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Trump em guerra

Há uma guerra instalada no mundo. É a segunda grande guerra fria movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais. 

O eixo autocrático é composto por autocracias (fechadas e eleitorais) e regimes eleitorais parasitados por governos populistas. De qualquer modo, o eixo autocrático usa o populismo como sua principal arma.

Mas não há apenas um tipo de autocracia (fechada ou eleitoral) no eixo autocrático e sim dois tipos: as autocracias ditas de direita ou de extrema-direita e as autocracias ditas de esquerda (ou socialistas). 

E não há apenas um tipo de populismo e sim dois tipos: o nacional-populismo ou populismo-autoritário (dito de direita ou extrema-direita) e o neopopulismo (dito de esquerda). 

Então, tudo isso significa que há duas alas em disputa no eixo autocrático. A ALA A versus a ALA B. Vejamos.

ALA A

(Apenas alguns exemplos. A classificação de regimes é a do V-Dem 2025)

AUTOCRACIAS E REGIMES ELEITORAIS NÃO-AUTORITÁRIOS PARASITADOS POR GOVERNOS POPULISTAS DITOS DE DIREITA (OU EXTREMA-DIREITA)

Hungria = Autocracia eleitoral: Orbán no governo

Turquia = Autocracia eleitoral: Erdogan no governo

El Salvador = Autocracia eleitoral: Bukele no governo

Índia = Autocracia eleitoral: Modi no governo – Posição ainda incerta

Itália = Democracia liberal: Meloni no governo – Posição ainda incerta

EUA = Democracia liberal: Trump no governo

Eslováquia = Democracia eleitoral: Fico no governo

Argentina = Democracia eleitoral: Milei no governo – Posição ainda incerta

Israel = Democracia eleitoral: Netanyahu no governo

FORÇAS NACIONAL-POPULISTAS DITAS DE DIREITA (OU EXTREMA-DIREITA) FORA DO GOVERNO

França = Democracia liberal: Le Pen fora do governo

Alemanha = Democracia liberal: Weidel fora do governo

Reino Unido = Democracia liberal: Farage fora do governo

Holanda = Democracia liberal: Wilders fora do governo

Espanha = Democracia liberal: Abascal fora do governo

Portugal = Democracia eleitoral: Ventura fora do governo

Finlândia = Democracia liberal: Purra fora do governo

Brasil = Democracia eleitoral: Bolsonaro fora do governo

ALA B

(Apenas alguns exemplos. A classificação de regimes é a do V-Dem 2025 – com exceção da África do Sul)

AUTOCRACIAS (FECHADAS E ELEITORAIS) DITAS DE ESQUERDA (OU SOCIALISTAS)

China = Autocracia fechada: Xi Jinping no governo

Coreia do Norte = Autocracia fechada: Kim no governo

Laos = Autocracia fechada: Bouphavanh no governo

Vietnam = Autocracia fechada: Chính no governo

Angola = Autocracia eleitoral: Lourenço no governo

Cuba = Autocracia fechada: Diáz-Canel no governo

Venezuela = Autocracia eleitoral: Maduro no governo

Nicarágua = Autocracia eleitoral: Ortega no governo

REGIMES AUTORITÁRIOS APOIADOS PELA ESQUERDA (E ÀS VEZES PELA DIREITA)

Irã e seus braços terroristas = Autocracia eleitoral: Khamenei (e IRGC) no governo – apoiados pela esquerda

Rússia = Autocracia eleitoral: Putin no governo – apoiado pela esquerda e, às vezes, pela direita ou extrema-direita

Bielorrússia = Autocracia eleitoral: Lukashenko no governo – apoiado pela esquerda e, às vezes, pela direita ou extrema-direita

Iêmen, EAU, Egito e outras ditaduras islâmicas – apoiadas pela esquerda

Cazaquistão, Uzbequistão e outras ditaduras asiáticas sob controle da Rússia ou da China

Congo DR, Nigéria, Uganda e outras ditaduras africanas sob controle da Rússia ou da China

REGIMES NÃO-AUTORITÁRIOS E NÃO-LIBERAIS DITOS DE ESQUERDA (E ALINHADOS AO EIXO AUTOCRÁTICO) 

México = Democracia eleitoral: Claudia no governo

Honduras = Democracia eleitoral: Xiomara no governo

Colômbia = Democracia eleitoral: Petro no governo

Bolívia = Democracia eleitoral: Arce no governo

Brasil = Democracia eleitoral: Lula no governo

África do Sul = Democracia eleitoral: Ramaphosa no governo

Indonésia = Autocracia eleitoral: Subianto no governo – é a única exceção de regime autoritário neste conjunto

BRICS, UM BOM EXEMPLO

O BRICS (ou Sul Global) é uma articulação política disfarçada de bloco econômico sob influência predominante da ALA B.

Dos 11 membros permanentes (plenos) do BRICS, 9 (82%) são ditaduras que se alinham:

Brasil – Democracia eleitoral (não-liberal) | ALA B

Rússia – Autocracia eleitoral | ALA B

Índia – Autocracia eleitoral | ALA A (mas a posição ainda é incerta)

China – Autocracia fechada | ALA B

África do Sul – Democracia eleitoral (não-liberal) | ALA B

Egito (aderiu em 2024) – Autocracia eleitoral | ALA B (vulnerável à ALA A)

Etiópia (aderiu em 2024) – Autocracia eleitoral | ALA B

Irã (aderiu em 2024) – Autocracia eleitoral | ALA B 

Emirados Árabes Unidos (aderiu em 2024) – Autocracia fechada | ALA B (vulnerável à ALA A)

Indonésia (aderiu em janeiro de 2025) – Autocracia eleitoral | ALA B

Arábia Saudita – Autocracia fechada – Ainda não decidiu se permanece no grupo | ALA A

Dos 10 países parceiros do BRICS, 8 (80%) são ditaduras que se alinham:

Bielorrússia – Autocracia eleitoral | ALA B

Bolívia – Democracia eleitoral (não-liberal) | ALA B

Cazaquistão – Autocracia eleitoral | ALA B

Cuba – Autocracia fechada | ALA B

Malásia – Democracia eleitoral (não-liberal) | ALA B

Nigéria (confirmada como parceira em 17 de janeiro de 2025) – Autocracia eleitoral | ALA B

Tailândia – Autocracia eleitoral | ALA B

Uganda – Autocracia eleitoral | ALA B

Uzbequistão – Autocracia fechada | ALA B

Vietnã (o último confirmado) – Autocracia fechada | ALA B

Ou seja, o BRICS está claramente no campo da esquerda (ou sob influência predominante da esquerda) – ALA B. Por isso virou alvo da guerra de Trump.

A GUERRA DE TRUMP

Trump – sob influência MAGA ou realizando seu propósito – quer ser o líder global de um eixo autocrático populista de extrema-direita – a ALA A. Mas a parte mais ativa (e poderosa) do eixo autocrático realmente existente, no comando de governos, é de esquerda ou mais próxima da esquerda, ou apoiada pela esquerda (considerando que, politicamente, a Rússia, a Bielorrússia e o Irã, que do ponto de vista interno poderiam ser considerados de direita, do ponto de vista externo estão alinhados à esquerda) – a ALA B.

