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Foto: Natalia KOLESNIKOVA AFP.

Imperialismo Autoritário

O imperialismo é um conjunto de ideias, medidas e mecanismos que, sob determinação de um país, procuram efetivar políticas de expansão, domínio territorial, econômico ou cultural sobre outras regiões geográficas. Apesar do conceito de imperialismo, derivado de uma prática assente na teoria econômica, ter somente surgido no início do século XX, sua prática é recorrente ao longo dos séculos por muitas nações, civilizações e mais recentemente por Estados-nação.

Existem alguns países que possuem o imperialismo como elemento norteador de suas ações, um verdadeiro traço de suas personalidades como nação. Este elemento está claramente presente no pivot da Ásia, a Rússia, que ao longo dos séculos foi palco de políticas expansionistas. É possível identificar este elemento no domínio soviético em países da Ásia Central e do Leste da Europa, tornando-se suas repúblicas. Em tempos mais recentes, este elemento está presente na tentativa de domínio econômico, político e cultural dos mesmos países, agora independentes, atingindo seu ápice com a invasão territorial da Ucrânia ordenada pelo Kremlin.

O imperialismo também sempre foi presente na Ásia, seja na Mongólia, o maior império de terras contíguas da história, mas passando também pelo Império Khmer, atualmente o Camboja, pela ascensão do poderio nipônico na expansão e domínio do Japão pelo continente e mais recentemente em escala local e global pela China, que passou a ser governada pelo Partido Comunista desde a Guerra Civil que terminou em 1949, levando o antigo líder, Chiang Kai-shek, a viver no exílio, em uma ilha conhecida como Taiwan.

Assim como a Rússia, que ainda sente o gosto amargo do fim do império soviético, quando possuía duas dezenas de repúblicas, hoje países independentes, na sua esfera de influência e domínio, a China também custa a aceitar a realidade de que ao longo de décadas Taiwan se tornou um país independente. Pequim se expandiu para o Tibete e outras regiões da península asiática, porém jamais conseguiu controlar Taiwan, um desejo antigo que mexe com as placas tectônicas da geopolítica internacional.

Isso se explica porque Taiwan se tornou um país independente de fato e de direito ao longo dos anos, adotando todos os passos necessários para firmar-se como economia relevante, parceiro comercial confiável, uma democracia plena e centro vibrante na área de inovação e tecnologia, com índices altíssimos de educação. O país que produz hoje cerca 66% da produção mundial de chips, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC, possui em torno de si um chamado “escudo de silício” que o protege, uma vez que um abalo econômico causado por uma guerra na região seria algo devastador para a economia de todo o planeta.

O imperialismo tornou-se um risco no atual plano das relações internacionais, pois tem sido usado de forma sistemática por regimes antidemocráticos para consolidar e ampliar o poder de líderes autoritários. Os casos são vários e começam pelos aqui já citados, ou seja, pelo avanço da Rússia pela Ucrânia, das ameaças chinesas em direção a Taiwan, porém também nas ameaças da Venezuela à Guiana, do expansionismo iraniano no Oriente Médio, da instabilidade causada pela Coréia do Norte em direção ao Seoul. O gene do autoritarismo, uma prática que se tornou popular em tempos recentes, carrega consigo os riscos do imperialismo, colocando o mundo em situação cada vez mais instável e perigosa em tempos recentes.

Uma enorme falsificação está em curso

O conceito de extrema-direita está sendo usado para promover uma enorme falsificação. Quem for contra Lula, o PT e seu governo, é logo classificado como extrema-direita. Pior, quem for a favor da resistência ucraniana à invasão do ditador Putin e contra o terrorismo do Hamas é suspeito de ser de extrema-direita. Quem for contra o eixo autocrático (a articulação das ditaduras de Rússia, China, Irã e seus braços terroristas, Coréia do Norte, Síria, Cuba, Venezuela e Nicarágua) é olhado como extrema-direita. Quem for contra o BRICS e o “sul global” é acusado de ser de extrema-direita.

A extrema-direita está sendo construída como o inimigo universal e único, às vezes chamado de “internacional fascista”. Com isso se esconde as ameaças do eixo autocrático às democracias liberais e as alianças espúrias de quem promove essa falsificação com as maiores ditaduras do planeta.

Mas são duas – e não apenas uma – as principais ameaças globais contemporâneas à democracia liberal.

Sim, existe de fato uma ameaça de extrema-direita às democracias, juntando ditadores e populistas-autoritários que se articulavam ou se articulam no The Movement e no CPAC e em outras iniciativas. Dela participam ou participaram Putin, Grillo e Casalégio (5 Stelle), Salvini e Meloni, Le Pen, Orbán, Trump e Steve Bannon, o pessoal do Brexit, Wilders, Chrupalla, Weidel e Gauland, Abascal, Ventura, Bukele e Bolsonaro.

Mas ela não é a única ameaça, nem a mais forte, às democracias. Ditadores e neopopulistas de esquerda, articulados no BRICS e no “sul global”, são uma ameaça muito mais premente. Ela reúne ditadores como Putin (novamente), Xi Jinping, Kim Jong-un, Khamenei e a Guarda Revolucionária Iraniana, pelo menos treze grupos terroristas do Oriente Médio (com destaque para o Hamas e o Hezbollah), da Ásia, da África e da América Latina (Canel, Maduro, Ortega). Mas o mais grave é que a esse bloco se alinharam ou estão se alinhando neopopulistas como Kirchner, Funes, Zelaya, Lourenço, Obrador, Petro, Evo e Arce, Correa, Lula, Widodo e Subianto, e Ramaphosa. Esse eixo autocrático em ascensão é, objetivamente, o grande interessado na falsificação de dizer que a extrema-direita é o (único) inimigo universal.

