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Ameaça nuclear de Putin e o sentido da política para o Ocidente

Há quem defenda que a terceira guerra mundial já começou. Há quem julgue que falar em terceira guerra mundial é exagero. O fato é que se desdobram diante dos nossos olhos sonolentos e incrédulos uma série de alianças e movimentações militares muito preocupantes. A sequência de lances da última semana não pode ser menosprezada:

Em resposta ao envio de tropas norte-coreanas para lutar pela Rússia na guerra de invasão contra a Ucrânia, o presidente cessante dos Estados Unidos, Joe Biden, liberou o uso de mísseis de longo alcance contra as regiões russas de fronteira. Ato contínuo, o tirano da Rússia, Vladimir Putin, revisou a doutrina nacional de defesa a fim de alargar as condições de uso do arsenal nuclear.

Na nova doutrina, o lançamento de mísseis de longo alcance contra a Rússia passou a ser motivo para uso de armas nucleares. Mísseis esses que logo foram disparados pela Ucrânia. Sergei Lavrov, o ministro das relações exteriores da Rússia declarou então – em solo brasileiro, pois aqui estava por ocasião da cúpula do G20 – que o ato era visto “como uma nova fase da guerra ocidental contra a Rússia” e que a Rússia responderia de maneira “apropriada”.

É verdade que Putin já levantou o espantalho nuclear dezenas de vezes, mas até para quem está acostumado com a retórica das trocas de ameaças bélicas, o momento é preocupante.

Poder de destruição e poder político

Recordo-me de um trabalho escolar de História que precisei fazer, em 1995, a fim de marcar os cinquenta anos do lançamento da bomba atômica sobre as cidades japoneses Hiroshima e Nagazaki. Aluna aplicada que eu era, fiz boa pesquisa; o que li e as imagens que vi foram impressionantes para os meus doze anos de idade. Quase consigo reviver a sensação de choque e angústia com que colei os recortes de uma edição especial sobre o tema em uma cartolina para a apresentação escolar.

Um clarão apocalíptico e milhares de vidas aniquiladas instantaneamente. A liberação de uma enorme concentração de energia e seus efeitos devastadores. A radioatividade como terrível subproduto da já pavorosa explosão. Se há um inconsciente coletivo, essa imagem provavelmente está lá, nas profundezas do nosso psiquismo, e os acontecimentos atuais são de modo a favorecer a sua eclosão em estranhos pesadelos.

Putin está, mais uma vez, blefando? Tal questão nos desperta para a enorme responsabilidade ética que pesa sobre a política atual.

Em fragmentos de textos nos quais disserta sobre a definição de Política, a pensadora Hannah Arendt explica que a pergunta sobre se a política ainda tem algum sentido é “forçosamente formulada em vista do monstruoso desenvolvimento das modernas possibilidades de destruição cujo monopólio os Estados detêm.” É no mínimo instável uma situação na qual “a continuidade da existência da humanidade e talvez de toda a vida orgânica da terra” depende da política; e de políticos que costumam blefar.

Questionada, em entrevista ao jornal alemão Tagesspiegel, sobre a probabilidade real de uma guerra nuclear, além de toda a retórica, Sharon K. Weiner, uma professora de Relações Internacionais da Universidade de Princeton e especialista em estratégia de armas nucleares respondeu: “O que me incomoda é que, a despeito do fato de que morreríamos numa guerra nuclear, ambos não temos voz na questão de saber se as armas nucleares serão ou não utilizadas.”

Alguns trechos dessa interessante entrevista, publicada em abril deste ano, me chamaram atenção. Segundo a professora, “não existe nenhum acordo secreto para impedir o uso de armas nucleares antes que o mundo seja destruído”. Ninguém sabe bem o que acontecerá se a Rússia realmente usar armas nucleares contra a Ucrânia porque não há diretrizes de como evitar uma escalada. A única estratégica com a qual se trabalha é a lógica de que “a outra parte poderá, em algum momento, sentir-se compelida a desescalar – simplesmente para salvar o mundo.”

A hipótese de que não haverá uma guerra nuclear sustenta-se, portanto, em uma crença na racionalidade dos políticos que têm poder de decisão sobre o uso de tais armas. Ninguém usaria armas nucleares porque o mundo poderia acabar. “Ninguém é doido de começar uma coisa dessas”, ouço por aí. Não me parece que este seja um argumento decisivo e tranquilizador. Há, pois, alguma probabilidade de que o atual conflito se desenvolva da pior forma possível.

Reunião dos Brics virou cena de filme de James Bond

De certa forma, é irônico que a cúpula dos Brics, no momento em que tem o maior número de integrantes, represente o fracasso definitivo de seu propósito original. O surgimento do grupo remete ao acrônimo constante no notório estudo do economista Jim O’Neill, que propunha a reforma da governança global e a necessidade de incluir Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, países emergentes e com características econômicas semelhantes. Mas, de plataforma de desenvolvimento a coisa foi enveredando por outro caminho, numa tentativa de antagonizar o G7, formado pelas democracias ocidentais.

Em sua última coluna no Instituto Monitor da Democracia, Márcio Coimbra descreveu o Brics como um “covescote autocrático”. Tendo o ditador russo Vladimir Putin como anfitrião e novos sócios como o Irã, a imagem do encontro parecia saída daqueles filmes do James Bond em que os vilões caricatos se reúnem para discutir seus planos de dominação do mundo. Até mesmo Nicolás Maduro apareceu, trajando o clássico modelito mafioso com sobretudo e chapéu preto.

