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Uma escalada perigosa

Os ataques usando mísseis e drones feitos pelo Irã contra Israel em resposta a morte de Mohammed Reza Zahedi, alto oficial da Guarda Revolucionária Iraniana, morto em uma explosão no consulado iraniano em Damasco, cuja autoria é atribuída a Israel, por autoridades do país persa, inauguram uma nova fase do conflito na região, este é o primeiro ataque militar do Irã ao solo de Israel e mostra que o país persa está mais altivo na persecução de seus objetivos estratégicos, e mais confiante em sua capacidade de se defender da reação militar de Israel e realizar novos ataques.

O Irã mantinha um padrão de enfrentar Israel usando prepostos, ou seja, armando e treinando outros entes, sobretudo Hamas e Hezbollah. Foram cerca de 300 projéteis disparados contra Israel, sendo estimado que 170 desses fossem aeronaves não tripuladas de emprego único e 130 mísseis balísticos. Jordânia e Arábia Saudita atuaram para interceptar os mísseis e drones, que também foram interceptados pelas Forças de Defesa de Israel.

Era esperado que haveria retaliação iraniana pela morte do líder da Guarda Revolucionária, a novidade é a intervenção direta do Irã ao invés de usar sua rede de organizações aliadas. O que pode ser lido como o marco do programa nuclear iraniano ter conseguido uma massa crítica suficiente e uma rede de apoio envolvendo China e Rússia que minimiza a capacidade israelense de responder ao Irã, aliás a resposta moderada mostra uma complicação do cenário. 

Os ataques iranianos também solidificam a posição dos EUA em prol da defesa de Israel e baixam a capacidade desse ator de manobrar por um cessar-fogo em Gaza. É interessante notar os próximos passos de atores regionais relevantes, como Emirados Árabes Unidos e Jordânia, bem como potenciais globais como China e Rússia, cada um desses com uma série de interesses em múltiplos tabuleiros.

O Irã mostrou capacidade de atingir Israel, ainda que o Domo de Ferro e a coalizão informal com os países do golfo tenham minimizado o impacto do ataque. É preciso levar em conta que a divisão do gabinete israelense e forte escrutínio que a campanha em Gaza tenha contribuído nos cálculos iranianos, por que foram fatores que em conjunto a contextos geopolíticos mais amplos agiram para temperar a resposta israelense.

A operação militar prolongada e em larga escala na Faixa de Gaza tem consequências econômicas e sociais para Israel e um novo front pode complicar ainda mais essa situação e pode escalar as operações para o norte de Israel.

Muitas dúvidas ainda permanecem, mas podemos ter certeza que o jogo no Oriente Médio está ainda mais complicado e muito mais perigoso.

Foto: Atta Kenare/AFP

Nitidez Geopolítica

O ataque iraniano contra Israel serviu para cortar os interlocutores, grupos terroristas contratados pelo regime dos aiatolás, e colocar no tabuleiro o real enfrentamento que se escondia no Oriente Médio por trás de Hamas, Hezbollah, Houthis e outros grupos que trabalham em favor do regime de Teerã. Neste tabuleiro de xadrez internacional, o movimento do Irã trouxe respostas importantes do novo desenho geopolítico da região e terminou por reposicionar o jogo por trás do conflito.

A ofensiva dos iranianos, em um primeiro momento, serviu como uma clara assunção de autoria dos ataques de outubro perpetrados pelo Hamas em território israelense. Isto posto, apesar de já ser algo notório, escancara as intenções dos aiatolás e mostra, mesmo aos mais ingênuos, que as ações operadas pelo grupo terrorista de Gaza sempre estiveram longe da causa palestina e extremamente próximas dos objetivos espúrios e perigosos desenhados pelo governo de Teerã.

Portanto, se de um lado do conflito estava Israel e do outro uma confluência de grupos terroristas operando desde Gaza, passando pelo Líbano e desaguando no Iêmen, depois deste ataque, qualquer dúvida se dissipou, ou seja, o agressor veio à tona, assumindo sua posição. Se de um lado temos Israel, do outro, agora está o Irã.

Por mais que esta situação fosse clara nos corredores da política internacional, a nitidez do cenário ajuda a trazer respostas para diversas perguntas geopolíticas. O ataque do Irã, por exemplo, escancarou também seus aliados, fazendo com que iniciassem um movimento de blindagem de seus interesses nos fóruns internacionais. Como já era esperado, os dois principais pilares antidemocráticos, Pequim e Moscou, se alinharam aos aiatolás. Do outro lado, as democracias ocidentais ficaram apoiaram Israel.

Porém, a teia de influência, cooperação e interdependência econômica criada ao longo dos anos mais profundamente pela China e em certa medida pela Rússia, aliada aos seus instrumentos de desinformação, passaram a cobrar alinhamento e subserviência, onde se incluem membros do BRICS, autocracias, autoritários e ditaduras. O Brasil, estranho membro deste clube, ao se omitir, bateu palmas para os iranianos e deixou de condenar mais uma vez as violações cometidas pelo regime dos aiatolás.

Para além disso, foi importante perceber que a defesa de Israel contra o massivo ataque iraniano foi muito além de suas defesas, contando com o apoio logístico e efetivo dos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e inclusive Jordânia e indiretamente a Arábia Saudita. Esta ampla aliança política costurada ao longo dos anos com apoio dos Estados Unidos foi essencial para fornecer segurança coletiva e possui lastro nos acordos de Abraão, que vinham trazendo normalização política na região.

Como vemos, o jogo geopolítico ficou mais nítido depois dos aiatolás do Irã assumirem suas posições no tabuleiro do Oriente Médio, o que serve em certa medida para melhor entendimento do conflito mais amplo entre democracias e autocracias e o real significado das razões dos recentes ataques contra Israel. Cabe neste momento a Israel e seus aliados desenharem de forma inteligente uma maneira de isolar os iranianos no cenário político internacional, enfraquecendo também as posições de nações antidemocráticas lideradas por Pequim e Moscou neste novo equilíbrio de poder.   

