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O que é um comportamento democrático

Enquanto não pararmos de querer classificar as forças políticas pelas ideologias confessadas por seus integrantes em vez de pelo comportamento praticado por eles, não esclareceremos nada. Para a democracia, não importa se alguém se diz conservador, liberal ou socialista. Importa muito, entretanto, se o seu comportamento é democrático ou populista, antipluralista e, consequentemente, iliberal.

Enquanto não pararmos de querer classificar as forças políticas pelas suas posições nos lados em confronto da política praticada como continuação de guerra por outros meios, não esclareceremos nada. Para a democracia, não importa se alguém se diz de esquerda ou de direita. Importa muito, entretanto, se o seu comportamento é democrático ou populista, antipluralista e, consequentemente, iliberal.

Enquanto não pararmos de querer classificar as forças políticas pelos rótulos de suas crenças ou visões de mundo, não esclareceremos nada. Para a democracia, não importa se alguém se diz social-democrata de esquerda ou centro-esquerda ou social-liberal de centro, centro-direita ou de direita. Importa muito, entretanto, se o seu comportamento é democrático ou populista, antipluralista e, consequentemente, iliberal.

Piora tudo, é claro, se quisermos dividir as forças políticas em progressistas x fascistas ou em comunistas globalistas x patriotas nacionalistas. É nesse lugar escuro, nesse pátio fétido da polarização, em que, infelizmente, nos encontramos.

Chegamos então ao centro da questão. O que é um comportamento democrático? Em primeiro lugar é um comportamento não-populista, pluralista e liberal (no sentido político do termo). Isso resumo (quase) tudo, mas precisa ser debulhado.

Democratas defendem – não importa se ditos conservadores, liberais ou socialistas; de esquerda (como Boric) ou de direita (como Lacalle Pou); social-democratas ou social-liberais – as seguintes ideias:

Liberdade de associação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa (existência de fontes alternativas de informação).

Proteção dos direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria (e, portanto, recusam o majoritarismo e o hegemonismo).

Eleições limpas e periódicas, sufrágio universal, governos e parlamentos eleitos.

Rotatividade ou alternância no governo (não apenas de pessoas, mas também de partidos ou forças políticas).

Cultura política pluralista, oposições políticas democráticas reconhecidas e valorizadas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime.

Publicidade ou transparência nos atos do governo (capaz de ensejar uma efetiva accountability).

Instituições estáveis, equilíbrio entre os poderes e sistemas atuantes e efetivos de freios e contrapesos.

Império da lei e judiciário independente (e auto contido em suas atribuições).

Forças armadas subordinadas ao poder civil.

A sociedade controla o governo e não o contrário (pois avaliam que a qualidade da democracia é medida pelos limites e condicionamentos impostos pela sociedade às instituições do Estado – o que pressupõe recusa ao estatismo).

Tudo bem como ideário. Mas como democratas se comportam, na prática?

Democratas se opõem e resistem a qualquer tirania (ditadura ou autocracia), seja dita de esquerda ou de direita, religiosa ou laica.

Democratas se opõem a governos antidemocráticos (mesmo quando governando em regimes democráticos) e a oposições antidemocráticas (que queiram não apenas mudar o governo, o que é legítimo, mas alterar a natureza do regime democrático ou substituí-lo por regimes não democráticos).

Democratas se opõem a governos, mesmo democráticos, dos quais discordam (pois sabem que a democracia funciona com situação democrática e oposição democrática e que, por isso, as oposições democráticas devem ser reconhecidas e valorizadas como fundamentais para o bom funcionamento de regime).

Democratas recusam a guerra (ou não praticam a política como continuação da guerra por outros meios): repudiam o antipluralismo, o majoritarismo, o hegemonismo e o “nós contra eles”, pois avaliam que política não é guerra e sim evitar a guerra.

Democratas atuam, fundamentalmente, no sentido de fermentar o processo de formação de uma opinião pública democrática; ou seja, não se dedicam a tentar converter todos os indivíduos de uma população em democratas – pois sabem que isso é impossível: nunca aconteceu no passado, não acontece hoje e não acontecerá no futuro, até porque não faz sentido – e sim a criar condições para que a interação das opiniões diversas e plurais que existem na sociedade tenha como resultante, por emergência, uma opinião pública (que não é a mesma coisa que a soma das opiniões privadas dos indivíduos) democrática. Nesse sentido, pode-se dizer que não são a massa, mas o fermento na massa.

Um Leão, filho de Agostinho. As boas impressões causadas pelo novo papa

Quem acompanha a saga de Robert Francis Prevost desde que ele deixou de ser cardeal e assomou à janela da Basílica de São Pedro, no Vaticano, como o novo papa, percebe que ele vem causando crescente entusiasmo.

As primeiras falas e gestos de Leão XIV – que reagiu aos aplausos dos fiéis com lágrimas – foram já cativantes. Toda simplicidade contém espontaneidade; e foram comoventemente espontâneas aquelas furtivas lágrimas vertidas em vista da multidão de fiéis que o saudava.

Eis que, em meio a esse entusiasmo, ouço de um comentarista de televisão uma comparação depreciativa para o novo papa em relação ao anterior: Leão XIV não teria o carisma de Francisco I.

Vou deixar de lado a subjetiva depreciação para concordar na objetividade da forma: de fato, o novo papa não tem o carisma do seu antecessor nem de nenhum outro papa da história; isto porque Leão XIV tem o seu próprio carisma.

O carisma do papa Leão XIV

Na teologia cristã, especialmente na tradição paulina, “carisma” vem do grego charis (graça), e significa um dom gratuito concedido por Deus ao ser humano para o bem da comunidade. Esses dons espirituais são variados e incluem capacidades como ensinar, liderar com sabedoria, profetizar, etc.

O sociólogo Max Weber, porém, deu ao termo “carisma” um significado mais secular. Para ele, trata-se de uma qualidade extraordinária atribuída a uma pessoa, que a torna capaz de exercer liderança ou autoridade com base em um reconhecimento quase mágico pelos seguidores.

Considerando esse sentido sociológico, há sempre a triste possibilidade de um líder usar mal o seu carisma ou usá-lo deliberadamente para o mal.

Não parece, porém, ser o caso de Leão XIV, que até agora tem irradiado um carisma benévolo, ancorado em formidáveis características como a própria vocação para o apostolado, a simplicidade, o equilíbrio e a coragem.