Não surpreende a descrença de analistas econômicos e políticos com o futuro do grupo. Um dos principais críticos é o próprio O’Neill. “Terei Sr. Brics estampado em minha testa para sempre”, disse para a agência Reuters sem disfarçar a decepção e a melancolia. “A ideia de que o Brics possa ser um clube econômico global genuíno é, obviamente, um pouco equivalente às fadas”, desdenhou.

“Parece-me ser basicamente um encontro anual simbólico em que países emergentes importantes, especialmente os barulhentos, como a Rússia, mas também a China, possam se reunir e destacar como é bom fazer parte de algo que não envolva os Estados Unidos e que a governança global não é adequada o suficiente”, disse O’Neill sobre a reunião dos Brics. Uma reunião, diga-se, em que o barulho é desproporcional ao resultado efetivo. Excetuando-se, obviamente, a reciclagem que fazem da velhas taras anti-americanas e anti-ocidentais

As reclamações do Brics não são infundadas. As instituições geopolíticas criadas após a Segunda Guerra Mundial estão de fato em seu momento de maior desgaste. A inoperância do Conselho de Segurança da ONU é evidência de tal condição. Mas o que os membros do grupo propõe como alternativa?

A ideia de “multipolaridade” é bonita no discurso, mas o que se tem na prática é pressão chinesa para ampliação de seu próprio espaço de influencia. A tal diversidade decisória proposta é um falsete diversionista que não passa de uma agenda internacional deliberada em Pequim.

Foto: picture alliance / ASSOCIATED PRESS | Vyacheslav Prokofyev

Convescote Autocrático

Kazan foi o palco escolhido por Vladimir Putin para reafirmar sua presença internacional, mesmo que em meio a um grupo de países autocráticos. Ao hospedar a atual reunião de cúpula dos Brics às margens do rio Volga, Putin consegue driblar o mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional que ordena sua prisão e posa de líder ao lado de outros presidentes também polêmicos, como Xi Jinping da China e Masoud Pezeshkian do Irã.

O Brics substitui aquilo que era chamado no passado de países não alinhados, uma vez que o bloco não é uma instituição, mas apenas um grupo político que atualmente gira em torno da China, defendendo sua agenda e interesses, contrapondo-se ao G7.  Moscou e Pequim, os reais líderes, usam a oportunidade de palco informal para apoio ao chamado “Sul Global”, designação que na cartilha de seus membros substitui a antiga expressão “Terceiro Mundo” ou “países em desenvolvimento”.

O bloco recentemente passou por uma ampliação, recebendo Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã como membros plenos. Este será o 1º encontro com os chefes de governo dos novos participantes, que se integram aos fundadores, Brasil, Rússia, Índia, China e (depois) África do Sul, que se reúnem desde 2009.

Vladimir Putin usa o evento como forma de demonstrar alguma liderança internacional desde que sua imagem foi atingida com a invasão da Ucrânia. Atualmente ele está banido de reuniões nos Estados Unidos e em países europeus e busca mostrar liderança entre o chamado Sul Global, mas também na Ásia Central, onde estão localizadas as antigas repúblicas soviéticas e em regiões da África, onde divide seu imperialismo político com o domínio econômico chinês.  

Com o objetivo de diminuir o impacto das sanções internacionais contra o Kremlin, Putin aposta na redução das transações em dólares. Para isso pretende usar o Brics e seu banco, o NDB, atualmente sob comando formal do Brasil. O objetivo é forçar com que a moeda dos EUA, o dólar, deixe de ser referência no comércio e finanças globais e, assim, perca a relevância como reserva de valor. Tudo, claro, combinado com os chineses.

Liderado pela China, o palco de Putin foi montado também para mostrar a musculatura e potencial de influência das autocracias que comandam o grupo. Como forma de ampliar seu poder, porém sem perder controle decisório, o bloco procura implementar uma nova modalidade de membros associados. Participariam de reuniões, mas sem votar. Assim, a reunião decidiu receber líderes de 24 nações, como Bahrein, Belarus, Bolívia, Nicarágua, Síria, Cuba, Argélia, Venezuela, entre outros, ou seja, nenhuma que navegue de forma calma pelas águas de um regime democrático. Um movimento que deixa claro o caminho trilhado pelo Brics: um clube autocrático em ampliação.

Ao fim da celebração russa, a presidência rotativa do bloco será transferida para o Brasil, que sediará a 17ª reunião de cúpula. Seria uma oportunidade para nosso país falar de temas importantes que passam ao largo da agenda do bloco, ignorados solenemente pelos países que lideram as discussões. Ao optar pelo silêncio, democracias como o Brasil apenas chancelam a cruzada autoritária de seus membros. Na verdade, o Brics se tornou um convescote autocrático financiado por ditaduras que oprimem suas populações. Já passou da hora de repensarmos nossa presença neste clube.

Putin amplia as hipóteses de guerra nuclear

“Quão séria é a ameaça da nova doutrina nuclear russa?” Com esse título, Alexander Gabuev,  analista do Fundo Carnegie para a Paz (Carnegie Endowment for Peace), sediado em Washington, D. C., publicou recente artigo em que busca alertar o mundo para as possíveis/prováveis consequências da decisão da autocracia putinista na Rússia de baixar o chamado limiar de nuclearização, ou seja, o patamar a partir do qual os comandantes militares daquele país estarão autorizados a utilizar armas nucleares contra seus inimigos.