Numa conjuntura de guerra contra a ala esquerda do eixo autocrático (sobretudo a China), qualquer um na posição de Trump – ou seja, nacional-populista, autoritário, iliberal e antidemocrático, de extrema-direita – tomaria atitudes ainda mais duras contra Cuba, Venezuela, Nicarágua, México, Honduras, Colômbia, Bolívia, Brasil, África do Sul etc. pelo fato de esses regimes de esquerda ou pertencerem ao eixo autocrático (caso dos três primeiros) ou estarem se alinhando a esse eixo (caso dos seis últimos). Tudo, porém, na ALA B. 

O Brasil, em especial, foi escolhido por Trump por alguns motivos. O primeiro deles é o processo contra Bolsonaro, com o qual se identifica; e contra os bolsonaristas, que são aliados do MAGA. 

O segundo é a perseguição movida por Alexandre de Moraes (e seus colegas do STF) às plataformas americanas de mídias sociais (em especial as medidas censórias contra o X, mas não só) que se alinharam à ALA A. O governo americano sabe que os poderes no Brasil são formalmente independentes, mas não acredita nisso diante da evidência de o STF estar atuando em conluio com o governo. Aliás, Trump não acredita nessa independência do judiciário nem nos Estados Unidos. 

O terceiro motivo é a saliência de Lula em aparecer no BRICS como campeão da luta contra o imperialismo norte-americano, para se cacifar como o grande líder emergente do Sul Global. Lula, de certo modo, “cavou a falta” para aumentar sua popularidade cadente na base da patriotada fácil e da exploração populista do nacionalismo contra o grande satã. 

O fator mais decisivo, porém, foi o alinhamento do governo Lula à ALA B do eixo autocrático. Setores da Casa Branca avaliam que o Brasil, se já não é, pode se converter em braço da China (e da ALA B) nas Américas. Então é guerra.

Mas Trump não deseja a guerra quente (uma terceira guerra mundial nos moldes da primeira e da segunda). A sua guerra é uma guerra fria, baseada na ameaça e na imposição de sanções. Ele quer um eterno ‘estado de guerra’, de preferência sem derramamento de sangue.

Às vezes parece que Trump gostaria de um mundo que evocasse o 1984 de George Orwell. Três grandes potências autocráticas – Oceânia (EUA), Eurásia (Rússia) e Lestásia (China) – regulariam adversarialmente todo o globo (em guerras regionais quentes e em guerras que não seriam consumadas como conflitos violentos, algumas até de mentirinha – como pretexto para autocratizar internamente o próprio regime americano, pois os outros dois já são autocracias). Um mundo em que não haverá mais instituições multilaterais reguladoras, pois a força faz a lei. Esse mundo, entretanto, não é possível – mas o pretexto é possível. No final do dia, Trump espera não propriamente ser imperador do mundo (como disse Lula) e sim imperador de um novo – e tenebroso – Estados Unidos da América Autocrática. É claro que, se os EUA se transformarem em uma autocracia intervencionista (mesmo que apenas em termos de sanções econômicas e disposições restritivas geopolíticas sustentadas por poderio militar), todas as democracias liberais estarão ameaçadas de morte pela ALA A. Assim como também estarão se houver o predomínio da ALA B.

Por isso não pode analisar a questão como um FLA X FLU. Interessa igualmente à ALA A e à ALA B instaurar um clima de guerra (causando internamente polarização e divisão nas sociedades nacionais). É isso que destrói a democracia e não a vitória de um lado ou do seu oposto. Do ponto de vista das democracias liberais ambos são ameaças, porque ambos – cada qual a seu modo – são iliberais. Por isso Putin financia tanto Le Pen (da ALA A) quanto, por baixo do pano, incentiva Melénchon (da ALA B). E Trump, ao mesmo tempo em que apoia Putin, o ameaça com sanções. E sanciona a Índia (que pende mais para a ALA A) com tarifas semelhantes às aplicadas aos países cujos regimes estão alinhados à ALA B. A guerra fria permanente é a chave.

Ou é guerra ou não é guerra. Guerra fria é guerra. Se é guerra, de qualquer modo, a autocracia (seja dita de direita ou de esquerda) está vencendo; quer dizer, a democracia está perdendo. A guerra – não quem a promove – é a autocracia.

Trump2 quer uma ‘Guerra nas Estrelas’ para chamar de sua

Em 1983, nos estertores da Guerra Fria, quando o presidente Ronald Reagan lançou a Iniciativa de Defesa Estratégica (logo popularizada pela imprensa como “Guerra nas Estrelas”), o estágio de desenvolvimento da tecnologia armamentista da época  ainda estava aquém da aspiração do estadista que passou para a História como o “Grande Comunicador”. Além disso, os custos estimados ultrapassavam as disponibilidades orçamentárias. Hoje, porém, no contexto do recrudescimento da rivalidade entre as grandes potências, Donald Trump retoma essa proposta e promete instalar até o fim do seu mandato uma rede de interceptação de ataques nucleares inimigos, com satélites baseados no espaço e estações terrestres, capaz de proteger o território dos Estados Unidos de mísseis chineses, russos e norte-coreanos.

A tecnologia balística hipersônica que os adversários da América estão desenvolvendo torna as atuais defesas, baseadas no Alasca e na Califórnia e que visam prevenir ataques oriundos da Coreia do Norte, claramente insuficientes. Os Estados Unidos tampouco dispõem de defesa suficientemente eficaz contra drones e mísseis de cruzeiro, que voam a baixas altitudes fora do alcance dos radares.

Para superar essas limitações, Trump assinou, logo no início desse seu segundo mandato, em 27 de janeiro último, uma ordem executiva orientando o establishment de defesa para, entre outras providências, a construção de um ‘escudo’, que, numa referência ao  sistema israelense do “Domo de Ferro”, já é conhecido como “Domo de Ouro” (ou “Domo Dourado”). Custo anunciado: 175 bilhões de dólares.

Recentemente, Ucrânia e Israel provaram, na prática, sua capacidade de neutralizar ofensivas balísticas da Rússia e do Irã, respectivamente.

Breve retrospectiva — Na segunda metade do século passado, os sistemas de defesa antimísseis davam seus primeiros passos, mas já atemorizavam os líderes das duas superpotências de então, Estados Unidos e União Soviética, com a perspectiva de uma descontrolada corrida armamentista em busca de mísseis mais modernos e potentes a fim de neutralizar aqueles sistemas. No início da década de 1970, essa preocupação recíproca possibilitou a assinatura dos acordos Salt (Strategic Arms Limitation Talks) e ABM (Anti-Ballistic Missiles). Em 1991, esse compromisso foi renovado pelos presidentes Mikhail Gorbachev e George H. W. Bush, com a assinatura do Start (Strategic Arms Reduction Treaty). Este tem prazo de validade até o próximo ano.

De lá para cá, a República Popular da China aumentou seu arsenal nuclear em ritmo acelerado. Segundo estimativas do Pentágono, até 2035, Pequim disporá de 1.500 ogivas nucleares, em comparação com apenas 200 há cinco anos. A Rússia, que tinha 30 mil ogivas nucleares durante a Guerra Fria, deve hoje possuir cerca de 6 mil.

O anúncio do Domo Dourado provocou duras respostas dos adversários da América: russos, chineses e norte-coreanos temem a desestabilização do atual paradigma estratégico, baseado na deterrência (dissuasão) e consagrado na sigla MAD-Destruição Mútua Assegurada, o equilíbrio do terror.