Ocidente livre condena o Irã. O Brasil torna-se cúmplice

Israel está sob ataque. Isso significa que a sociedade livre, configurada dentro dos parâmetros civilizacionais, norteada pelos direitos humanos e defensora das liberdades individuais está sendo, mais uma vez, atacada.

Cada lado nesse conflito precisa ser avaliado não apenas pelo que expressa em seu governo atual, mas também pelo que sua trajetória política e jurídica expõe enquanto organização social.

O Estado de Israel configurou-se como uma democracia plena, tanto quanto é possível sê-lo dentro das limitações e imperfeições humanas.

O modelo democrático do Ocidente não é apenas um regime político ocidental, mas um regime político adequado ao processo de amadurecimento político de qualquer civilização.

O que entendemos por democracia, porém, não é um mero conceito que pode ser instrumentalizado na retórica populista de líderes atrasados e obtusos.

O espírito democrático de um povo é seu anseio por liberdade e justiça, pela igualdade através de normas e pelo livre comércio entre as nações que, em assim se relacionando, optam pelo diálogo e pelas trocas, em detrimento da beligerância e do expansionismo que leva à destruição e ao sofrimento.

A posição do mundo livre e a posição do Brasil

O Ocidente assentou o seu projeto político nas boas ideias de equidade e liberdade. Ainda que não sejam totalmente cumpridas, as metas e os ideais que norteiam as civilizações livres sinalizam aquilo que vai no íntimo de seus cidadãos, como um germe em maturação de uma sociedade mais justa.

Ao nos transpormos para o lado da barbárie, perdemos o prumo e o norte adequado de conduta; ao compactuarmos com regimes tirânicos e despóticos, abrimos mão das conquistas civilizacionais que já deveríamos ter internalizado.

A posição do Brasil frente a um conflito bélico dessa magnitude deveria ser nem tanto a neutralidade, mas a aceitação do óbvio comprometimento da nossa nação com aquelas outras cujas bandeiras se erguem em defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Não é esse o caso do Irã, não é o caso da China, não é o caso da Rússia, não é o caso da Venezuela, para citarmos apenas alguns dos países em relação aos quais a diplomacia brasileira tem não apenas contemporizado, mas também se acumpliciado.

Após o ataque do Irã a Israel, o mundo livre respondeu em uníssono condenando o Irã e respaldando Israel:

Condeno os ataques do Irã nos termos mais fortes possíveis e reafirmo o firme compromisso da América com a segurança de Israel”, escreveu o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Condeno nos termos mais veementes o ataque imprudente do regime iraniano contra Israel. Estes ataques correm o risco de inflamar tensões e desestabilizar a região. O Irã demonstrou mais uma vez que pretende semear o caos no seu próprio quintal”, escreveu primeiro ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.

O ataque ao território israelense que o Irã lançou esta noite é injustificável e altamente irresponsável. O Irã arrisca uma nova escalada na região. A Alemanha apoia Israel”, escreveu o Chancelar da Alemanhã, Olaf Scholz

Condeno nos termos mais veementes o ataque sem precedentes lançado pelo Irã, que ameaça desestabilizar a região. Expresso minha solidariedade ao povo israelense e o empenho da França na segurança de Israel”, escreveu o presidente Francês, Emmanuel Macron.

A Austrália condena os ataques do Irã a Israel esta manhã. O Irã ignorou o nosso apelo, e o de muitos outros países, para não prosseguir com estes ataques imprudentes. Qualquer pessoa que se preocupe com a proteção de vidas inocentes deve ser contra estes ataques”, escreveu o primeiro-ministro da Austrália.

O Gabinete do presidente Javier Milei expressa sua solidariedade e compromisso inabalável só o Estado de Israel, frente aos ataques iniciados pela República Islâmica do Irã. A República argentina […] respalda enfaticamente Israel na defesa de sua soberania, em especial contra regimes que promovem o terror e buscam a destruição da civilização ocidental”, escreveu o presidente argentino.

Agora vejam a diferença de tom da nota pífia do nosso Itamaraty:

O Governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria. Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã”.

A nota usa o eufemismo “envio de drones e mísseis” para substituir ataque e, logo em seguida, justifica retoricamente o ataque ao sugerir que se trata de uma resposta a um suposta alastramento de hostilidades provocado por Israel. Para um bom leitor fica claro que a nota culpa Israel por ter sido atacado.

O que esperamos do Brasil não é uma participação bélica decisiva, mas uma postura equilibrada, condizente com a nação livre que ainda somos e que almejamos continuar a ser.

Não podemos, portanto, naturalizar a diplomacia irresponsável do atual governo brasileiro que se coloca em linha de sintonia com as teocracias e ditaduras do oriente, com o expansionismo do tirano russo e com os grupos terroristas islâmicos.

Israel é um escudo contra o terrorismo islâmico

O islamismo, por mais que tentemos escusá-lo enquanto religião, é uma filosofia de vida opressora, que visa não à emancipação do ser humano, mas à sua subjugação. Ao justificá-lo reiteradamente, chegamos ao ponto de renegar nossos valores que lhes são incompatíveis.

A antítese do islamismo não é o judaísmo, mas é qualquer religião que aponte para uma verdade mais alta do que o tribalismo que ainda mobiliza seus fervorosos adeptos. O islamismo é uma religião tribal; enquanto não passar por uma reforma, continuará sendo incompatível com os valores fundamentais de uma sociedade aberta.

Se hoje o Islã se choca contra os judeus, amanhã ele se chocará contra toda a civilização cristã porque o projeto de dominação apregoado é o da dominação total e não o da pacificação inter-religiosa.

O Estado de Israel é ainda um anteparo contra esse choque de civilizações. É ele que recebe a carga de ódio dos que querem servir ao profeta derramando o sangue dos infiéis. Se Israel cair, o mundo estará mais vulnerável ao extremismo bárbaro do fundamentalismo islâmico.