De um líder religioso católico espera-se, claro, que tenha vocação pastoral: gostar de estar junto às pessoas, mantendo-as fortes na fé comum, ou trabalhando para que se convertam.

Segundo amplamente divulgado, com gravação de inúmeros depoimentos, quando bispo na cidade de Ciclayo, no Peru, Robert Prevost foi pródigo em demonstrações de desvelo para com a gente da sua paróquia, em geral pessoas muito humildes.

Seu equilíbrio já se mostrou ao tomar para si projetos de reforma ensaiados por seu antecessor sem avançar por proselitismo de nenhuma transformação temerária; fazendo, aliás, acenos ao tradicionalismo, quando, por exemplo, adotou as vestes papais que haviam sido abandonadas por Francisco I.

Quanto à coragem, podemos destacar que o novo papa já começou sua atuação abordando os principais conflitos mundiais, prontificando-se a atuar como ponte para a paz e intermediário confiável em um contexto de forte beligerância e rudes conflitos ideológicos.

Primeiros gestos no xadrez geopolítico

Cabe salientar que o papa, além de líder religioso, é também um estadista que – mesmo sem ter divisões de exército para intervir em guerras – tem autoridade e voz que ultrapassam fronteiras. Assim sendo, revestem-se de singular relevância seus primeiros movimentos no complexo tabuleiro da geopolítica.

Leão XIV enviou, sem rodeios, mensagem ao rabino romano Riccardo Di Segni expressando seu compromisso em fortalecer os laços entre a Igreja Católica e a comunidade judaica. Isso em um momento de aumento exponencial de antissemitismo no mundo.

Na carta, o pontífice afirmou a intenção de “continuar e fortalecer o diálogo e a cooperação da Igreja com o povo judeu no espírito da declaração ‘Nostra aetate’ do Concílio Vaticano II.

A declaração ‘Nostra aetate’, promulgada em 1965, marcou um ponto de virada nas relações entre a Igreja Católica e o judaísmo, rejeitando a ideia de culpa coletiva dos judeus pela morte de Jesus e promovendo o respeito mútuo e o diálogo inter-religioso.

A iniciativa de Leão XIV para renovar as pontes entre as comunidades de fé torna-se ainda mais significativa se considerarmos o contexto de tensões recentes entre o Vaticano e Israel, especialmente após declarações do papa Francisco sobre o conflito na Faixa de Gaza.

Outro movimento não menos importante foi o gesto amistoso em direção ao povo e ao governo da Ucrânia.

Poucos dias depois da declaração na qual afirmou trazer em seu coração “os sofrimentos do amado povo ucraniano”, o papa conversou por telefone com o presidente Ucrânia, Volodymyr Zelensky e recebeu o arcebispo-mor de Kiev, Sviatoslav Shevchuk, na biblioteca do Palácio Apostólico.

Coisas novas; novos desafios

O nome de Leão do novo Papa voltou naturalmente os olhares para o outro Leão merecedor da homenagem.

Famoso especialmente pela encíclica Rerum Novarum (Das Coisas Novas), publicada em 1891, Leão XIII, que pontificou de 1878 a 1903, deixou um legado propício a ser recuperado nos tempos hodiernos.

Rerum Novarum é um documento fundamental da Doutrina Social da Igreja, tendo marcado um ponto de virada na relação dessa instituição com as questões sociais e econômicas da era moderna, especialmente no contexto da Revolução Industrial.

Dentre as “coisas novas” de que trata a referida encíclica estavam as péssimas condições de trabalho a que eram submetidos os operários naquele período.

A famosa encíclica propugnou pelos direitos dos operários e alertou quanto à responsabilidade do Estado na proteção dos mais fracos, na promoção do bem comum e no combate às injustiças, sem, entretanto, desencaminhar os fiéis pelas perigosas trilhas ideológicas.

De fato, o documento confronta tanto o capitalismo quanto o socialismo. Legitimando o direito à propriedade privada, mas afirmando o trabalho como expressão da dignidade humana e não como mercadoria, o que se propõe ali é uma espécie de terceira via baseada na fraternidade cristã.

Ao justificar o nome escolhido para o seu papado, Robert Francis Prevost reafirmou a importância da Rerum Novarum e contextualizou o novo desafio: “hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra Revolução Industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”.

Um filho de Agostinho”

“Sou um filho de Santo Agostinho”. Assim se declarou Robert Prevost em um discurso aos cardeais eleitores logo após ser eleito como novo Papa.

A ênfase da declaração indica não apenas o pertencimento à ordem agostiniana, mas também uma sólida comunhão com a visão daquele que foi um dos maiores nomes da filosofia cristã.

Sem descer aos pormenores da vasta e profunda obra do grande bispo de Hipona, pontuo aqui um aspecto da teologia agostiniana que me parece relevante no contexto desse artigo.

Para tanto, remeto o leitor à exortação apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho), publicada em 2013, pelo papa Francisco, na qual, dentre outras coisas, o falecido papa convida à conversão pastoral e à superação do mundanismo espiritual.

Na discussão sobre o mundanismo, Francisco refere-se ao “neopelagianismo auto-referencial e prometeuco de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças.”

Ora, a contenda teológica entre Santo Agostinho e o pelagianismo foi um dos debates mais importantes da teologia cristã nos séculos IV e V, envolvendo temas centrais como pecado original, graça divina, livre-arbítrio e natureza humana.

Pelágio negava a existência do pecado original como herança universal e afirmava ter o ser humano plena capacidade, por sua própria vontade, de cumprir os mandamentos divinos e alcançar a salvação — sem necessidade da graça.

Agostinho, por sua vez, defendia que, devido ao pecado original, o ser humano está inclinado ao mal. A vontade humana, estando corrompida, precisa da intervenção de Deus para começar e consumar qualquer obra boa.

Agostinho via na doutrina de Pelágio uma especulação que retirava o papel central de Deus, colocando-o na periferia do processo salvífico. Para Agostinho, o pensamento de Pelágio teria também por consequência negar a cruz de Cristo, pois se o homem depende só dele para se salvar, Cristo teria morrido em vão.

Ao afirmar-se “filho de Agostinho”, o novo papa, dentre outras coisas, parece colocar-se em confronto com a ideia moderna e contemporânea de autossuficiência do homem.

Agostinho descentraliza o homem, mostra-o como escravo dos seus desejos, desnuda a vontade concupiscente e afirma a absoluta necessidade da intervenção divina para que o homem saia da sua miserável condição.