Aliados ao eixo autocrático – sobretudo no Brasil, o PT, mas no plano global todos os que se denominam antifascistas – estão fazendo um carnaval com essa história do bicho-papão da “internacional fascista” de extrema-direita. Caberia perguntar-lhes: quer dizer que Kim Jong-un não é de extrema-direita? E Xi Jinping? E Vladimir Putin? E o aiatolá Khamenei? E o genocida Assad? E o Yahya Sinwar (Hamas)? E o Nasrallah (Hezbollah)? E o Canel, o Maduro e o Ortega? Não são, eles responderão. Afinal, todo esse pessoal é antifascista. Então tudo bem?

E que tal examinarmos os antifascistas presentes no BRICS? Ali não figura nenhuma democracia plena (segundo a The Economist Intelligence Unit 2023). Nenhuma democracia liberal (segundo o V-Dem 2024). Quais os regimes que comparecem nesse arranjo autoritário? Segundo o V-Dem 2024: Brasil – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismos; Rússia – autocracia eleitoral; Índia – autocracia eleitoral; China – autocracia fechada; África do Sul – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismo; Egito – autocracia eleitoral; Etiópia – autocracia eleitoral; Irã – autocracia eleitoral; Arábia Saudita – autocracia fechada; Emirados Árabes Unidos – autocracia fechada. E ainda querem colocar no bolo mais três ditaduras: Venezuela, Nicarágua e Síria.

Todo esse contingente, por ser antifascista, supostamente não ameaça a democracia? Ora, isso é uma falsificação grosseira. Se ditaduras não ameaçam a democracia, seremos obrigados a intercambiar os conceitos de ditadura e democracia. Quem sabe teremos de colocar os trinta regimes piores colocados no ranking do V-Dem 2024, classificados pelo Índice de Democracia Liberal (LDI), no topo da lista.

Quais são esses países? Em ordem de autocratização crescente são: Guiné, Catar, Irã, Uzbequistão, Emirados Árabes Unidos, Gaza, Haiti, Sudão do Sul, Azerbaijão, Rússia, Burundi, Cuba, Guiné Equatorial, Cambodja, Venezuela, Bareim, Síria, Iemem, Chade, Arábia Saudita, Sudão, Tadjiquistão, China, Belarus, Turcomenistão, Afeganistão, Nicarágua, Mianmar, Coréia do Norte, Eritreia. Vários desses, note-se, são países do eixo autocrático atualmente em guerra contra as democracias liberais.

E teremos de colocar no final da lista as cerca de trinta democracias liberais que restaram; a saber, em ordem de democratização decrescente: Dinamarca, Suécia, Estônia, Suíça, Noruega, Irlanda, Nova Zelândia, Finlândia, Costa Rica, Bélgica, Alemanha, França, República Checa, Austrália, Holanda, Luxemburgo, Chile, Reino Unido, EUA, Uruguai, Letônia, Espanha, Itália, Canadá, Islândia, Japão, Taiwan, Barbados, Butão, Coréia do Sul, Seicheles, Suriname.

Assim inverte-se tudo. Basta, para tanto, uma revisão dos conceitos. Tal revisionismo pode ser operado com quatro medidas:

Em primeiro lugar, reduzir democracia à cidadania ou à oferta estatal de bem-estar para o povo pobre (“casa, comida e roupa lavada” dispensadas por um governo popular) ou à luta pela redução das desigualdades socioeconômicas.

Em segundo lugar, avaliar que as mais avançadas democracias do planeta, as democracias plenas, as democracias liberais, são falsas democracias (“democracias burguesas” ou governos do “macho branco no comando”), regimes impostos pelas elites (classistas dominantes ou neocolonialistas) para estabilizar sua forma de dominação e continuar explorando o “terceiro mundo”; ou, agora, o “sul global”.

Em terceiro lugar estabelecer que a democracia não é um valor universal, mas ocidental e que, portanto, tanto faz uma ditadura ou uma democracia: a Rússia ou a Ucrânia, a China ou Taiwan, o Irã ou Israel.

Em quarto lugar, assumir que as autocracias são preferíves às democracias quando se colocam ao lado das grandes massas despossuídas do mundo contra o imperialismo norte-americano e o colonialismo europeu, que supostamente seriam as fontes de todo mal que assola a humanidade.

Uma escalada perigosa

Os ataques usando mísseis e drones feitos pelo Irã contra Israel em resposta a morte de Mohammed Reza Zahedi, alto oficial da Guarda Revolucionária Iraniana, morto em uma explosão no consulado iraniano em Damasco, cuja autoria é atribuída a Israel, por autoridades do país persa, inauguram uma nova fase do conflito na região, este é o primeiro ataque militar do Irã ao solo de Israel e mostra que o país persa está mais altivo na persecução de seus objetivos estratégicos, e mais confiante em sua capacidade de se defender da reação militar de Israel e realizar novos ataques.

O Irã mantinha um padrão de enfrentar Israel usando prepostos, ou seja, armando e treinando outros entes, sobretudo Hamas e Hezbollah. Foram cerca de 300 projéteis disparados contra Israel, sendo estimado que 170 desses fossem aeronaves não tripuladas de emprego único e 130 mísseis balísticos. Jordânia e Arábia Saudita atuaram para interceptar os mísseis e drones, que também foram interceptados pelas Forças de Defesa de Israel.