É irresponsável compactuarmos ideologicamente com pensamentos liberticidas como estamos fazendo nos dias atuais. As críticas, muitas vezes pertinentes, a processos históricos injuriosos contra povos marginais não pode ser pretexto para uma denegação absoluta dos nossos próprios valores.

O Ocidente precisa se reencontrar em seu equilíbrio humanitário, sem ceder às ideologias que negam a história espiritual do próprio Ocidente. O niilismo moderno foi um terreno fértil para a colonização de mentes por religiões políticas. Lutamos não apenas por segurança. Lutamos pelos princípios eternos de justiça e liberdade.

Ataque iraniano contra Israel escancara conflito de décadas

O ataque com drones feito pelo Irã contra Israel apenas dá um contorno mais evidente a um conflito que se estende através das décadas. Ele apenas vem sendo travado de forma terceirizada por uma das partes. É de conhecimento notório o financiamento prestado pelo regime dos Aiatolás aos grupos terroristas que tem como objetivo varrer o Estado Judeu do mapa. A ação do Hamas ocorrida em outubro de 2023 ao sul de Israel foi arquitetada com apoio financeiro e logístico de Teerã, que lhe fornece recursos e armamentos.

Um relatório feito pelo site Homeland Security Today, especializado em segurança, aponta o nível de comprometimento do Irã com as atividades do Hamas e de outras organizações sediadas em países como Síria, Líbano e Iraque. Por meio dessa rede, criou-se um verdadeiro cerco a Israel. Segundo a Foundation for Defense of Democracies, o Irã gasta mais de 16 bilhões de dólares anualmente apoiando grupos terroristas e regimes ditatoriais extremistas em outros países. Desse total, cerca de 800 milhões são para o Hezbollah e outros 100 milhões se dividem entre o Hamas e a Jihad Islâmica palestina.

A aproximação de Israel com a Arábia Saudita e outras nações Árabes certamente causou apreensão entre o líderes iranianos, que, temendo o isolamento na região, agiram para tentar impedir a viabilidade dos acordos que estavam sendo desenhados. E nesse particular foram efetivos. A escalada de violência obedece essa lógica, incluindo o ataque do Hamas e agora o envio dos drones. A instabilidade impede o diálogo e obriga Israel a tomar providências que lhe afastam de uma aproximação com países islâmicos.

O Irã justificou seu ataque como uma resposta ao bombardeio israelense ao que seria o consulado do país em Damasco. Na operação militar, ocorrida no início de Abril, as Forças de Defesa de Israel mataram vários membros do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, incluindo Mohammed Reza Zahedi, personagem central na articulação do Irã com a rede de organizações terroristas. As potenciais ocidentais já sabiam que haveria reação, inclusive porque isso fora antecipado pelo próprio Ali Khamenei, líder supremo do Irã. O que talvez não se imaginava era o quão audaciosa ela seria.

As imagens de drones e mísseis sendo interceptados nos céus de Jerusalém é assustadora, ao mesmo tempo que inédita. A cidade que deu origem para três das maiores religiões do mundo sempre foi preservada nos conflitos frequentes que assolama região. Não mais. Se o sistema de defesa de Israel não fosse suficientemente eficiente, o fogo e a destruição se espalhariam no local sagrado, e talvez corpos se avolumassem até mesmo diante do Muro das Lamentações. E isso apenas denota a deterioração das relações geopolíticas no Oriente Médio, que parece caminhar para um conflito muito mais amplo do que apenas na Faixa de Gaza.

PCO celebra com Hamas “operação heroica de esfaqueamento”

PCO, partido nanico de extrema esquerda do Brasil que – sob o silêncio conivente das nossas autoridades, tornou-se o porta-voz do grupo terrorista islâmico Hamas – fez uma postagem em sua conta no X com nada menos do que a reprodução de uma nota oficial do conhecido grupo que estuprou mulheres e meninas, matou crianças, incinerou famílias, metralhou jovens e sequestrou bebês.

É um acinte que um partido político, abrigado sob o guarda-chuva democrático brasileiro, não seja cancelado nem receba sequer alguma retaliação ao fazer apologia e incitar o terrorismo dessa forma.

Convém lembrar que, de junho de 2022 a fevereiro de 2023, o PCO teve seu perfil bloqueado por decisão no ministro do STF, após o partido referir-se a Moraes como “skinhead de toga” e acusá-lo de ter “sanha de ditadura”.

Será que uma ofensa ao excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes é mais grave do que a defesa do terrorismo como método de luta e o enaltecimento público dos crimes mais bestiais?

Na nota oficial do Hamas, reproduzida nessa quarta, 13 de março, pelo PCO, lê-se, dentre outras barbaridades:

“Ao parabenizarmos a operação heroica de esfaqueamento no Posto de Controle do Túnel em Belém, e lamentarmos o mártir…”

“Mobilizemos nossos combatentes heroicos e nosso povo na Cisjordânia, para sustentar o confronto com a ocupação, detonar as bombas da fúria em seus rostos…”

O Partido da Causa Operária, felizmente, é um partido nanico, insignificante. Mas está tentando crescer dando palanque a um grupo terrorista, o que não pode ser tolerado.

Em mundo cada vez mais complexo, confuso, fanatizado, radical e beligerante, é uma enorme irresponsabilidade das nossas autoridades fazerem vista grossa para essa situação. Isso deixa patente a parcialidade da Justiça brasileira, que mira o que considera extremismo de direita enquanto deixa grassar o escancarado extremismo de esquerda.