Até agora, a doutrina oficialmente adotada pelo Conselho de Segurança russo em 2020, antes,  portanto, da desastrosa aventura ucraniana do presidente Vladimir Putin, previa essa utilização em resposta a um ataque convencional que viesse a colocar em perigo a própria existência do Estado.

A nova versão da doutrina, que Putin deverá sancionar brevemente em forma de decreto, contempla três hipóteses: agressão perpetrada por um Estado inimigo não nuclear, porém apoiado por aliados nucleares; obtenção de informações sobre um ataque maciço de armas aéreas e especiais, combinado com a violação das fronteiras russas; e ataque de armas convencionais às repúblicas da Rússia e de Belarus que implique uma ameaça crítica à soberania de ambas.

Essa significativa  alteração doutrinária é uma resposta direta  às gestões do presidente ucraniano Volodymir Zelensky junto ao governo Joe Biden para que os Estados Unidos transfiram a Kyiv mísseis capazes de penetrar profundamente o território inimigo.

Os comandantes da Otan tem ciência da gravidade desse cenário: muito embora seja quase certo que os ataques ucranianos a Sevastopol com mísseis britânicos “Storm Shadow”, há um ano, só poderiam ter sido desferidos com o sinal verde da Aliança Atlântica, as altas patentes militares da Alemanha relutam em ceder à Ucrânia mísseis “Taurus” de longo alcance.

Moscou, de sua parte, indica que sua inferioridade em equipamento militar e as perdas humanas gigantescas causadas por uma invasão inicialmente prevista, há dois anos e meio, como um ‘passeio’ de tão fácil e rápida agora obrigam a Rússia a apelar para ameaça nuclear.

O governo americano sabe que precisa atender às suas duas maiores prioridades de defesa — em primeiro lugar, a segurança do próprio território dos Estados Unidos; em segundo lugar, a dos seus aliados da Otan — antes de satisfazer os interesses ucranianos. Daí, o cuidado com que Washington conduz discretíssimas gestões com o Kremlin, abaixo do radar da imprensa, de modo a evitar uma escalada até que o armagedom nuclear se torne inevitável, um desfecho que felizmente não se materializou em quase meio século de Guerra Fria.

Em face de tudo isso, Gabuev, do Carnegie, prevê, como desenvolvimentos imediatamente mais prováveis, a intensificação dos ataques por mísseis e drones ucranianos — já que Kyiv expande rapidamente sua capacidade de produzir esses equipamentos  aéreos — e, do lado russo, a multiplicação de represálias, como sabotagem e assassinatos ‘seletivos’ contra países da Otan. A hipótese da transferência de armas sofisticadas da Rússia para inimigos do Ocidente, como a milícia dos Houthis, aliada iemenita dos aiatolás iranianos, também não está descartada (um jeito de obrigar os Estados Unidos e seus aliados a dispersar seu foco e seus recursos militares), mas também implicaria um desafio adicional para Putin: incorrer na má vontade de uma peça vital no tabuleiro diplomático de Moscou — a Arábia Saudita, potência sunita que compete com o Irã pela supremacia  no Oriente Médio.

Lula não quer paz; quer a rendição da Ucrânia e do Ocidente

Vladimir Putin assinou, em agosto desse ano, um decreto que facilita a entrada na Rússia de estrangeiros que buscam fugir dos ideais liberais ocidentais. No texto do referido decreto, a Rússia é apresentada como um país onde “os valores tradicionais reinam supremos.” 

Quem quiser, portanto, renegar os valores do Ocidente em nome dos valores espirituais e morais tradicionais russos poderá solicitar ao Kremlin sua residência temporária fora da cota aprovada pelo governo russo e sem fornecer documentos que confirmem seu conhecimento da língua russa, história russa e leis básicas.

Parece uma proposta tentadora para quem tem uma inclinação conservadora, uma tendência reacionária e está incomodado com a depravação moral do “Ocidente satânico”? Não se esqueça, porém, que, para Putin, liberdades individuais e direitos humanos são apenas idiossincrasias ocidentais desprezíveis.

Os valores espirituais e morais tradicionais que Putin quer representar são o pan-eslavismo, o nacionalismo, a ortodoxia religiosa e a autocracia. Trata-se, obviamente, de ideologia avessa à democracia, construção ocidental por excelência. 

Não surpreende, portanto, que, tal como ocorreu na Segunda Guerra Mundial, o chamado mundo livre esteja se unindo, mais uma vez, para conter o delírio expansionista de um psicopata que resolveu invadir e anexar uma nação livre, democrática e soberana.

O fascismo de Putin

A analogia da Rússia sob Putin com a Alemanha sob Hitler não é totalmente despropositada. Uma analogia só é possível porque há diferenças; guardadas as devidas diferenças, salta aos olhos as semelhanças. Uma delas é que, assim como o líder alemão, o líder russo também usa uma justificativa étnica para seu objetivo de anexação da Ucrânia. 

Além disso, há a expectativa de estabelecer uma nova ordem antidemocrática, antiliberal com a clara proposta de substituir o que se considera a “decadência ocidental” por um regime baseado na força de um líder. A Rússia putinista é o regime atual que mais se aproxima dos regimes fascistas do século XX.