Diante disso, fica a pergunta: os fiéis católicos estão de fato preparados para um papa “filho de Agostinho”? Eles têm noção da alta exigência que essa filiação implica?

O que podemos aprender com a vida e a obra de Carla Zambelli

Esse é mais um caso clássico da política brasileira: todo mundo está errado, mas cada grupo só enxerga o erro do outro. Não há inocentes na história. E talvez essa seja a lição mais importante.

A começar por quem elege esse tipo de figura. Depois do primeiro mandato de Carla Zambelli, qualquer adulto que tenha assistido à atuação dela e decidido reconduzi-la ao cargo merece, no mínimo, uma temporada de reflexão. A instabilidade emocional, a inexperiência e a completa falta de decoro estavam todas lá. A escolha foi consciente.

A política brasileira não chegou ao fundo do poço só por causa de políticos oportunistas. Chegou porque o eleitor insiste em dar palco ao pior tipo de performance. É como em um relacionamento abusivo: quanto maior a palhaçada, mais a vítima se apega. O sujeito mente, grita, trai, humilha. E o outro responde com mais defesa, mais amor, mais justificativa. Na política, o roteiro é o mesmo.

O eleitor brasileiro se comporta como quem saiu de um relacionamento com alguém decente, educado, trabalhador, mas se frustrou. Foi traído, foi enganado, sofreu. E então decide que agora só vai se envolver com o chefe do tráfico. Porque “esse aí pelo menos é verdadeiro”. Acha que gritar é sinceridade, que humilhar é autenticidade, que ser ignorante é uma forma de pureza. É uma inversão completa dos critérios de valor.

Depois de se decepcionar com a política institucional, seja a esquerda engomada ou a direita de gabinete, o brasileiro médio passou a acreditar que a solução viria de gente sem filtro, sem preparo e sem freio. Elege figuras histriônicas, descontroladas, violentas, achando que assim finalmente será respeitado. Não será. Mas repete o padrão como quem insiste em relacionamentos ruins esperando um final feliz.

Aí surge o caso Zambelli. Um enredo que mistura roteiro de série ruim com delírio institucional. A deputada se envolve com o hacker da Vaza Jato, o mesmo que implodiu a Lava Jato, e vira protagonista de mais uma crise mal explicada. Paga com dinheiro público para que ele invada sistemas do Judiciário. Arriscou causar instabilidade em processos, que são só eletrônicos agora, envolvendo todos os brasileiros. O dever dela, como deputada, seria reportar qualquer risco de invasão.

O caso de Zambelli também levanta uma questão institucional importante. Ela foi julgada por uma turma do Supremo, e não pelo plenário. Isso está errado. Zambelli é deputada federal em exercício, com mandato vigente. Um julgamento com esse impacto político e institucional não pode acontecer fora do pleno. Essa distorção precisa ser debatida politicamente. O problema não está na figura da parlamentar, mas no precedente que se abre quando o rito é atropelado. Quando a regra deixa de valer para quem está errado, ela deixa de valer para todo mundo.

Não se trata de defender Zambelli. Trata-se de defender a institucionalidade. Quando o processo se adapta ao réu, e não o contrário, o risco é de que as regras deixem de valer para todos.

Esse caso é um retrato do nosso tempo. A política virou uma guerra de torcida organizada, movida a gritos e reações emocionais. E do emocionado na política já se sabe duas coisas: não entende nada de política e os frutos daquela árvore costumam ser podres. Quem topa comer, que arque com as consequências.

A política brasileira virou isso. Um espetáculo em que os protagonistas não sabem atuar e o público aplaude a pior cena.

Cenas dos próximos capítulos virão. Zambelli pode ser cassada. Pode continuar no cargo. Pode sair do país para dar curso sobre democracia. Nada disso surpreende mais.

Mas o que fica, para quem quiser aprender, é o seguinte: se você continua defendendo o que já te fez mal, o problema não é mais do outro. É seu.

Livro Branco

Na política chinesa, um “livro branco é um documento oficial publicado pelo governo para explicar, detalhar ou defender políticas, posições ou estratégias do Estado em relação a temas específicos. Esses documentos são ferramentas de comunicação política e diplomática, servindo tanto para o público interno, quanto para a comunidade internacional.

Na última semana, o Gabinete de Informação do Conselho de Estado da China publicou seu primeiro Livro Branco sobre segurança nacional. O documento descreve uma visão abrangente para a salvaguarda da soberania, estabilidade e desenvolvimento no que as autoridades chamam de “nova era“. O Livro Branco apresenta uma estrutura para enfrentar os desafios de segurança tradicionais e emergentes, ao mesmo tempo que reafirma o papel central do Partido Comunista Chinês (PCCh) na orientação da estratégia de segurança nacional.

O texto destaca os avanços e diretrizes estratégicas, uma leitura essencial para aqueles que desejam entender os próximos caminhos que serão trilhados por Pequim. Reafirma a importância da liderança do Partido Comunista Chinês na condução das metas, visando consolidar a posição do país como potência global e impulsionar uma revitalização nacional integral até 2049, centenário da tomada de poder pelo grupo de Mao Tse Tung.

O documento, ao citar o ressurgimento do “hegemonismo, da política de poder e da mentalidade da Guerra Fria”, alerta para o aumento de conflitos geopolíticos, protecionismo econômico e ameaças não tradicionais, como desastres climáticos e ataques cibernéticos. Argumenta que “nenhum país pode viver em uma ilha isolada”, enfatizando a necessidade de cooperação internacional e um futuro compartilhado na economia, deixando uma clara ligação ao projeto da Nova Rota da Seda.

O livro analisa a postura de Pequim em relação aos seus “assuntos internos”, afirmando que “alguns países interferiram gravemente […] causando problemas no Estreito de Taiwan, no Mar da China Meridional [Mar da China Oriental, Xinjiang, Tibete e Hong Kong]”, uma clara referência à visão da China sobre as relações dos Estados Unidos na região da Ásia-Pacífico e um modelo de polaridade global entre Washington e Pequim.

Fato é que as diretrizes deixam claro que estamos diante de uma liderança chinesa cada vez mais assertiva e determinada a remodelar a ordem internacional segundo seus próprios valores e interesses. Isso representa riscos significativos para o equilíbrio global, pois evidencia o aprofundamento da competição geopolítica, além de sinalizar um avanço do autoritarismo como modelo de governança a ser exportado.