Foto: Mustafa Hassona/Anadolu Agency via Getty Images

Não há solução no curto prazo para o conflito israelo-palestino

A defesa de Israel ao ataque terrorista do Hamas – atuando como ponta de lança do eixo autocrático (Rússia, Irã, Síria e outras tiranias do Oriente Médio, com o apoio da China e de governos populistas da Europa, América Latina e África, reunidos no BRICS e no Sul Global) em guerra (a segunda grande guerra fria) contra as democracias liberais – é legítima, independentemente de seu governo atual ser ou não ser democrático. Qualquer governo de Israel – autocrático ou democrático – teria de reagir, contra-atacando o Hamas, sob pena de deixar a sociedade israelense vulnerável a novos ataques terroristas. Todo problema aqui é como reagir.

O governo Netanyahu não é democrático. É populista-autoritário, abrigando muitos tarados supremacistas. Entretanto, o regime político de Israel é uma democracia liberal segundo todos os institutos que monitoram a democracia no mundo (V-Dem, Freedom House, The Economist Intelligence Unit etc.).

Ao reagir declarando imediatamente guerra total ao Hamas, bombardeando e invadindo militarmente o território de Gaza com efeitos colaterais inevitáveis, como a morte de civis não-combatentes, passíveis de serem explorados cinematograficamente, o governo Netanyahu caiu numa armadilha, talvez uma armadilha na qual não poderia não cair – mas caiu. De sorte que Israel perdeu a guerra de propaganda – uma guerra suja, com a divulgação diária, feita exclusivamente pelo Hamas, de proporções falsificadas de mulheres e crianças mortas em relação ao número total de mortos de palestinos em Gaza. Além disso, ficou vulnerável a acusações infundadas de terrorismo e genocídio.

Perdida a guerra da propaganda, o problema é o que fazer daqui para frente. A guerra quente, na sua forma atual, não pode ser eterna. Em algum momento deverá haver cessação das hostilidades generalizadas. Mas o governo Netanyahu dificulta – e no limite inviabiliza – qualquer negociação de paz. Por isso precisa ser derrubado pelos próprios democratas israelenses, por meio dos mecanismos legais disponíveis em seu regime democrático. De preferência, isso não deve ser feito só depois da fase atual da guerra (quente) e sim o quanto antes. Após a queda do governo Bibi, uma nova coalizão democrática no governo de Israel deve buscar ativamente a paz, entrando em negociação com as potências democráticas e com os países da região que não apoiam o Hamas. Fará parte necessariamente dessa negociação parar e começar a remover os assentamentos judaicos na Cisjordânia (ou negociar áreas ocupadas por troca de terras em outros lugares – quando isso for possível) e suspender a presença ostensiva de forças militares e policiais naquele território.

O Hamas, a Jihad Islâmica, a Frente de Libertação da Palestina, o Hezbollah e as milícias xiitas que atuam na Síria, no Iraque e no Iêmem sob o comando do Irã, não são players válidos nas relações internacionais porque são organizações terroristas. Com eles não se pode contar para a ereção de um Estado palestino que, ao lado do Estado de Israel, possa estabelecer a paz na região. Um Estado comandado por terroristas será um Estado fora da lei, um Estado de bandidos que viverá fustigando Israel, e não um Estado de direito – nem mesmo será um Estado autocrático que, por razões de realpolitik, não queira atacar Israel.

Gaza (visível) não é o Hamas, mas o Hamas é Gaza (invisível) porque está profundamente enraizado na sociedade palestina que ali vive a ponto de ter conseguido transformar o território da Faixa em um laboratório de experimentos exterministas e em uma fábrica de terroristas que visam a aniquilar Israel. O terrorismo em Gaza já se reproduz intergeracionalmente por meio das famílias, das escolas, das mesquitas e de entidades civis com a ajuda de militantes autocráticos homiziados em agências da ONU e em organizações humanitárias internacionais, com financiamento e apoio do Irã, da Turquia, sobretudo do Catar, e de outras autocracias da região.

A estratégia de matar os milhares de militantes do Hamas um-a-um é inócua no curto prazo. Cada líder morto será imediatamente substituído por outro líder. Até agora, pelos números fornecidos pelas próprias Forças de Defesa de Israel, só foram mortos 25% do presumível total de combatentes do Hamas. O Hamas é uma rede extensa e profunda. Israel não dispõe do tempo político necessário para consumar a operação de eliminar todos os nodos da rede (que perfazem cerca de 2% da população de Gaza) um-a-um, o que exigiria – numa avaliação otimista – oito meses de guerra na sua forma atual. Mas o Hamas ainda pode ser muito mais numeroso do que se estima (se considerarmos jovens menores de idade e simpatizantes que estão entrando continuamente no combate).

Por outro lado, matar no atacado os militantes e simpatizantes do Hamas para extinguí-lo completamente, exigiria arrasar a terra de Gaza eliminando boa parte da população palestina. Isso não foi feito até agora por Israel porque seria inaceitável. Pelos números (sempre falsificados) de mortos divulgados pelo próprio Hamas, morreram cerca de 1% de civis palestinos (incluindo combatentes do Hamas – que são considerados civis).

A rede de túneis que abriga a infra-estrutura bélica do Hamas pode ser destruida, mas a rede de túneis não é nada diante da rede de pessoas. Uma rede não é a coleção de seu nodos. Para eliminar o Hamas seria necessário quebrar as conexões entre os nodos dessa rede e cortar os atalhos entre os seus clusters (dentro e fora do território de Gaza). Isso não pode ser feito no curto prazo.

A única saída (provisória) é uma negociação bancada pelas potências democráticas em aliança realista com autocracias do Oriente Médio que não visam a destruição de Israel para impor um novo governo em Gaza e na Cisjordânia sem a participação de organizações terroristas – o embrião de um Estado palestino – que mantenha uma coexistência não-beligerante vigiada com o Estado de Israel.

Nos curto e médio prazos é altamente improvável que esse novo Estado palestino seja um Estado democrático de direito. Será mais uma ditadura, entre as quatorze que já existem no Oriente Médio (a única democracia da região seguirá sendo Israel por muito tempo). Uma saída mais definitiva talvez possa ser alcançada no tempo de uma geração, se as crianças palestinas que ainda vão nascer e as de hoje (menores de 12 anos) deixarem de ser doutrinadas por organizações do jihadismo ofensivo islâmico e por organismos internacionais disfarçados de humanitários.