Era esperado que haveria retaliação iraniana pela morte do líder da Guarda Revolucionária, a novidade é a intervenção direta do Irã ao invés de usar sua rede de organizações aliadas. O que pode ser lido como o marco do programa nuclear iraniano ter conseguido uma massa crítica suficiente e uma rede de apoio envolvendo China e Rússia que minimiza a capacidade israelense de responder ao Irã, aliás a resposta moderada mostra uma complicação do cenário. 

Os ataques iranianos também solidificam a posição dos EUA em prol da defesa de Israel e baixam a capacidade desse ator de manobrar por um cessar-fogo em Gaza. É interessante notar os próximos passos de atores regionais relevantes, como Emirados Árabes Unidos e Jordânia, bem como potenciais globais como China e Rússia, cada um desses com uma série de interesses em múltiplos tabuleiros.

O Irã mostrou capacidade de atingir Israel, ainda que o Domo de Ferro e a coalizão informal com os países do golfo tenham minimizado o impacto do ataque. É preciso levar em conta que a divisão do gabinete israelense e forte escrutínio que a campanha em Gaza tenha contribuído nos cálculos iranianos, por que foram fatores que em conjunto a contextos geopolíticos mais amplos agiram para temperar a resposta israelense.

A operação militar prolongada e em larga escala na Faixa de Gaza tem consequências econômicas e sociais para Israel e um novo front pode complicar ainda mais essa situação e pode escalar as operações para o norte de Israel.

Muitas dúvidas ainda permanecem, mas podemos ter certeza que o jogo no Oriente Médio está ainda mais complicado e muito mais perigoso.

Foto: Atta Kenare/AFP

Nitidez Geopolítica

O ataque iraniano contra Israel serviu para cortar os interlocutores, grupos terroristas contratados pelo regime dos aiatolás, e colocar no tabuleiro o real enfrentamento que se escondia no Oriente Médio por trás de Hamas, Hezbollah, Houthis e outros grupos que trabalham em favor do regime de Teerã. Neste tabuleiro de xadrez internacional, o movimento do Irã trouxe respostas importantes do novo desenho geopolítico da região e terminou por reposicionar o jogo por trás do conflito.

A ofensiva dos iranianos, em um primeiro momento, serviu como uma clara assunção de autoria dos ataques de outubro perpetrados pelo Hamas em território israelense. Isto posto, apesar de já ser algo notório, escancara as intenções dos aiatolás e mostra, mesmo aos mais ingênuos, que as ações operadas pelo grupo terrorista de Gaza sempre estiveram longe da causa palestina e extremamente próximas dos objetivos espúrios e perigosos desenhados pelo governo de Teerã.

Portanto, se de um lado do conflito estava Israel e do outro uma confluência de grupos terroristas operando desde Gaza, passando pelo Líbano e desaguando no Iêmen, depois deste ataque, qualquer dúvida se dissipou, ou seja, o agressor veio à tona, assumindo sua posição. Se de um lado temos Israel, do outro, agora está o Irã.

Por mais que esta situação fosse clara nos corredores da política internacional, a nitidez do cenário ajuda a trazer respostas para diversas perguntas geopolíticas. O ataque do Irã, por exemplo, escancarou também seus aliados, fazendo com que iniciassem um movimento de blindagem de seus interesses nos fóruns internacionais. Como já era esperado, os dois principais pilares antidemocráticos, Pequim e Moscou, se alinharam aos aiatolás. Do outro lado, as democracias ocidentais ficaram apoiaram Israel.

Porém, a teia de influência, cooperação e interdependência econômica criada ao longo dos anos mais profundamente pela China e em certa medida pela Rússia, aliada aos seus instrumentos de desinformação, passaram a cobrar alinhamento e subserviência, onde se incluem membros do BRICS, autocracias, autoritários e ditaduras. O Brasil, estranho membro deste clube, ao se omitir, bateu palmas para os iranianos e deixou de condenar mais uma vez as violações cometidas pelo regime dos aiatolás.

Para além disso, foi importante perceber que a defesa de Israel contra o massivo ataque iraniano foi muito além de suas defesas, contando com o apoio logístico e efetivo dos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e inclusive Jordânia e indiretamente a Arábia Saudita. Esta ampla aliança política costurada ao longo dos anos com apoio dos Estados Unidos foi essencial para fornecer segurança coletiva e possui lastro nos acordos de Abraão, que vinham trazendo normalização política na região.

Como vemos, o jogo geopolítico ficou mais nítido depois dos aiatolás do Irã assumirem suas posições no tabuleiro do Oriente Médio, o que serve em certa medida para melhor entendimento do conflito mais amplo entre democracias e autocracias e o real significado das razões dos recentes ataques contra Israel. Cabe neste momento a Israel e seus aliados desenharem de forma inteligente uma maneira de isolar os iranianos no cenário político internacional, enfraquecendo também as posições de nações antidemocráticas lideradas por Pequim e Moscou neste novo equilíbrio de poder.   

Ocidente livre condena o Irã. O Brasil torna-se cúmplice

Israel está sob ataque. Isso significa que a sociedade livre, configurada dentro dos parâmetros civilizacionais, norteada pelos direitos humanos e defensora das liberdades individuais está sendo, mais uma vez, atacada.

Cada lado nesse conflito precisa ser avaliado não apenas pelo que expressa em seu governo atual, mas também pelo que sua trajetória política e jurídica expõe enquanto organização social.

O Estado de Israel configurou-se como uma democracia plena, tanto quanto é possível sê-lo dentro das limitações e imperfeições humanas.