Em se tratando de China, sabemos que a retórica de soberania e multipolaridade, tende sempre a camuflar práticas expansionistas e uma rejeição a normas internacionais consolidadas, gerando instabilidade em regiões sensíveis, especialmente no Indo-Pacífico. Além disso, ao enfatizar o papel central do Partido Comunista Chinês na política global, o documento mira na democracia, como um adversário a ser combatido.

A China sabe muito bem onde deseja chegar. O caminho está detalhado e registrado. No futuro, ninguém poderá dizer que foi surpreendido.

Corrupção, ditaduras e dois canos fumegantes

O pior problema do lulopetismo não é que ele tenha a mais extensa folha corrida de corrupção da história universal em democracias. Muito mais grave do que isso é que Lula, o PT e seu governo se aliam às maiores ditaduras do planeta contra as democracias liberais.

Há um problema histórico de corrupção. Mas o mensalão e o petrolão não levaram a um arrependimento do PT. Os lulopetistas achavam que tinham direito de fazer o que fizeram pois o objetivo final era nobre: financiar seu projeto de poder que tinha como propósito acabar com a desigualdade. Era “a revolução pela corrupção”, como cunhou o saudoso Ferreira Gullar.

Para remover essa mancha do seu caráter teria de haver arrependimento, autocrítica, correção de rumos e afastamento dos dirigentes envolvidos. O PT fez o contrário: negou tudo e manteve os implicados em posições de destaque no partido (e alguns até no governo).

Com esse comportamento é mesmo impossível se desvencilhar da dependência da trajetória. É o que estamos vendo agora com o caso do roubo dos aposentados. O governo do PT sabia há tempos do roubo dos aposentados. Não fez nada porque, entre os ladrões, estavam vários apaniguados da patota sindicalista. Agora, que o escândalo veio a público, está mentindo que foi ele que revelou o assalto. Pode-se dizer que isso é o batom na cueca. Não, por certo, o batom da Débora, condenada a quase 15 anos de prisão por ter pichado uma estátua. Mas a cueca lembra, com certeza, a daquele assessor do José Guimarães, líder do governo na Câmara.

O Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), que tem como vice-presidente “Frei Chico”, irmão de Lula, chegou a incluir 3,2 mil novos filiados por dia. Dados da CGU mostram que, em julho de 2023, o sindicato do irmão do Lula incluiu 67,2 mil novos aposentados em seus sistemas de descontos e em junho do ano passado foram outras 63,1 mil novas inclusões potencialmente ilegais. Impossível não levantar a hipótese de que esse tipo de sindicalismo (lulopetista) é uma forma de banditismo.

O governo Lula III – seguindo a tradição dos governos Lula I, Lula II, Dilma I e Dilma II – compactua com esse tipo de comportamento. Diz que vai investigar e punir os responsáveis, doa a quem doer. Mas as evidências não confirmam tal vontade. A AGU de Lula deixou de fora dos pedidos de bloqueio de recursos e quebra de sigilo as entidades aparelhadas pelo PT. Livrou a CONTAG que recebeu R$ 426 milhões em 2023 porque sua presidente é petista. Livrou o SINDNAPI (“sindicato dos aposentados”) que tem como diretor Frei Chico, o irmão de Lula. Livrou o CONAFER (agricultores familiares) cuja receita superou os R$ 202,3 milhões em 2023. É o que leio na imprensa. Não sou da Polícia Federal, nem do FBI ou da CIA.

Sim, o PT tem um imenso histórico de corrupção. Mas pouca gente entendeu (sobretudo os lavajatistas) que:

1) O PT praticou a corrupção tradicional do sistema político (simbolizado pelo famoso “caixa 2”, aquele que se faz para eleger representantes e, com as sobras, para enriquecer e se dar bem na vida) e a corrupção com motivos estratégicos de poder (o “caixa 3”, desviando recursos para financiar um Estado paralelo que tinha como objetivo delongar a presença do partido no governo até tomar o poder).

2) O problema principal do PT não é a corrupção e sim o populismo, o antipluralismo e o hegemonismo que são contra-liberais e, quando praticados por tempo suficiente, autocratizam o regime democrático alterando por dentro o seu DNA.

Mas pouca gente percebeu tudo isso porque o PT escondeu sua corrupção estratégica dentro da corrupção tradicional, depositando seus ovos na carcaça podre do velho sistema político. Assim, ficou parecendo que Lula era a mesma coisa que Cabral, que Dirceu era mais ou menos igual a Cunha, que Vaccari era uma espécie de Geddel. Nunca foram. Não são. Nunca serão.

Esse caráter autocrático ou autocratizante do PT, entretanto, não é em geral tão percebido, a despeito da montanha de evidências. Vejamos algumas.

1 – Lula, o PT e o governo se proclamam democratas e até mesmo salvadores da democracia. Se é assim, por que o Brasil não se articula com as democracias plenas ou liberais das Américas (como Canadá, Costa Rica, Uruguai e Chile)? Por que prefere se aproximar dos regimes eleitorais parasitados por governos populistas que se dizem de esquerda (como México, Honduras, Colômbia, Bolívia)? Pior. Por que o Brasil se aproxima de ditaduras de esquerda (como Cuba, Venezuela e Nicarágua)?

2 – Lula, o PT e o governo e seus esbirros na imprensa se autoelogiam por estarem empenhados em articular o BRICS. Mas entre os 10 membros plenos do BRICS, 80% são ditaduras. Entre os 9 membros parceiros do BRICS, 78% são ditaduras. Nas duas categorias, 79% são ditaduras. Nelas não há nenhuma democracia liberal ou plena. O que o Brasil – se quer ser uma democracia plena – está fazendo no BRICS?

3 – Lula, o PT e o governo e seus esbirros na imprensa, dizem que a democracia liberal está ameaçada pelo crescimento da extrema-direita e aí citam Trump, Le Pen, Orbán, Bukele, Milei, Bolsonaro, Weidel (AfD), Ventura, Abascal, Farage, Wilders etc. É engraçado que não citam Putin, Xi Jinping, Kim Jong-un, Lukashenko, Cuòng (Vietnam), Sisoulith (Laos), Khamenei (Irã e seus braços terroristas Hamas, Hezbollah, Houthis), Lourenço, Canel, Maduro, Ortega. Esses ditadores da segunda lista (alguns declaradamente de esquerda ou socialistas) não ameaçam a democracia?

Existem mais evidências.