Israel diante da bifurcação

Sim, existe uma extrema-direita autocrática (e teocrática) na sociedade de Israel e no governo de Israel. Assim como, infelizmente, existe também na sociedade americana (ameaçando voltar ao governo dos EUA com Trump). Assim como existe até na própria Alemanha (com a AfD). Essa é uma das características da segunda guerra fria, que não é igual à primeira porque não opõe dois blocos coesionados de países (Leste x Oeste) e sim porque está presente dentro de cada país. A divisão não é global e sim glocal. Fomos assaltados, nos anos 20 do século 21, pelo anos 20 do século 20 (muito antes da primeira guerra fria).

Mas há uma armadilha aqui: fazer uma conexão mecânica do que acontece em Gaza com os propósitos delirantes dessa força autocrática presente em Israel. Fosse o governo israelense composto por moderados, até por democratas, uma vez colocada em curso uma guerra (não uma ação policial com recursos militares para caçar os terroristas e libertar os reféns, mas uma guerra mesmo), aconteceria no teatro de guerra de Gaza alguma coisa muito parecida com o que está acontecendo agora. Ou seja, do fato dos extremistas isralenses estarem no governo e terem intenção genocida, não se pode derivar que a ação de Israel na guerra seja orientada por uma intenção genocida.

Falando de intenções

E por falar de intenções, o Hamas, sim, tem uma intenção genocida. Eliminar um grupo populacional: os judeus (inicialmente os de Israel).

A África do Sul, que mantém relações cordiais com o Hamas e atuando como fantoche do eixo autocrático, tem uma intenção: condenar falsamente Israel por genocídio.

Israel tem uma intenção: neutralizar a organização terrorista Hamas, matando ou prendendo seus combatentes e destruir sua infra-estrutura bélica em Gaza para evitar que ataquem novamente o território israelense.

Israel não tem a intenção de dizimar um grupo populacional inteiro (os palestinos). Se tivesse, com seu poder bélico (aéreo), não teria matado cerca de 1% da população de Gaza (segundo os números fornecidos pelo próprio Hamas) e sim muito mais.

Ao divulgar a fake news de que morreram cerca de 80% de mulheres e crianças em Gaza, o Hamas tem uma intenção: condenar falsamente Israel por genocídio. Isso é uma impossibilidade (demográfica) e uma alta improbabilidade (estatística). Se esses dados fossem corretos, só teriam morrido na guerra pouco mais de 5 mil homens (englobando civis combatentes do Hamas e civis não-combatentes). Seria necesssário acreditar que, por algum motivo milagroso, os combatentes do Hamas praticamente não morrem nos confrontos armados de que participam.

Israel diante da bifurcação

A cada bala perdida que mata uma mulher civil não-combatente em Gaza, a cada morte de criança palestina como resultado colateral de uma bomba lançada pelas FDI para destruir um túnel ou outra instalação da infra-estrutura bélica do Hamas, não podemos dizer: “Estão vendo? Se não fossem os tarados supremacistas Smotrich, Ben-Gvir e Katz – abrigados no governo Netanyahu – isso não estaria acontecendo”. Eles são, de fato, militantes autocráticos (e, alguns, teocráticos), mas mesmo que esses e outros extremistas não estivessem no governo, aconteceria, sim, o que está acontecendo – havendo guerra.

Há perdas de civis inocentes em todas as guerras. E há crimes de guerra em todas as guerras. Na Segunda Guerra Mundial morreram 40 milhões de civis. Na guerra da Coréia estima-se que morreram quase 2 milhões de civis. Na guerra do Vietnã, a mesma coisa: cerca de 2 milhões de civis mortos. Na guerra da Síria morreram mais de 300 mil civis. Na guerra civil etíope estima-se que mais de 400 mil pessoas tenham perdido a vida. Em todas essas guerras houve crimes de guerra.

Militares e civis são pessoas. No balanço de mortos para avaliar a letalidade de uma guerra, todas as pessoas devem ser consideradas. No caso do Hamas, porém, essa distinção não se aplica: todos os mortos do lado do Hamas são civis.

Ainda assim, a guerra de Israel contra o Hamas está sendo uma das menos letais do nosso período histórico (até agora, pois tem pouco mais de 100 dias; se durar 8 meses, como avalia o governo Netanyahu, mantendo-se a dinâmica atual, matará cerca de 70 mil pessoas). Ora, a guerra da Rússia contra a Ucrânia já matou mais de 200 mil pessoas. A guerra do Afeganistão matou mais de 170 mil pessoas. A guerra Irã-Iraque deixou 1,5 milhões de mortos.

Israel está agora diante de uma bifurcação que selará o seu destino. Mantendo-se o governo Netanyahu com a composição atual e não havendo um levante da sociedade civil israelense contra esse governo, a democracia de Israel tende a se autocratizar com o esticamento da guerra por motivos políticos internos (aliás, em alguma medida, toda guerra é interna: a decisão de fazê-la, continuá-la ou encerrá-la é tomada sempre por uma força política em disputa por supremacia interna com outras forças políticas). Mas os democratas defendemos Israel enquanto seu regime continuar sendo uma democracia, o que não equivale a dizer que defendemos todas as suas ações.

Democratas defendem o direito de auto-defesa, mas não propriamente a guerra – que, em si, envolve violações dos direitos humanos. Se Hitler invade a França, defendemos a França, mas não todas as ações violentas da Resistência Francesa (algumas bárbaras e até terroristas). Se o eixo autocrático invade a Ucrânia, defendemos a Ucrânia – o que não significa que aprovamos quaisquer ações do exército ucraniano. Se o Hamas ataca Israel, defendemos Israel, o que não significa que aprovamos as ações de guerra de Israel.

