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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Clube Chinês

Em 2001, o economista Jim O’Neill alertava sobre novas economias. Nascia o termo BRIC. Brasil, Rússia, Índia e China entravam no radar emergente. O termo serviu de embrião para um bloco político que aos poucos vem se tornando uma estrutura robusta também na frente econômica, especialmente depois da criação do seu Novo Banco de Desenvolvimento. Ampliado e amadurecido, o desafio que se apresenta neste momento para os BRICS é sobre sua liderança e também os rumos do bloco, exatamente os temas desta reunião de cúpula na África do Sul.

A pauta se debruça sobre vários assuntos. Na frente econômica, o Brasil defende a implementação de uma espécie de moeda comum, especialmente para transações comerciais. O tema, apesar de compor a agenda brasileira, está mais sob a esfera política do que propriamente econômica. O próprio Jim O’Neill considera a ideia “ridícula” e “quase embaraçosa”, uma vez que o mecanismo também pouco interessa em termos reais a economia chinesa. A chamada proposta de desdolarização está longe de ser uma pauta uníssona e, de fato, é na verdade um mero movimento político. 

Para além disso, a ampliação do bloco tem surgido como um tema recorrente que causa certa preocupação para o Brasil. Com apenas cinco países, todos possuem certo grau de protagonismo e a adesão de novos parceiros podem fazer com que a importância de cada um diminua sensivelmente. Haveria uma diluição de poder, com enfraquecimento da influência do Brasil, além de um claro fortalecimento da China, que assumiria de maneira informal um papel de liderança real do grupo.

Outra preocupação é a chegada de países que estão longe de serem democracias e que também serviriam simplesmente para chancelar a liderança chinesa, atuando como seus satélites políticos dentro do grupo. Entre os favoritos para uma primeira rodada de expansão estariam Arábia Saudita, Emirados Árabes e Argentina. Porém, China e Rússia tentam atrair também governos como o do Irã, Egito e Venezuela. Estão na lista de candidatos ditaduras como a do Vietnã, Bahrein, Kuwait, Belarus, Cuba e Etiópia.

A estratégia é simples. Com decisões tomadas por consenso, o BRICS tem bloqueada referências mais explícitas aos direitos humanos ou democracia por imposição da China. Acredita-se que com a inclusão de regimes totalitários, autoritários e autocráticos, esta agenda simplesmente desaparecerá como vimos no caso da invasão russa na Ucrânia. Na realidade, os BRICS se tornaram atrativo para países que carecem de abertura política e econômica, com a expansão tornando-se um simples instrumento de operação dos interesses da agenda externa da China.

Enquanto os BRICS emergem como um bloco dominado pela China, Jim O’Neill sugeriu anos atrás a atenção para outro grupo de países: MINT – México, Indonésia, Nigéria e Turquia. Algo que poderia representar uma importante nova força no xadrez político mundial. Até que novas forças se organizem ou que os instrumentos tradicionais de poder se imponham, o BRICS segue com a clara tendência de traduzir os interesses de Moscou, em menor proporção, e Pequim, de forma consistente e firme. O clube chinês toma forma e fortalece sua musculatura para os próximos movimentos.

Rachaduras no Kremlin

Os poderes de Putin como Presidente estão muito além das tradicionais democracias ocidentais. Dirigindo um poder praticamente absoluto nas últimas décadas, desenhou de forma única um modelo de autocracia que lhe confere autoridade, poder e controle sobre o sistema político russo. Evidentemente, é impossível erguer um império de poder pessoal sem abrir flancos de resistência e os mais notórios começaram a aparecer.

O desafio lançado por Yevgeny Prigozhin pode ter sido o primeiro, porém está longe de ser o último e este é o grande desafio que Putin tem diante de si. Assim como várias oligarcas, Prigozhin sentiu o seu núcleo de poder ameaçado e reagiu. O impacto de sua revolta foi ouvido no ocidente em razão da guerra travada na Ucrânia e o denso poderio militar organizado por sua milícia, o Grupo Wagner.