4 – Neste exato momento Lula está na Rússia, representando o Brasil na Parada da Vitória promovida pelo ditador Putin. Não estará presente no convescote nenhuma democracia liberal ou plena. Não estará presente nenhuma democracia formal, mesmo defeituosa, com exceção do Brasil (e dos países satélites da Rússia, como a Eslováquia e a Sérvia). Cerca de 90% dos convidados presentes são ditadores que foram a Moscou ajudar a recuperar a imagem de Putin e aplaudir o desfile de tropas que invadiram ou invadirão a Ucrânia. O que o Brasil está fazendo nessa caterva? O que justifica tal comportamento a não ser dar uma demonstração clara para o mundo de que o Brasil se aliou ao eixo autocrático contra as democracias liberais?

Corrupção, ditaduras e dois canos fumegantes. Uma história de dependência e amor bandido.

Lula e o “fogo” de Adolf Hitler e Vladimir Putin

O presidente brasileiro Lula da Silva viajou para Moscou com o objetivo de adular o ditador russo Vladimir Putin; a implicação lateral maior de tal adulação consistirá no reforço de propaganda para a criminosa guerra de invasão que a tirania russa promove contra a Ucrânia há mais de três anos.

Aproveitando-se de uma importante data histórica – Dia da Vitória / 80 º Ano da vitória da União Soviética sobre o nazismo na segunda guerra mundial – Putin convidou o presidente brasileiro e dirigentes de outros países para um teatro; uma encenação que visa colocar sob luz favorável suas pretensões pan-eslavistas.

As comemorações anuais do Dia da Vitória, em Moscou, têm ganhado proporções cada vez maiores desde que teve início a guerra na Ucrânia.

No momento em que estudantes se vestem como soldados, entoam canções patrióticas e lojas são decoradas em toda a cidade com a icônica imagem da “Mãe Pátria” com uma espada na mão chamando seus filhos para lutar contra o inimigo, Putin declara que a atual “operação militar especial” – que nada mais é que a invasão de um país democrático e soberano – é uma continuação da luta vitoriosa contra o nazismo.

Não é só contra a Ucrânia que a Rússia se vale do espantalho nazista. Na propaganda do Kremlin, o próprio serviço secreto russo elaborou um panfleto no qual utiliza o termo “eurofascismo”, referindo-se a todos os países europeus que manifestam apoio ao suposto “regime nazista” ucraniano.

Isolado do que se convencionou chamar “mundo livre” – países que, a despeito de suas mazelas e imperfeições regem a si mesmos por leis norteadas por princípios de justiça e igualdade, respeito à liberdade em todas as suas expressões, direitos humanos e separação de poderes – Putin tenta agregar em torno de si os líderes que estão se lixando para tais princípios.

Sob o pretexto mentiroso e absurdo de “desnazificar” a Ucrânia, Putin tem levado morte e destruição a esse país que ainda resiste heroicamente, apesar de toda a covardia dos que o atacam e dos que se acumpliciam com Putin – ele sim o Hitler do século XXI.

Putin – o Hitler do século XXI

A Segunda Guerra Mundial teve início como reação de nações democráticas a uma guerra de invasão promovida pela Alemanha nazista contra o Leste Europeu que começou pela Polônia. Ora, invadir o Leste Europeu é hoje a clara intenção de Putin, que pretende usar a Ucrânia como porta de entrada.

A específica guerra da Rússia (então União Soviética/URSS) contra as forças do Eixo ocorreu devido à invasão de tropas da Alemanha, que, rompendo com o Pacto Nazi-Soviético (também conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop), vigente desde agosto de 1939, deu início à Operação Barbarossa, em junho de 1941, avançando sobre vasta extensão do território soviético.

Que o tirano Putin use a celebração de uma vitória sobre invasores para fortalecer a narrativa/justificativa da sua própria guerra de invasão é algo sórdido; mas compreensível, porque os tiranos sempre são sórdidos.

Agora, que o presidente de um país democrático (ainda que de uma democracia cada vez mais capenga) se preste a convalidar tamanha sordidez é uma baixeza difícil de entender. Neste teatro de Putin o ator coadjuvante Lula faz um papel feio.

O que Lula admira em um homem?

Os militantes da mídia chapa-branca estão redobrando esforços para criar justificativas para o gesto adulatório de Lula, mas nenhuma delas se sustenta. 

Não há nenhuma ganho pragmático com isso e, do ponto de vista diplomático, a visita a um país responsável por uma guerra de invasão ainda em curso é inoportuna, inconveniente e imoral.

Assim sendo, parece-me que a explicação para a visita de Lula ao companheiro Putin é mais psicológica do que política.

Uma pista para entender as suas motivações está na famosa entrevista concedida à Playboy, edição nº 48, em julho de 1979.

Durante a conversa, ao ser questionado sobre figuras que o inspiravam, Lula mencionou diversos nomes, incluindo Adolf Hitler. Segue a transcrição do trecho:

Playboy: Alguém mais que você admira?

Lula: [Pausa, olhando as paredes] O Mao Tse-Tung também lutou por aquilo que achava certo, lutou para transformar alguma coisa.

Playboy: Diga mais…

Lula: Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer.

Playboy: Quer dizer que você admira o Adolfo?

Lula: [Enfático] Não, não. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as ideias dele, a ideologia dele.

Qualquer bom conhecedor da natureza humana capaz de entender as entrelinhas de uma fala comprometedora, perceberá o quanto essa entrevista traz da face real de Lula, que se remexe inquieta em carantonhas por trás da máscara de democrata que vive caindo da sua cara.

Antes de mais nada, ele admira tiranos. Independentemente de ideologias, o que o encanta é a personalidade psicopática e megalomaníaca.

O que ele admira é a “disposição, a força, a dedicação”, pouco importando o fato de que tais atributos tenham sido usados para exterminar 6 milhões de judeus. Esse ponto é de somenos importância para Lula; é um mero detalhe.

Quem negará que exista também em Vladimir Putin esse “fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer” que Lula tanto admira?

Que o saldo desse “fogo” seja cerca de 43.000 soldados ucranianos mortos, 370.000 soldados ucranianos feridos, 12.500 civis ucranianos mortos e 28.400 ucranianos feridos é um detalhe sem importância.

Que o resultado da “disposição, força e dedicação” de Putin para fazer renascer um império seja 20.000 crianças ucranianas deportadas à força para a Rússia ou para territórios ocupados por forças russas também não é o que importa para Lula e para Janja, a mais nova influencer do Kremlin.