O modelo democrático do Ocidente não é apenas um regime político ocidental, mas um regime político adequado ao processo de amadurecimento político de qualquer civilização.

O que entendemos por democracia, porém, não é um mero conceito que pode ser instrumentalizado na retórica populista de líderes atrasados e obtusos.

O espírito democrático de um povo é seu anseio por liberdade e justiça, pela igualdade através de normas e pelo livre comércio entre as nações que, em assim se relacionando, optam pelo diálogo e pelas trocas, em detrimento da beligerância e do expansionismo que leva à destruição e ao sofrimento.

A posição do mundo livre e a posição do Brasil

O Ocidente assentou o seu projeto político nas boas ideias de equidade e liberdade. Ainda que não sejam totalmente cumpridas, as metas e os ideais que norteiam as civilizações livres sinalizam aquilo que vai no íntimo de seus cidadãos, como um germe em maturação de uma sociedade mais justa.

Ao nos transpormos para o lado da barbárie, perdemos o prumo e o norte adequado de conduta; ao compactuarmos com regimes tirânicos e despóticos, abrimos mão das conquistas civilizacionais que já deveríamos ter internalizado.

A posição do Brasil frente a um conflito bélico dessa magnitude deveria ser nem tanto a neutralidade, mas a aceitação do óbvio comprometimento da nossa nação com aquelas outras cujas bandeiras se erguem em defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Não é esse o caso do Irã, não é o caso da China, não é o caso da Rússia, não é o caso da Venezuela, para citarmos apenas alguns dos países em relação aos quais a diplomacia brasileira tem não apenas contemporizado, mas também se acumpliciado.

Após o ataque do Irã a Israel, o mundo livre respondeu em uníssono condenando o Irã e respaldando Israel:

Condeno os ataques do Irã nos termos mais fortes possíveis e reafirmo o firme compromisso da América com a segurança de Israel”, escreveu o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Condeno nos termos mais veementes o ataque imprudente do regime iraniano contra Israel. Estes ataques correm o risco de inflamar tensões e desestabilizar a região. O Irã demonstrou mais uma vez que pretende semear o caos no seu próprio quintal”, escreveu primeiro ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.

O ataque ao território israelense que o Irã lançou esta noite é injustificável e altamente irresponsável. O Irã arrisca uma nova escalada na região. A Alemanha apoia Israel”, escreveu o Chancelar da Alemanhã, Olaf Scholz

Condeno nos termos mais veementes o ataque sem precedentes lançado pelo Irã, que ameaça desestabilizar a região. Expresso minha solidariedade ao povo israelense e o empenho da França na segurança de Israel”, escreveu o presidente Francês, Emmanuel Macron.

A Austrália condena os ataques do Irã a Israel esta manhã. O Irã ignorou o nosso apelo, e o de muitos outros países, para não prosseguir com estes ataques imprudentes. Qualquer pessoa que se preocupe com a proteção de vidas inocentes deve ser contra estes ataques”, escreveu o primeiro-ministro da Austrália.

O Gabinete do presidente Javier Milei expressa sua solidariedade e compromisso inabalável só o Estado de Israel, frente aos ataques iniciados pela República Islâmica do Irã. A República argentina […] respalda enfaticamente Israel na defesa de sua soberania, em especial contra regimes que promovem o terror e buscam a destruição da civilização ocidental”, escreveu o presidente argentino.

Agora vejam a diferença de tom da nota pífia do nosso Itamaraty:

O Governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria. Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã”.

A nota usa o eufemismo “envio de drones e mísseis” para substituir ataque e, logo em seguida, justifica retoricamente o ataque ao sugerir que se trata de uma resposta a um suposta alastramento de hostilidades provocado por Israel. Para um bom leitor fica claro que a nota culpa Israel por ter sido atacado.

O que esperamos do Brasil não é uma participação bélica decisiva, mas uma postura equilibrada, condizente com a nação livre que ainda somos e que almejamos continuar a ser.

Não podemos, portanto, naturalizar a diplomacia irresponsável do atual governo brasileiro que se coloca em linha de sintonia com as teocracias e ditaduras do oriente, com o expansionismo do tirano russo e com os grupos terroristas islâmicos.

Israel é um escudo contra o terrorismo islâmico

O islamismo, por mais que tentemos escusá-lo enquanto religião, é uma filosofia de vida opressora, que visa não à emancipação do ser humano, mas à sua subjugação. Ao justificá-lo reiteradamente, chegamos ao ponto de renegar nossos valores que lhes são incompatíveis.

A antítese do islamismo não é o judaísmo, mas é qualquer religião que aponte para uma verdade mais alta do que o tribalismo que ainda mobiliza seus fervorosos adeptos. O islamismo é uma religião tribal; enquanto não passar por uma reforma, continuará sendo incompatível com os valores fundamentais de uma sociedade aberta.

Se hoje o Islã se choca contra os judeus, amanhã ele se chocará contra toda a civilização cristã porque o projeto de dominação apregoado é o da dominação total e não o da pacificação inter-religiosa.

O Estado de Israel é ainda um anteparo contra esse choque de civilizações. É ele que recebe a carga de ódio dos que querem servir ao profeta derramando o sangue dos infiéis. Se Israel cair, o mundo estará mais vulnerável ao extremismo bárbaro do fundamentalismo islâmico.

É irresponsável compactuarmos ideologicamente com pensamentos liberticidas como estamos fazendo nos dias atuais. As críticas, muitas vezes pertinentes, a processos históricos injuriosos contra povos marginais não pode ser pretexto para uma denegação absoluta dos nossos próprios valores.