Os tentáculos da Rússia se espalham por diferentes países onde o Wagner possui um papel estratégico, passando por Sudão, República Centro Africana, Mali, Sri Lanka, Síria, Venezuela, Moçambique, Líbia e mais recentemente na Ucrânia. Porém, a ação de milícias russas para além do Grupo Wagner chega até o Chade, Congo, Belarus, Nigéria, Madagascar, Iêmen, Iraque, Afeganistão e outras frentes. Estas milícias isolam a Rússia de qualquer envolvimento direto em conflitos, porém, na prática agem sob o comando direto de Moscou.

Para além de guerras, Putin desenhou de forma meticulosa a entrada da Rússia em um círculo internacional restrito, atraindo uma Copa do Mundo, corridas de Fórmula 1, Jogos Olímpicos de inverno e uma série de eventos esportivos como forma de fornecer uma espécie de soft power ao Kremlin. Uma estratégia bem-sucedida que aliada ao alto preço do petróleo fez com que o investimento russo escalasse e torna-se o país o eixo de poder da Ásia Central, retomando a influência política nos antigos países soviéticos.

Putin foi além e atraiu nomes do ocidente para fazer parte do conselho de empresas russas. Os russos criaram inclusive o termo Schröderizatsiya, que significa “líderes ocidentais que deixam cargos e criam laços com regimes autoritários e cleptocráticos”. A expressão vem do alemão Gerhard Schröder, conselheiro na petrolífera Rosnefte e do comitê da Gazprom. O francês François Fillon escolheu os Conselhos da petrolífera Zarubezhneft e da petroquímica Sibur. Além de um ex-presidente da Polônia, um ex-Primeiro-Ministro da Finlândia e uma linha inteira de políticos austríacos. Todos ligados diretamente ou indiretamente a Putin ou interesses de países satélites da Rússia.

Porém, o cálculo de invasão da Ucrânia desmontou um castelo de cartas construído de forma meticulosa. Os embargos ocidentais, somados ao movimento avassalador de saída de empresas da Rússia fizeram a credibilidade de Putin desabar na arena interna e internacional. Investimentos ruíram e os oligarcas tiveram suas fontes de renda comprometidas. Acredita-se que descontentamento de Prigozhin é apenas a ponta do iceberg de grupos de oligarcas que podem cobrar muito caro por suas perdas. Além disso, não sobram nomes na interminável fila de pretendentes para substituir Putin. As rachaduras no Kremlin foram expostas. Resta saber se o autocrata resiste ao perigoso e intricado jogo desenhado em torno de sua figura.

Perigosa Sedução Chinesa

Lula venceu pelo centro, mas começa a governar guiado pela ideologia. Esta tem sido a tônica mais preocupante dos últimos dias. A nuance mais clara deste movimento tem sido na esfera internacional. O Brasil já havia se calado diante dos brutais crimes cometidos por Ortega na Nicarágua, além de se reaproximar do regime de Maduro na Venezuela. Porém, a viagem a China e aproximação com a Rússia abalaram fortemente a imagem do Brasil no cenário internacional.

Depois de mostrar que temas como a democracia e o meio ambiente poderiam pautar um retorno do Brasil ao xadrez político externo, a guinada promovida pelo governo na China serviu para mostrar que os objetivos podem ser outros. Celso Amorim, assessor para assuntos internacionais de Lula, disse no início do governo, que o retorno de Lula ao poder representaria o retorno do “business as usual” e que o Brasil resgataria sua posição tradicional nas relações exteriores.

Para além disso, o Ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse em seu discurso de posse, que o país atuaria “sempre com respeito à soberania dos países e sem nunca perder de vista o compromisso universal com os direitos humanos e com a democracia”. Ao deixar de condenar Nicarágua e Venezuela, além de se aproximar de China e Rússia, o Brasil quebra esta promessa, trilhando um caminho antagônico ao prometido.