Um jantar para tiranos

Segundo o monitoramento de Direitos Humanos da ONU, os russos mataram 209 ucranianos e feriram 1.146 civis apenas no mês passado. Dezenove crianças morreram e 78 crianças ficaram feridas nos ataques aéreos russos desses últimos dias. Enquanto isso, Lula é recebido por Putin em um pomposo jantar, em Moscou.

Por algum motivo, lembrei-me do ditado alemão sobre responsabilidade e conivência com o extremismo, que costuma ser formulada da seguinte maneira:

“Se há dez pessoas numa mesa, um nazista se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem onze nazistas”.

Vou reformular o ditado pra ilustrar o contexto deste artigo: “se há dez ditadores numa mesa, um suposto democrata se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem 11 ditadores”.

Lula está sentado à mesa do anfitrião, Putin com o ditador da China, Xi Jinping, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, o ditador de Belarus, Alexander Lukashenko, o ditador cubano Miguel Diaz-Canel e ditadores de mais algumas dezenas de nações não democráticas como Azerbaijão, Bósnia, Burkina Fasso, Congo, etc.

Seria o presidente brasileiro um mero observador democrático infiltrado? Ou é mais sensato admitir que Lula está confabulando entre os seus?

Lula, Trump, Israel e a Faixa de Gaza

A última fala de Lula sobre o conflito em Gaza não é só uma mentira grotesca. É também uma das declarações mais perversas já feitas por um presidente brasileiro em política externa. Ao dizer que Israel está promovendo um genocídio sob pretexto de combater terroristas, Lula repete um dos mais antigos e abjetos libelos antissemitas: o de que judeus matam crianças deliberadamente.

Lula estava na Rússia, foi questionado sobre o conflito na Ucrânia, e resolveu por conta própria inserir Israel e Gaza na conversa. Disse que é um genocídio porque não são dois exércitos, é um exército muito preparado do lado de Israel, matando mulheres e crianças sob o pretexto de matar terroristas. Não mencionou o Hamas. Não falou dos reféns. Não trouxe uma única palavra sobre o ataque de 7 de outubro. Nada. Silêncio total.

É impossível aceitar que um chefe de Estado se refira a um conflito tão complexo com essa simplificação criminosa. Há civis em risco dos dois lados. Há reféns sendo mantidos em cativeiro há meses. Há uma população palestina que sofre, inclusive, sob opressão do Hamas, como mostram os relatos de tortura e repressão dentro de Gaza contra civis que ousam criticar o grupo terrorista. Lula escolheu ignorar tudo isso.

A Conib, Confederação Israelita do Brasil, classificou a fala como antissemita e irresponsável. Em nota oficial, disse: “Acusar judeus de matar crianças é uma das formas mais antigas e deploráveis de antissemitismo, e é lamentável e perturbador que o presidente do nosso país siga promovendo este libelo antissemita pelo mundo”.

O Brasil historicamente sempre se orgulhou de ser um país onde judeus e árabes convivem em paz. Sinagogas e mesquitas dividem quarteirões. Comerciantes judeus e árabes são sócios em empresas e parceiros em causas comunitárias. Lula, ao importar essa guerra para cá e ao adotar um discurso tão parcial, tão desonesto e tão violento, rompe com uma tradição de equilíbrio da diplomacia brasileira.

E não é só isso. Lula tem feito do Brasil um pária diplomático. Enquanto líderes democráticos se afastam, ele prefere posar ao lado de ditadores e sanguinários. No último convescote internacional na Rússia, estava cercado de líderes autoritários e ainda ousou dizer que a Europa “deveria estar ali”.

O resultado? Nenhuma influência real. Nenhuma capacidade de mediação. Nenhuma contribuição concreta para a paz. Enquanto o Brasil perde relevância, outros países, como os Estados Unidos, seguem fazendo o que Lula prometeu e nunca entregou. Donald Trump anuncia uma viagem ao Catar e, no mesmo dia, um refém é libertado. Lula, há meses, diz que vai falar com o Hamas. Não adiantou nada.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que é crítico feroz de Israel, já pediu a libertação dos reféns e chegou a chamar os líderes do Hamas de “filhos de cachorro”. Contrasta com a fala de Lula.

O Brasil está sendo arrastado para a irrelevância internacional por um presidente que não entende o que diz e, pior, não mede as consequências do que fala. Um presidente que joga sua biografia e a reputação do país no lixo em nome de um discurso ideológico tosco, raso e perigoso. E, no final, a pergunta que fica é: Lula está levando o Brasil para onde? A resposta dá medo.

Ambiguidade Inaceitável

A recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rússia levanta sérias preocupações quanto ao posicionamento do Brasil no cenário internacional. Ao se reunir com Vladimir Putin em meio à guerra na Ucrânia — um conflito desencadeado por uma invasão militar amplamente condenada pela comunidade internacional — Lula opta por ignorar os princípios democráticos e de autodeterminação dos povos que historicamente pautaram a diplomacia brasileira. A presença do líder brasileiro ao lado de um chefe de Estado amplamente considerado autoritário e responsável por crimes de guerra lança sombras sobre o compromisso do Brasil com os direitos humanos e com a ordem internacional.

Ao se aproximar de líderes como Putin, Lula reforça uma aliança simbólica com regimes que atentam contra liberdades fundamentais. Sua postura ambígua em relação à guerra na Ucrânia, marcada por tentativas de “equidistância” entre o agressor e o agredido, deslegitima o sofrimento do povo ucraniano e relativiza uma invasão armada de um país soberano. Ao não condenar com clareza e firmeza a violação territorial promovida pelo Kremlin, o presidente brasileiro passa a mensagem de que o pragmatismo geopolítico se sobrepõe aos princípios democráticos que deveriam guiar a política externa de qualquer nação que se pretende civilizada.

A visita também mina a credibilidade internacional do Brasil. Ao se colocar ao lado de ditadores e regimes autoritários — não apenas na Rússia, mas também em interações com governos como os da Venezuela, Nicarágua e Irã — Lula enfraquece o potencial do Brasil de atuar como mediador legítimo em crises internacionais. Países democráticos e alinhados ao direito internacional veem com desconfiança essa postura dúbia, que enfraquece coalizões em defesa da paz e da justiça. O Brasil, que poderia ser uma voz influente pelo diálogo e pelo multilateralismo, se arrisca a ser percebido como conivente com agressões inaceitáveis.