Armas hipersônicas — Chineses e russos estão na dianteira do desenvolvimento de vetores balísticos, capazes de voar a uma velocidade bem superior a cinco vezes a velocidade do som e que podem desviar-se de obstáculos até atingirem seus alvos. Em 2021, a China testou um desses novos mísseis, o qual voou a mais de 15 mil milhas por hora e orbitou em volta do planeta antes de explodir seu alvo em território chinês. Em 2018, o presidente Vladimir Putin já havia revelado ao mundo o programa russo de armas hipersônicas, proclamando orgulhoso que os Estados Unidos não teriam possibilidade de proteger sua costa Oeste desse tipo de ataque. Os hipersônicos da Rússia viam a uma velocidade relativamente mais baixa quando são lançados, e isso facilita a sua interceptação. Já no caso dos ICBMs (mísseis balísticos intercontinentais), a dificuldade para interceptá-los é maior porque seus propulsores o elevam rapidamente à estratosfera. Isso significa que, para detê-los, os Estados Unidos teriam que colocar em órbita satélites cobrindo cada um dos 11 fusos horários porque se estende o vasto território russo.

Quanto à Coreia do Norte, a inteligência militar norte-americana já descobriu que o regime de Pyongyang já possui mísseis de alcance suficiente para atingir o território dos Estados Unidos. O ditador da hora, Kim Jong Un, quer construir vetores que voem cada vez mais longe, carreguem ogivas cada vez maiores e possam ser lançados cada vez mais rapidamente. Em fase ainda experimental estão os drones submarinos portadores de cargas nucleares.

Os Estados Unidos, além das já mencionadas estações no Alasca e na Califórnia, operacionais desde o início deste século, já realizaram testes de interceptação através do sistema Aegis (escudo, em grego) contra mísseis intercontinentais. O sistema também foi usado pelos destroieres da Marinha norte-americana contra mísseis do Irã lançados sobre o território de Israel no ano passado. Versões terrestres do Aegis estão instaladas nos territórios de dois membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan): Romênia e Polônia. De alcance mais curto, mísseis da classe “Patriot” e o sistema Thaad-“Territorial High Altitude Area Defense se acham instalados na Coreia do Sul e em Guam.

Custos — Parcialmente graças às inovações introduzidas pela firma SpaceX, de Elon Musk, os custos de lançamento dos satélites interceptadores caíram hoje dramaticamente (de 30% a 40% em comparação com estimativas de 2004 e 2012, para o desenvolvimento de uma constelação de armas espaciais em condições de derrubar um ou dois ICBMs). De acordo com a American Physical Society, a derrubada de 10 ICBMs necessitaria de 36 mil unidades de interceptação, número que deveria ser multiplicado de várias vezes no cenário de um ataque maciço chinês ou russo. A modernização integral das forças nucleares ofensivas norte-americanas, até 2035, não ficará por menos de 946 bilhões de dólares.

Essa é mais uma razão pela qual, a par das complicações tecnológicas, os experts não acreditam que o “Domo Dourado” possa estar pronto para ser instalado em menos de três anos, como promete Donald Trump. Um os observadores mais pessimistas é Pavel Podvig, pesquisador-sênior do Instituto das Nações Unidas para Pesquisas sobre Desarmamento. Ouvido pelo Wall Street Journal, ele considera que qualquer sistema de defesa antimísseis ofereceria proteção contra, no máximo, 85% dos foguetes lançados pelos inimigos da América, o que, na sua opinião, fomentaria um falso (e perigoso) sentimento de segurança.

Imagem gerada por inteligência artificial.

Perigos da Sinodependência

Ao longo dos anos, a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil. A balança entre os dois países, entretanto, começou a emitir sinais de alerta, especialmente pela acentuada queda em nossas exportações e salto nas importações no último ano. Em 2024, a China representou 28,6% das nossas exportações, uma redução de 9,5% comparada a 2023, ao mesmo tempo que as importações aumentaram 19,6%.

Já alertei em diversos artigos sobre os riscos de depositarmos somente em um parceiro comercial um elevado percentual de nossas trocas internacionais, o que classifico no atual cenário, focado na China, como um claro sintoma de sinodependência. Neste contexto, nosso comércio internacional, pouco diversificado, torna o Brasil vulnerável a qualquer tipo de externalidade que possa ferir nossa economia. 

No quesito importações, é fundamental entender que tipo de produtos o Brasil vem trazendo da China. Se em um primeiro momento estávamos falando de bens duráveis e equipamentos de telecomunicações, algo mudou neste cenário. Aquilo que vimos em 2024 evidencia esta realidade, uma vez que o aumento de entradas da China veio acompanhado da importação de produtos de baixo custo no mercado brasileiro, um movimento que claramente prejudica nosso desenvolvimento industrial.

Ao contrário do Brasil, a China cerca sua economia de cuidados, diversificando parceiros, sem criar dependência de qualquer nação, algo que protege Pequim de solavancos e crises. Nenhum país possui uma fatia maior do que 9% nas importações chinesas. No Brasil, a dinâmica é a oposta, uma vez que 24,5% de tudo que importamos vem diretamente do país oriental. 

Os números de nossas trocas com Pequim precisam ser avaliados com cautela, com o objetivo de evitar um aprofundamento deste cenário onde nossas exportações caem drasticamente, na mesma medida que as importações de produtos de baixo custo e condições de produção suspeitas disparam em nosso país. Este é um modelo que já foi experimentado e rejeitado por outras nações, especialmente por ser extremamente predatório para a economia nacional. 

Vale lembrar que o avanço da relação com Pequim cobra também seus dividendos políticos. Apesar da Nova Rota da Seda não passar pelo Brasil, no último ano, ambos os países assinaram 37 acordos que podem asfaltar este processo, um caminho já abandonado por outras nações como a Itália, que assim como o Panamá, retirou-se da iniciativa por perceber que além de lucros com a infraestrutura, a conta chega com uma boa dose de submissão política. 

Atualmente 65% de nossas exportações concentram-se em apenas cinco parceiros comerciais sob a liderança inconteste de Pequim. O Brasil precisa encontrar soluções que visem evitar os riscos de uma sinodependência que fornece sinais de alerta. Precisamos evitar os exemplos de Coreia do Sul e Itália, que, ao intensificarem suas interações com a China, sofreram sérios déficits comerciais. É extremamente necessário encontrar alternativas para estarmos inseridos nas cadeias globais de comércio de forma sadia e independente, longe de qualquer dependência. 

Foto: Anton Vaganov/Reuters.

Aliança Washington-Moscou

A atual iniciativa de aproximação dos Estados Unidos com a Rússia,  adversário tradicional, não é um padrão   novo na diplomacia norte-americana. Ações diplomáticas surpreendentes e bruscas já ocorreram anteriormente. Devemos recordar que no pós-segunda guerra mundial houve a reversão das alianças, quando os inimigos, a Alemanha, a Itália e o Japão, países derrotados no conflito mundial, passaram a ser considerados pela diplomacia americana como aliados, receberam apoio para reconstrução e se transformaram em baluartes da nova ordem mundial, liderada pelos EUA.