O Ocidente precisa se reencontrar em seu equilíbrio humanitário, sem ceder às ideologias que negam a história espiritual do próprio Ocidente. O niilismo moderno foi um terreno fértil para a colonização de mentes por religiões políticas. Lutamos não apenas por segurança. Lutamos pelos princípios eternos de justiça e liberdade.

Índia: nova potência no cenário internacional?

Vivemos um período de transformações no cenário internacional, com as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, a crescente afirmação da China no plano mundial, as mudanças nas cadeias produtivas, o desenvolvimento tecnológico na Ásia e a relativa estagnação da economia norte-americana. Um aspecto que deve ser acompanhado é a possibilidade de a Índia passar, a curto prazo, de sua posição de potência regional ao status de grande potência, uma vez que o país asiático conta com a terceira economia mundial e é detentor de uma das forças armadas mais poderosas da atualidade.

A Índia ultrapassou a população da China em 2023 e seu produto interno bruto (PIB) tem crescido a taxas superiores às chinesas. Ademais, sua população tem perfil mais jovem, com mais de 40% de sua população abaixo dos 25 anos. Embora tenha problemas graves como o analfabetismo, o baixo padrão de vida de sua população e enormes desigualdades sociais, trata-se de uma democracia consolidada e com instituições bem estabelecidas, que busca ativamente a modernização de sua economia. A agricultura do país asiático tem-se fortalecido, o que levou a uma mudança no perfil de seu comércio exterior, de importador a exportador de produtos agrícolas e alimentos.

Desde sua independência do Reino Unido, em 1947, a Índia tem passado por uma profunda transformação em sua economia, que era tradicionalmente concentrada em investimento em indústrias pesadas; atualmente, o país investe, cada vez mais, em tecnologia de ponta. Após privilegiar a planificação econômica com base no modelo soviético, a Índia adotou a liberalização da sua economia na década de 1990, com ênfase na abertura internacional e na livre iniciativa, medidas que têm dado impulso ao seu progresso acelerado. De um modelo de controle estatal rígido com exigência de licença do governo para o funcionamento de vários setores industriais, bem como para importações, passou a um regime de mais liberdade, que tem permitido a absorção de novas tecnologias. O governo indiano tem estimulado os investimentos em tecnologia de informação, o que tem levado a um rápido desenvolvimento em hardware e software – atualmente, importantes produtos de exportação. 

Acrescente-se, ainda, que a Índia tem feito grandes progressos no setor aeroespacial, tendo em 2023 pousado veículo espacial na lua. Em 2024, o país colocou em órbita uma sonda para o estudo mais aprofundado do sol.

Situada em posição estratégica, vizinha da China, com quem tem problemas de limites ainda não resolvidos, e próxima da Rússia, seu grande fornecedor de armamentos, a Índia tem aumentado sua projeção internacional, com crescente atuação no cenário mundial. A Índia conta com mais de um milhão e quinhentos mil homens em armas, e suas forças armadas estão entre as mais poderosas e bem treinadas e equipadas do mundo. O país tem investido na indústria de defesa vem procurando reduzir sua tradicional dependência da Rússia nessa área, tanto pelo desenvolvimento da sua própria indústria bélica quanto pela diversificação de fornecedores, recorrendo a importações americanas e europeias. Os indianos fabricam mísseis modernos de terra, mar e ar, além de aviões de combate. O país possui dois porta-aviões e 16 submarinos, dos quais dois com propulsão nuclear, além de mais de cinquenta belonaves. Sua Força Aérea opera mais de seiscentos aviões, além de helicópteros de combate. 

A Índia tem buscado uma posição de equidistância entre os principais atores no concerto internacional. Nesse sentido, o país não condenou explicitamente a Rússia pela invasão da Ucrânia e tem aumentado as importações de petróleo russo, bem como de fertilizantes, o que tem ajudado a Rússia a contornar as sanções europeias e americanas. Nos foros e organismos internacionais, como a ONU, a Índia adota discurso contrário à guerra, embora se abstenha constantemente de condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia.

Ainda no tocante à projeção internacional da Índia, é importante ressaltar que o país asiático é membro originário do grupo político BRICs, que inclui, outrossim, o Brasil, a Rússia, a China e a África do Sul. O acrônimo BRICs – criado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs – foi o nome oficialmente atribuído ao foro informal de coordenação política e econômica, fundado em 2006. Dos primeiros membros do BRICS, a China e a Índia passaram a ter posição econômicas proeminentes desde então, ao passo que o Brasil (apesar do enorme incremento nas exportações de produtos minerais e agrícolas) e a África do Sul não corresponderam à expectativa de muitos economistas do começo da década de 2000. Tem sido crescente a distância entre as economias da China e da Índia e as dos demais membros do BRICS. 

Em 2022, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, a Índia passou a ocupar o lugar do Reino Unido, sua antiga metrópole colonial, como quinta economia mundial, e parece encaminhar-se para ser a terceira economia do mundo. Com a maior população mundial, uma das mais numerosas e equipadas forças armadas do mundo, indústria bélica em desenvolvimento, economia dinâmica e firmando-se em tecnologia de ponta, a Índia parece caminhar de seu atual status de potência regional para a posição de grande potência. Os Estados Unidos, preocupados com o crescimento econômico e a crescente capacidade militar da China, veem a Índia como um ator importante na contenção das ambições chinesas. 

