partido, moldando-o a sua imagem e semelhança, indo muito além 2016, quando sua vitória ainda era dividida com o establishment político. Ao obter uma vitória maiúscula de forma incontestável, alcança o controle absoluto do partido, tornando-o uma agremiação de viés trumpista, direcionado por suas políticas e ideias, algo que move o posicionamento dos pilares da política norte-americana.

O triunfo na candidatura presidencial, por si mesma, seria um grande feito, entretanto, a forma como ocorreu, com a manutenção do controle da Câmara de Representantes e uma virada no Senado, agora com superioridade incontestável, mostra que o recado das urnas foi contundente. Trump irá governar com maioria nas duas casas legislativas, além de uma sólida base conservadora na Suprema Corte, onde já indicou três nomes: Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett.

Como se não fosse o bastante, Trump ajudou a eleger oito governadores. Os Estados Unidos foram às urnas para eleger não só o novo presidente do país, mas também 11 novos governadores. Oito republicanos conseguiram o cargo, enquanto apenas três democratas foram eleitos. Atualmente, 27 Estados são governados pelo Partido Republicano e 23 pelo Partido Democrata.

Trump conseguiu desmontar o chamado Blue Wall, formado pelos estados de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, erguido pelos democratas desde o período de Bill Clinton. Apesar deste sólido bloco de estados democratas ter exibido rachaduras em 2016, foi reerguido por Biden em 2020. Em 2024 se desfez por completo. Trump venceu nos três estados, dois deles governados por democratas que sonharam estar no lugar de Kamala Harris nesta disputa: Gretchen Whitmer e Josh Shapiro.

Para além destes, Trump venceu na Carolina do Norte, Georgia, Arizona e Nevada, estados onde havia maior disputa, ou seja, o republicano venceu em todos os estados-pêndulo. O resultado não poderia ser diferente: 312 votos no colégio eleitoral contra 226 de Kamala Harris. Ganhou também no voto popular com 75 milhões de votos, 50,2%, uma diferença de 3 milhões para a democrata. É o melhor resultado para um republicano na disputa pela Casa Branca desde 1988.

Donald Trump assumirá o poder novamente com 78 anos e 7 meses, 2 meses mais velho que Biden em 2021. Sairá com 82 anos. Não poderá ser reeleito em 2028. A Constituição norte-americana proíbe mais de 2 mandatos, seguidos ou não. A luta pelo seu espólio político será um ponto central dos próximos anos, afinal todos sonham com um Grand Chelem como este alcançado por Trump para consolidar seu poder. O tamanho desta vitória é certamente a herança mais cobiçada deste mandato.

O retorno triunfal de Trump e a humilhação da militância woke

Há algo de fascinante, quase tragicômico, na forma como as elites progressistas dos últimos anos se posicionam como sinônimos de democracia, virtude e justiça social. “Nós somos a democracia”, proclamam. Mas qualquer força política que se autointitule dona desse conceito está, na verdade, cavando sua própria cova. Democracia não aceita monopólios, nem mesmo o da virtude.

Os chamados woke, que dominam o debate público nas elites progressistas, não são apenas autoritários, são insuportáveis. A tentativa de encapsular as minorias numa “senzala ideológica” onde todos devem marchar no mesmo ritmo e repetir o mesmo discurso não só é um fracasso estratégico como uma traição à própria ideia de diversidade.

Negros, latinos, mulheres, gays e trans precisam pensar igual. Quem define como pensar? A panelinha de sempre. O clube do “todEs”, liderado por militantes que se comportam como meninas más de colégio rico, armadas com seus gritos de “racista!”, “fascista!”, “homofóbico!”. Quem ousa desviar minimamente do script é cancelado sem piedade.

E foi precisamente essa postura que levou o woke ao chão – humilhado, debochado e ignorado – nas eleições mais recentes dos Estados Unidos. Donald Trump não só sobreviveu ao apocalipse moral que previram, como expandiu seu eleitorado em minorias que, ironicamente, os progressistas juravam representar. O aumento do voto latino para Trump é um tapa na cara de quem achava que podia determinar o que cada grupo deveria pensar.

E as elites não entenderam nada. “Como pode alguém votar no Trump?” Essa pergunta, repetida em tom de indignação por muitos, revela mais sobre a incapacidade cognitiva de quem a formula do que sobre as escolhas do eleitorado.