Além disso, a escolha de Lula contrasta com o discurso que sustenta em outras frentes, como a defesa da democracia doméstica e a crítica ao autoritarismo de adversários políticos internos. Essa contradição desmoraliza sua retórica, enfraquece a confiança internacional em sua liderança e alimenta críticas legítimas sobre a coerência de sua política externa. A política internacional não pode ser um campo onde os princípios são negociáveis — especialmente quando estão em jogo vidas humanas, soberanias nacionais e o futuro da ordem global.

Em suma, a visita de Lula à Rússia, sem uma crítica clara à agressão militar contra a Ucrânia, representa um retrocesso diplomático e moral. Ao lado de líderes autoritários, o presidente brasileiro se afasta dos valores democráticos e da solidariedade internacional com vítimas de regimes opressores. O Brasil precisa decidir se será um defensor da liberdade e da paz, ou apenas mais um ator disposto a sacrificar princípios em nome de interesses imediatos.

Reequilíbrio Comercial, Corte De Impostos, Desregulamentação: O Novo ‘Sonho Americano’ De Trump2

No meu mais recente podcast para o portal do Instituto Monitor da Democracia, em entrevista ao nosso presidente Márcio Coimbra, procurei lançar um pouco de luz sobre a aparentemente errática e sem dúvida volátil política econômica externa do segundo governo Donald Trump. No presente artigo, pretendo prosseguir  nessa reflexão, se possível aliviando o debate de sua forte carga emocional sempre que vem à baila a figura do polêmico presidente que promete fazer a América grande novamente….

Durante os 100 primeiros dias de Trump2, o stop-and-go da sua política alfandegária elevou escalonadamente os direitos de importação sobre as mercadorias  vendidas aos Estados Unidos por todos os seus parceiros comerciais, para, logo em seguida, suspender temporariamente essa majoração, na expectativa de uma ‘pausa para negociações, com a solitária e notável exceção da China,  cujas exportações ao mercado norte-americano continuam taxadas em 145% e que retaliou na mesma moeda, chutando para cima suas tarifas sobre produtos americanos.

O vaivém produziu um frenesi nos mercados, ora derretendo bilhões de dólares em ativos, ora impulsionando  recuperações de preços não menos espetaculares. Até o dia 5 deste mês de maio, as ações das empresas integrantes do índice S&P 500 — quinhentas maiores companhias de capital aberto listadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos — acumularam nove dias seguidos em alta, algo inédito desde 2004. O crescimento de 10% em tão pouco tempo cancelou as perdas decorrentes do anúncio do tarifaço por Trump em 2 de abril, data que o presidente batizou de “Dia da Libertação”. Os sinais contraditórios emitidos pela nova política tarifária e a contração do PIB norte-americano em 0,3% no primeiro trimestre de 2025 projetaram um sombra de incerteza sobre os planos de investimentos das empresas, ao mesmo tempo em que reacenderam os temores de uma estagflação.

Para reavivar o otimismo dos empresários e consumidores, Trump e a bancada Republicana no Capitólio negociam um novo pacote de redução permanente de impostos e corte de gastos públicos. Fontes do governo também acenam com a possibilidade de atenuação das pressões tributárias sobre a China, em troca da cooperação de Pequim com a cruzada de Trump contra o ingresso ilegal de fentanyl produzido pela indústria farmacêutica chinesa,  princípio ativo dos opióides que alimentam uma epidemia mortal no seio das camadas mais pobres da sociedade americana.

Com a palavra, o secretário Bessent — Em artigo para o Wall Street Journal, Scott Bessent, o secretário do Tesouro que fez fortuna no mercado de capitais,  procura substanciar a estratégia de relações públicas de seu chefe Trump, visando à restauração da confiança dos agentes econômicos.

Bessent inicia sua argumentação lembrando que, desde a década de 1980, quando teve início a atual etapa de globalização, as desigualdades socioeconômicas na América se acentuaram entre uma minoria de vencedores (empreendedores tecnológicos, banqueiros de investimentos e segmentos profissionais de nível superior nos litorais do Atlântico e do Pacífico) e uma maioria de perdedores (classes média e trabalhadora,  empobrecidas pela liberalização comercial e pela desindustrialização no coração continental dos Estados Unidos). Trump se elegeu para ampliar a participação desses setores desfavorecidos, hoje a espinha  dorsal do seu eleitorado, nas riquezas acumuladas por Wall Street. O tarifaço é visto por Bessent como instrumento essencial  para o reequilíbrio do comércio exterior e a revitalização da base industrial do País, com a criação de mais e melhores postos de trabalho.

O autor cita um paper de 2016, elaborado por três economistas (“China shock”, de David Autor; David Dorn; e Gordon Hanson) que mediram o impacto socioeconômico da liberalização comercial na ‘América profunda’, durante o mesmo período que a China se transformou na fábrica do mundo e superpotência exportadora: os trabalhadores dos Estados Unidos perderam 3,7 milhões de empregos. Nas palavras de Bessent, “milhões de americanos sofreram um declínio absoluto da sua renda real”.

Para virar esse jogo, o secretário do Tesouro propõe uma tríplice estratégia:

( a ) renegociar os termos do comércio global. Isso inclui o tarifaço, mas também a redução das barreiras alfandegárias dos outros países ,  de modo a abrir mercados externos e, ao mesmo tempo, “trazer de volta milhares de postos de trabalho na indústria de transformação”;

( b ) tornar permanentes os cortes de impostos de 2017 (governo Trump1), acrescidos de inovações como a isenção de tributos sobre gorjetas, horas extras e Seguridade Social. Isso significa deixar mais dinheiro nos bolsos dos empresários para investir e dos consumidores para gastar. Lembra Bessent que a lei tributária de 2017 aumentou a renda de 50% dos domicílios da América mais rapidamente do que para os 10% mais ricos.  

Ele calcula que, se os cortes de impostos, programados para expirar no final deste ano, não forem perenizados, a família mediana dos Estados Unidos perderá US$ 4 mil em renda. O novo pacote propõe, ainda, deduções sobre financiamentos para a compra de automóveis _made in USA_, bem como incentivos fiscais para a construção de novas fábricas; e

( c ) desregulamentar/desburocratizar de forma a estimular a produção de tudo na América — de materiais de construção a _chips_ (semicondutores) de inteligência artificial.

Paralelamente ao impulso que dará à prosperidade de patrões e empregados, acredita Bessent, que essa nova estratégia também vai assegurar a dianteira militar dos Estados Unidos vis à vis a China.

