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Barril de Pólvora

A brutal ação terrorista do Hamas em Israel abriu a caixa de pandora do antissemitismo com uma onda de covardes demonstrações contra judeus ao redor do mundo que nos remetem ao horror vivido pela humanidade nos tempos de Hitler. Travestidas de ações em favor dos palestinos, os protestos buscam esconder a razão principal de seu ódio, focada nos judeus, em Israel e no modo de vida ocidental.

Já escrevi desde o início deste conflito que a guerra travada por Israel vai muito além de suas fronteiras. Ao enfrentar o Hamas, Tel Aviv defende todo o Ocidente, suas políticas, democracia, liberdades e tolerância. Tudo aquilo que o Hamas e seus apoiadores ao redor do mundo repudiam e desejam eliminar da agenda internacional e das práticas nacionais nas mais diferentes nações que defendem este arcabouço de valores.

Chega a ser bizarro enxergar manifestações em favor do Hamas e outros grupamentos de terroristas, em especial por mulheres e grupos LGBTQIA+, maiores focos de políticas de opressão de países que abrigam essas facções criminosas transnacionais. Fato é que curiosamente os manifestantes usam as garantias liberais de liberdade de expressão do Ocidente para realizar protestos – ações que jamais poderiam ocorrer em solo controlado pelos terroristas, em uma espécie de bizarro pacto suicida.

Entretanto, barcos com refugiados continuam a chegar lotados na Europa. Foram os primeiros a celebrar em solo europeu o ataque do Hamas, ainda sob guarda das autoridades portuárias. Em ato contínuo, imigrantes árabes tomaram as ruas das principais cidades europeias pedindo extermínio de judeus, como sempre disfarçados sob o manto da causa palestina, de Londres a Berlim, passando por Copenhague, Paris, Viena e Roma.

Isto nos leva a perguntar que tipo de Europa temos diante de nós. Um continente que ao defender a tolerância, se tornará em breve refém dos intolerantes. Países defensores de um progressismo que aos poucos corrói as estruturas de sua própria sociedade e seus valores. A Eurabia aos poucos se torna realidade e os protestos massivos nas grandes capitais europeias mostraram a clara medida da onda que tomou o velho continente. A Europa se tornou o barril de pólvora prestes a explodir logo depois do Oriente Médio.

Curiosamente, refugiados e imigrantes que chegam na Europa e reforçam os protestos a favor do Hamas relutam em imigrar para os grandes centros árabes e muçulmanos. São 49 países de maioria muçulmana, 23 países que são Estados islâmicos e 15 países sob a lei da Sharia. Uma das grandes questões que se desenha são as razões daqueles que defendem o radicalismo e protestam a favor do Hamas e contra Israel, preferirem enfrentar todas as barreiras imigratórias de costumes, língua e cultura na Europa ao invés de rumar para uma nação com suas tradições. Esta resposta é essencial para entendermos os movimentos geopolíticos que veremos adiante.

O Ocidente precisa refletir sobre sua subserviência ao radicalismo e o uso da tolerância e das nossas liberdades para corroer e arruinar nossas instituições e nosso modelo de sociedade. Estamos diante de um desafio imenso e uma encruzilhada que oferece o caminho da submissão e da involução ou a defesa intransigente de nossas liberdades e direitos. Afinal, como dizia Burke, “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.

Uma nova (e acidentada) rota da seda

Há dez anos, aproveitando sua visita oficial ao Cazaquistão, o secretário-geral-geral do Partido Comunista chinês e presidente da República Popular da China (RPC), Xi Jinping, lançava a “Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota” — ou, simplesmente, BRI, sigla para Belt and Road Initiative. Trata-se de um ambicioso plano de interconectividade infraestrutural (transportes, logística, telecomunicações etc) destinado a consolidar o papel da China como superpotência econômica mundial. Os projetos e obras dessa nova “Rota da Seda” hoje se estendem para muito além do imediato entorno eurasiático chinês, abrangendo cerca de 150 países no Sudeste da Ásia, na Europa Central, no Oriente Médio, na África das bacias oceânicas do Atlântico e do Índico e na América Latina.

Apesar da falta de transparência quanto à precisa dos investimentos, dos impactos ambientais e sociopolíticos da BRI — afinal, a RPC é uma ditadura de partido único… —, bastam alguns exemplos para nos certificar da magnitude do plano e dos seus problemas: ferrovias expressas China/Europa e Jakarta/Bandung (Indonésia); corredor econômico China/Paquistão (portos, energia elétrica, zonas de processamento de exportações-ZPEs, estradas de rodagem, ferrovias e transporte urbano); centenas de represas no delta do rio Mekong; ferrovia Addis-Abeba/Djibuti (Leste africano), para citar apenas alguns dos maiores empreendimentos programados.

Estimativas especializadas preveem que os investimentos totais da BRI deverão somar até 8 trilhões de dólares (https://bit.ly/).