Clube Autocrático

O ano inicia com um novo formato do BRICS. Entram no clube fundado por China, Brasil, África do Sul, Rússia e Índia, os seguintes novos sócios: Arábia Saudita, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. O bloco passa a ser formado por dez países depois desta que é considerada a mais importante ampliação do grupo que opta por uma guinada autocrática, tornando-se definitivamente um fórum hostil ao movimento democrático.

O novo BRICS ou BRICS 10, como tem sido chamado em alguns fóruns internacionais, é composto em sua vasta maioria, ou seja, 80%, por países que não possuem qualquer traço democrático em suas estruturas, sendo considerados ditaduras ou autocracias.  As exceções são Brasil e África do Sul. Nenhum membro, entretanto, pode ser classificado como uma democracia liberal plena.

A avaliação é a mesma daquela realizada pelos principais órgãos que medem os níveis de democracia em escala global, como a Freedom House sediada nos Estados Unidos, Universidade de Gotemburgo na Suécia e Economist Intelligence Unit com base no Reino Unido. O cálculo geral mostra que hoje existe uma ampla maioria de ditaduras e autocracias no mundo e o número de democracias vem regredindo constantemente.

O movimento de expansão do BRICS, portanto, é a expressão clara deste movimento pelo qual passa o mundo em tempos recentes, porém, as consequências deste caminho ainda não foram medidas. Entretanto, causa ansiedade notar que nações classificadas como democracias eleitorais ou imperfeitas como o Brasil se deixem seduzir pela aliança com países que violam garantias e liberdades conquistadas ao longo da História. Nosso país deveria rumar em sentido oposto, consolidando alianças com democracias.

Dentro do BRICS 10, o Brasil agora estará ao lado de autocracias eleitorais, ou seja, aquelas que realizam eleições simplesmente protocolares como Rússia, Egito, Índia e Etiópia, onde sabemos antecipadamente os vencedores. Além destas, agora somos sócios de autocracias fechadas, países já sem qualquer pudor em aplicar uma política despótica, como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã e China, considerados também regimes autoritários consolidados.

Em Buenos Aires houve uma correção de rumo. O novo governo fez a opção por declinar do convite do BRICS, uma vez que não acredita nos propósitos de um grupo que possui a autocracia como fator balizador e a liderança da China como farol. Os argentinos foram além e falam em diminuir a dependência do investimento chinês que tem tornado aos poucos muitos países reféns dos desejos de Pequim.

Este é o principal ponto deste clube autocrático. O BRICS está longe de ser uma iniciativa que eleva países periféricos a serem partícipes do concerto internacional. O grupo se tornou a principal base de lançamento de iniciativas, financiamento e apoio mútuo de uma política baseada em interesses que estão em confronto direto com os valores ocidentais de liberdade e democracia. Um clube que mina os esforços em prol da democracia, liberdade e soberania daqueles que rejeitam sua cartilha. Uma forma de imperialismo e dominação que de forma silenciosa vem impondo sua agenda e seus interesses em escala global.  

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal

O dilema de uma só China

Semicondutores controlam o mundo moderno, os chips de computador que permitem processamento de grandes quantidades de dados, comunicações instantâneas globalmente e funcionamento de nossos computadores e celulares são feitos usando semicondutores. A importância econômica e estratégica dessa tecnologia é autoevidente. Quase nada hoje funciona sem um chip de computador.

Estimativas do mercado colocam que em torno de 56% de toda a produção mundial de semicondutores está concentrada nas fundições da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, mais conhecida pela sigla TSMC. Não é exagero dizer que a qualquer instabilidade na ilha de Taiwan prejudica em grande proporção a economia mundial, ainda mais se levarmos em conta que as placas gráficas de alto poder computacional tão necessárias para pesquisa e desenvolvimento no campo da Inteligência Artificial, dependem das fábricas da TSMC para serem produzidos.

O governo chinês continental tem uma visão imutável de que todos os lados do estreito de Taiwan fazem parte de uma só China, logo a ilha seria uma província rebelde, que Pequim estaria disposta a permitir um regime especial, similar ao de Hong Kong (que nos últimos anos tem visto a sua lista de liberdades democráticas serem erodidas).

Taiwan também comunga da visão de que há uma só China, a ilha nunca declarou sua independência e essa questão é ponto de debate interno, embora o campo pró-independência seja minoritário. Em Taiwan se diz que há uma só China com várias interpretações.  Esse status ambíguo de Taiwan resulta em certo isolamento da ilha em termos internacionais, não sendo aceita como membro da Organização das Nações Unidas e seu sistema de agências, por pressão direta da China, que entende como inadmissível manter relações diplomáticas com Pequim e Taipei simultaneamente.

Os Estados Unidos mantêm o que chamam de política de ambiguidade com Taiwan, ou seja, a um só tempo não possuem laços diplomáticos oficiais, mas vendem armas e fazem exercícios militares regulares, além de administrarem uma embaixada de facto em Taipei e diversos outros laços culturais e econômicos. Asseguram a defesa da ilha em caso de invasão ao mesmo tempo sem um arranjo institucional adensado para tanto.

Nos últimos anos o governo de Pequim tem aumentado a presença militar no estreito de Taiwan. Muitos especialistas em segurança internacional apontam que o esforço de modernização do Exército Chinês é motivado pela necessidade operacional advinda dos planos para a tomada do que eles enxergam ser uma província rebelde. A ameaça que paira sobre Taiwan por conta da política de reintegração da ilha ao território chinês por qualquer método possível, não é como diz a expressão popular “da boca pra fora”. É uma possibilidade relevante, que muitos analisam ser uma questão de quando e não de se irá ocorrer.