Na China, ao defender uma moeda comum para transações internacionais ou mesmo adotar o yuan no lugar do dólar, o discurso que merecia um tom equilibrado ao tratar de temas econômicos, assumiu coloração política desnecessária em um período de reconstrução de alianças. O Brasil acabou usando o palco de uma agenda internacional para ecoar uma mensagem de Pequim para mundo, colocando-se ao lado de Xi Jinping em provocação aos europeus e norte-americanos.

Porém, enquanto os Estados Unidos e Europa se comprometem com a democracia, os chineses constroem aeroportos, é o que dizem os beneficiários dos investimentos chineses e o Brasil entrou na fila para ser o destino deste capital. Recursos que servem para construção de pontes, passando pela instalação de montadoras de automóveis e inclusive rodovias e ferrovias. Porém, aquilo que soa como música para os políticos, vem acompanhado de um preço que pode ferir nossa integridade como nação.

Entre os mais de 15 instrumentos assinados entre as duas nações está o reconhecimento de Taiwan como parte da China. A ocupação da ilha, uma nação independente, destino daqueles que fugiram do regime de Mao Tse-Tung, segue no radar de Pequim, sendo prioridade na agenda de Xi Jinping. Ao reconhecer Taiwan como parte da China, o Brasil coloca combustível naquele que (depois da Ucrânia) é um potencial conflito anunciado.   

A sedução chinesa chega eivada de contrapartidas que ultrapassam muito a relação bilateral entre as duas nações e se desdobram por outros caminhos que podem levar ainda a maior instabilidade internacional. A China carrega um histórico de violações a democracia e aos Diretos Humanos como poucas nações, um passado e um presente que entra em confronto com nossa Constituição e nossos valores como nação. O Brasil precisa se posicionar de forma contundente diante destas violações, afinal nenhum investimento vale o silêncio diante de abusos humanitários de nações autoritárias, não importa de que espectro político estejam.         

Nicarágua Despedaçada

A deterioração democrática pela qual passa a Nicarágua é preocupante e disparou um alerta externo que tem mobilizado a comunidade internacional. O recrudescimento do regime é real, com perseguições políticas, religiosas e acadêmicas, seguindo o mesmo padrão clássico de ditaduras latino-americanas. Uma situação que joga o novo governo brasileiro em frente delicada, uma vez que sandinismo e petismo são aliados históricos.

O sandinismo, apesar de ser um movimento de esquerda, possuía um corte diferente dos regimes alinhados a Cuba e União Soviética e era exatamente isso que aproximava o movimento do petismo, pois tentava aliar métodos do socialismo com certo grau de liberdade. Os sandinistas deixam o poder pela via eleitoral, sendo derrotados por Violeta Chamorro nas eleições de 1990.

Quando retornou ao poder em 2007, Ortega representava no imaginário popular um retorno do sandinismo ao governo. Porém, a dinâmica já não era a mesma e aos poucos, os sandinistas históricos se afastaram e passaram a questionar a nova leitura, longe das ideias originais de um sandinismo que já estava fora do poder por quase duas décadas.    

A mudança radical de Ortega o afastou dos antigos aliados e das redes tradicionais de apoio ao movimento, em especial a Igreja Católica, que passou a abrigar os dissidentes do regime e perseguidos políticos. O governo colocou na cadeia nomes históricos do sandinismo. Duas universidades católicas foram fechadas. Clérigos foram presos e a comunidade internacional percebeu a preocupante guinada autoritária do país.

Nesta esteira, atualmente além de membros da oposição política e líderes religiosos perseguidos, organizações de Direitos Humanos passaram a ser ameaçadas e seus registros jurídicos encerrados. Acadêmicos foram expulsos das universidades e todos os partidos de oposição foram fechados acabando com a liberdade política. A imprensa independente foi fechada e teve bens confiscados. O governo proibiu a importação de papéis para impressão de jornais e hoje o país não possui mais periódicos impressos. Os organismos internacionais que estavam denunciando esta situação foram expulsos.