Eis o ponto: você pode não gostar de Trump, mas precisa ser intelectualmente honesto para entender por que alguém vota nele. Se você não consegue, é porque está tão preso à sua bolha de virtude que prefere acreditar que o mundo é burro ou manipulado. É mais fácil culpar fake news ou a “maldade inerente” das pessoas do que encarar o fato de que, talvez, o problema seja você.

A obsessão identitária que contaminou o progressismo fez com que minorias fossem vistas não como indivíduos com vozes próprias, mas como blocos homogêneos que devem seguir o dogma imposto pelos iluminados do woke. É um projeto autoritário disfarçado de empatia. E o mais irônico? Quem mais odeia os woke são as próprias minorias que eles dizem defender.

O partido democrata deu espaço demais para essa maluquice e agora paga o preço. A Kamala Harris até que tentou, manteve distância do todEs na campanha. Mas a torcida, ah, a torcida é um desastre. Os woke funcionam como aquele fã-clube tóxico que arruína a imagem de qualquer famoso. Eles acham que estão salvando o mundo, mas estão apenas arrancando a soco espontaneidade das pessoas em nome de uma suposta virtude coletiva.

E, quando os resultados vêm, a surpresa é inevitável. Eles não percebem que são odiados. Que suas posturas são vistas como arrogantes, condescendentes e absolutamente insuportáveis. A resposta para o desastre? Trocar o povo. Se o povo não concorda com eles, o problema é o povo. Eles nunca têm culpa. Afinal, possuem o monopólio da virtude. Se estão sendo rejeitados, só pode ser por fake news, manipulação ou pela maldade intrínseca do outro.

E então devemos cancelar o woke? Não defendo que sejam cancelados, eles têm o direito de falar e de viver segundo seu sistema de crenças como qualquer seita. Defendo que sejam reconhecidos pelo que são: uma seita radical de filhinhos de papai que confundem militância com bullying. Eles podem existir, podem gritar seus “todEs” à vontade. Só não podem ser levados a sério. Não mais.

O que vimos nos Estados Unidos não foi só uma vitória de Donald Trump. Foi o maior tombo do woke. Uma humilhação pública. Quem sabe, um marco para uma mudança de ventos. Ninguém aguenta mais ser julgado por meninas más de colégio rico fantasiadas de militantes.

O caminho de Kamala Harris até a derrota

O presidente Joe Biden não estava triste ou preocupado quando falou pela primeira vez após a vitória de Donald Trump nas eleições americanas. Estava era estranhamento risonho. Chegou ao púlpito na Casa Branca com passos rápidos e usando seu indefectível óculos escuro. Falou de forma precisa, sem perder o raciocínio e até deu uma estocada elegante no adversário vitorioso. “Você não pode amar seu país somente quando vence”, disse corretamente. Em nada parecia com o homem frágil e vacilante que foi obrigado por seus colegas a renunciar em sua tentativa de reeleição depois de colapsar cognitivamente durante o primeiro debate com o republicano ainda no começo da campanha.

A estratégia Democrata de trocar de candidato para evitar a humilhação fracassou fragorosamente. E talvez esteja aí a razão do incontido sorriso de Biden. Kamala Harris ficou abaixo da performance do atual presidente, que venceu Trump na eleição de 2020. O resultado negativo, contabilizando derrotadas em todos os estados pêndulos e o melhor desempenho republicano desde 1988, é fruto também uma sucessão de erros elementares. A começar pela própria substituta, que não tinha trajetória política suficiente para almejar o posto.

Por isso, a candidata democrata foi blindada por sua equipe de campanha desde o início. Na média, só concedia entrevistas a veículos considerados alinhados. A exceção foi quando falou para a Fox News, mas não com saldo positivo. Sua pior apresentação, entretanto, veio em terreno considerado seguro por Democratas. Durante uma participação no programa The View, considerado de viés progressista, Kamala disse que não conseguia ter em mente nenhuma discordância em relação às decisões do governo Biden.

Ao invés de se distanciar de um presidente desgastado e imprimir uma expectativa de renovação e de mudança sob uma perspectiva democrata, o que ela fez foi referendar a inflação alta, o caos nas fronteiras e a frágil política externa. Qualquer esforço em apresenta-la como algo diferente esmoreceu.