Maiores desafios

Quase 85% do portfólio de projetos da BRI localizam-se em países que as consultorias internacionais classificam como “de médio a alto risco”. A instabilidade e a segurança reinantes nesses lugares vem cobrando um tributo na forma de vítimas civis (chinesas e locais). Em dezembro do ano passado, cinco executivos de empresas da China ficaram gravemente feridos durante ataque terrorista a um hotel de Cabul, capital do Afeganistão. Outros incidentes do gênero foram registrados no Paquistão, na Tailândia ou no Mali, alguns deles tendo como alvos específicos as embaixadas da China.

Em nações que recebem esses investimentos e sediam essas obras, verificam-se crescentes protestos contra as condições financeiras ‘leoninas’ impostas pelos bancos chineses e consideradas uma debt trap (armadilha de endividamento permanente), bem como uma restrição intolerável à soberania local. A resistência já acarretou atrasos e cancelamentos de vários projetos. No Quênia, a paralisação das obras de uma usina elétrica redundou em prejuízos equivalentes a 2 bilhões de dólares. Em Gana, em fevereiro último, grupos de cidadãos deram entrada  em uma ação judicial contra a exploração de bauxita em uma floresta-área de proteção ambiental.

O desprezo de governos aliados da China e clientes de projetos da BRI por regras elementares de integridade e governança, transparência e responsabilização vem explodindo em escândalos de corrupção. No maior deles, na Malásia, o ex-premiê Najib Razak embolsou, pessoalmente, 700 milhões de dólares e comandou um desfalque contra o fundo soberano malaio totalizando cerca de 4,5 bilhões!  O escândalo paralisou projetos-chave  da BRI na Malásia, como um gasoduto e  o Anel Ferroviário da Costa Leste.

América Latina e Caribe

Neste continente, desde 2005 — muito antes, portanto, do lançamento da BRI —, empresas estatais chinesas contabilizam investimentos da ordem de 160 bilhões de dólares. O comércio com a China já ultrapassa a marca de 315 bilhões, enquanto os empréstimos concedidos pelos bancos estatais chineses perfazem 136 bilhões de dólares. Para a sua segurança alimentar e o abastecimento de suas indústrias exportadoras com matérias-primas indispensáveis, a China investe nos mais diversos ramos da economia latino-americana: minério de ferro, lítio, petróleo & gás, pesca, reflorestamento, logística, para mencionar apenas alguns. Entre os megaprojetos da BRI sobressaem o porto de Chancay e as minas de Las Bambas (exploração de cobre a céu aberto), ambos no Peru; e a ferrovia Maya, no México. No Brasil, estudo do Centro de Desenvolvimento Global da Boston University revela que 16 empresas de energia elétrica, lideradas pelas gigantes estatais chinesas State Grid e China Three Gorges, controlam  quase 10% do consumo nacional (304 usinas somando 16.736 megawatts), operando inclusive no segmento nuclear.

O Ocidente democrático, finalmente, reage

Desde que se tornou o mais poderoso governante do “Império do Meio”, igualando-se a Mao Tsé-tung, Xi Jinping não esconde o seu desígnio de reescrever as regras liberais da economia internacional em uma perspectiva sinocêntrica, com característico desprezo por princípios e valores fundacionais como o respeito aos direitos humanos, a liberdade de expressão e a livre competição política sob o estado de Direito, ameaçando a estabilidade política e militar do planeta com o agravamento da rivalidade com os Estados Unidos e seus aliados ocidentais, em  pontos ‘sensíveis’ do globo como o Mar do Sul da China e o Estreito de Taiwan.

Em boa hora, porém, as democracias avançadas do mundo começam a reagir ao desafio hegemônico chinês. Uma das mais importantes iniciativas nesse sentido é o “Portão Global”, lançado pela União Europeia há menos de dois anos e que prevê investimentos  públicos e privados no valor de 300 bilhões de euros, principalmente no chamado Sul Global (o mundo em desenvolvimento afroasiático e latino-americano). Em dezembro de 2021, ao anunciar a iniciativa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou: “Por meio da oferta de ampliação da infraestrutura mundo afora, o “Portão Global” pretende investir na estabilidade e na cooperação internacionais. Além disso, deverá demonstrar que valores democráticos trazem segurança, justiça e sustentabilidade para os parceiros e vantagens duradouras para as pessoas”.

O sucesso do plano da UE, sem dúvida, será uma vitória decisiva para aqueles que, contra ideologias autoritárias, preconceituosas e neocolonialistas, cremos que o pluralismo democrático é plenamente compatível com o desenvolvimento econômico e a justiça.

Máquinas de fazer Vilão

O cenário é o pior possível, perda em massa de vida, sequestros, violações, bombardeios e muitas outras atrocidades acontecendo desde o ataque, sem precedentes na história de Israel, pelo grupo terrorista Hamas ilustram os ensinamentos de Sun Tzu de que a guerra é caminho para a sobrevivência ou ruína do Estado.