Dizer que a invasão da Ucrânia foi uma atitude defensiva de Putin face um suposto expansionismo da Otan é narrativa de professor de história de ensino médio para doutrinar adolescentes com seu ranço antiocidental. A guerra da Rússia é uma guerra expansionista e não vai parar na Ucrânia se a Ucrânia cair. A Ucrânia, portanto, precisa parar a Rússia e o Ocidente precisa apoiá-la na sua justa guerra de defesa.

Lula apoia Putin

O Brasil não tem nada a ver com isso. Não deveria se meter a não ser para fazer o que todo governo decente do mundo está fazendo: declarando apoio explícito à Ucrânia quando não tem poderes para apoiá-la efetivamente. Para infelicidade e vergonha dos brasileiros, porém, Lula insiste em fazer o contrário. 

A Secom nos informa que ele conversou com Putin por telefone, nessa quarta-feira, 18 de setembro. 

Sem força moral para confrontar a ditadura que oprime nossos irmãos na Venezuela, incapaz de exercer uma boa influência na circunscrição territorial em que essa influência é esperada, a América Latina, Lula se arroga arauto da paz mundial, apresentando-se, junto com a China, como mediador para um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia.

Uma importante jornalista brasileira refere-se, na sua coluna, a essa movimentação como se fosse uma iniciativa séria e promissora: “o governo agora trabalha com a China, em silêncio e comedidamente, na busca de algum acordo de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia”, escreve ela, acrescentando as seguintes informações: “na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov conversou com o brasileiro Mauro Vieira em Riad, na Arábia Saudita, e depois com o assessor internacional Celso Amorim, em Moscou. E Amorim já engatou contatos com seu correspondente chinês.”

O que a colunista não cita é o que o próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, já escancarou a desfaçatez de Lula e da sua diplomacia do mal, rejeitando a proposta sino-brasileira como “destrutiva” e acusando-o de fazer “teatro”. 

Em declaração recente para o brasileiro Metrópole, Zelensky denunciou a astúcia do governo brasileiro ao se mancomunar com a Rússia e a China para uma “proposta de paz”:

“É apenas uma declaração política. Eu disse a Lula e ao lado chinês: ´vamos sentar juntos, vamos conversar´. […] Por que você de repente decidiu que deveria ficar do lado da Rússia? ´Ah, nós vamos fazer nossa proposta (de paz)´. Não nos perguntaram nada. E a Rússia aparece e diz que apoia a proposta do Brasil e China. Nós não somos tolos. Para que serve esse teatro?

Ou seja, falaram com a Rússia sobre uma iniciativa, apresentaram essa iniciativa e disseram: ´essa é nossa proposta´. Bem, definitivamente não se trata de justiça, não se trata de valores. É uma falta de respeito com a Ucrânia. Não somos tolos.”

Zelensky não é tolo. Nós também não somos tolos. Estamos vendo, todos os dias, que a diplomacia brasileira sob o governo Lula não tem sido neutra coisa nenhuma. Ela está tomando partido, ela está descambando descaradamente para um lado: o lado de Putin, de Xi Jinping, de Maduro, dos aiatolás do Irã, dos terroristas do Hamas e do Hezbollah. 

Em um momento geopolítico delicadíssimo, Lula está colocando o Brasil ao lado das autocracias antiocidentais. Ele não quer paz; quer subjugar o mundo livre e liderar, ao lado dos déspotas, uma nova ordem ditada pelo Sul global.

O contraditório apoio da esquerda a Putin, um plutocrata fascista

Uma das narrativas mais usadas – e abusadas – pela esquerda é a denúncia do “imperialismo” como culpado por todas as injustiças e horrores do mundo. Todavia, aí mora uma flagrante contradição: desde a edificação na Rússia da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, a política marxista-leninista (bolchevismo), passou a ser, fundamentalmente, de caráter imperialista.

A pregação originária do marxismo é internacionalista: para a completa vitória, a revolução proletária terá de ser realizada sem fronteiras, sem predomínio de qualquer país; reza a doutrina. Todavia, a partir de 1922 a URSS desenvolveu um política expansionista com total predominância e no interesse do poder centralizado pelo Partido Comunista (marxista-leninista) em Moscou.

A fantasia internacionalista, na prática já esfarrapada, teve grande abalo teórico quando Stalin elaborou a nova doutrina do “socialismo em um só país”. A partir de então, o internacionalismo proletário marxista foi reduzido à afirmação chauvinista da primazia da URSS e do seu Partido Comunista, concomitantemente à total subserviência dos Partidos Comunistas de todos os outros países.

O corolário dessa nova práxis doutrinária foi o culto à personalidade de Stalin, o mais arraigado e repugnante exercício de submissão a um tirano de que se tem notícia na história contemporânea.

Pode-se considerar que tudo isso é coisa velha e o stalinismo um regime/doutrina já desmascarado em sua perversidade e, em geral, rejeitado até no âmbito da própria esquerda. Nada obstante, nos dias atuais, uma franja desatinada da esquerda descortina uma nova narrativa pela qual busca reviver o passado de expansionismo soviético projetando suas fantasias no atual ditador da Rússia, o belicoso Vladimir Putin.

Aqui no Brasil, intelectuais marxistas, jornalistas lulopetistas e até partidos políticos declaram sua simpatia por Putin e apoiam atos de expansão imperialista como a invasão da Ucrânia, incidindo em nova contradição, uma vez que Putin não é marxista, não é comunista e não é socialista.