Essa  nova organização estratégica internacional foi, no entanto, confrontada pela União Soviética e tivemos o período da Guerra Fria, no qual o mundo se dividiu em dois blocos antagônicos. A Guerra Fria caracterizou-se pela confrontação entre os blocos liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, que disputavam a primazia nos campos ideológico, econômico, tecnológico e geopolítico. Tratava-se de um ”zero sum game ” em que ao ganho de um jogador correspondia direta e simetricamente a perda do outro, mas não havia confrontação militar direta entre os líderes dos dois blocos, os Estados Unidos e a então União Soviética, mas sim por meio de interpostos países.

No entanto, mesmo nesse cenário internacional rígido, o governo americano assumiu em 1972 o risco diplomático de uma aproximação com a China, então parte do bloco sovietico, na forma de uma viagem do Presidente dos Estados Unidos a Pequim, articulada secretamente por Henry Kissinger.

Essa viagem, que procurava causar uma fissura no quase monolítico bloco sovietico da época da Guerra Fria, mostra que há importantes precedentes nas atitudes aparentemente superficiais do atual governo dos EUA. A existência de terras raras e outros minerais estratégicos no território ucraniano ajuda a  explicar a atual ambição americana em ter acesso à Ucrânia. 

A aproximação entre Washington e Moscou causa enorme preocupação na Europa e na Aliança Atlântica, que se sente vulnerável à continuação da agressão russa As populações da Europa Central e do Leste europeu, que estiveram sob o domínio da União Soviética, têm grande temor da Rússia.

O Reino Unido e França têm liderado uma tentativa de reação à iniciativa americana. O Primeiro-Ministro do Reino Unido patrocinou reunião de emergência em Londres com líderes europeus e da OTAN, incluindo Canadá. Nessa reunião ficou clara a decepção com a atitude americana e se iniciou a montagem de preparação de uma estrutura militar independente dos Estados Unidos que possibilite a Europa defender-se da Rússia autonomamente. 

Uma força militar autônoma da OTAN tem como precedente a relação da França com a Aliança Atlântica. Em 1966, em plena Guerra Fria, a França retirou suas forças do comando integrado da organização em busca de independência em relação aos Estados Unidos. Recorde-se que a França desejava principalmente manter suas armas atômicas, a “force de frappe”, força de dissuasão nuclear, sob seu controle. Foi só em março de 2009 que as forças francesas voltaram ao comando da Aliança Atlântica. Durante a guerra na Ucrânia, os europeus reforçaram a OTAN com a adesão da Suécia e Finlândia, países lindeiros com a Rússia, que ficou cercada pela Aliança. 

Os americanos têm considerado a China seu principal adversário  estratégico e tendem a reforçar seu esquema de alianças e seu  “containment” contra Pequim. No entanto, os Estados Unidos mantêm ativas  áreas de interesses comuns com a China principalmente no campo da tecnologia avançada como a produção de semicondutores. Trata-se de um relacionamento com áreas de convergência e divergência entre as maiores potências industriais comerciais e tecnológicas do mundo  A aproximação americano-russa prejudica a China, que tem apoiado, e reforçado, sua aliança com a Rússia durante a guerra na Ucrânia, ajudando-a em relação às sanções europeias e americanas impostas por causa da invasão da Ucrânia.

A OTAN, além de  ter reforçado sua composição com a adesão da Finlândia e da Suécia, tem aumentado também seus investimentos em defesa. No entanto, depois de tantos anos de dependência dos Estados Unidos, sua indústria militar encontra-se fragilizada e necessita investimentos maciços para recuperar sua capacidade, inclusive em relação a munições, setor extremamente dependente do fornecimento americano.

De sua parte, a Europa considera a Rússia seu inimigo estratégico, contra o qual deve se preparar, unir-se e armar-se, sem contar mais com os americanos.

Importante registrar que a ordem mundial inaugurada em 1945 com o fim da Segunda Guerra, que foi patrocinada pelos Estados Unidos e a chamada ” Pax Americana ” deixam de existir e uma nova ordem mundial deve começar. A ordem internacional do pós-guerra tinha como pilares o multilateralismo, ONU, FMI, Banco Mundial, OMC,  OEA, a firmeza americana no compromisso com seus aliados.

Se a suspensão da assistência militar dos EUA à Ucrânia mostra o desmantelamento da atual estrutura de poder mundial, outro golpe na ordem vigente no pós-guerra é a imposição de tarifas unilateralmente pelo governo americano às importações do Canadá e México, países aliados e fronteiriços, além da China. Esses países reagiram imediatamente com tarifas retaliatórias. A imposição unilateral de tarifas destrói o que resta das tentativas de organizar e liberalizar o comércio mundial depois da Segunda Guerra, como por meio do GATT e depois da OMC, que perdeu importância e pode se dizer que está hoje agonizante. 

É interessante registrar que esse novo desenho da realidade internacional apresenta desafios  para a Europa, que se deve defender com seus próprios meios contra a ameaça russa. Ademais, devemos registrar que a OTAN é hoje  extremamente dependente da estrutura de informacao (ou inteligência ) americana. Ainda não se sabe se a organização conseguirá conter a Rússia sem  ajuda americana, mas os sinais são de que a Europa deve tentá-lo, mesmo porque não há alternativas.

A aproximação russo-americana, o recuo militar dos EUA na Europa, e a imposição unilateral de tarifas, representam fissuras, ou abalos, em uma ordem internacional em declinio.

Foto: Getty Images

Nova Ordem Global

Para além das leituras tradicionais, os desdobramentos da visita de Volodymyr Zelensky a Washington sugerem algo mais profundo. Podemos estar diante de uma mudança de fundo na dinâmica da política internacional que tem potencial para mover os pilares da estabilidade global construída no pós-guerra. Este novo equilíbrio representa o retorno ao mundo de competição e equilíbrio entre grandes potências que prevaleceu antes da Segunda Guerra Mundial. É menos um mundo novo e corajoso do que um retorno a uma velha e perigosa dinâmica de poder.

A realidade imposta à Ucrânia representa a quebra de um paradigma importante que pode selar o futuro de diversas nações que depositaram no exterior a responsabilidade por sua defesa. Desde os acordos de Budapeste, que garantiram as fronteiras ucranianas em troca de sua desnuclearização, passando pela garantia da defesa da Europa na forma de um consórcio internacional, a OTAN, e desaguando na dinâmica de segurança de nações como o Japão, Taiwan e Coreia do Sul, jamais a estabilidade global atravessou período de tamanha turbulência e incerteza.

Nesta nova realidade estamos diante da possível consolidação de três pilares, liderados por Estados Unidos nas Américas, Rússia como pivot euroasiático e a China com influência decisiva no Pacífico, caracterizado por um novo balanço de poder. Os custos deste novo concerto seriam altíssimos nas mais diversas frentes, reordenando o equilíbrio global, entretanto, na visão de seus atuais líderes, alinharia seus interesses econômicos, geográficos e políticos. O mundo que lide com isso.

Este novo desenho de poder parece tomar forma na medida que diversos governos estão sendo impulsionados por uma onda populista, possivelmente idealizada, nascida, financiada e construída de forma artificial nas salas de um edifício neobarroco com fachada de tijolos amarelos nos arredores de Moscou, chamado de Lubyanka. Uma estratégia que encontrou simpatizantes dentro de partidos europeus e em líderes políticos nas Américas. Um modelo exportado pela Rússia, mas que sempre foi presente nas autocracias euroasiáticas e no autoritarismo chinês.