Hannah Arendt contra o antissemitismo de Lula, Janja e PT

Após ser detida, por alguns dias, pela Gestapo, por colaborar com envio de documentos para uma organização de resistência ao nazismo, a jovem judia alemã Hannah Arendt se refugiou na França. Entre 1934 e 1940, antes de ir parar em um campo de detenção na própria França, do qual conseguiu fugir, Arendt trabalhou em uma organização que conduzia judeus do leste europeu para a região do futuro Estado de Israel.

Em 1943, quando já morava nos Estados Unidos, Arendt tomou conhecimento da existência dos campos de extermínio nazistas espalhados pela Europa. Aquilo era tão absurdo que não parecia crível. Mas era real. A pavorosa perversidade do assassinato em massa, desprovido de qualquer critério utilitário, com o único objetivo de degenerar a natureza do ser humano e gerar uma pilha de cadáveres parecia-lhe algo sem sentido, sem motivo, sem fundamentação. Com os campos de concentração, o mal parecia atingir uma proporção inédita.

Esse empreendimento macabro, com toda a sua organização racional e técnica, que tinha por objetivo destruir por destruir, exterminar por exterminar, esse mal que se configurava até mesmo para além do interesse pessoal de quem o perpetrava é identificado inicialmente por Hannah Arendt como o mal absoluto: “Se é verdade que, nos estágios finais do totalitarismo, surge um mal absoluto (absoluto, porque já não pode ser atribuído a motivos humanamente compreensíveis), também é verdade que, sem ele, poderíamos nunca ter conhecido a natureza realmente radical do mal”, escreverá Arendt no prefácio da obra As origens do totalitarismo.

Hannah Arendt, como boa pensadora, era rigorosa com os termos. O regime que tornou possível os campos de concentração (nazistas e soviéticos) era diferente das tiranias e das ditaduras. Sendo o regime totalitário uma forma de “domínio total” e “a única forma de governo com a qual não é possível coexistir”, teríamos, segundo ela, “todos os motivos para usar a palavra ‘totalitarismo’ com cautela”.

À especificidade do regime totalitário relaciona-se também, para Arendt, a qualificação técnico-jurídica do genocídio como crime contra a humanidade.

Genocídio 

A base inicial da tipificação deste crime, em texto internacional, encontra-se no ato constitutivo do Tribunal de Nürenberg, de 8 de agosto de 1945. Esse tribunal, criado para julgar e punir os grandes crimes de guerra dos países do Eixo, tinha competência e jurisdição, nos termos do art. 6.° do seu estatuto, em relação aos crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade.

Enquanto crimes contra a paz e crimes de guerra já eram tidos como comportamentos ilícitos na perspectiva do Direito Internacional antes da II Guerra Mundial, “a concepção de crimes contra a humanidade, previstos no art. 6.° “c” do Estatuto do Tribunal de Nürenberg, procurava identificar algo novo, que não tinha precedente específico no passado; representava um primeiro esforço de tipificar, como ilícito penal, o ineditismo da dominação totalitária”, conforme explica Celso Lafer, no livro A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt.

Os princípios de Nürenberg foram oficialmente sistematizados pela Comissão de Direito Internacional da ONU, por solicitação da Assembleia Geral, em resolução de 1947. No que concerne ao genocídio, esses princípios converteram-se em norma internacional através da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, entrando em vigor em 12 de janeiro de 1951. Ali, a tipificação do crime de genocídio, no art. 2.°, estabelece nas letras “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, os aspectos objetivos do comportamento ilícito, e no seu caput o aspecto subjetivo, que é a “intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Para Hannah Arendt, explica ainda Celso Laffer, “o genocídio, como crime, só pode ocorrer com base na lei criminosa de um Estado criminoso”. Não se trata de um crime qualquer que pode ser cometido por indivíduos isoladamente, mas um crime “estruturalmente ligado à gestão totalitária”, um crime que depende de uma estrutura de poder posta a serviço da perversidade e na qual o mal se converte em legalidade.

O genocídio “assume o ser humano como supérfluo”; “não é uma discriminação em relação a uma minoria, não é um assassinato em massa, não é um crime de guerra nem um crime contra a paz. O genocídio é algo novo“, é, para usar as palavras da própria Arendt “um crime contra a humanidade perpetrado no corpo do povo judeu“.

O antissemitismo de Lula

Armados dessa compreensão, podemos agora dimensionar a gravidade da crise diplomática iniciada por Luís Inácio Lula da Silva ao discursar fazendo analogia entre o holocausto e a resposta de guerra de Israel contra um grupo terrorista que o atacou e acusando Israel de estar perpetrando um genocídio, o que equivale a considerar Israel como um Estado criminoso, negando-lhe, consequentemente, o direito à existência.

Se a rinha política hodierna nas redes sociais é marcada pela distorção de conceitos importantes, o mesmo uso ligeiro e irresponsável de palavras graves não deveria, de forma alguma, dar o tom do discurso de um presidente em uma coletiva internacional, em momento tão complexo como o atual.

O pior de tudo, porém, é que não foi apenas descuido e desleixo. Não foi uma gafe, um despropósito infeliz ou uma inadequação por simples ausência de bom senso. O Brasil já havia dado apoio à África do Sul na absurda acusação contra Israel (levada ao Tribunal Internacional de Justiça, em Haia), já havia prometido doações à UNRWA no momento mesmo em que outros países paralisaram as doações ao verem comprovadas as suspeitas de relações da agência com o Hamas.

Por fim, o Brasil não fez a menos questão de se retratar a fim de resolver a crise diplomática que Lula criou. Na verdade, a sua fala galvanizou o antissemitismo de esquerda, que, agora, mal sente a necessidade de se disfarçar.

