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Foto: Bruno Peres / Agência Brasil.

Não haverá nenhum golpe de Estado no Brasil

Atenção! Uma farsa está em curso. Querem transformar uma tentativa de golpe de 2022 em uma espécie de ameaça presente. Que os culpados sejam punidos. Mas não podemos polarizar ainda mais a sociedade insinuando que há ameaça atual de golpe de Estado no Brasil quando não há.

A manipulação das notícias sobre o atentado meia-bomba do suicida Tiü França em Brasília e as tentativas de dizer que as articulações de um golpe militar tramado durante o governo Bolsonaro continuam ocorrendo, são tão grosseiras, as versões divulgadas por uma mídia chapa branca tão combinadas e as interpretações de seus analistas tão enviesadas, que só alguém muito idiotizado ou polarizado não percebe uma clara intenção de instrumentalização política do ocorrido.

Não há nenhum risco de golpe no Brasil atual. Nenhuma ameaça crível de abolição do nosso Estado democrático de direito. Atos tresloucados de fanáticos, frustrados com as promessas vãs e as tentativas mal-sucedidas de golpes passados, não são mais uma ameaça real ao regime democrático. A maioria da população, a maioria dos parlamentos e governos e das demais instituições, do Estado e da sociedade, em todos os níveis, não querem isso. Por exemplo, os partidos de centro (como o PSD e o MDB) que venceram as eleições de 2024 – navegando por fora da polarização – não querem isso. Nem o chamado “centrão” quer isso, pois acabaria com seu ganha-pão.

O que pode haver é uma derrota eleitoral do atual governo, como vimos em 2024 e poderemos ver novamente em 2026. Mas isso faz parte da democracia. Tirar o PT dos governos e derrotá-lo nos parlamentos, por meios legais e eleitorais, não é golpe.

Claro que os que, no passado, tentaram dar um golpe de Estado, devem ser processados pela justiça, observado o devido processo legal – o que, infelizmente, parece não estar ocorrendo. Transplantar para o presente uma ameaça passada parece ter o objetivo de justificar procedimentos judiciais de exceção, como decretar sigilo e adotar medidas de força. Além disso, um ministro da suprema corte que teria sido vítima de uma articulação passada não pode ser juiz do caso, sobretudo se não há ninguém com foro privilegiado envolvido.

O que não se pode é criar um clima de resistência com base na hipótese de que há um golpe em curso. Houve, embora muito desarticulada. Não há mais. Os que deveriam resistir naquela época, não o fizeram. Não aderiram nem a um movimento pelo impeachment de Bolsonaro, preferindo correr o risco de mantê-lo para derrotá-lo mais facilmente nas urnas – o que conseguiram, mas com altíssimo risco, por apenas 1,8% de vantagem. Sem a ajuda dos eleitores situados no centro do espectro político, fora da polarização, não teriam conseguido.

Repetindo. Não haverá nenhum golpe de Estado no Brasil, vindo da direita ou da esquerda. O que haverá é um investimento continuado na polarização e um desgaste crescente até 2026. O governo Lula e o PT sabem que é grande o risco de uma derrota eleitoral nas próximas eleições. Então têm que manter viva a “defesa da democracia” contra os golpistas que “ainda estão aí” – e que vêm a ser todos aqueles que não votarão em Lula ou em quem ele mandar. Eles não hesitarão em continuar usando os veículos profissionais de comunicação como assessoria de imprensa e tentarão aprovar uma regulamentação das mídias sociais que corte o oxigênio de quem discorde. Isso poderá acelerar o processo de autocratização do nosso regime democrático, mas não será um golpe em termos clássicos.

Desgraçadamente, porém, estaremos cada vez mais longe de ser uma democracia liberal ou plena.

A Vez da Argentina

A eleição de Javier Milei representa um movimento importante da sociedade argentina que resolveu romper com a política tradicional e apostar em algo novo. A tentativa da população representa em síntese uma novidade, porém o agente da mudança é tão importante quanto o movimento, pois indica se estamos diante de uma mudança real ou de apenas mais um aventureiro que conseguiu angariar votos para ser eleito.

Estamos diante de uma onda que já varreu muitos países ao redor do globo. Uma realidade que se estabelece basicamente pelo desgaste da política tradicional e sua incapacidade de prover soluções reais para as demandas da população. O Brasil viveu este ciclo potencializado pelos casos de corrupção expostos pela Lava Jato e a Argentina pela inflação galopante que serviu para despachar mais uma vez o peronismo do poder.

Porém, como disse acima, tudo depende do tipo de líder levado ao poder pela onda antissistema. Os americanos levaram Trump, os salvadorenhos entregaram o poder a Bukele, os britânicos optaram pelo Brexit e os colombianos levaram de forma inédita a esquerda para o poder. Os resultados de cada um deles depende do seu estilo e também dos resultados alcançados no exercício do poder.

Milei é um candidato libertário. Está muito além da leitura rasa de que estamos diante de um candidato (agora Presidente eleito) de extrema-direita. As semelhanças com seu paralelo brasileiro, Bolsonaro, param por aqui. Enquanto Bolsonaro era um deputado corporativista e patrimonialista que jamais teve protagonismo em quase três décadas de presença no parlamento, Milei representa realmente a figura do outsider. Enquanto Bolsonaro passou por oito partidos e não hesitou em se aliar ao centrão e aos conchavos para permanecer no Planalto, Milei fundou sua agremiação e nada indica que vá se aliar a banda podre da política para permanecer no poder.

O Presidente eleito argentino também possui uma forte agenda libertária nos costumes, diametralmente oposta ao conservadorismo social profetizado pelo bolsonarismo. Na economia possui crença fortemente liberal, ao contrário do liberalismo de aparências dos anos Bolsonaro, que vacilou em realizar reformas e especialmente em privatizar. Por fim, parece disposto realmente a enfrentar o perigoso apetite chinês em seu país, iniciativa que ficou apenas no discurso de Bolsonaro e jamais se tornou prática real.

Estas diferenças mostram que estamos diante de um líder de características distintas daquele que a política brasileira produziu e os resultados podem ser diametralmente opostos, com Milei colhendo êxitos e resultados positivos. Porém, o argentino possui diante de si um desafio que nenhum Presidente pós-democracia conseguiu vencer em terras argentinas: resistir ao caldeirão de pressão do peronismo entranhado em todos os setores organizados da sociedade. Fato é que a inabilidade da política tradicional em trazer resultado levou a vitória do antissistema. A onda que varreu o mundo chegou até Buenos Aires. Resta saber se o agente da mudança irá se consolidar ou apenas será parte de mais um capítulo da instabilidade presidencial que se estabelece na Casa Rosada sempre que o país flerta com a mudança.