A alternativa ao novo desenho de mundo que pode emergir deste reordenamento de forças reside atualmente, única e exclusivamente, na capacidade de resiliência europeia, especialmente no que tange a defesa da Ucrânia, de maneira firme e decisiva. A Europa está diante de seu mais importante desafio desde a Segunda Guerra, aquele que definirá o seu futuro com desdobramentos profundos na geopolítica internacional, inclusive mediante reflexos na soberania dos países asiáticos, na existência de Taiwan como uma nação soberana diante das garras de Pequim, mas também na independência do Japão e na autonomia da Coréia do Sul. Os pilares da estabilidade internacional moveram-se profundamente e a ascensão de um inédito concerto entre as grandes nações tornou-se uma possibilidade real. Se tal movimento se concretizar, a discussão no Salão Oval passará de um simples incômodo diplomático a um marco histórico que pode ter sinalizado o surgimento de uma nova ordem global.

A(s) política(s) externa(s) do Governo Trump2

Em 1971, Graham T. Allison, então jovem cientista político de Harvard, lançou uma obra hoje clássica para os estudos de processos decisórios de políticas públicas. Essence of Decision analisa a tomada de decisões do governo do presidente John F. Kennedy num dos mais dramáticos episódios da Guerra Fria: a crise dos mísseis soviéticos em Cuba (outubro de 1962). Fotos aéreas da Inteligência dos Estados Unidos revelaram que a União Soviética estava instalando mísseis nucleares apontados para o território norte-americano, a alguns quilômetros de distância, com o beneplácito do governo comunista de Fidel Castro. Naquele momento, o mundo jamais esteve tão próximo de um holocausto termonuclear.

As cúpulas burocráticas civis e militares do governo Kennedy — Departamento de Estado, Pentágono, Conselho de Segurança Nacional, Estado- Maior das Forças Armadas — competiam entre si para ‘fazer a cabeça’ do presidente quanto à melhor opção para enfrentar aquele desafio da URSS: conversações diplomáticas? Bombardeio aéreo? Invasão terrestre? Bloqueio naval das águas cubanas? Kennedy optou pela última alternativa. Na sequência, o presidente do Conselho de Ministros e primeiro secretário do Partido Comunista da União Soviética, Nikita S. Khrushchev acabou cedendo e ordenando o desmonte das plataformas de lançamento dos foguetes. E, num toma-lá-dá-cá à época não divulgado, os Estados Unidos concordaram com a retirada de mísseis da Otan apontados para a URSS..

Allison questionou a ‘falácia da composição’ subjacente ao paradigma do estudo das Relações Internacionais: o modelo do “ator racional unificado” (a União Soviética agiu assim, os Estados Unidos reagiram assado etc), como se todas as decisões emanassem de um estadista onisciente, frio, cem por cento racional, confrontando-o com dois outros. Um deles refletia a queda de braço entre os interesses das diversas organizações governamentais envolvidas; e o outro, a “política burocrática”, ora de competição, ora de cooperação, das autoridades de diferentes repartições. (Em 1999, com a colaboração de Philip Zelikow e graças à divulgação do conteúdo de arquivos diplomáticos e militares soviéticos mantidos sob sigilo absoluto até a implosão da URSS, Allison publicou uma segunda edição de Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis, substancialmente revista e ampliada.

No início deste mês de fevereiro, em sua coluna para a Bloomberg, Hal Brands, docente da Escola de Estudos Internacionais Avançados (Sais)/Universidade Johns Hopkins, Washington, D. C., e pesquisador do American Enterprise Institute, reforçou a perene validade dos insights allissonianos.

Na visão de Brands, o segundo governo Trump tem não uma, mas cinco diferentes políticas externas, cada uma delas defendida por um segmento da coalizão Republicana hoje no poder e todas dispostas a garantir que os seus pontos de vista prevaleçam no processo decisório.

Em primeiro lugar, vêm os “Falcões Globais”, liderados pelo secretário de Estado Marco Rubio e pelo assessor-chefe de Segurança Nacional Mike Waltz. Esse grupo procura se manter fiel ao desejo de Trump no sentido de renegociar as alianças estratégicas dos Estados Unidos (países membros da Otan, Japão, Taiwan, Arábia Saudita etc), mas permanece convicto de que os desafios colocados pelo ‘eixo autoritário’ Pequim/Moscou/Pyongyang/Teerã só podem ser vitoriosamente confrontados mediante a estreita colaboração com esses e outros parceiros estrangeiros.

Em segundo lugar, Brands aponta a clique dos “Guardiões da Ásia”, capitaneada por nomes como Elbridge Colby, subsecretário de Defesa, e o senador Republicano Josh Hawley, do Missouri. Eles acreditam que o risco cada vez mais eminente de uma guerra com os chineses justifica e exige o redirecionamento dos recursos militares da América, hoje concentrados na Europa (guerra Rússia X Ucrânia) e no Oriente Médio, para o Indo-Pacífico, objetivando fortalecer a proteção de Taiwan diante das cada vez mais frequentes ameaças de invasão transmitidas por Pequim; incrementar os pactos armados já existentes com Austrália e Reino Unido (Aukus) e com Japão, Austrália e Índia (Quad, ou Diálogo Quadrilateral de Segurança); bem como celebrar novas alianças com outras nações da região, igualmente temerosas do expansionismo chinês no Mar do Sul da China, a exemplo das Filipinas e do antigo inimigo, o Vietnam).

Em terceiro lugar está a turma da “América, Volte para Casa!”. O vice-presidente J. D. Vance e a diretora da Inteligência Nacional Tulsi Gabbard (ex-deputada Democrata pelo Havaí) advogam um drástico enxugamento dos gastos e compromissos militares dos Estados Unidos mundo afora em troca de mais dinheiro do orçamento federal para turbinar programas domésticos de bem-estar social (Medicare e Medicaid são dois exemplos).

Em quarto lugar, Brands identifica os “Nacionalistas Econômicos”, destacando os secretários do Tesouro (Scott Bessent) e do Comércio (Howard Lutnick). Esta clique enxerga a política externa sob o prisma dos interesses comerciais dos Estados Unidos: uso, ou ameaça do uso, de barreiras tarifárias e não tarifárias como ferramentas para a abertura de mercados aos investimentos e exportações americanos. Esse grupo se alinha com o interesse de Trump em assegurar a hegemonia dos Estados Unidos em setores sensíveis como Inteligência Artificial e recursos energéticos. Diferentemente dos “Guardiões da Ásia”, os “Nacionalistas Econômicos” privilegiam a dimensão comercial e financeira da rivalidade com a China, em detrimento da dimensão militar.

Por último, mas não em último, a “Linha-Dura do MAGA, encabeçada pelo subchefe da Casa Civil Stephen Miller, se opõe a qualquer tipo de ajuda externa e subordinam a política externa às prioridades de sua agenda doméstica: imigração ilegal, em primeiríssimo lugar.

Sempre segundo Hal Brands, as disputas entre essas cinco facções elevam o grau de imprevisibilidade da política externa e de segurança nacional. Os “Falcões Globais” batem de frente com a “Linda-Dura do MAGA”, no exemplo mais óbvio; ou então, “Nacionalistas Econômicos” e “Guardiões da Ásia” procuram solapar as iniciativas recíprocas.