A plutocracia de Putin

Putin é um plutocrata que governa apoiado por uma rede de bilionários enriquecidos por esquemas de corrupção facilitados ou promovidos pelo governo.

A riqueza dos plutocratas amigos de Putin não é escondida, mas pelo contrário ostentada não só na própria Rússia como em vários países do exterior, por cujos mares tais nababos costumam navegar em seus luxuosíssimos iates.

Para sustentar tal poder, o governo Putin – principalmente após o início da guerra de invasão da Ucrânia, – enveredou pela prática de controle social tipicamente fascista, com censura e repressão extremas aliadas a um nacionalismo expansionista.

Já em setembro de 2022, a então relatora da ONU sobre a Rússia, Mariana Katzarova, alertou em relatório que os métodos repressivos russos recrudesciam e se sofisticavam com a edição em série de leis que visavam abafar qualquer crítica ou oposição.

Embora reconhecendo que a repressão de Putin não era comparável à repressão de Stalin, o relatório exortava a comunidade internacional a barrar o tirano enquanto fosse tempo.

Com efeito, não é fácil atingir o horror da repressão stalinista, mas o regime de Putin tem feito esforço.

Rússia e Coréia do Norte: Muito mais que uma limousine

A recente visita do presidente russo Vladimir Putin à Coréia do Norte foi marcada entre outras coisas pelo presente dado por Putin ao ditador norte-coreano, uma limousine de luxo baseada no Aurus Senat, uma alternativa russa aos modelos fabricados pela britânica Rolls Royce.

O automóvel que os socialistas mais dedicados chamariam de símbolo de decadência burguesa chama atenção pelo luxo e pelo elevado preço que acompanha, mas simboliza muito mais que isso.  O poderoso motor tipo V8, com consumo elevado de combustível, nos lembra da ineficácia das sanções econômicas em vigor contra Rússia e Coréia Norte que não impedem o comércio de combustível entre essas nações.

O modelo presenteado por Putin é um veículo com modernas tecnologias embarcadas, no momento essas tecnologias têm sido usadas como forma de pagamento pelas munições e armas que a Coréia de Norte tem fornecido a Rússia. A indústria bélica russa não tem conseguido sustentar o volume de munição sendo usado diariamente na Ucrânia pelas forças russas.

A guerra na Ucrânia se tornou uma oportunidade para o governo da Coréia do Norte conseguir uma parceria mais robusta com a Rússia, que por seu isolamento não pode recusar. Além de servir para a ditadura norte-coreana ter um pouco mais de liberdade de ação e menos controle chinês de suas ambições.

A visita de Putin marcou a assinatura de um acordo de defesa mútua entre os dois países. Os detalhes desse acordo, ainda não são totalmente conhecidos e com certeza é um elemento complicador da política na Ásia, sobretudo, na península coreana. E internamente mostra ao politburo norte-coreano que o Kim Jong Un é um líder capaz de aumentar a segurança e o prestígio do país, solidificando ainda mais sua posição nas opacas disputas de poder internas.

Esse acordo tem como benefício secundário para a Rússia que é dar mais credibilidade às ameaças diante do fornecimento de armas para a Ucrânia, por parte da Coréia do Sul, o que pode minar planos europeus de incluir a tecnologia do país asiático no teatro de operações da Ucrânia.

Para os norte-coreanos o carro é uma demonstração clara que as relações entre Putin e Kim Jong Un são especiais e fortes. E uma demonstração que a Coréia do Norte é agora o parceiro que tem que ser seduzido pelo aliado, revertendo os velhos padrões de relacionamentos estabelecidos desde os tempos soviéticos.

Segundo especialistas no mercado de automóveis de luxo estará em breve disponível para os compradores russos, claro que é preciso ser um dos oligarcas para acessar um veículo como esse os números apontam para apenas 31 desses veículos tendo sido comercializados desde 2022. Os planos de expansão da marca no mercado europeu foram inviabilizados pela guerra na Ucrânia.

Não é difícil de imaginar que no fundo das mentes dos executivos da fabricante de carros que eles preferiam que a tecnologia russa enviada em massa para europa fosse mais pacífica e incluísse seus belos carros de luxo. Não é difícil de imaginar, também que não veja a Coreia do Norte como um mercado capaz de substituir as potenciais vendas na Europa. Não imagino, contudo, esses executivos vocalizando essas frustrações, afinal a sede da Aurus deve ter muitas janelas.

As ilusões do Ocidente sobre a força de Putin na Rússia

O número de russos assassinados no Crocus City Hall, uma das principais casas de show em Moscou, ainda não tinha sido devidamente contabilizado quando Vladimir Putin tentou associar o atentado terrorista ao governo ucraniano. Em pronunciamento, o ditador apontou que os responsáveis pelo ataque foram identificados fugindo para a fronteira com o país vizinho. “Tentaram se esconder e se mudaram para a Ucrânia, onde, de acordo com dados preliminares, uma brecha foi preparada para eles do lado ucraniano que pudessem atravessar a fronteira”, disse sem apresentar qualquer prova.

A reação foi imediata. Em resposta, Volodymyr Zelensky chamou Putin de “desprezível”. “Putin e o resto da escória estão apenas tentando jogar a culpa para alguém’, respondeu. Já o assessor presidencial Mikhailo Podoliak classificou as acusações russas como “absolutamente insustentáveis e absurdas”.