Diante de mais uma eleição presidencial e ciente de que perderia a corrida, Ortega prendeu todos os candidatos presidenciais, retirando sua cidadania, e ainda proibiu que os partidos apresentassem candidatos substitutos. Há um claro estado de exceção.

Um grupo de especialistas apontados pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas apontou a responsabilidade de Ortega e sua esposa, atual vice-presidente, como comandantes de uma estrutura repressiva de perseguição política, apontando crimes contra a humanidade. O Brasil foi o único dos oito países responsáveis a propor soluções para a Nicarágua a se abster de condenar o regime.

Estamos diante de um processo de transição autoritária. O governo brasileiro precisa mostrar que seu compromisso democrático está acima de qualquer relação pessoal, especialmente depois dos ataques contra a democracia brasileira no último janeiro. Lula chegou ao terceiro mandato diante de uma frente ampla, colocando-se na arena internacional como fiador da democracia brasileira. Chegou o momento de o Brasil exercer sua liderança externa e o petismo entender que Ortega há tempos deixou de representar o sandinismo. É apenas mais um caricato e perigoso ditador latino-americano que ameaça a democracia de seu país.

Taiwan, a China Democrática

A democracia é o valor principal que garante nossa liberdade. Esta é uma máxima que nossa civilização aprendeu do modo mais difícil. O valor supremo da vontade do povo é essencial para criação de nações vitoriosas, prósperas e livres. A maioria dos chineses infelizmente não consegue viver com democracia e tampouco com liberdade, presos em um sistema autoritário que suprime qualquer chance de prosperidade que respeite os direitos básicos e fundamentais de qualquer cidadão.

Porém, existe uma China onde a liberdade existe e a democracia é de fato inegável. Este local se chama República da China ou Taiwan, 21ª economia do mundo, onde a indústria de tecnologia desempenha um papel-chave na economia global. Considerado um dos quatro “tigres asiáticos”, Taiwan, é classificada como desenvolvida em termos de liberdade de imprensa, saúde, educação pública, liberdade econômica, entre outros indicadores sócio-econômicos.

Depois de perder o controle do território continental em 1949 e a presença nos fóruns internacionais em 1971 para os comunistas, que fundaram a República Popular da China, o governo original, a República da China ou Taiwan, continua tendo relações de facto com muitos países, inclusive os Estados Unidos, que ao longo dos anos, assim como outras nações, tem exercido uma política internacional de ambiguidade estratégica com a ilha, ou seja, reconhece a China como único representante do povo chinês, porém mantém relações políticas e militares com Taiwan.

Entretanto, diante da invasão da Ucrânia pela Rússia, passou a especular-se sobre a possibilidade da República Popular da China avançar sobre Taiwan, com o objetivo de acabar definitivamente com a República da China, invadindo a ilha e anexando-a ao governo de Pequim. Xi Jinping, líder comunista mais poderoso desde Mao Tse Tung, ameaçou um avanço quando declarou que o “status de Taiwan não pode ficar pendente e ainda precisa ser resolvida nesta geração”.

As palavras de Xi Jinping acenderam um sinal de alerta. Um movimento que mudou o eixo de posicionamento internacional sobre Taiwan, colocando de lado a política de ambiguidade estratégica, passando a avaliar a possibilidade de adotar-se uma política de clareza estratégica, que consiste em reconhecer a China como representante do povo chinês, porém, sem abandonar a defesa indireta (e possivelmente direta) da ilha. Assim, a comunidade internacional poderia agir na defesa de Taiwan em caso de ataque chinês contra sua soberania.

Defender Taiwan é uma obrigação de toda democracia, que enxerga na ilha uma resistência histórica contra os horrores do comunismo e a opressão sofrida pelos chineses no território continental controlado por Pequim. Ao contrário, Taipei representa uma china livre, próspera e democrática, um país admirável que merece reconhecimento internacional, relações externas que devem ir além da relação de facto exercida por muitos países.

Fato é que estamos diante de uma China democrática e uma China autoritária. A comunidade internacional tem razões de sobra para ir além de uma ambiguidade estratégica e assumir uma clareza estratégica em favor da democracia, liberdade e prosperidade representada pelo governo de Taipei.