Além da própria inaptidão, Kamala não conseguiu fazer uma composição política minimamente consistente. Ao invés de escolher para vice o comunicativo e popular Josh Shapiro, governador da disputada Pensilvânia, preferiu Tim Waltz, do tradicionalmente democrata Estado de Minnesota. Shapiro, tido como de centro, foi colocado de lado porque parte da militância não ia gostar de um judeu pró Israel na chapa. E isso diz muito sobre a situação do partido Democrata, sequestrado por grupos políticos identificados com o radicalismo de esquerda.

Kamala não foi a escolha das bases democratas, e sim da elite do partido. Em artigo de julho de 2024 para a Gazeta do Povo, escrevi que “ao contrário de Trump, que tem o apoio de seus correligionários e foi escolhido nas primárias, ela não apenas conserva indicadores periclitantes de popularidade como acabou sendo indicada pela conveniência dos caciques partidários”. Apontei que era “uma candidata da burocracia”, e que “excluindo toda espuma da publicidade voluntária e a torcida travestida de análise política”, sobrava “uma figura comum que está servindo de muleta para um partido que não esconde o medo de perder”. E a derrota veio, tão óbvia quanto poderia ser.

Lula é Kamala. Bolsonaro é Trump. E daí?

Se há algo que parece passar despercebido no calor das discussões políticas no Brasil, é a irrelevância absoluta das opiniões de Lula e Bolsonaro sobre as eleições dos Estados Unidos. Sim, isso mesmo: o que eles acham de Kamala Harris ou Donald Trump não tem impacto algum em Washington. Nenhum.

Vejamos o cenário atual. Lula, o presidente da República, declara seu apoio a Kamala como se isso fosse mover algum ponteiro na eleição norte-americana. Bolsonaro, fiel ao seu estilo, expressa abertamente seu apreço por Trump, como se os eleitores americanos estivessem ansiosos para saber o que ele pensa. Mas, honestamente, e daí? Não importa se o presidente do Brasil é fã de Kamala, Trump, ou até do Pato Donald. Lá nos Estados Unidos, isso é só ruído.

A questão é que o público brasileiro, ou pelo menos parte dele, parece incapaz de entender essa desconexão. Importamos o embate Lula versus Bolsonaro para dentro de temas internacionais como se isso fosse relevante para o eleitor norte-americano. A ilusão é de que, se um dos nossos líderes manifesta apoio a um candidato estrangeiro, ele realmente acredita estar influenciando alguma coisa. Não está. Essa dinâmica seria diferente se estivéssemos falando de um país vizinho, na América Latina. Um comentário do Brasil sobre a eleição argentina, ou mesmo paraguaia, poderia ter ressonância. Mas sobre uma potência como os Estados Unidos? É um jogo de aparências. E quem se ilude com ele é só o brasileiro.

Para ilustrar a inutilidade desse jogo, imagine se estivéssemos falando das eleições no Brasil, mas o apoio viesse de Angola. Digamos que o presidente angolano, João Lourenço, publicasse um vídeo apoiando Lula em nossa eleição presidencial. Isso mudaria o seu voto? É óbvio que não. E é óbvio que a opinião de Lula ou Bolsonaro sobre Trump ou Kamala não muda um único voto americano.

Ainda assim, seguimos nessa. Como se o mundo fosse acabar dependendo de quem ocupa a Casa Branca. “Kamala vai confiscar direitos, Trump vai erguer o muro”. Mas, vamos ser francos, o que realmente mudou quando Trump foi presidente? Ele tentou muita coisa, mas os guardrails da democracia americana, construídos e mantidos ao longo de duzentos anos, seguram qualquer um – até mesmo quem queira ou finja querer explodir o sistema. Nos EUA, o sistema é maior que o presidente. O Congresso, a Suprema Corte e as leis se mantêm intactos, segurando as rédeas da democracia. Algo que, convenhamos, não temos por aqui.

Aqui, no Brasil, a nossa democracia é frágil. Mudamos de Constituição como quem troca de roupa, o que coloca em perspectiva o quanto somos inconstantes em nossas “aventuras democráticas”. Nos EUA, há segurança estrutural. Lá, quem passa da linha, seja presidente ou peão, paga. O caso do Capitólio mostrou isso. Quem ousou desrespeitar o sistema foi punido e não foi um teatro para mostrar ao mundo “ficha limpa”. A punição foi para valer, sem essa história de salvar peixe grande e fazer show com os pequenos.