Na análise das relações internacionais vários são os caminhos metodológicos e teóricos possíveis, o que acarreta em uma multiplicidade de vozes o que é salutar para que possamos desvendar os fenômenos internacionais da maneira mais completa possível, contudo, é preciso procurar se dispir de ilusões o que acontece em Israel não é um romântico levante de um povo oprimido, nem tão pouco a resistência heróica de um povo cercado, mas a confluência de vários interesses antagônicos, que por muitas vezes usam a causa palestina como desculpa, ou como chamamento populista.

Pelo lado Israelense o mesmo se faz usando os assentamentos e proteção aos colonos na Cisjordânia com tons populistas para minar a democracia israelense em torno de projetos pessoais de poder e consequentemente enfraquecendo a defesa de Israel.

O objetivo do Hamas é bem claro o extermínio do Estado de Israel. E qualquer cálculo que imagine que o Hamas tenha se institucionalizado no jogo político atenua esse objetivo veio a terra nas primeiras horas do dia sete de outubro, quando seus agentes se aproveitaram da enfraquecida defesa de Israel nas regiões próximas a Faixa de Gaza para lançar um ataque surpresa com foguetes e uma incursão por terra, que no momento que escrevo esse texto as forças de segurança de Israel ainda tentam repelir.

O Hamas age com extrema violência e crueldade, por que afinal é essa a essência de um grupo terrorista usar o terror para influenciar decisões políticas de seus adversários. E não há dificuldades para o Hamas radicalizar e recrutar jovens palestinos para sua causa com uma taxa de desemprego entre os jovens na Faixa de Gaza de 64% e PIB per capita menor que da Cisjordânia. Sem agir na prevenção da radicalização o estado de conflito permanente não será superado.

Nos últimos anos a diplomacia israelense tem trabalhado na busca por normalização de suas relações diplomáticas com atores chaves no Oriente Médio, como a Arábia Saudita, ainda que os dois países ainda estivessem longe de um acordo de normalização. A esperada reação forte de Israel ao ataque do Hamas vai complicar muito essa aproximação, a causa palestina é popular entre diversas correntes de opinião do mundo árabe o que diminui a margem de ação mesmo de regimes autocráticos.

O apoio do Irã ao Hamas se explica por afinidades ideológicas, afinal o tipo de Estado que o Hamas imagina para a palestina é parecido com a teocracia iraniana, mas também baseada nos objetivos políticos do Irã em sua disputa com a Arábia Saudita, desse modo, enfraquecer ou impedir a aliança de dois adversários estratégicos, sem ter que usar suas próprias forças é interessante para os lideres do país persa. O Irã mostra que tem uma capacidade de influenciar a opinião pública da região e boas relações com atores não-estatais importantes e como já está sob embargo e sofre limitações internacionais então eventuais sanções tem seu custo já realizado, minimizando o efeito de dissuasão de tais medidas.

O governo de Benjamin Netanyahu terá muito a explicar para sua população sobre as falhas de inteligência que ou não perceberam a movimentação para o ataque do dia sete, ou os alertas de segurança foram ignorados pelos atores políticos. O governo de Israel está sob muita pressão para recuperar os reféns feitos pelo Hamas. O que pode obrigar as forças de Israel a operar um ataque por solo, numa região de grande adensamento populacional, uma das piores hipóteses de emprego para qualquer força militar que a guerra urbana, contra uma força assimétrica, que diminui muito a vantagem em meios militares e tecnologia das Forças de Defesa de Israel, como os militares israelenses devem bem lembrar de sua prolongada e dolorosa campanha no Líbano. Além disso, Israel não pode descuidar de suas outras fronteiras como a com o Líbano onde o Hezbollah possui uma capacidade militar de causar problemas para Israel com ataques de foguetes.

O somatório de interesses de diversos Estados, ideologias transnacionais, derramamento de sangue, medo vingança e frustração de todos os lados geram a complexidade em diversos níveis da chamada “questão do oriente médio”, mas analisar os atores nacionais, regionais, globais em ação não nos pode fazer nunca perder a dimensão humana do que está a acontecer. Milhares de pessoas vão sofrer muito, milhares de família irão lamentar a falta de seus entes queridos por décadas vindouras e a guerra é, sobretudo, destruição. E não podemos num mundo tão endurecido deixar faltar solidariedade para com os que sofrem e não apenas os que sofrem do lado que temos simpatias ideológicas, ou os que apostam no radicalismo, na simplicidade de um mundo sem tons cinza, destruirão o humanismo que levamos séculos para construir.

Algumas perguntas ainda estão em aberto qual o objetivo estratégico de Israel para a Faixa de Gaza, em outras palavras quem governará Gaza? Qual o impacto de longo prazo da pressão popular pela causa palestina terá nos governos da região quase todos enfrentando problemas internos? Quanto tempo o regime de Teerã pode alimentar um intervencionismo no mundo árabe enquanto parcelas importantes de sua população deseja cada vez em mais alto som reforma ou mudança completa do regime?

O que temos certeza é que a paz só virá por meios políticos e não por vitórias militares e que tudo que acontece no solo, todos os ataques terroristas, as injustiças, as vidas ceifadas, são como diria Mano Brown “máquinas de fazer vilão”.