Pescaria Ilegal Chinesa

O comércio internacional encontra um período de turbulentos desafios. O caminho pós-pandemia abrirá muitas oportunidades, ao mesmo tempo que fecha tradicionais rotas e fluxos comerciais. O Brasil, neste contexto, pode sair fortalecido, entretanto, neste tradicional xadrez seria interessante que nosso país diversificasse seus parceiros comerciais para evitar a dependência significativa de uma nação, como tem acontecido com a China.

A sinodependência comercial brasileira já se tornou uma realidade, ao mesmo que tempo que diversas outras nações do mundo seguem pelas mesmas águas. O fato é que isto cria uma dependência que vai além do comércio e deságua e no mundo político. Este é um fato que precisa ser repensado pelo Brasil, sob risco de perder controle estratégico em pontos nevrálgicos de sua soberania.

Um exemplo claro tem sido as frotas chinesas que avançam em águas internacionais e se aproximam perigosamente da costa de diversos países, entre eles o Brasil, para exercer uma questionável atividade pesqueira. Somente no último ano, estima-se que cerca de 1.000 navios de bandeira chinesa ou pertencentes a empresas do país estiveram exercendo a pesca nas costas do Atlântico Sul, causando prejuízos enormes para atividade pesquisa local.

Pequim possui uma necessidade enorme em abastecer seu mercado local, hoje de uma população de cerca de 1.4 bilhões. Para isso, importa alimentos do Brasil e de diversos outros países, mas precisa ir além, buscando métodos subsidiários de conseguir, especialmente em tempos de pandemia, suprir a demanda de seu imenso mercado local. As manobras navais em busca de alternativas têm sido um desses caminhos.

A prática internacional consiste em desabilitar o chamado “sistema de identificação automático” que é o mecanismo que garante a segurança marítima. Desabilitado, a segurança é menor, porém as frotas passam a navegar de forma incógnita nas costas marítimas, o que facilita a pesca fora dos limites legais. A ação é uma clara violação das leis marítimas internacionais que acabam por afetar a soberania nacional.

Diversas nações vêm se mobilizando para evitar a violação das costas nacionais por navios estrangeiros, um movimento que prejudica de forma sensível um vetor importante da economia que é a pesca. Em fevereiro deste ano, a Universidade Internacional da Florida sediou uma conferência sobre pesca ilegal e desautorizada nas costas internacionais, apontando os impactos globais e regionais desta atividade ilícita, bem como seu combate internacional que precisa ser reforçado.

Os impactos desta prática afetam a economia e vão muito além, atingindo o meio ambiente e também a segurança e soberania nacionais. Países como o Brasil, com uma imensa costa, precisam estar cientes que a patrulha naval atual é incapaz de prevenir avanços sobre nossos mares e uma ação mais efetiva precisa ser tomada, sob pena de vermos nosso país assistir suas riquezas e potencial econômico atacados por ações ilegais de países que inclusive são nossos parceiros comerciais.

Nesta semana foi divulgada pesquisa que mostra que o povo brasileiro não possui uma percepção boa sobre a China. Cerca de 44% dos brasileiros rejeitam o país asiático e somente 34% possuem uma visão favorável. Isto mostra em larga medida a ausência de identificação nacional com o regime de Pequim, que apesar de ser o maior parceiro comercial, ainda possui um enorme caminho para ganhar os corações e mentes dos brasileiros. Certamente a ação ilegal em nossos mares não favorece os chineses, que possuem dificuldade em lidar com sua imagem externa, especialmente diante de uma agenda unilateral e uma diplomacia impositiva, que agora avança também pelas costas de seus parceiros comerciais.