As primeiras medidas desburocratizantes decretadas por Trump2, cancelando regulamentos da era Biden, teriam economizado US$ 2.100 para uma família norte-americana com quatro pessoas. Mais: a eliminação de requisitos de compliance, considerados excessivos, para pequenos bancos locais facilitará o acesso ao crédito do consumidor de bens duráveis. Outro objetivo dessa desregulamentação/desburocratização é tornar mais abundante a oferta de energia. Por isso, Trump recentemente decretou “emergência energética” e abriu 1,53 milhões de acres à exploração no Alasca. O preço da gasolina já caiu 50 cents em relação ao ano passado.

Scott Bessent busca contagiar com seu entusiasmo todo o público norte-americano informando que, por dois meses seguidos, as contratações de mão de obra no setor não rural superaram as expectativas, com a incorporação de 177 mil empregos ao mercado de trabalho.

Em suma, a política econômica de Trump2, formatada pelo secretário do Tesouro, promete um forte e duradouro ciclo virtuoso, com mais empregos, reindustrialização acelerada, menores custos de energia, robustecimento da segurança nacional e vitória na competição econômica e militar com os chineses.

Basta agora aguardar o que os parceiros e adversários da América farão para reagir e/ou se adaptar a todas essas mudanças decretadas pelo segundo governo Trump e pela estreita maioria Republicana no Congresso….

Em tempo: no fim de semana de 10 e 11 de maio, em Genebra, Suíça, a China e os Estados Unidos se reuniram pela primeira vez para negociar alternativas ao mútuo tarifaço. O lado norte- americano foi representado por Bessent e pelo embaixador Jamieson Greer (representante comercial da Casa Branca); e o lado chinês, pelo premiê He Lifeng. Do encontro resultou um acordo no sentido de reduzir, drasticamente, por 90 dias as tarifas recíprocas impostas desde o “Dia da Libertação”: os Estados Unidos,  de 145% para 30% sobre os produtos chineses; a China, de 125% para 10% sobre os produtos norte-americanos.

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( * ) Cientista político e _fellow_ do Instituto Monitor da Democracia.

Democracia: não estamos falando da mesma coisa

Quando falamos de democracia é bom ver se estamos falando da mesma coisa. Vamos ver alguns exemplos.

Alguém pode pensar que é democrata porque lutou contra a ditadura militar.

Alguém pode pensar que é democrata porque é antifascista.

Alguém pode pensar que é democrata porque é contra o bolsonarismo.

Alguém pode pensar que é democrata porque é contra o populismo de direita e as ditaduras de extrema-direita.

Nada disso, porém, basta para qualificar um ator ou força política como democratas.

Alguém pode ter lutado contra a ditadura militar para implantar outra ditadura (por exemplo, a ditadura do proletariado).

Ser antifascista não garante nada em termos democráticos (os ditadores Canel, Maduro, Ortega, Xi Jinping e Putin são declaradamente antifascistas).

Ser contra o bolsonarismo, o populismo de direita e as ditaduras de extrema-direita também não atesta conversão à democracia, a qual exige uma posição contrária a qualquer populismo, inclusive contra os populismos de esquerda e contra as ditaduras de esquerda.

Como resolver o problema de saber quais são os requisitos para caracterizar um ator ou força política como democratas? É preciso observar os critérios democráticos.

Os dez critérios para caracterizar um regime democrático em sua plenitude (liberal) são:

1 – Liberdade de associação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa (existência de fontes alternativas de informação).

2 – Proteção dos direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria (recusa ao majoritarismo e ao hegemonismo).

3 – Eleições limpas e periódicas, sufrágio universal, governos e parlamentos eleitos.

4 – Rotatividade ou alternância no governo (não apenas de pessoas, mas também de partidos ou forças políticas).

5 – Cultura política pluralista, oposições políticas democráticas reconhecidas e valorizadas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime.

6 – Publicidade ou transparência nos atos do governo (capaz de ensejar uma efetiva accountability).

7 – Instituições estáveis, equilíbrio entre os poderes e sistemas atuantes e efetivos de freios e contrapesos.

8 – Império da lei e judiciário independente.

9 – Forças armadas subordinadas ao poder civil.

10 – A sociedade controla o governo e não o contrário (a qualidade da democracia é medida pelos limites e condicionamentos impostos pela sociedade às instituições do Estado – o que pressupõe recusa ao estatismo).

Considerando o que se expôs acima podemos ver que muitas pessoas e forças políticas que se apresentam como estando no campo da democracia na verdade não estão. A não ser que tenham outro conceito de democracia, um conceito não-liberal.

É muito comum forças políticas se apresentarem como democráticas confundindo o conceito de democracia com o conceito de cidadania. Em geral, falam de cidadania para todos ofertada pelo Estado, quando “nas mãos certas”, quer dizer, comandado por forças políticas ditas progressistas. Cidadania universalizada é um bom propósito, é desejável, mas não é a mesma coisa que democracia. Isso pode ser ofertado por regimes não-democráticos, quer dizer, por autocracias.

Singapura, uma autocracia eleitoral (segundo o V-Dem), está fazendo isso. A China, uma autocracia fechada, diz que está fazendo isso a partir do seu próprio conceito de democracia: a chamada “democracia popular de processo integral”. Mas essa “democracia” chinesa não atende aos critérios acima.

Cuba, outra autocracia fechada, segundo Lula, faz isso. Para ele “o único país [na América Latina] que conseguiu dar um salto foi Cuba… eles resolveram o problema da cidadania”.

Certamente, em muitos casos não estamos falando da mesma coisa quando usamos a palavra democracia. Por isso os critérios acima são tão importantes. Deveriam ser impressos, emoldurados e pendurados, pelos democratas, nas paredes das instituições públicas e privadas, nas residências, nas escolas, nas igrejas, nas organizações da sociedade civil, nas empresas, em todo lugar.


P.S. É quase inútil discutir com lulopetistas sobre democracia. Eles capturaram a palavra democracia para designar outra coisa. O que Lula e o PT chamam de democracia não é o que se entende por democracia na Austrália, Áustria, Barbados, Bélgica, Canadá, Chequia, Chile, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Estônia, EUA, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Jamaica, Japão, Letônia, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Seicheles, Suécia, Suíça, Taiwan e Uruguai – ou seja, as democracias liberais (V-Dem) ou plenas (EIU). Para alguns petistas democracia é o que a China chama de “democracia popular de processo integral”. Para outros é o regime vigente em Angola e Cuba. Há até quem chame de democracia o regime da República Popular Democrática da Coreia (do Norte). É difícil conversar quando as mesmas palavras não significam as mesmas coisas.