Mas, ainda assim, muitos aqui insistem em romantizar a eleição americana, como se tivéssemos que escolher lados e como se qualquer um dos lados fosse, de fato, nos representar. Sinto muito desapontá-los, mas o próximo presidente americano será irrelevante para nós. E não porque a política externa dos Estados Unidos é uma fantasia, mas porque, para eles, o que importa é o próprio sistema. Seja Trump, Kamala ou quem for, a democracia americana segue firme. Ela não precisa de salvadores; ela precisa de respeito ao que foi construído.

Então, meu conselho? Acompanhemos o show de camarote, mas sem apego emocional. No Brasil, há quem se emocione com tudo isso, com cada palavra de Lula ou Bolsonaro sobre política americana .Mas emoção, em política, nunca deu certo. E, para ser sincera, essa importação de brigas estrangeiras só serve para distrair do que realmente importa aqui.

Desafio de Kamala

Os últimos dias em Washington estão sendo de intensa movimentação, algo atípico para esta época do ano, tanto pelo calor que invade a capital, como pelas férias de verão que esvaziam a cidade nestes meses. Porém, tudo muda diante de um ano eleitoral como este que estamos presenciando. Nestas semanas estou imerso presencialmente na política americana discutindo cenários e colhendo informações sobre as campanhas.

Um atentado, uma desistência, uma nova candidata e um jovem senador de Ohio como companheiro de chapa. Nestes últimos dias aconteceu de tudo na campanha eleitoral. Os republicanos, ou melhor dizendo, o partido de Trump, que tomou o controle da estrutura partidária republicana, fizeram uma convenção na esteira do atentando contra seu candidato, que decidiu partir para o confronto e deixar de lado o discurso de união que poderia emergir depois dos tiros na Pensilvânia.

Trump escolheu como vice JD Vance, um jovem senador por Ohio, indicado por seus filhos, em especial Donald Jr, que enxergou em Vance um nome que pode entregar um estado essencial na disputa contra os democratas. Nenhum presidente até hoje venceu sem Ohio e ao assegurar um nome com enorme penetração política local, praticamente selou o apoio do estado na disputa eleitoral.

A mudança na chapa dos democratas diante da desistência de Biden em buscar a reeleição trouxe um elemento novo para o tabuleiro. Sua decisão já estava tomada e a comunicação foi realizada somente depois do partido costurar o apoio em torno de sua vice, algo que sugere a continuidade da sua presidência e sua chapa para reeleição. Em pouco tempo, todos os diretórios estaduais democratas selaram o apoio a Harris, assim como os principais cardeais do partido. A convenção em Chicago servirá apenas para sua consagração e formalização eleitoral.

A eleição americana será decidida mais uma vez em um pequeno punhado de estados que, ao votar com republicanos e democratas de forma pendular em cada eleição, podem fazer com que o resultado sofra variações, os chamados swing states. Flórida, Ohio, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Destes, Flórida e Ohio são considerados republicanos nesta eleição, especialmente por termos Trump e JD Vance na disputa. Kamala mira em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Sem eles, não há chance de vitória.

Isso explica porque a nova pré-candidata presidencial começou sua caminhada justo por Wisconsin, que sediou a convenção republicana. Nos outros dois estados, possui aliados de peso: no Michigan, a governadora Gretchen Whitmer e na Pensilvânia, o governador Josh Shapiro, ambos nomes com ambições presidenciais. Um deles certamente deve ser o companheiro(a) de chapa de Kamala Harris e a tendência, diante da busca de equilíbrio, é o governador Shapiro, um homem branco e centrista, que pode tirar votos de Trump, além de ser popular em um dos estados mais importantes desta eleição.

O desafio de Kamala está lançado. Sua candidatura foi bem articulada até aqui nos bastidores do partido. Biden e os cardeais democratas fecharam apoio irrestrito do partido em torno dela. A chance de vitória existe, porém, se acontecer será por uma margem muito estreita. O favoritismo ainda reside nos ombros de Trump e seu grupo político, porém, se Kamala Harris souber se movimentar há um pequeno espaço para virar o jogo. Washington segue fervendo nestas férias de verão.