Surpreenderia é se o ataque terrorista não fosse instrumentalizado pelo Kremlin para fins de propaganda interna. Ainda que o regime russo tenha sido desmentido pelas autoridades ucranianas e pela imprensa ocidental, isso não faz qualquer diferença dentro do país, onde a liberdade de expressão é comprimida e os meios de comunicação apenas reverberam as posições oficiais do governo. Pouco importa a autoria, que já foi admitida pelo Estado Islâmico. Para Putin o que importa é usar o episódio pra reforçar seu próprio regime contra aqueles que considera os inimigos do país.

Há quem considere que o atentado possa ter algum efeito negativo na imagem de força que Putin ostenta. Líderes russos, afinal, sempre se validaram e impuseram pela demonstração de força, como fica evidente na conduta da família Romanov e dos próprios dirigentes soviéticos. Um atentado dessa magnitude poderia representar um revés ou até levantar dúvidas razoáveis sobre a capacidade de Putin em garantir a segurança interna. Mas parece um cenário pouco provável, ainda mais considerando fatos ainda mais graves ocorridos recentemente.

Nem mesmo a insurgência de Yevgeny Prigozhin e do Grupo Wagner, talvez a maior contestação aberta ao atual regime russo, foi capaz de mudar algo. No primeiro momento Putin até pareceu vacilante, mas logo um acordo foi feito, e depois Prigozhin morreu no que foi classificado como um “acidente aéreo”, em mais uma da série de “fatalidades” envolvendo críticos, opositores ou inimigos do regime.

Com a máquina de guerra financiada com recursos chineses, a oposição encurralada entre as tropas de choque e as prisões na Sibéria, e a expectativa de ficar no poder por mais tempo até do que Josef Stalin, Putin manipula os acontecimentos para reforçar a validade moral de seus objetivos geopolíticos, principalmente a invasão da Ucrânia e a expansão de seu território.

É ingenuidade do Ocidente conjecturar cenários em que Putin é destituído do poder por uma revolução ou vencido em eleições livres. Quanto antes se admitir que o ditador russo será presença inevitável no cenário internacional de médio e longo prazo, melhor será a forma de coexistência, mesmo que num cenário de permanente guerra fria.

Método Putin

Ao mesmo tempo que a agressão russa contra a Ucrânia completa dois anos, o Kremlin se prepara para mais uma eleição presidencial, aquela que pode entregar mais um mandato presidencial para Vladimir Putin, no comando desde 1999. Ele já ocupa o poder por 25 anos e em breve deve se tornar o líder com mais tempo na condução do país, ultrapassando a marca de Josef Stalin, que esteve no Kremlin de 1922 até 1953.

O ex-diretor da FSB, Serviço Federal de Segurança, assumiu o cargo de Primeiro-Ministro aos 47 anos, em 1999, sendo eleito em sequência para a presidência da Rússia. Reeleito em 2004, ficou no comando do país até 2008, quando voltou a ser Primeiro-Ministro. Retornou para presidência em 2012 e renovou o mandato em 2018. Em 2021 sancionou emendas constitucionais que permitem uma extensão de sua presidência até 2036, quando terá 84 anos. Um verdadeiro czar.

Sob seu comando, a Rússia iniciou aproximação com o ocidente, especialmente com europeus e americanos, trabalhando para transformar a imagem de seu país ao redor do mundo. Apesar de todos saberem dos métodos e práticas usadas para sua manutenção no poder, os canais que tornavam a Rússia parte da estabilidade do cenário exterior sempre foram mais fortes, atraindo inclusive eventos esportivos de altíssima envergadura, como Jogos Olímpicos de inverno, corridas de Fórmula 1, torneios de tênis e uma Copa do Mundo.

Porém, a Rússia possuía várias faces. O regime levava antigos líderes ocidentais para sua área de influência com altos salários nas empresas de oligarcas, ao mesmo tempo que fortalecia sua tutela em antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central. Ainda exercia influência nos conflitos da África e Oriente Médio, como no caso da Síria. Entretanto, nada que colocasse os interesses do Kremlin em colisão direta com o ocidente.

Porém, tudo indica que ali havia um método calculado e a invasão da Ucrânia jogou luz sobre o tabuleiro. O Kremlin acreditava que a reação seria similar aquela ocorrida diante da invasão da Criméia, ou seja, praticamente nula e que a capital ucraniana cairia em pouco tempo. A guerra, entretanto, se arrasta por dois longos anos, sem sinais de término, que além de destruir a Ucrânia, arrasou com a imagem da Rússia no exterior.

Isto fez com que Putin se aproximasse ainda mais da esfera autocrática e totalitária, cortando os vínculos com o ocidente a passando a cerrar fileiras com países como China, Irã, Coreia do Norte e demais nações do seu âmbito de influência, especialmente no BRICS, que se tornou o novo fórum onde orbitam nações que vivem ou flertam com regimes autoritários. Isolado do ocidente, o Kremlin sentiu-se livre para romper com qualquer traço de democracia ou liberdade que ainda restava em seu território.

O resultado será mais uma eleição vencida por ampla maioria. O método é conhecido, ou seja, manter amplo controle dos meios de comunicação, passando pela restrição de protestos, prisões e chegando à perseguição e morte de críticos ao regime, bem como o impedimento de candidaturas oposicionistas. A Rússia, que flertou com a liberdade e a democracia, vem retrocedendo de forma consistente e preocupante. Tudo indica que para ultrapassar o período de Stalin no Kremlin, Vladimir Putin continuará a recrudescer o regime e seguirá se inspirando nos infelizes métodos do seu mais longevo antecessor.