Antissionismo como antissemitismo

Todas as tentativas de emenda do discurso de Lula saíram pior que o soneto. A sua esposa, Janja, defendeu o bom velhinho, que, segundo ela, defende a vida de mulheres e crianças e escreveu o seguinte: “a fala se referiu ao governo genocida e não ao povo judeu. Sejamos honestos nas análises.”

Para alcançar a sutileza necessária para uma análise honesta, recorro, mais uma vez, a Celso Lafer que, em artigo publicado no Estadão, escreveu: “Hoje muitas críticas à atuação de Israel em Gaza vão além do aceso das polêmicas sobre a aplicação das normas do direito humanitário ou da gravíssima situação humanitária em Gaza. Resvalam pela denegação de sua existência. Neste contexto, cabe a pergunta: de que maneira um antissionismo bastante presente na crítica a Israel é uma modalidade contemporânea de antissemitismo?”

O advogado, jurista, professor, ex-ministro das Relações Exteriores e também ex-aluno de Hannah Arendt socorre a ignorância petista lembrando que o sionismo “buscou a construção de um Estado como resposta às perseguições que os judeus padeceram como uma minoria discriminada”, conforme o princípio de autodeterminação dos povos e que essas aspirações se traduziram no reconhecimento de Israel.

A crescente negação do direito à existência de Israel, que se tem verificado desde o início da guerra em Gaza, apresenta, segundo Lafer, um caráter de seletividade, pois inexistem outras manifestações de denegação da existência de qualquer outro Estado reconhecido na vida internacional em consequência de críticas a suas políticas. Assim sendo “esta seletividade negacionista faz do antissionismo uma manifestação de antissemitismo. Comporta analogia com o negacionismo revisionista da denegação da verdade factual do Holocausto.”

O antissemitismo de Janja

O antissemitismo, Janja, tem várias facetas. A hostilidade em relação aos judeus pode vir um pouco disfarçada, como na sua postagem, que fala em um “governo genocida”, desconsiderando que a guerra em curso não é conduzida apenas por Benjamin Netanyahu, mas por uma coalizão que inclui, inclusive, a oposição. 

Referir-se a um “governo genocida” ou afirmar, como Lula o fez, que “na faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio”, é chamar Israel de Estado criminoso e negar-lhe, por conseguinte, o direito de existir.

Conforme explica Celso Lafer e outros autores, o antissemitismo moderno é distinto do tradicional, “por isso, pode-se falar com mais propriedade de antissemitismos, no plural. Uma das modalidades atuais do antissemitismo é o antissionismo”. 

É nessa modalidade de antissemitismo que a sua declaração e a de seu marido se encaixam.

Israel, Gaza e Ajuda humanitária

Os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro de 2023, desencadearam uma operação militar israelense em uma das áreas de população mais adensadas do Oriente Médio e o resultado previsível e trágico é uma perda enorme de vidas civis, deslocamentos grandes de população e destruição de infra-estrutura, bem como colapso de serviços de saúde e segurança. Esses fatores criam uma crise humanitária que precisa ser aliviada. E Israel como única democracia da região precisa agir para minimizar o sofrimento da população civil de Gaza.

A parcela da opinião pública que acompanha os eventos internacionais e os eventos da política nacional tem se ocupado nos últimos dias a debater as falas do presidente Lula sobre a situação dos palestinos em Gaza, a controvérsia e guerra de palavras que se seguiu a declaração dão uma mostra de como a chamada diplomacia presidencial trás desafios para os diplomatas brasileiros, ainda mais em tempos de polarização e de redes sociais.

A questão, contudo, é muito mais complicada que o manequeismo da política partidária atual nos permite observar. É preciso antes de qualquer análise sob conflitos internacionais, que quando a primeira arma é disparada se instala o que se costuma chamar de neblina da guerra (ou neblina da guerra), termo cunhado por Clausewitz para descrever a incerteza que acompanha as operações militares e que pode ser expandido para a incerteza sobre as informações que nos chegam sobre a guerra. Em outras palavras, é muito difícil ter certeza sobre os números que recebemos de um conflito, por que todos os lados estão ativamente engajados em desinformar.

Isso posto, é inegável que há uma necessidade crescente de ajuda humanitária para o povo palestino em alguns lugares a situação começa a ficar muito grave como em Rafa, cidade palestina que recebeu mais de 1,2 milhões de refugiados de outras partes de Gaza. Essa quantidade de gente coloca muita pressão nos serviço de água e esgoto e nos serviços médicos, além de pressionar também serviços de segurança e tudo que precisa dos chamados serviços de um estado. Doenças se espalham e há uma grande dificuldade no acesso a comida e aos meios de preparar essa comida nos campos improvisados de refugiados. A ajuda internacional, massivamente proveniente dos países vizinhos precisa chegar a essas pessoas com segurança e previsibilidade.

As operações militares continuam e o governo israelense inspeciona cada caminhão de ajuda que se destina a área isso faz com que os dois pontos de passagem de ajuda em Nitizana, no Egito e Kerem Shalom, em Israel, acabam sendo pontos de gargalo logístico para ajuda, sendo importante que Israel encontre meios mais eficazes e uma escala maior de trabalho para permitir a passagem da ajuda, além de garantir condições de segurança, quando há manifestações e protestos nessa região.

Outra ameaça as operações logísticas é que a ausência de um poder de polícia para proteger os carregamentos os tornam vulneráveis a criminosos buscando lucrar com a venda desses produtos para uma população desesperada por eles. Coibir essas ações exige que o próprio Hamas dê segurança para essa travessia e que haja algum tipo de cooperação mínima entre as partes, não precisa ser o mais atento dos observadores internacionais para perceber o tamanho do desafio que isso abrange.

Comprometer-se com evitar danos colaterais e aliviar o sofrimento das pessoas não enfraquece a campanha militar de Israel e talvez possa contribuir para algo muito difícil de reverter num conflito tão antigo, com tantas mortes sem sentido de inocentes que é combater a desumanização do outro, que não duvidem é condição primária para que os radicais avancem nas correntes de opinião e suas ideologias que justificam extermínios se tornem idéias aceitáveis. Essas idéias sempre se apresentam como lógicas e racionais.