As Forças Armadas chinesas demonstram seu poderio conduzido vôos de reconhecimento, bombardeios simulados, além de movimentarem porta-aviões e outros meios navais com constância pela região. Os gastos militares de Taiwan embora em tendência de aumento de seu volume comparado ao PIB taiwanês, ainda estão muito abaixo das capacidades do gigante comunista.

Pequim também se vale de outros recursos, como campanhas de desinformação para tentar a um só tempo influenciar os resultados de eleições em Taiwan e enfraquecer a democracia local contribuindo para a erosão da confiança nas instituições e atores políticos.

Taiwan é uma democracia jovem a ilha pela maior parte de sua história de 1949 a 1987 viveu sobre o regime Lei Marcial que se seguiu a vitória comunista nos estertores da Segunda Guerra Mundial, tendo realizado em 1992 sua primeira eleição presidencial. Ainda assim, as instituições e a própria democracia da ilha têm se mostrado resilientes diante dos ataques chineses, mas quanto tempo poderão resistir, ainda mais se levarmos em conta que Pequim está observando e aprendendo com erros e acertos russos na Ucrânia?

Muito do nosso mundo moderno e do crescimento e desenvolvimento econômico mundial dependem das fundições da TSMC e não é factível no curto e médio prazo mitigar os riscos criando novos fabricantes de semicondutores, a literatura econômica nos mostra que muito do poder fabril se constrói a partir de pesquisa e desenvolvimento, pessoal altamente capacitado e inovador e conhecimentos tácitos internos as firmas. , o que aumenta ainda mais os riscos envolvidos nessa região. Como os governos do mundo vão reagir aos riscos intrínsecos desse dilema chinês?

Reorganização Internacional

Nicolas Maduro anunciou referendo para se apropriar da Guiana Essequiba, território que representa 74% do território da nação vizinha. Será em 3 de dezembro. A Rússia, talvez o maior aliado da Venezuela, avançou sobre a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, iniciando um conflito que segue em curso. O Hamas, que governava a Faixa de Gaza, realizou uma carnificina em Israel que levou a uma outra guerra que pode se ampliar na região do Oriente Médio. Isto sem falar no risco iminente de invasão de Taiwan pela China.

Algo une estes movimentos e seria muito ingênuo achar que as peças deste quebra-cabeça carecem de articulação conjunta. Rússia, Venezuela, China e Hamas (leia-se Irã) são aliados no tabuleiro internacional e realizam movimentos em conjunto, de forma harmônica e sincronizada, com o objetivo de mover as placas tectônicas da estabilidade internacional como conhecemos.

O tabuleiro internacional se movimenta como um intricado jogo de xadrez, ou seja, precisa ser movido com prudência e paciência, sempre calculando cada uma das jogadas possíveis do adversário. Nada indica, entretanto, que as potências ocidentais possuam qualquer movimento estratégico conjunto. Tem apenas respondido de forma perdida e desorganizada todas as ações de seus adversários, sem coordenação e planejamento.

Está sendo desenhada uma nova estrutura de poder internacional diante da passividade e permissividade das potências ocidentais. Os sintomas são claros diante da corrosão de seus valores, princípios e vértices ao longo dos últimos anos. Se nenhum movimento coordenado das atuais potências for desenhado de forma urgente, veremos em pouco tempo a deterioração da democracia e a implementação de novos modelos e regimes que passam longe da liberdade que conhecemos nos países do Ocidente. 

Isto significa dizer que o mundo está em guerra, porém uma guerra fria e localizada em determinados pontos, porém que são essenciais para definir em que tipo de mundo iremos viver. Ucrânia e Israel lutam sozinhos pela manutenção de regimes democráticos e pela liberdade de inúmeros países – nações que em breve podem ser acompanhadas por Guiana e Taiwan, as prováveis próximas vítimas no tabuleiro internacional.

Como disse, o pano de fundo de todos estes movimentos reside na remodelagem do sistema internacional atual, levando as autocracias, ditaduras e governo autoritários para o controle de uma nova estrutura de poder ao mesmo tempo que a democracia é corroída por dentro nas nações do Ocidente. Iniciativa que aos poucos vem mostrando os resultados esperados por aqueles que desejam a implosão de nossas liberdades. 

Vivemos tempos preocupantes. Há tempos o sistema internacional mostrava sinais de fadiga, porém, uma safra de líderes habilidosos evitou a corrosão em escala maior. Infelizmente os tempos mudaram e o avanço antidemocrático tem crescido de forma exponencial tanto pela direita, quanto pela esquerda. O absurdo se tornou parte do cotidiano e as sociedades parecem ter esquecido as lições do passado. Vivemos o maior e mais importante risco contra a democracia e nossas liberdades em tempos recentes, uma possível reorganização internacional que pode levar nossa civilização, mais uma vez, diante do inimaginável.

Polarização doméstica e insegurança global

Concordo com  Ian Bremmer, fundador e CEO do Eurasia Group, famosa consultoria em análise de risco político, e Robert Gates, secretário da Defesa nas administrações dos ex-presidentes George W. Bush (Republicano) e Barack H. Obama (Democrata), quando criticam a atual disfuncionalidade do sistema político norte-americano e se preocupam com às consequências perigosas do presente grau inédito de polarização doméstica para a segurança dos Estados Unidos e seus aliados.

Recente pesquisa nacional do Centro de Política da Universidade da Virgínia, liderado pelo professor Larry Sabato, contribui para agravar esses temores. Realizado entre 25 de agosto e 11 de setembro últimos, entrevistando amostra nacional de eleitores registrados como Democratas, Republicanos ou Independentes desde 2008, o survey apontou tendências perturbadoras na opinião pública americana. Se a eleição de novembro de 2024 fosse antecipada para hoje, 52% dos respondentes escolheriam reeleger Joe Biden; e 48% iriam de Donald Trump.