Foto: Ricardo Stuckert

Brasil: diplomacia humanista ou aliança com o mal?

Desde a retumbante vitória de Maria Corina Machado nas eleições primárias da oposição na Venezuela, Maduro recrudesceu ainda mais seu já ditatorial regime com cassação de direitos políticos dos opositores e prisões arbitrárias. No arroubo autoritário mais recente, o ditador mandou prender a ativista de direitos humanos Rocío San Miguel em uma prisão chamada El Helicoide, considerado o maior centro de tortura do chavismo, e expulsou da Venezuela os funcionários do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos por terem criticado a prisão e exigido a libertação da presa política.

Diante do grave ocorrido, os países latino-americanos Argentina, Equador, Paraguai, Uruguai e Costa Rica assinaram nota conjunta expressando “profunda preocupação” pela “detenção arbitrária da ativista de direitos humanos Rocío San Miguel” na Venezuela e exigindo sua libertação imediata. Da mesma forma rechaçaram as medidas de contra o Gabinete de Assessoria Técnica do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Venezuela e exigiram “o pleno respeito pelos direitos humanos, a validade do Estado de direito e a convocação de eleições transparentes, livres, democráticas e competitivas, sem banimentos de qualquer tipo.” O Brasil não assinou o documento.

Na última sexta-feira, 17 de fevereiro, Alexei Navalny, o principal opositor de Vladimir Putin, que estava preso em um antigo gulag, perto do Ártico, passou a integrar — ao lado de Boris Nemtsov, Anna Politkovskaya, Alexander Litvinenko, Evgeni Prigojin e outros — a lista de opositores mortos desde que Putin chegou ao poder.

O presidente americano Joe Biden declarou que Putin é responsável pela morte de Navalny e disse estar “indignado mas não surpreso” com o ocorrido; o presidente francês, Emmanuel Macron escreveu: “na Rússia de hoje, os espíritos livres são colocados no gulag e condenado à morte. Raiva e indignação”; o chanceler alemão Olaf Scholz desabafou: “estou profundamente triste com a morte de Alexei Navalny. Ele defendeu a democracia e a liberdade na Rússia – e aparentemente pagou pela sua coragem com a vida”; a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, decalrou:“Putin teme a dissidência de seu próprio povo mais do que tudo. O mundo perdeu um lutador pela liberdade em Alexei Navalny. Honraremos seu nome e, em seu nome, defenderemos a democracia e nossos valores.”

Inúmeros outros líderes e estadistas expressaram imediata solidariedade à família de Navalny e indignação pelo ocorrido. O Brasil não se manifestou. 

Nesse domingo, 18, dois dias após o ocorrido, ao ser questionado sobre o motivo de não ter se manifestado sobre a morte do principal opositor do autocrata russo Vladimir Putin, Lula afirmou que a causa da morte é desconhecida e que não lhe cabe fazer acusações.

Lula não é humanista

Lula não assinou a carta em repúdio às prisões arbitrárias na Venezuela, não comentou o assassinato do opositor de Putin, mas prometeu apoio moral e financeiro a ditaduras na África e assegurou dinheiro para os que querem destruir Israel.

No momento mesmo em que os mais importantes países ocidentais suspenderam o financiamento da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), após terem provas cabais de que as escolas mantidas por essa organização doutrinavam crianças e jovens para odiarem judeus e praticarem a jihad e que vários de seus funcionários estavam envolvidos direta e indiretamente com o terrorismo islâmico, Lula achou por bem agir de modo contrário.

Em 15 de fevereiro, durante seu discurso na sessão extraordinária da Liga dos Estados Árabes, no Cairo, Egito, o presidente Lula informou que o Brasil fará novos aportes de recursos para a UNRWA e estimulou todos os países a manterem e reforçarem suas contribuições.

No sábado, 17 de fevereiro, durante reunião da 37ª Cúpula da União Africana, na Etiópia, Lula fez um discurso no qual tratou da guerra no Oriente Médio e abusou de sofismas, retorcendo os fatos e o valor das coisas até o ponto de dar a entender que ser humanista hoje é ser contra Israel.

Lula não deixou de mencionar a importância dos BRICS, esse estranho conglomerado dos países menos democráticos do mundo, que ele considera um contraponto adequado ao que chamou de “mazelas da globalização neoliberal.

No mesmo discurso, o presidente Lula criticou a paralisia da ONU em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia que, segundo ele, não terá solução militar, mas diplomática.

Aqui, é preciso lembrar que Lula, o pacificista, disse, em abril de 2023, que para acabar com a guerra, a Ucrânia deveria devolver a Crimeia, território ucraniano anexado pela Rússia. Além disso, Lula também já culpou a Ucrânia por ter sido invadida, condenou a ajuda dada pelos Estados Unidos e pela Europa ao país invadido, recusou-se a encontrar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e, por meio de sua Assessoria Especial, na figura de Celso Amorim, ofereceu tapete vermelho para a vinda de Putin ao Brasil em 2024, por ocasião do encontro do G20, que será realizado no Rio de Janeiro.