A trilogia original dos filmes Matrix oferece no seu primeiro filme uma cena que ilustra como mecanismo de desumanização se apresentam como algo bom. Em determinado momento da trama o protagonista Neo é ensinado a se precaver dos agentes do sistema e seu mentor informa que seu inimigo é na prática um inimigo sem rosto que pode ser qualquer um ao seu redor dentro da Matrix, portando, deve tratar todos que não forem seus companheiros como inimigos em potencial, a despeito de serem inocentes cativos e, portanto, impotentes quanto à atuação dos agentes. Essa cena consegue fazer o espectador do filme não questionar a moralidade das decisões dos protagonistas e também impende que exista empatia pelos mortos indiscriminadamente pelos protagonistas. Existem forças em todos os lados do conflito apostando na desumanização. E existem forças que em nome de eleições partidárias usam do conflito no Oriente Médio para arregimentar suas bases políticas. Todos agem com a frieza mecânica dos personagens humanos de Matrix, que numa maestria de ironia das criadoras do filme combatem um inimigo mecânico.

Nesse momento de emoções fortes e sentimentos tribais aflorados. Nesse momento em que a humanidade do inimigo é apagada por discursos e ações os radicais, que ameaçam nossa democracia no seu debate eterno em busca de mocinhos e bandidos querem que nos esqueçamos que um dos caminhos para evitar uma tragédia ainda maior é admitir que o sofrimento do outro, do inimigo é na verdade o sofrimento humano. É admitir que o outro, o inimigo é uma pessoa. Não percamos nunca essa dimensão.

Não há ilusões Israel não vai recuar do conflito enquanto não puder declarar que derrotou o Hamas, mas como sempre em política e Relações Internacionais o que exatamente determina o que é derrotar o Hamas é difícil de ser mensurado e a política interna e pressões externas vão pesar nesse calculo, parece claro, contudo, que a derrota do Hamas e da ideologia que o sustenta é parte do caminho para um Oriente Médio mais estável e pacifico, bem como não haverá paz enquanto o povo palestino não tiver um Estado e a oportunidade de prosperar, viver em paz e superar o ciclo de tragédias que no momento parece preso e para isso precisa encontrar internamente objetivos realistas, por que o slogam do “rio ao mar” já causou mortes demais para seu próprio povo.  

O povo palestino está sofrendo agora e correndo o risco de parecer utópico eu admito, mas para a construção da paz de uma maneira pragmática é preciso diminuir o grau do sofrimento humano agora e não quando o inimigo for derrotado e nesse sentido a dimensão humana prevaleça, tanto ao permitir que ajuda chegue a quem precisa, como devolvendo os sequestrados para Israel.

Reorganização Internacional

Nicolas Maduro anunciou referendo para se apropriar da Guiana Essequiba, território que representa 74% do território da nação vizinha. Será em 3 de dezembro. A Rússia, talvez o maior aliado da Venezuela, avançou sobre a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, iniciando um conflito que segue em curso. O Hamas, que governava a Faixa de Gaza, realizou uma carnificina em Israel que levou a uma outra guerra que pode se ampliar na região do Oriente Médio. Isto sem falar no risco iminente de invasão de Taiwan pela China.

Algo une estes movimentos e seria muito ingênuo achar que as peças deste quebra-cabeça carecem de articulação conjunta. Rússia, Venezuela, China e Hamas (leia-se Irã) são aliados no tabuleiro internacional e realizam movimentos em conjunto, de forma harmônica e sincronizada, com o objetivo de mover as placas tectônicas da estabilidade internacional como conhecemos.

O tabuleiro internacional se movimenta como um intricado jogo de xadrez, ou seja, precisa ser movido com prudência e paciência, sempre calculando cada uma das jogadas possíveis do adversário. Nada indica, entretanto, que as potências ocidentais possuam qualquer movimento estratégico conjunto. Tem apenas respondido de forma perdida e desorganizada todas as ações de seus adversários, sem coordenação e planejamento.

Está sendo desenhada uma nova estrutura de poder internacional diante da passividade e permissividade das potências ocidentais. Os sintomas são claros diante da corrosão de seus valores, princípios e vértices ao longo dos últimos anos. Se nenhum movimento coordenado das atuais potências for desenhado de forma urgente, veremos em pouco tempo a deterioração da democracia e a implementação de novos modelos e regimes que passam longe da liberdade que conhecemos nos países do Ocidente. 

Isto significa dizer que o mundo está em guerra, porém uma guerra fria e localizada em determinados pontos, porém que são essenciais para definir em que tipo de mundo iremos viver. Ucrânia e Israel lutam sozinhos pela manutenção de regimes democráticos e pela liberdade de inúmeros países – nações que em breve podem ser acompanhadas por Guiana e Taiwan, as prováveis próximas vítimas no tabuleiro internacional.

Como disse, o pano de fundo de todos estes movimentos reside na remodelagem do sistema internacional atual, levando as autocracias, ditaduras e governo autoritários para o controle de uma nova estrutura de poder ao mesmo tempo que a democracia é corroída por dentro nas nações do Ocidente. Iniciativa que aos poucos vem mostrando os resultados esperados por aqueles que desejam a implosão de nossas liberdades. 

Vivemos tempos preocupantes. Há tempos o sistema internacional mostrava sinais de fadiga, porém, uma safra de líderes habilidosos evitou a corrosão em escala maior. Infelizmente os tempos mudaram e o avanço antidemocrático tem crescido de forma exponencial tanto pela direita, quanto pela esquerda. O absurdo se tornou parte do cotidiano e as sociedades parecem ter esquecido as lições do passado. Vivemos o maior e mais importante risco contra a democracia e nossas liberdades em tempos recentes, uma possível reorganização internacional que pode levar nossa civilização, mais uma vez, diante do inimaginável.