Ao mesmo tempo, ele aponta zonas de convergência importantes, o que pode abrir oportunidades de alianças táticas entre facções como as dos “Falcões Globais” e dos “Guardiões da Ásia”, ou até mesmo destes com a clique da “América, Volte para Casa”, ao menos no que respeita à redução de compromissos militares na Europa e no Oriente Médio….

Ao fim e ao cabo, o professor adverte as autoridades da nova administração contra o que considera falsas e perigosas soluções, entre as quais a vulgarização dos tarifaços comerciais a ponto de uma orgia protecionista enfraquecer as relações da América com aliados preciosos. Ou então, uma pressão tão descabida sobre a Aliança Atlântica, para que esta assuma parcela maior de responsabilidade financeira na estabilização da ordem internacional, a ponto de mergulhar os Estados Unidos, superpotência indispensável, num imprevisível isolacionismo.

Conflitos Geopolíticos na “Garganta do Pacífico”: o Mar do Sul da China

O Mar da China Meridional, ou Mar do Sul da China (MSC), figura entre as maiores prioridades — e, também, alguns dos mais sérios desafios — do ambicioso projeto de Xi Jinping no sentido de tornar a China ‘grande de novo’.

Com 3,5 milhões de quilômetros quadrados (correspondendo a 22% da massa territorial chinesa) e mais de 250 ilhas, o MSC banha 10 países: a República Popular da China (RPC); Taiwan; Filipinas; Brunei; Malásia; Camboja; Indonésia, Singapura, Tailândia; e Vietnam. Por ali circulam de 20% a 33% do comércio mundial marítimo. Seu subsolo é rico em petróleo e gás, e suas águas abrigam mais de 3.300 espécies de peixes. O MSC é uma das maiores zonas produtoras de pescado do mundo, fonte importante de segurança alimentar para as nações litorâneas. Seus muitos pontos de estrangulamento, como os estreitos de Luzon e de Taiwan, aliados ao volume de interesses econômicos e militares em jogo, valeram-lhe o apelido de “Garganta do Pacífico”. Em caso de conflito militar bloqueando o Estreito de Malaca, entre a Indonésia e a Malásia, todo o seu tráfego marítimo teria que ser redirecionado para o sul da Austrália, com enormes custos adicionais para o comércio mundial e incalculáveis prejuízos para Taiwan, Singapura e outros países da região.

Por sua importância, os Estados Unidos advogam plena liberdade de navegação para as frotas mercantes e de guerra que singram o MSC, o que se choca frontalmente com as pretensões chinesas. As informações a seguir constam da excelente e atualíssima obra do jornalista Chun Han Wong, Party of One: the Rise of Xi Jinping and China’s Superpower Future (New York: Simon & Schuster, 2023). Nascido em Singapura e fluente tanto em inglês quanto em mandarim, ele trabalhou na sucursal chinesa do Wall Street Journal entre 2014 e 2019, quando teve a renovação de suas credenciais profissionais negada pelas autoridades de Pequim, que se indignaram com suas reportagens sobre as fortunas amealhadas pela oligarquia comunista, aí incluída a família de Xi.

Ainda na década de 1940, quando o Kuomintang dominava o continente, o governo do generalíssimo Chiang Kai-shek divulgou uma mapa que proclamava a soberania chinesa sobre a maior parte do MSC. Depois da vitória da revolução liderada por Mao Tsé-tung (1949), o regime comunista consolidou aquele ‘traçado’, estendendo suas pretensões a limites que até hoje alimentam atritos com seus vizinhos. Exemplos: com o Japão, a leste, por causa das ilhas Senkaku (ou, em chinês, Diaoyu); e com Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan, ao sul, pela ocupação das águas e das ilhas Spratly e Paracel.

Citado por Chun Han Wong, o pesquisador Gregory Poling, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (Washington, D. C.), aponta o interesse de Pequim em cobrir suas reivindicações sob um véu de ambiguidades, a fim de confundir as conversações com representantes dos países vizinhos (somada aos chineses, a população dessas nações do litoral do MSC ultrapassa a marca dos 600 milhões de habitantes). Será que o mapa dos chineses reflete suas pretensões soberanas sobre acidentes terrestres, como as ilhas Spratly e Paracel? Ou será que ele considera aquelas águas como parte do mar territorial chinês? Ou será, ainda, que ele envolve a reivindicação de direitos de exploração econômica escorados em antecedentes históricos?…

Enquanto, os diplomatas estrangeiros se entregam ao desvendamento desses enigmas, a China constrói ‘ilhas’ sobre os arrecifes, de modo a assegurar a eficácia de suas reclamações com quartéis, pistas de pouso, sistemas de defesa antiaérea e antinaval, entre outros ‘testemunhos’ do seu poderio militar.

Os elefantes, o capim e a ‘pergunta de um milhão de dólares’:

O governo americano e os governos daqueles países litorâneos do MSC encaram tudo isso como uma violação do arcabouço jurídico liberal que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sustentou o sucesso econômico da região. Eles alegam que a RPC querem substituir esse arcabouço por um descarado recurso à ‘lei do mais forte’….

Assim, em 2016, o governo chinês declarou “nulo” um veredito da Corte Internacional de Justiça, de Haia, principal tribunal das Nações Unidas, o qual determinava o cancelamento dos planos de construção de ilhas artificiais, por solicitação dos governos de cinco países do Sudeste Asiático. Essa atitude de desafio se prevaleceu do poder de barganha decorrente do comércio da China com aquelas nações e também da tática de Pequim, que consiste em jogá-las umas contra as outras. Isso, até hoje, tem impedido uma resposta unificada da Associação das Nações do Sudeste Asiático-Asean aos arreganhos da RPC. O bloco, composto de 10 membros, toma suas decisões por consenso, e pelo
menos dois deles (Camboja e Laos), dada a sua dependência em face dos investimentos e empréstimos negociados no marco da Nova Rota da Seda, ali atuam como dóceis ‘clientes’ da China.

Afinal, como adverte a sabedoria popular do Extremo Oriente, quando os elefantes brigam, o capim sofre, ao que, em de seus pronunciamentos, o pai-fundador de Singapura, Lee Kuan Yew (1923-2015, primeiro-ministro entre 1965 e 1990), acrescentou: “Quando eles flertam, o capim também sofre. E, quando fazem amor, aí então é um desastre!…”

De qualquer maneira, o repto chinês à estabilidade geopolítica e econômica na região do Indo-Pacífico, cada vez mais, vem suscitando reações de potências regionais que compartilham as preocupações de segurança dos Estados Unidos, a exemplo do pacto militar trilateral entre americanos, britânicos e australianos (AUKUS) e o Diálogo Quadrilateral (Quad), em cujo marco Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália têm recebido apoio crescente dos governos da Coreia do Sul, do Canadá, do Vietnam e da Nova Zelândia.

Neste ponto, a ‘pergunta de um milhão de dólares’ que o mundo se faz é: qual o futuro desses arranjos estratégicos destinados a conter o expansionismo chinês durante o segundo mandato presidencial de Donald Trump?

Desafios da Geopolítica

Estamos diante de um inédito movimento de abalo das placas tectônicas da estabilidade internacional construídas no pós-guerra. Os níveis de democracia nunca foram tão baixos e governos antidemocráticos nunca foram tão robustos. O risco de mudança real no equilíbrio de forças mundial nunca foi tão presente, em grande parte pelo perfil das lideranças que comandam importantes nações, e a reorganização gerada pelos recentes conflitos. Todo este contexto se tornou peça central para entender o mundo e seu desenho geopolítico em tempos recentes.