Quanto às preferências partidárias, 44% dos entrevistados se definem como Democratas; 38% como Republicanos; e 18% como Independentes. Dos autodeclarados Democratas, 88% expressam intenção de reeleger Biden; 90% dos autodeclarados Republicanos querem a volta de Trump à Casa Branca; enquanto os autodeclarados Independentes dividem-se quase igualmente entre o segundo (51%) e o primeiro (49%).

Questões econômicas: dos 34% dos entrevistados que se autorrotulam como Progressistas (esquerda), 80% pretendem votar em Biden; entre  os 42% dos autodefinidos  Conservadores, 76% cravarão Trump;  e dos 25% que se dizem Moderados, 60% ficam com Biden e 40% com Trump.

Questões sociais:  78% dos respondentes que se declaram Conservadores preferem Trump nesse quesito; e 82% dos que se declaram Progressistas preferem Biden. Entre os que se definem como Moderados no campo social, 54% preferem Biden e 45% preferem Trump.

Agora vêm os resultados mais ‘preocupantes’ da pesquisa para o futuro da democracia na América. Para 41% dos eleitores de Trump e 30% dos eleitores de Biden consideram que a discórdia no país é tão aguda que apoiariam a separação (secessão) entre estados “vermelhos” (maioria Republicana) e “azuis” (maioria Democrata).

Dos eleitores de Trump, 31%  já não creem que a democracia seja um sistema viável e aceitam experimentar formas de governo alternativas. A opinião é compartilhada, ‘pelo avesso’, por 24% dos eleitores de Biden.

Amplos 70% dos que pretendem reeleger o presidente Democrata no ano que vem receiam que uma vitória Republicana resulte em dano duradouro para a república; 68% dos eleitores de Trump alimentam os mesmos na hipótese de uma vitória Democrata.

Fatia robusta do eleitorado de Biden (41%) julga que quem apoia o Partido Republicano e sua ideologia tenha se tornado tão extremista a ponto de que isso justificaria o uso da violência para impedir o G.O.P. de alcançar seus objetivos; 38% dos eleitores de Trump pensam o mesmo a respeito dos Democratas.

Os Estados Unidos estão vivendo sob o signo do identitarismo partidário: 40% dos eleitores de Biden admitem que os valores e crenças políticos formam parte significativa de sua identidade e considera que votar “no outro partido” é ser desleal. E 39% dos eleitores de Trump nutrem as mesmas atitudes em relação aos Democratas.

De acordo com 31% dos eleitores de Trump, os fins justificam os meios e qualquer ação do Partido Democrata será aceitável desde que sirva para atingir os objetivos partidários — atitude compartilhada por 21% do eleitorado trumpista.

Parruda parcela dos eleitores de Biden concorda com o emprego de meios não democráticos para a consecução das seguintes metas ‘progressistas’: restrição/proibição de armas de fogo (74%); programas obrigatórios pró-diversidade em todas as empresas (69%); redistribuição da riqueza para combater as desigualdades de renda (56%); regulação/restrição de manifestação de pontos de vista considerados discriminatórios ou ofensivos (47%); limitação de certos direitos, como liberdade de expressão para proteger os sentimentos e a segurança de grupos marginalizados (31%).

Muitos eleitores de Trump também topam contornar normas democráticas a fim de prestigiar objetivos conservadores: introdução de leis exigindo respeito aos símbolos e líderes nacionais (50%); repressão a protestos e demonstrações que o governo considere ameaçadores da ordem pública (45); autoridade do presidente para desconsiderar decisões do Congresso na área de segurança nacional (37%); restrições à expressão de opiniões consideradas antipatrióticas (37%).

Os temas ‘quentes’ da imigração e da educação evidenciam ainda mais esse abismo político-ideológico: 78% dos entrevistados pró-Biden consideram necessário reformar as leis de imigração a fim de atender às necessidades dos imigrantes ilegais e contribuir para enriquecer a diversidade social da América (contra 58% dos respondentes pró-Trump), enquanto 70% dos eleitores de Trump — e 32% dos de Biden — apoiam a adoção de leis que limitem o acesso dos imigrantes ilegais ao perca-os de trabalho e aos benefícios sociais da educação, da saúde e da seguridade. De outra parte, dos entrevistados pró-Biden sugerem que o currículo escolar enfatize injustiças sistêmicas e outros aspectos negativos da história dos Estados Unidos (contra 55% dos respondentes pró-Trump). Ao mesmo tempo, esse eleitorado trumpista acredita que as escolas públicas devem ser obrigadas a ministrar educação cívica e enfatizar o patriotismo, sem conferir destaque a aspectos negativos da história nacional  (contra 28% do eleitorado de Biden).

Por último, mas não em último, o relatório da pesquisa revela que os eleitores continuam profundamente divididos em suas opiniões quanto ao resultado da disputa presidencial de 2020: 56% dos eleitores de Trump, mas 23% dos de Biden, creem que foi o Republicano que venceu aquele pleito e que a presidência lhe foi roubada por meio de fraude e manipulação do sistema eleitoral. Já 88% dos eleitores de Biden creem que aquela eleição presidencialí foi segura, livre de fraudes e que o candidato Democrata colheu uma vitória inequívoca, em contraste com os parcos 4% dos eleitores de Trump que compartilham essa confiança.