5G e Coronavírus: Insegurança Chinesa

A tecnologia 5G está no centro da disputa geopolítica e tecnológica que pode tomar contornos dramáticos com a crise sanitária iniciada em Wuhan. De um lado, a China, que trabalha de maneira intensa pela adoção de sua tecnologia em diversos países, sofreu um enorme revés diante da desconfiança pós-coronavírus. Do outro, os Estados Unidos, principal adversário comercial, assiste o derretimento chinês com distância regulamentar. Fato é que nenhum país poderá ficar indiferente a essa disputa e será cada vez mais difícil assumir posições intermediárias.

A razão é muito simples. Os Estados Unidos passarão a limitar a cooperação em áreas estratégicas, tais como defesa, inteligência e alta tecnologia nos casos em que a segurança de dados e informações sensíveis estiverem sujeitas à violação por parte de entes malignos com acesso às redes de 5G. Um argumento coerente que preserva suas posições estratégicas.

Países mais afoitos poderão optar pelo desenvolvimento rápido do 5G com base somente na qualidade e no preço de equipamentos e da tecnologia, sem levar em conta ameaças de segurança embutidas, contudo isso pode significar no longo prazo comprometer dados pessoais, segredos industriais e até o funcionamento de infraestruturas críticas também na área de segurança e defesa. Este é o chamado “risco chinês”.

É por esse motivo que os Estados Unidos possuem um ponto válido que precisa ser debatido e levado em consideração. Diferentemente de suas concorrentes ocidentais, que são companhias privadas com governança corporativa transparente, as empresas chinesas são apenas formalmente privadas. Na prática, seus dirigentes estão enredados na trama política do Partido-Estado, sendo impossível desvincular a Huawei, por exemplo, dos interesses estratégicos do partido comunista chinês.

Nesse contexto, é importante que o Brasil não comprometa as enormes possibilidades de cooperação com Washington, nosso aliado estratégico, em nome de uma visão puramente econômica. Não podemos nos contentar em comprar por valor de face eventuais compromissos de respeito aos parâmetros do processo competitivo por parte de empresas chinesas. Especialmente no mesmo momento que o investimento na China passou a ser repensado por largas corporações diante da falta de transparência governamental em face do coronavírus.

Sabemos que esses compromissos, na prática, são muito difíceis de monitorar, já que a tecnologia 5G pode muito bem conter “backdoors” e outros estratagemas para permitir acesso não autorizado à rede e a seu tráfego de dados. Ações de espionagem ou de ataque cibernético, em um mundo dominado pelo 5G, pode colocar em risco a vida de pessoas, já que será possível controlar equipamentos domésticos pela Internet das coisas, fazer cirurgias à distância, isso sem falar em seu papel também na administração de redes elétricas, barragens, portos, aeroportos e nos complexos militares.

Não é possível, nessa tecnologia, qualquer arremedo de solução intermediária, separando o centro (“core”) do sistema de sua periferia, já que a integração é total entre equipamentos e conexões. Para o Brasil, é importante implementar o 5G porque a competitividade de nossa economia e a eficiência de serviços públicos dependerão disso. Cabe ao nosso país tomar as medidas que entender necessárias para restringir ações indesejáveis sobre as redes de telecomunicações.

O desafio é implementar o 5G, mas não a qualquer custo. É implementar o 5G preservando nossa aliança estratégica com os Estados Unidos e outros países ocidentais, sem abrir um flanco que comprometa a segurança nacional. A crise internacional de confiança pela qual passa a China atualmente, impulsionada pela crise sanitária, torna-se emblemática neste cenário. O Brasil precisa trabalhar com parceiros democráticos reconhecidos pela transparência. Tampouco devemos ceder ao monopólio tecnológico chinês em troca de apoio no combate ao coronavírus, um movimento estratégico preocupante que tem circulado nos meios internacionais.

Apenas eliminando a presença de empresas que confundem-se com governos, como é o caso chinês, poderemos seguir adiante com a nova tecnologia sem aumentar potencialmente os riscos de perdas irreparáveis. Somente assim podemos preservar ao mesmo tempo as vantagens econômicas, políticas, estratégicas e de segurança derivadas de nossa integração no mundo Ocidental, regido pelo Estado de Direito, pela transparência e pelo compromisso com as liberdades individuais.