Por mais que se esmere em se vender como tal, Lula não é um humanista. Ele é apenas um político no sentido mais chão e menos nobre que se possa dar a essa palavra. O humanismo enquanto movimento filosófico é o contrário do que conhecemos como política no sentido lato porque ele conforma as coisas não à ideologia, mas ao paradigma humano na sua excelência, guiando-se por princípios norteadores de conduta e não por pragmatismos e conveniências.

Islã e Putin: uma ameaça global 

O escrutínio das questões atuais pressupõe primeiramente uma separação entre a realidade e o discurso. Por mais que se queira fantasiar em torno da realidade, a realidade se impõe e é com ela que devemos lidar. A realidade do momento atual é um mundo em ebulição onde países em vias de uma guerra de extermínio recorrem à retórica para justificar seus atos. Cabe a nós julgarmos não os discursos isolados dos fatos, mas os fatos por trás dos discursos.

Se o perigo da guerra fosse apenas a escalada da violência em um conflito local, talvez pudéssemos aceitar o distanciamento indiferente em torno das questões pungentes que os países em guerra enfrentam, mas o fato é que não há território neutro diante do potencial expansionista de quem já decidiu se enredar em uma guerra de conquista.

E esse é o caso tanto do tirano russo, Vladimir Putin, que intenta reinventar o império russo, quanto do movimento fundamentalista islâmico, que intenta impor a sua visão de mundo teocrática a todos os países que conseguir subjugar. Estamos diante de dois extremos: um império que quer se expandir e uma religião tribal que quer subjugar. Trata-se, portanto, de uma ofensiva global e não local.

Não se pode resumir a guerra no Oriente Médio como algo circunscrito à questão palestina. Uma vez que a expansão islâmica é o objetivo, não há razões para crermos que não haverá um entendimento entre todos os países islâmicos para a obtenção do triunfo final. A vitória deles, dos fundamentalistas, implicaria o extermínio de Israel e a derrota do Ocidente e daquilo que o Ocidente significa.

Da mesma forma, não se pode resumir o jogo macabro de Putin a uma aventura limitada à Ucrânia. Uma vez que a expansão da “Mãe Rússia” é o objetivo, não há razão para crermos que os países com uma história passível de ser manipulada pela retórica que evoca um passado glorioso haverão de ser poupados da anexação. Isso implicaria a reorganização da Europa e a derrota do Ocidente e daquilo que o Ocidente significa.

Mas o que, afinal, significa o Ocidente? Será só uma localização geográfica? Ou significa o legado específico de uma tradição? A segunda resposta é a verdadeira. O Ocidente significa a lenta e sofrida consolidação do humanismo perpassado pelo amor cristão, do ideal de fraternidade e justiça que respeita e exalta a dignidade e a liberdade do homem.

Não significa que esses valores estejam limitados ao Ocidente, mas que eles se consolidaram em instituições tradicionalmente ocidentais. O sistema político-jurídico no qual o ser humano tem a sua individualidade respeitada, preservada, protegida é aquele que se costuma traduzir por democracia ou Estado de direito.

Não vamos aqui fazer concessões aos demagogos, que usam o termo democracia distorcendo-o em seus fundamentos, pois sabemos que o esteio da democracia é o respeito aos direitos individuais e o império da lei. Sem isso, sem a certeza de que somos respeitados na nossa dignidade própria e que nem o Estado nem outro indivíduo pode se impor pela força sobre nós, não se pode falar em democracia.

Voltemos então à situação das guerras em curso e da postura dos que se arrogam democratas e humanistas. Será compatível com a visão de mundo democrática apoiar a ala mais radical do mundo islâmico, que se move por ódio, que perpetua o ódio e que prega o ódio em nome da fé? Será compatível com uma postura humanista apoiar um tirano que mata opositores, invade países vizinhos, sequestra crianças e ameaça o mundo com a apavorante expectativa de um ataque nuclear?

Pois bem, em torno de Putin e do fundamentalismo islâmico estão sendo feitas alianças. De um lado temos a República Islâmica (Irã), o Hamas, o Hezbollah, os Houthis, a Turquia, os demais países árabes ditatoriais e os numerosos grupos terroristas islâmicos de denominações menos conhecidas. Flertando com eles contra o inimigo comum temos a própria Rússia, a Coreia do Norte, a China, além de países de menor expressão como os arremedos de ditaduras socialistas da América Latina.

Do outro lado temos as democracias liberais, as tais potências ocidentais, com as qualidades e defeitos que já conhecemos. É o chamado “mundo livre”, a sociedade aberta. Um grupo de países nos quais as conquistas civilizacionais tendem a não mais retroceder; um grupo de países que já aprendeu com duas guerras mundiais insanas e que tenta, por todos os meios, evitar uma terceira. Um grupo de países que está longe da justiça perfeita, mas bem mais próximo da justiça factível do que os países cujo povo é subjugado por ditadores ou aiatolás fanáticos e inconsequentes.

Esse é o cenário global. O mundo se bifurca em duas tendências: uma tendência autocrática e uma tendência democrática. O Brasil tem, nesse momento, um presidente que se diz democrata mas acena positivamente para os regimes autocráticos.

Não é essa a nossa tradição diplomática. Não somos obrigados a engolir essa postura equivocada sem criticar.

O que importa, dizíamos, não é o discurso, mas a realidade que por trás dele se esconde. E a realidade é que, nesse delicado momento que o mundo vive, o presidente Lula está aproximando o Brasil do eixo do mal.