No Oriente Médio, uma reação em cadeia desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 impulsionou um ano de mudanças impressionantes. Israel enterrou o Hamas sob escombros, degradou a rede regional de representantes não estatais dos aiatolás, demoliu as próprias defesas de Teerã, e, inadvertidamente, preparou o cenário para que rebeldes islâmicos derrubassem a ditadura de meio século da família Assad na Síria.

Na Ásia, onde a China compete com os Estados Unidos e seus aliados pela primazia, os pontos críticos no Mar da China Meridional, as águas e os céus ao redor de Taiwan e a Península Coreana parecem cada vez mais desafiadores. O ataque da Rússia à Ucrânia é, a julgar pelas ameaças do presidente Vladimir Putin, parte de uma luta para revisar os arranjos pós-Guerra Fria, e ameaça levar a um confronto mais amplo na Europa.

Em outros lugares, uma onda de conflitos — incluindo a guerra civil de Mianmar, uma rebelião apoiada por Ruanda no leste da República Democrática do Congo, uma tomada de poder por gangues que deixou milhões de haitianos em condições de guerra, além da devastação no Sudão — está aumentando a contagem global de pessoas mortas, deslocadas e famintas devido aos combates, que é maior do que em qualquer outro momento em décadas.

Estamos também diante de blocos antidemocráticos mais unidos. Falar de um eixo formal entre China, Rússia, Coreia do Norte e Irã pode soar exagerado. Porém, é preciso pontuar que estamos falando de governos que cada vez atuam em cooperação estreita. Armas iranianas e norte-coreanas, componentes de uso duplo da China, e agora tropas norte-coreanas ajudam a sustentar a ofensiva do Kremlin na Ucrânia. O pacto de defesa que Putin assinou com o líder norte-coreano Kim Jong Un em novembro, vincula Pyongyang, e potencialmente a segurança peninsular, à guerra na Europa.

Aconteça o que acontecer, a queda para a ilegalidade parece destinada a continuar. Os beligerantes darão ainda menos atenção ao sofrimento civil. Outros líderes podem testar se podem tomar pedaços do território de um vizinho. A maioria das guerras de hoje parece destinada a continuar, talvez em alguns casos pontuadas por cessar-fogo que duram até que os ventos geopolíticos mudem ou surjam outras oportunidades para acabar com os rivais.

À medida que o ritmo da mudança acelera, o mundo parece se movimentar para uma nova mudança de paradigma. A questão é se isso acontecerá na mesa de negociações ou no campo de batalha.

O Encolhimento da População: Desafio Mundial

Para _baby boomers_ como eu, que cresceram lendo nos jornais ou ouvindo os comentaristas da TV vaticinarem que a “explosão demográfica” representaria a maior ameaça ao futuro da civilização — comparável ou quiçá mais tenebrosa que uma guerra nuclear —, o recente artigo do demógrafo e economista americano Nicholas Eberstadt em _National Affairs_ (novembro/dezembro de 2024) soa como uma retumbante ‘implosão’….

Segundo Eberstadt, pela primeira vez na história da humanidade desde a Peste Negra do século XIV, “a população do planeta irá declinar” (o número de óbitos superando o de nascimentos). Só que agora não mais por causa de uma doença mortal transmitida pelas pulgas que infestam os ratos, mas, sim, em razão de “escolhas” humanas.

A nova tendência de despovoamento do mundo segue-se a um longo e impressionante período de crescimento populacional: nos 700 anos posteriores à Peste Negra a população da Terra se multiplicou por 20, tendo quadriplicado no século passado. Agora, sociedades e governos precisam correr contra o relógio para adaptar suas políticas a um contexto de acelerado encolhimento (e envelhecimento) demográfico.

Olhando no retrovisor da história contemporânea, a ‘explosão’ que inquietava nossos pais e avós se devia menos ao aumento do número  de nascimentos por mulher (“taxa de fertilidade”) do que à melhora das condições gerais de higiene e saúde, o que reduziu drasticamente os índices de mortalidade infantil e esticou as expectativas de vida mesmo nos países subdesenvolvidos.

Dos anos 1960 em diante, então, a fertilidade mundial simplesmente despencou. Em 2015, a fertilidade planetária já era a metade da de 1965, fenômeno verificado em praticamente todos os países. Hoje, a imensa maioria dos seres humanos vive em países cuja taxa de fertilidade é inferior ao nível mínimo de reposição populacional (2,1 filhos por mulher nas nações desenvolvidas, ou um pouco mais do que isso naquelas mais pobres, caracterizadas por maior mortalidade infantil ou evidentes desequilíbrios entre os números de meninos e meninas).

Sempre de acordo com os dados coligidos por Eberstadt, em 2019, pouco antes da pandemia da Covid19, dois terços da população global viviam em países cuja taxa de fertilidade se situava abaixo do nível de reposição. Mais recentemente, essa tendência ganhou ainda mais velocidade.

Na Ásia do Pacífico, outrora um caldeirão fervilhante em matéria de crescimento demográfico, hoje, o Japão está 40% abaixo da taxa de reposição; a China, 50%, Taiwan, 60%; e a Coreia do Sul, 65%. Na Tailândia, o número de óbitos já supera o de nascimentos. A Índia, atualmente com a maior população do planeta, também registra significativo declínio de  fertilidade, assim como seus vizinhos Nepal, Sri Lanka (Ceilão) e Bangladesh.

A China, que recentemente perdeu o campeonato demográfico mundial para a Índia, deverá ter sua atual população de 1,4 bilhão de habitantes reduzida à metade daqui a meio século.

Na América Latina, a mesma coisa. Em cidades como Bogotá, capital da Colômbia, e a capital do México, a fertilidade já é inferior a um nascimento por mulher. Enquanto isso, em Cuba (1,1% de fertilidade), o número de mortes já supera o de partos. No Uruguai e no Chile, as taxas de fertilidade são de 1,3% e 1,1%, respectivamente.

Até mesmo no Norte da África e no Oriente Médio, a queda da fertilidade desafia as exortações pró-natalistas do Islã. Em Istambul, na Turquia, a taxa de 1,2 filho por mulher é inferior à de Berlim.

Rússia: desde a queda do comunismo, já houve 17 milhões de óbitos a mais que nascimentos. Em média, os países membros da União Europeia estão 30% abaixo do nível de reportagem (em 2022, a proporção foi de quatro mortes para cada três nascimentos). No mundo rico, os Estados Unidos sobressaem por uma taxa de fertilidade comparativamente elevada: 1,6 bebê por mãe no ano passado. Ainda assim, o birô do censo projeta para o ano de 2080 o início de um contínuo declínio da população americana.

A única exceção à essa tendência global de encolhimento demográfico é a África ao sul do Saara (em média 4,3 filhos por mulher). Contudo, lá também a taxa de fertilidade está 35% abaixo daquela registrada no final da década de 1970.

Se atualmente um quarto do planeta já enfrenta declínio populacional, computando um número de óbitos superior ao de nascimentos, não demorará para que o restante do mundo siga no mesmo rumo.

Variados são os fatores explicativos desse generalizado fenômeno: acesso ampliado aos métodos contraconceptivos, aumento do nível educacional/redução do analfabetismo, crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho. Mas, até mesmo, nos países menos desenvolvidos, a tendência à despopulação se faz presente: Myanmar (antiga Birmânia) e o Nepal já estão abaixo do nível de reposição. Subjacentemente a tudo isso, como assinala Eberstadt referindo-se à descoberta do economista americano Lant Pritchett, um fator ainda mais fundamental: a opção das mulheres por menos filhos, ou mesmo por nenhum, não importa o que pensem ou queiram seus parceiros ou familiares.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a mulher se situa na  vanguarda de um novo estilo de vida que, em escala mundial, privilegia a autonomia,  a autorrealização acadêmico-profissional, a maternidade ou paternidade  tardia e a preferência de muitas pessoas por se manterem ‘descasadas’, acentuando o declínio de tradicionais valores e normas religiosos e comunitários.

Eberstadt reconhece que são grandes e complexos os desafios de um mundo menos populoso e mais idoso. Um mundo que contará com cada vez menos trabalhadores empresários e inovadores e cada vez mais aposentados, pensionistas e pessoas dependentes de assistência social. Há vinte anos, menos de 425 milhões pessoas em todo o mundo tinham alcançado os 65 anos de idade; daqui a 25 anos, ou menos, esse mesmo número de habitantes do planeta terá 80 anos! Em 2050, a previsão para a Coreia do Sul é de que o país terá três óbitos para cada nascimento; no mínimo, um sexto da população estará com 80 anos de idade ou mais; e haverá 1,2 pessoa em idade de trabalhar para cada idoso.

Esses encargos se afigurarão ainda mais pesados para aqueles países que até hoje não acumularam riqueza suficiente para financiar a avalanche de despesas com bem-estar social. Envelhecerão sem terem se tornado prósperos….

Os deslocamentos geopolíticos condicionados pelo novo panorama demográfico tampouco podem ser desconsiderados. Para ficar num único exemplo, como China, Rússia, Irã e, provavelmente também, a Coreia do Norte, hoje empenhadas em consolidar um eixo de contestação à hegemonia global dos Estados Unidos, poderão concretizar suas ambições a longo prazo se enfrentam profunda e acelerada retração populacional?

Apesar de tudo, Eberstadt conclui seu ensaio numa chave de otimismo moderado e realista. Ao menos, ele acredita que grande parte dos políticos e tecnocratas do mundo inteiro já sabem o que precisam fazer. Por toda parte, os sistemas previdenciários deverão ser reformados, de maneira a prolongar o tempo das pessoas no mercado de trabalho e retardar sua aposentadoria; as estruturas de incentivos (principalmente a tributação) terão que mudar a fim de privilegiar a poupança e o investimento a longo prazo; as famílias, cada vez menores e mais atomizadas, necessitarão contar com suporte do Estado e da comunidade a fim de assegurar conforto e dignidade aos seus idosos; políticas de imigração requererão alterações profundas para garantir suprimento suficiente de capital humano àquelas nações cujo funcionamento econômico estará comprometido pelo predomínio de idosos sem condições de permanecer na força de trabalho.

Acima de tudo, uma macrotransição demográfica capaz de evitar o agravamento das desigualdades e da pobreza em escala global demandará o compromisso de governantes e governados do mundo inteiro com o aumento da produtividade do trabalho (melhorar quantitativa e qualitativamente a produção de bens e serviços por trabalhador, num contexto de baixa disponibilidade de mão de obra). E a chave para esse futuro é uma educação de qualidade, estimuladora da curiosidade, da criatividade, do talento, da iniciativa e da cooperação das crianças e dos jovens — recursos humanos cada vez mais escassos e preciosos. Infelizmente, muitos sistemas escolares, sobretudo em economias   de renda média (a exemplo do Brasil) ou baixa, ainda não conseguem transmitir e fomentar  competências básicas, como a habilidade de ler, escrever e fazer cálculos. Para essas nações, portanto, o futuro de despovoamento e envelhecimento se traduz num cenário sombrio e ameaçador.

Foto: Natalia KOLESNIKOVA AFP.

Imperialismo Autoritário

O imperialismo é um conjunto de ideias, medidas e mecanismos que, sob determinação de um país, procuram efetivar políticas de expansão, domínio territorial, econômico ou cultural sobre outras regiões geográficas. Apesar do conceito de imperialismo, derivado de uma prática assente na teoria econômica, ter somente surgido no início do século XX, sua prática é recorrente ao longo dos séculos por muitas nações, civilizações e mais recentemente por Estados-nação.

Existem alguns países que possuem o imperialismo como elemento norteador de suas ações, um verdadeiro traço de suas personalidades como nação. Este elemento está claramente presente no pivot da Ásia, a Rússia, que ao longo dos séculos foi palco de políticas expansionistas. É possível identificar este elemento no domínio soviético em países da Ásia Central e do Leste da Europa, tornando-se suas repúblicas. Em tempos mais recentes, este elemento está presente na tentativa de domínio econômico, político e cultural dos mesmos países, agora independentes, atingindo seu ápice com a invasão territorial da Ucrânia ordenada pelo Kremlin.

O imperialismo também sempre foi presente na Ásia, seja na Mongólia, o maior império de terras contíguas da história, mas passando também pelo Império Khmer, atualmente o Camboja, pela ascensão do poderio nipônico na expansão e domínio do Japão pelo continente e mais recentemente em escala local e global pela China, que passou a ser governada pelo Partido Comunista desde a Guerra Civil que terminou em 1949, levando o antigo líder, Chiang Kai-shek, a viver no exílio, em uma ilha conhecida como Taiwan.

Assim como a Rússia, que ainda sente o gosto amargo do fim do império soviético, quando possuía duas dezenas de repúblicas, hoje países independentes, na sua esfera de influência e domínio, a China também custa a aceitar a realidade de que ao longo de décadas Taiwan se tornou um país independente. Pequim se expandiu para o Tibete e outras regiões da península asiática, porém jamais conseguiu controlar Taiwan, um desejo antigo que mexe com as placas tectônicas da geopolítica internacional.

Isso se explica porque Taiwan se tornou um país independente de fato e de direito ao longo dos anos, adotando todos os passos necessários para firmar-se como economia relevante, parceiro comercial confiável, uma democracia plena e centro vibrante na área de inovação e tecnologia, com índices altíssimos de educação. O país que produz hoje cerca 66% da produção mundial de chips, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC, possui em torno de si um chamado “escudo de silício” que o protege, uma vez que um abalo econômico causado por uma guerra na região seria algo devastador para a economia de todo o planeta.

O imperialismo tornou-se um risco no atual plano das relações internacionais, pois tem sido usado de forma sistemática por regimes antidemocráticos para consolidar e ampliar o poder de líderes autoritários. Os casos são vários e começam pelos aqui já citados, ou seja, pelo avanço da Rússia pela Ucrânia, das ameaças chinesas em direção a Taiwan, porém também nas ameaças da Venezuela à Guiana, do expansionismo iraniano no Oriente Médio, da instabilidade causada pela Coréia do Norte em direção ao Seoul. O gene do autoritarismo, uma prática que se tornou popular em tempos recentes, carrega consigo os riscos do imperialismo, colocando o mundo em situação cada vez mais instável e perigosa em tempos recentes.